2.1. Pensamento Confucionista e Decisão Política
Na China, a legitimidade de um governante ou, em termos práticos, de uma dinastia
esteve sempre intrinsecamente ligado ao Mandato do Céu. Através desta criação, a
dinastia Zhou procurou justificar a sua tomada de poder face à dinastia Shang.
Segundo a lógica deste conceito, o Filho do Céu é o seu representante máximo,
recebendo legitimidade divina para governar. Contudo, o Filho do Céu não possui
qualquer forma de propriedade sobre os bens e terras do mundo, mas sim apenas
funciona como um administrador daquelas que são as posses do Céu. De acordo com
Zhao (2019), o governo do filho do Céu deve ser justo, por outras palavras, deveria
garantir a felicidade e o bem-estar daqueles que governa (Zhao, 2019: 7). Existe uma
certa similitude com o direito divino que na Europa legitimava o poder dos reis. No
entanto, há uma diferença fundamental: um imperador na China antiga alcançava essa
posição de liderança através da sua virtude e em detrimento dos governantes
anteriores incapazes de providenciar boa qualidade de vida aos seus súbditos (Zhao,
2019: 7). No fundo, a ideia de que uma dinastia pode perdurar no tempo é
completamente dependente do mérito dos seus governantes, existindo sempre a
possibilidade de perda de legitimidade e de uma dinastia ser sucedida por uma nova.
O mesmo se aplica a todo o sistema chinês de vassalagem. O Estado suserano, através
de uma governação virtuosa, gere as relações que mantém com os seus vassalos.
Estes últimos, por seu turno, ofereciam diferentes tributos ao Filho do Céu sem que
isso significasse que não poderiam tomar o poder no futuro. Perante a perda de
legitimidade, uma aliança de Estados vassalos tinha o direito de se rebelar contra o
suserano (Zhao, 2019: 15). Mas, de que forma tais conceitos ainda se encontram
presentes na actual liderança chinesa?
No que diz respeito à presidência de Xi Jinping, a legitimidade da sua governação
advém, em primeira instância da centralização de poder na sua figura. Em 2018,
aquando do 19º Congresso do Partido Comunista Chinês, a centralização do poder em
Xi ficou completa do ponto de vista formal. Para além da designação de lingxiu 领袖
(líder), o pensamento de Xi também foi incluído na constituição e espera-se que
permaneça no poder para lá de 2022 (Jash, 2018: 1 e 2). Este desfecho foi possível
devido, em grande medida, à grande campanha de combate à corrupção que eliminou
diversos dos opositores políticos de Xi e ao centralizar o controlo sobre as Forças
Armadas na figura do presidente (Jash, 2018: 3). Desta forma, o presidente Xi
consolida a sua posição de líder supremo, abrindo a possibilidade para desenvolver
projectos que alarguem o poder chinês no exterior, nomeadamente, a Iniciativa Faixa
e Rota e o Banco Asiático de Investimento em Infra-estrutura.
Para a China e em particular para Xi Jinping, trata-se de uma forma de oferecer uma
alternativa ao mundo e de alcançar um patamar mais elevado de desenvolvimento
através de mecanismos de cooperação. Observamos, no entanto, que as ideias do
reino de Zhou e do confucionismo estão presentes na retórica e nas acções políticas
da RPC. Tal afirmação encontra fundamento nos conceitos de justiça e de virtude. Este
último é de especial destaque. Para Confúcio, trata-se de um dom que o Homem
dos Estados Combatentes (475-221 a.C.) (China Culture, 2021).