A presente análise aborda o ritual do infanticídio da criança-irã como quadro explicativo da
instabilidade política recorrente na Guiné-Bissau, tendo por base os conceitos de humanidade
e comunidade política. O infanticídio é uma prática ritual ligada à crença da existência de
crianças-espírito: acredita-se que alguns bebés são espíritos (irã) envoltos em carne humana.
Assim, estes seres não são nem humanos nem espíritos. Esta conceptualização culturalmente
enraizada da humanidade desafia as noções liberais e comunitárias sobre a natureza humana,
a personalidade e o individualismo, juntamente com as suas articulações sobre a estrutura da
comunidade política.
Na análise, é considerada a forma como este entendimento colide com os fundamentos do
Estado – formalmente, uma república semi-presidencial modelada segundo o sistema demoliberal. Sublinho como o Estado carece de uma reacção organizada, coerente e continuada à
prática e à crença. A inércia do Estado escapa aos predicados liberais e às disposições legais,
que criminalizam qualquer infanticídio como interrupção ilegal de uma vida humana. No
entanto, políticos, governantes e académicos estão conscientes do fenómeno e até partilham
a crença na existência destes seres humanos “híbridos”. Assim, a análise questiona qual a
relevância e a resiliência da conceptualização endógena de humanidade e da comunidade política subjacente à resposta do Estado, e as suas articulações no reforço de uma esfera política estável.
POLITICS AND RITUAL INFANTICIDE: A READING OF POLITICAL INSTABILITY IN GUINEA-BISSAU FROM POLITICAL THEORY
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Resumo
This analysis takes on the ritual infanticide of the criança-irân as an explanatory framework
for the recurrent political instability in Guinea-Bissau, using the concepts of humanness and
political community. The infanticide is a ritual practice connected to the belief in the existence
of spirit-children: some babies are believed to be spirits (irân) encased in human flesh. Thus,
these beings are neither human nor spirits. This culturally embedded conceptualisation of
humanness challenges liberal and communitarian notions on human nature, personhood, and
individualism, along with their articulations on the structure of the political community.
In my analysis, I consider how this understanding collide with the underpinning of the state –
formally, a semi-presidential republic modelled upon the demo-liberal model. I emphasise
how the state lacks an organised, coherent, and continued reaction to the practice and the
belief. The state’s inertia evades the liberal predicaments and legal provisions, which
criminalise any infanticide as unlawful termination of a human life. However, politicians, rulers
and academics are aware of the phenomenon, and even share the belief in the existence of
these “hybrid” humans. Hence, the analysis questions which the relevance and the resilience
of endogenous conceptualisation of humanness and political community underpinning the
state’s response, and their articulations on the strengthening of a stable political sphere.
Palavras-chave
Como citar este artigo
Favarato, Claudia (2023). Politics and ritual infanticide: a reading of political instability in GuineaBissau from political theory, Janus.net, e-journal of international relations, Vol14 N1, May-October
2023. Consulted [online] in date of last visit, https://doi.org/10.26619/1647-7251.14.1.12
Artigo recebido em 18 Novembro, 2022 e aceite para publicação em 17 Fevereiro, 2023