circunscrito ao território metropolitano. Daí que a da Belle Époque portuguesa não tenha
correspondido a uma verdadeira “Época Dourada”, pelo menos no que à viagem diz
respeito: o estrangeiro ficava longe e os meios (físicos, monetários, culturais) para a
concretização da viagem ociosa escasseavam num país que se situava na ponta de uma
Europa a desenvolver-se a várias velocidades. Os poucos a saírem, preferiram um
estrangeiro moderno e próximo – eurocêntrico (Paris, principalmente) – sendo que só
um punhado se aventurou a ir mais longe experimentando o exótico (África, Médio
Oriente, Ásia) em consonância com a política hegemónica de legitimação dos territórios
imperiais europeus. Para os portugueses de final de Oitocentos, a miragem oriental –
essa espécie de antídoto à monotonia de uma sociedade cada vez mais industrializada e
uniforme bem como a procura de autenticidade e pureza (“Bom Selvagem”) que decorre
da não contaminação pelos vícios do Homem europeu, burguês e urbano – encontrava-
se a anos-luz da realidade nacional que, isolada, se escapava para uma literatura de
viagens a devolver-lhe parte do “Élan” da deslocação efetiva. Deste modo, e numa época
charneira, os registos deixados resultam de um itinerário externo a traduzir percursos
singulares e solitários numa prática pouco incentivada presa ao tardar do país em
acompanhar o progresso tecnológico e consequente abertura intelectual e de
mentalidade. Daí que de entre as diferentes linguagens (escrita, pictórica, fotográfica)
dos viajantes nacionais para o estrangeiro na passagem do século XIX para o XX, a que
se evidenciou foi a da escrita e, no registo interno, a pictórica.
Cristalizando a reflexão proposta verifica-se que o apelo do exterior é distante,
fragmentado, num Portugal anacrónico que resiste ao avanço da modernidade europeia
como que suspenso num tempo fora da ribalta do progresso a granjear por grande parte
das metrópoles do Velho Continente. Nele sobreviveram modos de vida e ofícios antigos
preservando uma ruralidade pré-industrial de vocação e raiz campestre. Numa Europa
então em completa mutação, os ecos e derivas da viagem em solo nacional ancoraram-
se num provincianismo multissecular, característica que conferiu à Belle Époque
portuguesa uma especificidade e um tom a ignorar os “ismos” do final de Oitocentos e
início de Novecentos correspondentes às vanguardas europeias: impressionismo,
fauvismo, cubismo, abstracionismo, futurismo, expressionismo. Nessa altura, e a fechar
o grande final da Belle Époque, Portugal via surgir a obra pictórica de Amadeo de Souza-
Cardoso (1887-1918) a distanciar-se das artes tradicionais para aderirem ao ritmo das
vanguardas que a Primeira Guerra inviabilizaria, se bem que fossem precisos mais de 50
anos após a sua morte para se começar a reconhecer a grandeza dos seus trabalhos
artísticos.
Em suma, nas suas múltiplas vertentes e especificidades, para os portugueses na Belle
Époque fossem eles aristocratas, militares, escritores ou artistas, a viagem efetiva para
o estrangeiro foi um acontecimento lateral ainda que provocador de uma escrita e de
uma arte, entendidas aqui como um programa estético e plástico próprio. Os poucos que
se aventuraram para lá da fronteira circunscreveram-se maioritariamente a uma Europa
ocidental a ano-luz da realidade nacional tendo sido raríssimos os que ousaram ir mais
além (Oriente, Extremo-Oriente, África, América). Em todo o caso, os relatos que
deixaram – escritos e pictóricos – devolvem “o ar do tempo” não só dos espaços visitados,
mas principalmente, e tal como a epígrafe deste texto enuncia, “se revelam a si próprios”.