OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 13, Nº. 2 (Novembro 2022-Abril 2023)
268
ECONOMIA E EQUILÍBRIOS DO PODER MUNDIAL NO PÓS-PANDEMIA/GUERRA
HENRIQUE MORAIS
hnmorais@gmail.com
Licenciado em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa / Instituto Superior de Economia e
Gestão (ISEG). Mestre em Economia Internacional pelo ISEG. Doutor em Relações
Internacionais: Geopolítica e Geoeconomia pela Universidade Autónoma de Lisboa.
Quadro do Banco de Portugal (Portugal), onde desempenha funções de Coordenador da Área de
Inovação e Suporte do Departamento de Mercados. Fui Consultor dos Correios de Portugal (CTT),
Presidente da Comissão Executiva e Administrador da Invesfer S.A., uma empresa do Grupo
REFER, e ainda Administrador e Diretor Executivo da CP Carga.
Professor na Universidade Autónoma de Lisboa (nos Departamentos de Ciências Económicas e
Empresariais e Relações Internacionais) e no MBA em Corporate Finance da Universidade do
Algarve. É ainda membro do Obsservatório de Relações Exteriores, OBSERVARE da UAL, onde se
tem envolvido em diversos projetos de investigação, assim como participa regularmente nas
edições do Janus Anuário de Relçações Exteriores.
Resumo
A literatura cientifica retomou o tema da estagnação secular do crescimento económico em
meados da segunda década do século XXI, muitas décadas depois do contributo original de
Alvin Hansen.
O ressurgimento deste fenómeno é acompanhado também por alterações profundas a outros
níveis: o mundo tem-se revelado mais global, a digitalização avança e, nas Relações
Internacionais, alteram-se os instrumentos de poder e o soft power junta-se à componente
militar e económica como vértices fundamentais dos mecanismos daquele poder.
Entretanto surgiu a mais violenta pandemia em muitas décadas, que provocou perdas de
vidas inimagináveis, alterações significativas de hábitos e uma profunda recessão económica
mundial. Logo a seguir a guerra invadiu a Europa, desestabilizando o Velho Continente e tendo
repercussões muito negativas nos circuitos de distribuição e na economia mundiais.
A pandemia e a guerra reforçam uma expetativa muito negativa sobre a evolução da economia
mundial, num cenário dual em que nem todos reagem da mesma forma.
A nossa análise incide preferencialmente nos Estados Unidos e na China, atualmente as duas
grandes potências económicas. Aliás, muito provavelmente esta última se tornará a curto
prazo a maior economia mundial, embora os EUA, cientes da perda relativa da sua
supremacia, continuem a resistir nas diferentes vertentes em que essa posição cimeira pode
ser jogada.
O que se pretendeu neste artigo foi justamente avaliar até que ponto todas estas alterações
nos paradigmas da geoeconomia, com a ascensão da China ao topo da pirâmide mundial,
acompanhada por um fenómeno dual, isto é, uma aparente estagnação muito longa do
crescimento económico mundial nas economias avançadas e a manutenção de crescimento
económico sólido nos mercados emergentes, pode vir a alterar os equilíbrios do poder
mundial.
E esta eventual alteração, parece-nos, passará provavelmente por um reforço da posição da
China e pela perda da potência ainda dominante, os EUA.
Palavras-chave
Estagnação secular; poder global; hard power; soft power; pandemia
Abstract
The scientific literature has taken up the theme of secular stagnation of economic growth
again in the middle of the second decade of the 21st century, many decades after Alvin
Hansen's original contribution.
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Economia e equilíbrios do poder mundial no pós-pandemia/guerra
Henrique Morais
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The resurgence of this phenomenon is also accompanied by profound changes at other levels:
the world has become more global, digitization is advancing and, in International Relations,
the instruments of power change and soft power joins the military and economy components
as the fundamental vertices of power.
Meanwhile, a violent pandemic emerged, causing unimaginable loss of life, significant changes
in habits and a deep worldwide economic recession. Soon after, war invaded Europe,
destabilizing the Old Continent and having very negative repercussions on distribution
channels and the world economy.
The pandemic and the war reinforce a very negative expectation about the evolution of the
world economy, in a dual scenario in which not everyone reacts in the same way.
Our analysis focuses mainly on the United States and China, currently the two major economic
powers. In fact, the latter will most likely become the world's largest economy in the short
term, although the US, aware of the relative loss of its supremacy, continues to resist in
different ways in which this top position can be played.
The aim of this article is to assess to what extent all these changes in the paradigms of
geoeconomics, with the rise of China to the top of the world pyramid, accompanied by a dual
phenomenon, that is, an apparent long stagnation of world economic growth in the advanced
economies and the maintenance of solid economic growth in emerging markets, may change
the balances of world power.
And this eventual change, it seems to us, will probably involve a strengthening of China's
position and the loss of the still dominant power, the USA.
Palavras-chave
Secular stagnation; global power; hard power; soft power; pandemic
Como citar este artigo
Morais, Henrique (2022). Economia e equlíbrios do poder mundial no pós-pandemia/guerra.
Janus.net, e-journal of international relations, Vol13 N2, Novembro 2022-Abril 2023. Consultado
[em linha] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.13.2.11
Article received on 23 de Agosto de 2022, accepted for publication on 15 de Setembro de 2022
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ECONOMIA E EQUILÍBRIOS DO PODER MUNDIAL
NO PÓS-PANDEMIA/GUERRA
HENRIQUE MORAIS
A estagnação do crescimento económico mundial: algumas abordagens
O tema da estagnação secular foi lançado, em março de 1939 por Alvin Hansen,
contemporâneo norte-americano de John Maynard Keynes, num discurso intitulado
Economic Progress and Declining Population Growth”. Descrevendo a situação
económica por tempos da Grande Depressão, Hansen afirmou: “Esta é a essência da
estagnação secular, recuperações ténues que morrem na sua infância e depressões que
se alimentam de si mesmas e criam um cleo duro e aparentemente inamovível de
desemprego” (Hansen, 1939: 4).
Estava lançado o conceito da estagnação secular que a IIª Guerra Mundial e a
prosperidade económica que a ela se seguiu vieram condenar a um longo silêncio, apenas
pontualmente interrompido, nomeadamente pela escola marxista norte-americana
representada pelo legado de Alexander Hamilton, com pressupostos bem distintos da
abordagem inicial de Hansen.
Esse longo silêncio foi interrompido quando Lawrence Summers relança o tema, em
2014, e aponta a armadilha da liquidez e o desequilíbrio entre a poupança e o
investimento como fontes principais da estagnação secular. Summers define várias
vertentes que caracterizam o processo: a dificuldade da política económica em atingir
múltiplos objetivos, isto é, uma boa utilização da capacidade produtiva e a estabilidade
financeira, o que, por sua vez, está muito relacionado com a descida da taxa de juro real
de equilíbrio e com a necessidade de diferentes abordagens nas políticas económicas
(Summers, 2014: 65-66).
Summers integra um vasto grupo de autores que relevam a prevalência dos fatores do
lado da procura como determinantes principais do fenómeno da estagnação secular.
Acontece que, mesmo entre os autores que defendem ser a estagnação secular
essencialmente resultado do comportamento da procura, as diferenças nas abordagens
são muito significativas, começando pelo diagnóstico do fenómeno, sua caracterização e
mesmo o elencar das respetivas consequências. Próximo da abordagem inicial de Hansen
talvez mesmo só Samuelson, na assunção mais genérica de que as recuperações seriam
essencialmente baseadas no consumo, e que por isso teriam “vida curta” e terminariam
numa desaceleração permanente até ocorrer outro choque exógeno favorável
(Samuelson, 2002: 221).
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Outros autores, mais contemporâneos, estabelecem um quadro conceptual semelhante
ao de Summers, embora com diferenças na forma como a enunciam e/ou explicam.
Krugman enuncia três motivos que o levam a suspeitar ser a estagnação secular uma
realidade: observa-se uma tendência secular de descida das taxas de juro reais; o limite
de zero por cento nas taxas de juro oficiais parece ter mais importância do que se
pensava anteriormente; e existe uma forte probabilidade de a desalavancagem financeira
e a demografia provocarem um enfraquecimento da procura futura (Krugman, 2014: 61-
65).
Blanchard associa a fraqueza evidente da procura, fenómeno que considera temporário,
ao ajustamento dos agentes económicos à expectativa de um futuro menos brilhante
(Blanchard, 2017: 2), enquanto Bernanke prefere “disparar” a responsabilidade dos
défices excessivos dos EUA e da fragilidade do respetivo crescimento económico para os
países com excesso de poupança, nomeadamente a China e a Alemanha, que estariam
a contribuir para um ambiente de taxas de juro excessivamente baixas, para reduzir a
poupança e fomentar o investimento (Bernanke, 2015)
Noutra dimensão, vários autores defendem que a estagnação secular é sobretudo
resultado dos fatores relacionados com a oferta, também aqui com significativas
diferenças nas abordagens: Gordon e Crafts, por exemplo, dizem que a estagnação é
uma evidência na medida em que se observa uma forte diminuição do crescimento
potencial de longo prazo; Thwaites enuncia a evolução (em queda) do valor/preço dos
bens de investimento; Rogoff avança com a ideia do superciclo da dívida, associando a
estagnação do crescimento económico ao longo período de endividamento dos agentes
económicos que teria chegado ao seu final e daria lugar a um processo progressivo de
desalavancagem financeira.
Começando por Gordon, este defende que o crescimento potencial de longo prazo tem
vindo a diminuir significativamente nas últimas décadas, perante as dificuldades sentidas
pelo capital humano face à evolução da demografia e aos efeitos menos expressivos das
alterações tecnológicas no crescimento económico (Gordon, 2015: 54). Neste contexto,
a desaceleração do crescimento populacional e a menor participação no trabalho estaria
a reduzir o número de horas de trabalho do ser humano, o que, em conjunto com a
diminuição da produtividade do trabalho, provocaria um menor crescimento potencial
das economias (Gordon, 2015: 58).
Crafts apelida a estagnação secular de hipocondria norte-americana e doença europeia,
dizendo que, tal como aquando da Grande Depressão, também agora, pós-Grande
Recessão, a estagnação secular nos EUA pode ser mais uma hipocondria do que uma
previsão à distância (Crafts, 2014: 91).
Embora reconhecendo a existência de “headwinds”, nomeadamente o menor crescimento
do trabalho e a incerteza sobre a evolução da produtividade total dos fatores de produção
e da tecnologia, defende que a economia dos EUA regista crescimentos do produto
interno bruto e da produtividade do trabalho significativos, o que dificilmente será
compatível com uma quebra permanente da poupança ou a necessidade constante de
taxas de juro reais negativas (Crafts, 2014: 92).
Ao invés, a Europa parece mais exposta por razões relacionadas com o comportamento
da economia, as condições demográficas e o crescimento da produtividade, bem como
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pelas respostas de política, na medida em que o ajustamento orçamental num contexto
de elevado rácio da dívida blica é muito pesado - com elevados valores de dívida, a
restauração da sustentabilidade orçamental provoca cortes no investimento público e na
educação, justamente o que se deveria impulsionar para combater ou evitar a estagnação
secular (Crafts, 2014: 93).
Para Thwaites a estagnação secular é o resultado da complexa interação entre bens de
investimento progressivamente sujeitos a alterações nas respetivas tecnologias de
produção e o ciclo de vida da poupança.
Identifica novos comportamentos nos países mais industrializados, nomeadamente o
aumento dos preços da habitação e consequente maior endividamento das famílias, bem
como o decréscimo das taxas de investimento nominais e das taxas de juro reais, dizendo
que “estes movimentos poderão ser explicados pelo declínio no preço relativo dos bens
de investimento e não por fatores como a demografia, o excesso de poupança nos
mercados emergentes e o agravamento das desigualdades que o apontados como
responsáveis pela descida das taxas de juro mas que, ao invés, levariam a taxas nominais
de investimento mais elevadas” (Thwaites, 2015: 3).
Rogoff é mais cético quanto à hipótese da estagnação secular e coloca uma interrogação:
vivemos um período de estagnação secular, ou pelo menos fraco crescimento baixo do
produto per capita ou, ao invés, o reduzido crescimento das economias depois da crise
financeira resulta de “um superciclo de dívida, esperando-se que após a desalavancagem
e a diminuição do endividamento as tendências de crescimento esperadas possam ser
superiores?” (Rogoff, 2015: 1).
Rogoff reconhece o mérito de boa parte dos fatores apontados pelos defensores da
estagnação secular para justificar o reduzido crescimento económico que se seguiu à
crise financeira de 2007/2008, em especial no que diz respeito ao tema da transição
demográfica (uma população em decréscimo e mais envelhecida, mulheres a
participarem mais no mercado de trabalho) e da evolução tecnológica. Mas afirma que
“a visão do superciclo da dívida é muito mais adequada, porque validada por centenas
de anos de comportamento similar das economias em situações semelhantes de crise
financeira” (Rogoff, 2015: 2).
Em conclusão, todos os autores referenciados apontam a possibilidade de um longo
período de crescimento económico muito fraco e seguramente abaixo do potencial num
leque alargado de economias, nomeadamente avançadas.
Quando se trata de caracterizar alguma dessas economias como estando em estagnação
secular as hesitações são mais frequentes, mesmo nos casos em que a informação
estatística para isso parece apontar. Aqui impera a incerteza nas análises que
identificámos.
No entanto, tanto para aqueles que com mais segurança defendem a ideia da estagnação
secular, como para os mais céticos, existe um denominador comum, ou seja, a
necessidade de acompanhar com rigor e cautela alguns indicadores económicos e
financeiros que podem vir, a curto e médio prazo, a contribuir para uma caracterização
mais rigorosa do(s) estado(s) da economia mundial, regional ou nacional.
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Um fenómeno dual com consequências nos equilíbrios do poder mundial
Apresentado que está o conceito é tempo de apresentar o nosso argumento principal
neste trabalho: a estagnação secular é um fenómeno dual, que se observa
provavelmente apenas nalgumas economias avançadas e que, por isso, é suscetível de
contribuir para alguma alteração nos equilíbrios do poder mundial.
Acreditando nós na descrição de Nye sobre o tabuleiro de xadrez tridimensional que
passou a caracterizar o poder, e, portanto, não nos deixando tentar pela análise simplista
da potência unipolar, ainda assim parece-nos clara essa unipolaridade, no que diz
respeito às questões militares clássicas, em que os EUA o a potência hegemónica. E,
mesmo que essa hegemonia dos EUA não seja evidente em matérias como o comércio,
o investimento internacional e a regulação financeira, entre outras, naquilo a que Nye
apelidou de middle board dos assuntos económicos entre Estados, e muito menos o sendo
nos assuntos como o terrorismo, o crime internacional, as alterações climáticas e a
propagação das doenças infeciosas, ainda assim parece-nos claro que a liderança global
dos EUA aparece agora fortemente ameaçada, pela primeira vez desde a Guerra Fria, por
um país, a China, que se está a preparar décadas para disputar o protagonismo
principal nos palcos de poder com os EUA (Morais, 2021:95).
Ora, nas últimas décadas observa-se um expressivo abrandamento do crescimento
económico nos EUA (como parte de um processo mais abrangente que se regista nas
economias avançadas) e, ao invés, nos mercados emergentes e, especialmente, na China
o crescimento continua muito robusto e bem acima da média mundial, ainda que se possa
argumentar ser também evidente um abrandamento nos últimos anos, absolutamente
compreensível numa economia que durante mais de trinta anos registou ritmos tão
expressivos de crescimento.
Esta força da economia chinesa posiciona-a como um ator privilegiado para discutir com
os EUA a hegemonia do poder global, pese embora, como veremos adiante, esse poder
não seja apenas alicerçado na componente económica e nas variáveis do chamado hard
power.
Evidência empírica
A existência de um fenómeno de estagnação secular pode ser comprovada
empiricamente por três vertentes de análise/dimensões.
A primeira dimensão corresponde à riqueza gerada por um país ou zona económica, caso
da área do euro, podendo ser medida pelo produto interno bruto (PIB) ou pela taxa de
utilização da capacidade produtiva, neste caso enquanto indicador avançado daquilo que
poderá vir a ocorrer.
A segunda dimensão, mais financeira, está relacionada com o equilíbrio de pleno
emprego e a eventual necessidade de as taxas de juro, em termos reais (taxa nominal
deduzida da inflação) se situarem a níveis muito baixos (ou mesmo negativos) para que
seja assegurada a igualdade fundamental entre a poupança e o investimento.
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A terceira dimensão tem a ver com a demografia, ou se quisermos a transição
demográfica que estará a atingir as economias avançadas.
Neste artigo vamos centrar-nos na dimensão associada ao comportamento da riqueza
criada, sem prejuízo da importância indiscutível das outras três variáveis.
O quadro 1 disponibiliza informação sobre a taxa de crescimento média anual do produto
interno bruto num conjunto de países/zonas económicas.
Quadro 1. Produto Interno Bruto (preços constantes) taxa de crescimento média anual, em
percentagem
Fonte: Fundo Monetário Internacional, World Economic Outlook, abril 2022, dados
trabalhados pelo autor. Os dados a partir de 2022 são de previsões do FMI.
Nas economias avançadas verifica-se uma forte diminuição do crescimento do produto
interno bruto entre as décadas de oitenta e noventa e o novo culo, em que o
crescimento médio não terá ultrapassado em nenhuma destas economias os 2% ao ano.
Na China, pelo contrário, observa-se um abrandamento do crescimento económico muito
mais contido, apenas nos últimos dez anos, e que, além disso, parte de uma base
bastante superior, próxima ou acima de crescimentos médios anuais de 10%.
Enquanto o produto interno bruto (PIB) dos EUA diminui o seu peso no contexto mundial
de 29,2% em 1999 para 23,9% em 2021, a China viu o mesmo passar de 3,3% para
18,1% no mesmo período
1
. Em paridade de poder de compra, medida bem mais
aconselhável para comparações internacionais, os dados o ainda mais expressivos: o
PIB da China era, em 2021, de 27,206 biliões de dólares, já bastante superior aos 22,998
biliões dos EUA e aos 4,857 biliões da Alemanha
2
.
O peso das economias avançadas no PIB mundial tem vindo a decrescer, especialmente
ao longo do século XXI. Assim, o grupo que integra, entre outros, os EUA, a União
Europeia e o Japão era responsável, no final do século vinte, por cerca de 80,3% do PIB
1
De acordo com os dados do FMI (World Economic Outlook de abril de 2022), o produto interno bruto (PIB)
nominal na China atingia, em 2021, cerca de 17,458 biliões de dólares dos EUA, o que compara com
22,998 biliões para a economia norte-americana.
2
O produto interno bruto em paridade de poder de compra chinês foi superior ao dos EUA pela primeira vez
em 2016 e a partir daí a diferença tem-se vindo a acentuar.
1980-1989 1990-1999 2000-2009 2010-2019 2020-2027
Mundo 3,2 3,1 3,9 3,7 2,9
Economias Avançadas 3,1 2,7 1,8 2,0 1,6
União Europeia 2,2 2,0 1,7 1,7 1,5
Área do euro - 2,0 1,4 1,4 1,3
Mercados Emergentes 3,2 3,7 6,0 5,1 3,9
EUA 3,1 3,2 1,9 2,3 1,8
China 9,7 10,0 10,3 7,7 4,9
Jao 4,4 1,5 0,5 1,2 0,5
Alemanha 1,9 2,2 0,8 2,0 1,0
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mundial. Vinte e um anos depois, em 2021, esse peso era de apenas 58,3%, prevendo
o FMI que em 2027 atinja cerca de 54,4% do PIB mundial
3
.
Duas reflexões a este propósito: existem trajetórias de crescimento bem distintas entre
as economias avançadas e os mercados emergentes e, claro entre os EUA e a China: nas
economias avançadas a desaceleração do crescimento económico (nalguns casos com
crescimentos próximos de zero por cento) tem sido uma evidência, enquanto nas
economias emergentes, e especialmente na China, se tem mantido um ritmo de
crescimento económico muito forte. Além disso, as economias avançadas apresentam
quase vinte anos output gaps negativos (crescimento económico aquém do potencial), o
que não ocorre na generalidade das economias emergentes, incluindo a China
4
Perante este cenário, torna-se útil observar o grau de utilização da capacidade produtiva,
na medida que se este estiver a níveis historicamente reduzidos é provável que se venha
manter, ou mesmo intensificar, o output gap negativo. O gráfico seguinte mostra isso
mesmo ao comparar a economia norte-americana e a economia da área do euro.
Figura 1. Taxa de utilização da capacidade produtiva EUA e Área do euro, em percentagem
Fonte: FED St. Louis e BCE
Durante o longo período apresentado é notória a tendência de manutenção da utilização
da capacidade produtiva em níveis baixos (também historicamente), sem sequer se
aproximar de valores acima dos 85%, o que reflete o excesso de capacidade instalada.
Nesta medida, o subaproveitamento da capacidade produtiva torna improvável que se
assista a acréscimos do investimento proximamente, tornando ausente qualquer impulso
3
Segundo o FMI (World Economic Outlook de abril de 2022), o PIB mundial a preços correntes rondaria,
em 2021, os 96,293 biliões de dólares dos EUA, sendo nas economias avançadas de 56,095 biliões e nos
mercados emergentes 40,20 biliões.
4
Um output gap negativo durante um período muito alargado é um sinal evidente de estagnação do
crescimento económico secular.
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do lado da oferta para o crescimento económico, para acréscimos mais robustos do
produto interno bruto.
Consequências económicas da pandemia (e da guerra na Europa)
O rus SARS-CoV-2, responsável pela doença Covid-19, foi detetado em novembro de
2019 e deu origem a uma pandemia com graves consequências sobretudo até ao
aparecimento das vacinas a partir do final de 2020.
Além da perda de vidas humanas, que se cifra já em 6.5 milhões de pessoas, das quais
5.4 milhões até final de 2021, a pandemia teve consequências económicas brutais,
nomeadamente em 2020, com (quase todo) o mundo a entrar numa recessão profunda.
Quadro 2. Produto Interno Bruto (preços constantes) taxa de crescimento anual, em
percentagem
Fonte: Fundo Monetário Internacional, World Economic Outlook, abril 2022, dados
trabalhados pelo autor. Os dados a partir de 2022 são previsões do FMI.
A recuperação a que se assistiu em 2021 parece ter sido efémera e tudo indica que os
indicadores de crescimento económico em 2022 serão inferiores aos apontados pelo FMI
em abril do corrente ano, num contexto em que a própria instituição, em julho, procedeu
a uma revisão intercalar em baixa do crescimento mundial previsto para 2022 para
apenas 3.2%.
Os efeitos da Guerra na Ucrânia, nomeadamente contribuindo para a escassez de alguns
produtos de base e agrícolas e um ainda maior crescimento da inflação, descontrolada
face à disrupção das cadeias de abastecimento na sequência da pandemia, a necessidade
de uma maior restritividade em matéria de política monetária, com a subida das taxas
de juro e a deterioração das condições de acesso ao mercado financeiro, sobretudo nas
economias avançadas, e um abrandamento do crescimento económico na China mais
forte do que antecipado, perante os altos-e-baixos da pandemia, tudo isto contribui para
esta nova deceção quanto ao crescimento económico mundial.
Temos um cenário de inflação alta, com previsões de que atinja em 2022 uma média de
6.6% nas economias avançadas e 9.5% nas emergentes, e sem perspetivas de
abrandamento, sobretudo se o mercado de trabalho continuar restritivo e a “exigir” a
compensação desses aumentos, uma Guerra na Europa sem fim à vista e a ameaçar
2018 2019 2020 2021 2022 2023
Mundo 3,6 2,9 -3,1 6,1 3,6 3,6
Economias Avaadas 2,3 1,7 -4,5 5,2 3,3 2,4
União Europeia 2,2 2,0 -5,9 5,4 2,9 2,5
Área do euro 1,8 1,6 -6,4 5,3 2,8 2,3
Mercados Emergentes 4,6 3,7 -2,0 6,8 3,8 4,4
EUA 2,9 2,3 -3,4 5,7 3,7 2,3
China 6,8 6,0 2,2 8,1 4,4 5,1
Jao 0,6 -0,2 -4,5 1,6 2,4 2,3
Alemanha 1,1 1,1 -4,6 2,8 2,1 2,7
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interromper o fornecimento de gás no outono/inverno e uma pandemia do Covid-19 ainda
longe de permitir uma “normalização” total da vida em muitas paragens.
Tudo isto leva a que mesmo as previsões mais otimistas apontem para um crescimento
nas economias avançadas abaixo de 2% a partir de 2023, no fundo marcando um retorno
aos níveis pré-pandémicos que, como referido anteriormente, relançaram o tema da
estagnação secular do crescimento nalgumas economias.
O que esperar nos equilíbrios do poder mundial?
Vimos anteriormente que se observa uma estagnação do crescimento económico nos
EUA e no conjunto das economias avançadas, mas tal não ocorre na China nem na
maioria das economias emergentes.
Sendo a dimensão económica tão relevante para o poder global nos dias de hoje
5
, este
cenário dual pode afetar as estruturas de poder global, como tentaremos demonstrar
neste capítulo.
Espera-se, assim, que possamos contribuir para a perceção de que o “novo normal” em
matéria de crescimento económico e, sobretudo, a assimetria clara entre os padrões de
crescimento nos EUA e na China está progressivamente a contribuir para alterações na
organização do poder global e da força relativa dos seus principais atores, com a clara
ascensão da China e da sua influência global, acompanhada por indícios consistentes de
perda da influência, nalguns aspetos até da hegemonia, dos EUA (Morais, 2021: 155).
O fenómeno tem várias vertentes.
Desde logo, na chamada componente hard power, avulta a dimensão económica e
financeira. A redução relativa de riqueza nos EUA em comparação com a China e, na
vertente financeira, os défices norte-americanos e as suas potenciais consequências na
estabilidade financeira, podem induzir uma maior desigualdade na distribuição do
rendimento, o que é aliás uma das causas muito comummente aceites para a estagnação
secular.
Outros indicadores de hard power, na vertente militar, corroboram, se não a perda de
importância dos EUA, ao menos a ascensão da China: falamos da evolução das despesas,
a venda total de armas e a componente de exportações de armamento, bem como a
maior diversificação dos destinos dessas exportações.
A despesa militar tem nos EUA, de longe, o seu principal ator: em 2019 a despesa atingiu
cerca de 718,7 mil milhões de dólares, valor que ultrapassa o acumulado dos restantes
países que integram o top 10 do ranking da despesa em armamento
6
. Além disso, nos
setenta anos até 2019, a despesa militar norte-americana aumentou a um ritmo médio
de 2,3% ao ano, superior a qualquer outro país industrializado.
Se observarmos apenas o comportamento da despesa militar no século XXI, entre 1999
e 2019, o crescimento da despesa militar nos EUA foi de 2,4% (ligeiramente acima da
5
A ideia da influência do poder económico nas dinâmicas do poder global é muito profusamente ilustrada
pela literatura, não sendo este seguramente o contributo original do autor destas linhas.
6
E que são a China, Rússia, Arábia Saudita, França, Alemanha, Reino Unido, Japão, Coreia do Sul e
Canadá.
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média de 2,3%, entre 1949 e 2019). Todavia, outros países parecem interessados em
aumentar o seu poderio militar, como o os casos da Rússia (crescimento médio de
6,8%), da Coreia do Sul (4,1%), da Arábia Saudita (4%). Na China, o crescimento da
despesa militar ultrapassou no período em causa todos os restantes, atingindo uns
impressionantes 10% em média anual.
Ainda mais impressivos serão estes dados, particularmente no que à China diz respeito,
se tivermos em conta que, na última década do século XX, os EUA e a Rússia viram as
despesas militares caírem, em média anual, respetivamente 3,7% e 13,2%
7
, enquanto
a China foi novamente o recordista do universo dos maiores gastadores em termos de
crescimento médio anual, que se situou nessa década em 7%. Perante este movimento,
não surpreende que em 2019 a despesa militar chinesa atingisse já cerca de 37% da
despesa norte-americana e fosse de longe a segunda maior do mundo, quando no final
do século vinte era de apenas 8,8%. (Morais, 2021: 199).
Quando se observa a evolução dos indicadores de investigação e desenvolvimento (I&D)
é possível concluir pela existência de alguns movimentos marcantes nas últimas décadas.
O primeiro, corresponde ao consistente aumento do investimento chinês nesta área,
tanto quando é medido em termos do seu peso face ao produto interno bruto, como per
capita e, o que é bastante curioso, também a vel da investigação e desenvolvimento
pelo setor privado. Em segundo lugar, num setor específico e de ponta, o das tecnologias
da informação e comunicação, muito importante na sociedade digital que se tem vindo a
solidificar neste século, a China tem hoje a primazia da investigação e desenvolvimento,
e isso catapultou o país para a liderança do mercado exportador, com mais de um quarto
do total das exportações mundiais. Por último, apesar da ascensão chinesa, é inegável
que os EUA se mantêm como a grande potência em matéria de investigação e
desenvolvimento. (Morais, 2021: 211).
Também interessante é observar o que nos dizem os indicadores compósitos de hard
power, que permitem medir o hard power ao nível dos países e, deste modo, viabilizar
comparações internacionais baseadas em critérios militares, económicos e demográficos.
Um dos mais antigos e conceituados indicadores deste tipo é o Composite Index in
National Capacity (CINC), criado em 1963 por David Singer, no âmbito do projeto
Correlates of War. Este indicador contempla fatores de natureza militar, económica e
demográfica para identificar o poder de cada país, nomeadamente, a despesa e o
contingente militar, a população total e urbana, os consumos de aço e ferro.
Ora este indicador, materializado numa série desde 1816, permite inferir a existência de
três períodos distintos: o primeiro, que perdurou até ao final do século XIX e que mostra
a superioridade do Reino Unido e a aproximação, lenta mas decisiva, dos EUA; o segundo,
entre o final do século XIX e 1971, ou seja, o início da primeira crise petrolífera, em que
a superioridade dos EUA se afirma e, finalmente, um terceiro período em que a liderança
norte-americana neste indicador de capacidade nacional é inicialmente posta em causa
pela Rússia para, desde 1995, a China se assumir como a nação com maior capacidade
a nível mundial. (Morais, 2021: 212).
Nem todos os indicadores compósitos apontam tão claramente como o CINC para a
ascensão da China à posição cimeira, em detrimento dos EUA, certamente pelo peso que
7
Em rigor, no caso da Rússia, a comparação refere-se ao período de 1992 a 1999.
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este indicador atribui a fatores de natureza económica e demográfica (para além
naturalmente da componente militar) e noutros, pelo contrário, é notória a manutenção
da primazia norte-americana, caso do Global Firepower que avalia a força militar
convencional aérea, marítima e terrestre (excluindo a capacidade nuclear). Outros, caso
exemplar do indicador de militarização global, mostram situarem-se estas duas nações
em posições muito modestas a nível global, o que no fundo significa que o peso da
vertente militar nas suas sociedades e economias é bastante mais equilibrado do que em
boa parte do resto do mundo. (Morais, 2021: 224).
Aliás, quando se observam os indicadores sobre digitalização das economias,
desenvolvimento da internet, componente de e-government e CiberSegurança, entre
outros, a supremacia dos EUA continua a ser evidente e a China está ainda muito longe
de sequer se aproximar.
E o que nos dizem os indicadores de soft power?
É muito vasto o conjunto de indicadores, que são usualmente utilizados pela literatura
para avaliar o soft power de um país e, a partir daí, proceder a comparações
internacionais. Nas dimensões é muito frequente encontrarmos a governação, com
indicadores que permitem medir a eficácia dos governos, a prossecução das liberdades
individuais e dos direitos humanos ou ainda o grau de violência instalado na sociedade.
Também a cultura e a educação são presenças quase obrigatórias nas dimensões do soft
power, a primeira avaliada por indicadores tão distintos quanto as visitas de turistas, o
sucesso das artes e do desporto do país ou ainda a respetiva herança histórica, enquanto
na educação avultam a produção académica e qualidade das universidades, a capacidade
do país em atrair alunos estrangeiros ou os investigadores e os prémios que conseguem
obter a nível internacional. Encontramos ainda outras dimensões como a diplomacia e a
capacidade de influência internacional do país, a sua atratividade para os negócios
internacionais, o patamar de digitalização em que se situa e a sua reputação (Morais,
2021: 225).
Face à profusão de indicadores existente optamos neste artigo por nos centrar nos
indicadores compósitos que identificam e analisam as dimensões em que se traduz a
capacidade de influência e de poder dos Estados, evidentemente através de uma
definição de pesos que traduz a importância que os autores atribuem a cada uma das
componentes, por via dos instrumentos do soft power.
É o caso do Soft Power 30, que engloba um conjunto de indicadores objetivos, em
dimensões como a governação, a digitalização, a cultura, a empresa, o compromisso e a
educação, bem como indicadores obtidos em inquéritos de opinião, mais subjetivos, em
temas o diversos como a gastronomia local, os produtos tecnológicos, a simpatia do
povo, a cultura, os bens de luxo, a política externa e a atratividade do país para viver,
trabalhar ou estudar (Morais, 2021: 225).
Análise semelhante nos é proporcionada pelo Global Soft Power Index, alicerçado nas
dimensões da familiaridade, influência e reputação, em pilares que vão desde os negócios
e o comércio, à cultura, passando pela governança e pela educação e ciência, bem como,
entre outros, o inquérito do Pew Research Center, nomeadamente na avaliação efetuada
por um vastíssimo conjunto de cidadãos de largas dezenas de países sobre o poder
económico dos Estados e a sua opinião, mais ou menos favorável, desses Estados
(Morais, 2021: 228).
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Contrariamente à análise que foi efetuada a partir dos indicadores de hard power, muito
consistentes na afirmação do forte crescimento do poder chinês e na tentativa dos EUA
em resistir a essa evolução, no que diz respeito aos indicadores analisados de soft
power as conclusões quanto à evolução e hierarquia dos países parecem menos
evidentes.
Não sendo esta conclusão surpreendente, ainda assim convoca os países, mais ainda
aqueles que disputam a liderança do poder mundial, para uma constante preocupação,
que deve ser traduzida em medidas de política ativa, para evitar que, circunstancialmente
ou de forma mais estrutural, a perceção que o mundo tem de si sofra alguma
deterioração (Morais, 2021: 232).
E nos últimos dez anos, nessa perspetiva, dois fenómenos poderão ser avaliados como
muito marcantes. O primeiro foi a eleição do presidente Trump nos EUA. Logo no ano
seguinte à sua eleição, a Transparency International (TI) no seu relatório US Corruption
Barometer 2017 mostrava que 44% dos norte-americanos consideravam a corrupção
como prevalente na Casa Branca, o que comparava com 36% em 2016, enquanto sete
em dez cidadãos opinavam que o governo estava a falhar na luta contra a corrupção,
quando em 2016 eram apenas cinco em dez. Aliás, de entre as diferentes instituições e
grupos sociais, o gabinete de Trump era mesmo o percecionado como mais corrupto, nos
referidos 44%, que comparava com 38% para o Congresso, 33% para os dirigentes
federais ou ainda 20% e 16% para a polícia e os juízes e magistrados. E tudo isto apenas
um ano depois da eleição de Trump (Morais, 2021: 232).
O segundo fenómeno estamos ainda a vivê-lo e, por isso, os seus contornos o incertos,
correspondendo à pandemia da Covid-19. Num inquérito levado a cabo em catorze países
no verão de 2020, antes da segunda e mais mortífera vaga que se iniciou no outono, a
Pew mostrava que 73% dos inquiridos consideravam “boa” a forma como os seus
próprios países tinham lidado com a pandemia. No entanto, esse nível descia para apenas
37% na China, o que significava que 63% considerava má” a forma como a China lidava
com a pandemia e, no caso dos EUA, esse nível era ainda maior, atingindo 84% (Morais,
2021: 233).
Independentemente destes epifenómenos que condicionam como referimos a avaliação
do poder suave dos Estados, parece ainda assim que a análise efetuada nos fornece uma
visão dinâmica, mas sustentada, assente na ideia de que a China tem evoluído
favoravelmente nesta componente eventualmente cada vez mais importante do poder
global, mas que os EUA continuam sem grande dúvida a manter uma primazia a este
nível. Aliás, salvaguardando os “salpicoseconómicos que esta dimensão do soft power
acaba sempre por também englobar, eventualmente a liderança dos EUA será seguida
pela União Europeia, e não pela China, pelo menos a avaliar por boa parte dos indicadores
que aqui detalhámos. (Morais, 2021: 233).
Conclusão
A análise empírica mostra que os EUA apresentam muitas das características que os
autores da estagnação secular identificam para a caracterizar e que isso não acontece
com a China.
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A não ocorrer uma disrupção significativa da ordem mundial, cenário que talvez tenha
ganho mais probabilidade com os acontecimentos recentes, em particular a Guerra na
Ucrânia, é possível antever alterações na geografia da economia mundial, com a
liderança dos EUA a ser posta em causa ainda antes do final da corrente década pela
China.
Estas alterações na hierarquia dos países em matéria económica serão tanto mais
prováveis quanto mais forem consistentes (e mais assimétricos, em especial entre
economias avançadas e mercados emergentes) se revelarem os sinais de estagnação
secular do crescimento.
Partindo deste cenário económico de fundo, podemos perspetivar como estes
desenvolvimentos podem vir a influenciar os equilíbrios do poder mundial.
Na dimensão militar clássica, evidenciada por exemplo pela capacidade bélica e pelos
orçamentos de defesa, a superioridade dos EUA permanece indiscutível. noutras
dimensões do hard power, nomeadamente a económica, assistimos a alguma perda de
influencia relativa dos EUA, o que também é sinalizado por alguns dos indicadores de
soft power analisados.
Embora a superioridade dos EUA permaneça indiscutível na mencionada vertente
militar, na esfera financeira, em múltiplos indicadores compósitos de hard power, na
investigação e desenvolvimento, mas também em indicadores sociais e de soft power, o
que também se verifica é uma ascensão muito evidente da China em todas as
componentes supracitadas.
Tudo indica que, progressivamente e a um ritmo muito consistente, um novo ator nas
dinâmicas de poder se vem afirmando.
Esse ator é a China.
E dificilmente entenderemos como este processo se consolidou, e sobretudo até onde
poderá ir, se não olharmos afinal para um dos fenómenos centrais analisados neste
artigo: a estagnação do crescimento económico que afetou de forma dual os diferentes
países.
A posição que a China ocupa hoje no contexto geopolítico e do poder mundial
dificilmente teria sido atingida, ou pelo menos tão rapidamente, o fora a força da
economia chinesa nas últimas quatro décadas.
Provavelmente esta nova dimensão global da China irá ajudar a reforçar a sua muito
poderosa economia.
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