Cátedra Luís Moita

Memórias do Professor Luís Moita: humanidade, ciência e consciência social

Estas breves reflexões pretendem ser um reconhecimento público à figura magistral do Professor Doutor Luís Moita, que me concedeu a honra de poder desfrutar da sua amizade e o prazer de partilhar experiências académicas e conhecimentos científicos.

A minha aproximação às universidades portuguesas surgiu em 2004, quando fui nomeado membro da Comissão de Avaliação dos Cursos de Ciência Política e Relações Internacionais, sob a Presidência do Professor Doutor José Esteves Pereira. Nessa ocasião tive a oportunidade de visitar a Universidade Autónoma de Lisboa e devo admitir que fiquei agradavelmente surpreendido com o seu magnífico edifício no centro de Lisboa.

Foi provavelmente nessa altura que o Professor Moita me conheceu, embora nunca o tenhamos discutido expressamente. Nesse mesmo ano de 2004, participei num seminário sobre Terrorismo Transnacional organizado pelo Instituto de Defesa Nacional, no âmbito dos oradores enviados pelo Centro Superior de Estudos de Defesa Nacional de Espanha (CESEDEN).

Desde então, iniciou-se o meu longo percurso de quase duas décadas de colaboração com o Departamento de Relações Internacionais da UAL, sob a direção do Professor Moita. Durante este período tive a oportunidade de dar master classes nos ciclos de Licenciatura, Mestrado e Doutoramento, participar em alguns Congressos do Observare e ainda integrar o Júri de Teses de Doutoramento da Professora Nancy Elena Ferreira Gomes.

O Professor Moita concedeu-me a honra de integrar a Cátedra Fernand Braudel como professor visitante, um prestigiado historiador francês de quem eu próprio tinha adoptado o conceito de civilização nas minhas publicações sobre relações culturais internacionais.

Ao longo dos anos e no incomparável ambiente académico da UAL, o Professor Moita e eu criámos gradualmente uma relação que transcendeu os limites dos interesses intelectuais mútuos no campo da ciência das Relações Internacionais. Esta relação mergulhou na intensidade emocional de uma amizade construída através de conversas estimulantes, geralmente à noite, nas quais descobrimos coincidências surpreendentes, apesar de termos percursos de vida muito diferentes.

De facto, ambos tínhamos uma visão das relações internacionais baseada em fundamentos históricos e sociológicos que nos distanciavam do paradigma dominante do realismo americano. Nas nossas respectivas reflexões, o indivíduo e as sociedades estavam no centro da teoria, enquanto a paz e o progresso humano deveriam ser os fins que a investigação e o ensino na disciplina das Relações Internacionais deveriam servir.

Entretanto, também houve algumas discrepâncias que apareceram ocasionalmente nas nossas discussões. O Professor Moita tinha uma visão da Sociedade Internacional mais imbuída do estruturalismo marxista do que eu, e também emanava uma fé rousseauniana no ser humano que contrastava com o meu cepticismo profundamente enraizado de natureza mais hobbesiana.

No meio das reflexões intelectuais e dos debates académicos, começaram a surgir comentários e anedotas sobre as nossas vidas pessoais. Desta forma, pude descobrir a profunda humanidade de um homem iluminado, cuja vida e o seu desejo de melhorar o mundo o levaram do humanismo cristão à oposição política à ditadura e, finalmente, às preocupações do ensino e da investigação universitária.

Ambos nos apercebemos que, sem termos concordado ou planeado, tínhamos contribuído activamente para a formação das Forças Armadas dos nossos países, como prova inequívoca do nosso patriotismo. Enquanto o Professor Moita integrou o corpo docente do Curso de Estado-Maior do Instituto de Altos Estudos Militares em 2005, eu viria a ingressar como docente alguns anos mais tarde no Curso de Estado-Maior da Escola Superior das Forças Armadas integrada no CESEDEN.

Um dos resultados dessa concepção comum da investigação e do ensino como instrumentos da nossa contribuição pessoal à segurança nacional dos nossos países foi o convite para colaborar na volumosa obra que coordenou com o General e Professor Luís Valença Pinto e que foi publicada em 2017 com o título Espaços económicos e espaços de segurança.

Partilhámos também uma heterodoxia teórica moderada que nos fez olhar criticamente para muitas das tendências da moda na ciência das Relações Internacionais. O seu Releitura crítica do consenso em torno do sistema vestefaliano foi um artigo que me impressionou pelo rigor científico e pelos argumentos sólidos com que demoliu o mito teórico do sistema vestefaliano como fundamento da realidade internacional liberal dos tempos contemporâneos. Um mito, amplamente difundido pela escola inglesa, que, ao dar explicações ideológicas e não científicas, tem contribuído para dificultar uma investigação mais profunda da estrutura política e das relações de poder na Sociedade Internacional dos últimos séculos.

Não menos comum era o nosso europeísmo, tanto intelectual como emocional. Não só concordámos na necessidade de avançar na integração europeia como forma de consolidar a democracia, o bem-estar e a segurança na Europa, como também sentimos a necessidade de promover iniciativas académicas e sociais que contribuíssem para consolidar a União Europeia nascida do Tratado de Maastricht e renascida após o Tratado de Lisboa.

No entanto, o que sempre admirei no meu colega e amigo Luís Moita foi a sua profunda consciência ética e a sua genuína indignação pessoal perante a injustiça social. Uma injustiça cometida contra os povos colonizados e a alienação das pessoas, mas que muitas vezes foi justificada sob o falso pretexto do progresso da humanidade.

Não posso concluir esta breve recordação sem reconhecer que parte das minhas publicações nos últimos anos se devem à colaboração com a UAL, cujas portas me foram abertas pelo Professor Doutor Luís Moita. Gostaria, por isso, de expressar a minha gratidão e respeito pela sua memória.

Rafael Calduch Cervera
Professor Catedrático Emérito de Direito Internacional Público e Relações Internacionais, Universidad Camilo José Cela