OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 13, Nº. 2 (Novembro 2022-Abril 2023)
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AS POTÊNCIAS REVISIONISTAS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
UMA NOÇÃO EQUÍVOCA
ANTÓNIO HORTA FERNANDES
ahf@fcsh.unl.pt
Docente do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa (Portugal). Investigador do IPRI-Nova. Estrategista e polemologista
Resumo
O presente artigo pretende mostrar que o sintagma nocional potência revisionista na cena
internacional carece de fundamentação. Não apenas está crivado de fortes conotações
ideológicas ao serviço de determinados enquadramentos de poder, como não é minimamente
operativo. Dada a importância da lógica soberana nas relações internacionais, todas as
potências são, sem excepção, revisionistas. Por conseguinte, se todas o são, em particular as
dominantes, nenhuma o é em concreto e por definição tipológica.
Palavras-chave
Soberania; potência revisionista; ideologia; excepção
Abstract
This article intends to show that the syntagma revisionist power in the international scene
lacks foundation. Not only is it riddled with strong ideological connotations at the service of
certain frameworks of power, but it is not at all operative. Given the importance of sovereign
logic in international relations, all powers are, without exception, revisionist. Therefore, if all
are, in particular the dominant ones, none is in concrete and by typological definition.
Keywords
Sovereignty; revisionist power; ideology, exception
Como citar este artigo
Fernandes, António Horta (2022). As potências revisionistas nas Relações Internacionais
uma noção equívoca. Janus.net, e-journal of international relations, Vol13 N2, Novembro
2022-Abril 2023. Consultado [online] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.13.2.1
Artigo recebido em 17 de Fevereiro de 2022, aceite para publicação em 10 de Abril de 2022
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As potências revisionistas nas Relações Internacionais uma noção equívoca
António Horta Fernandes
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AS POTÊNCIAS REVISIONISTAS NAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS UMA NOÇÃO EQUÍVOCA
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ANTÓNIO HORTA FERNANDES
Antes de iniciar o excurso argumentativo, até porque o mesmo poderá parecer menos
convencional se o observarmos de acordo com um campo de visão muito estrito, leia-se
estreito e especializado, isto é fechado hermeticamente no seu próprio campo disciplinar,
importa esclarecer umas quantas coisas sobre os pressupostos metodológicos e
conceptuais do presente artigo.
Não se trata de um artigo analítico tout court, muito menos de uma análise descritiva de
teor positivista. Nem tão pouco de levantar uma questão a que se não resposta, ou
tão-só carrear argumentos, ao jeito de subsídios, para a formulação desimpedida de uma
posterior questão. Inclusive a abordagem assumidamente problematológica em si de
Michel Meyer (Meyer: 1991), a título de exemplo, acrescenta infinitamente mais saber
em comparação com tais aproximações à aproximação, por assim dizer.
O presente artigo pretende-se meta-analítico. Por conseguinte, não irá discorrer sobre o
tema das potências revisionistas nos discursos realistas, onde aparece de forma mais
candente, ainda que não em exclusivo. Os instrumentos usados não serão, em grande
medida, os das escolas teóricas de Relações Internacionais, o por qualquer menoridade
epistemológica destas, mas porque se constatou que, para descristalizar e desnaturalizar
os argumentos consabidos em torno à problemática em causa, as fontes externas às
Relações Internacionais permitiam um olhar mais remunerador e até mais isento (que
não neutro ou imparcial). Afinal, a interdisciplinariedade hoje reganhou, e bem, favores
acrescidos.
Por outro lado, a meta-análise permite igualmente entroncar com o cada vez mais
indispensável registo normativo, estimulando os juízos de valor e contornando com
relativa facilidade a serôdia distinção grosseira entre factos e valores, desmontada por
protagonistas tão distintos como sejam Lévi-Strauss (Lévi-Strauss, 1962), Rorty (Rorty,
1988), Hilary Putnam (Putnam, 1992: 161-190) ou Robert Brandom (Brandom, 2000),
com a passagem do representacionismo ao inferencialismo, mas antes completamente
encurralada (diríamos mesmo posta fora-de-jogo) pela hermenêutica, em particular, a
variante heideggeriana.
2
De qualquer forma, convém sumarizar ainda umas quantas
reflexões sobre as putativas virtualidades da epoché nas ciências sociais.
1
Estamos gratos a Ana Santos Pinto pelos sábios comentários a uma primeira versão, ainda incipiente, do
presente artigo apresentada em público, em relação ao qual ela foi discussant, estimulando reflexões que
viriam a ser incorporadas no produto final. Naturalmente, todas as insuficiências ou demasias
permanecentes são da nossa exclusiva responsabilidade.
2
O problema não está em escapar ao inevitável círculo hermenêutico, antes em como entrar bem ou mal
nele (Heidegger, 1998: 27). Para evitar entrar mal nele, a nosso ver, é que necessitámos, em geral, de
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As potências revisionistas nas Relações Internacionais uma noção equívoca
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As ciências sociais tendem a colocar entre parêntesis as pretensões de verdade, ou de
justeza existencial e ética dos seus objectos. Qualquer que seja o objecto, o mesmo é
reduzido ao conteúdo de registos e práticas históricas e/ou espaciais diferenciadas que
deixaram ou deixam marcas e exerceram ou exercem determinados efeitos. Contudo,
sobre a validade intrínseca, a verdade, o horizonte de sentido, os anelos tecidos em torno
desse objecto, e sobretudo, sobre os vínculos da sabedoria, essa arte (antecedente e
subsequente) de saber-se compenetrado de muito com o mundo, tornando-o
relevante (incluindo os implícitos decisivos dessa compenetração, apesar de serem muito
dificilmente tematizáveis na íntegra, ou sobretudo por isso mesmo) e, por consequência,
tornando os “objectos” objectos, isto é, dignos de atenção, estudáveis, os cientistas
sociais nada parecem ter a dizer - ou nada devem ter a dizer, o que já só por si significa
algo muito pouco neutral. Uma tal postura seria aceitável se a suspensão de juízo apenas
fosse provisória e metodológica, para se inteirar do objecto. Todavia, a suspensão do
juízo é definitiva, logo epistemológica, e posição de fundo, logo ontológica e ética. Mas
então trata-se de um verdadeiro problema, porque não estamos diante de uma posição
coerente em termos epistemológicos, nem ontológica nem eticamente neutra, que
esconde uma normatividade no suposto registo descritivo versus normativo.
Quando, na verdade, é a intimação da realidade integral, em toda a sua espessura,
incluindo os benjaminianos índices secretos, e inapelavelmente caldeada pela visada da
vida, historicamente situada, a ser desestimada pelas ciências sociais, como se as
questões da verdade, do sentido, da experiência, da sabedoria fossem despiciendas, ou
fossem de si, e então esclarecidas, isto é, dissolvidas, quando a cortina que encobriria
os objectos tivesse sido finalmente levantada e as realidades se mostrassem enquanto
tais, no seu senso unicamente objectual, destilado. Como se por fim se pudesse,
porventura, apresentar aquela realíssima política externa do actor x, despida de todas
as idiossincrasias cognoscitivas e ambientais, a (contraditória) coisa em si, um vinho
finalmente puro, liberto de terroir, mas também de uva.
Em síntese, e a contrario, o presente artigo pretende apresentar se não uma tese, um
ponto de vista, uma perspectiva, em sentido filosoficamente qualificado; e como tal não
é neutro. Não há perspectivas neutras a o ser, e permita-se-nos o socorro imediato
das palavras de Nietzsche, aquelas feitas dessa “caça mansa, débil, farejante, própria
dos sorrateiros que rezam baixinho”; no fundo “dessa casta de lúbricos eunucos,
especados perante a história”, “meio frades, meio sátiros”, não querendo ser cúmplices
com a realidade integral, preferindo uma estéril visão olímpica, panorâmica, à vista de
pássaro.
3
Estamos conscientes de que este trabalho pode ser encarado como enfermando de uma
excessiva robustez teórica. É conveniente, por isso, frisar tratar-se de um trabalho de
teoria das relações internacionais, na vertente meta-analítica interdisciplinar.
outras ferramentas distintas daquelas proporcionadas pela ciência das relações internacionais, sem sair
dela. O uso de sintagmas tais como sistema internacional para caracterizar a realidade internacional, ou a
projecção da existência de relações internacionais a períodos anteriores à Idade Moderna, não abona em
favor de uma exegese esclarecida pese embora os notáveis esforços de Andreas Osiander nesse sentido
(Osiander, 2007). Tudo isto apesar de parte do nosso envolvimento com a academia implicar desde
muitos anos a leccionação da disciplina teoria das relações internacionais.
3
As palavras de Nietzsche são retiradas de duas obras: Assim Falava Zaratustra (Nietzsche, 1996a: 210) e
Para uma Genealogia da Moral (Nietzsche, 1997: 196).
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As potências revisionistas nas Relações Internacionais uma noção equívoca
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Avonde, nas Relações Internacionais, menciona-se a noção de potências revisionistas,
em rigor, entidades políticas com capacidade para transformar o seu potencial em
aplicações concretas em determinados pontos do espaço-tempo, portanto, poderes
revisionistas.
O sintagma em causa é usado com alguma desenvoltura, a que não corresponde, tanto
quanto possamos conhecer, uma estrita análise a montante do seu significado e, como
tal, da bondade da sua utilização, mal agasalhada de provas.
Desde logo, revisionistas são aqueles que pretendem e hipoteticamente conseguem, pelo
menos tentam-no, rever determinado estado de coisas, uma particular ordem, caso ela
exista estruturada, e no caso em apreço, alterar a cena internacional, presume-se em
favor de quem a revê, eventualmente por a considerar desequilibrada, injusta, pouco
inclusiva, o que for que se possa oferecer como justificação. Naturalmente, e na medida
em que se trata de um proscénio plural, aquelas entidades melhor adaptadas à situação
por ora normalizada, tendem a contestar a revisão.
por aqui se , embora esta não seja a temática do artigo e como tal não nos
podemos centrar nela, até porque não parece haver nada de relevante a dizer, quão
redundante e ocioso é o conceito de segurança ontológica. É redundante e ocioso na base
porque qualquer actor além de ter de cuidar da preservação do seu ser, como condição
mínima de sobrevivência e de subsistência, pretende, além disso, perseverar no seu ser,
naquilo que toma como o seu próprio ser. Redundante e ocioso no topo, digamos assim,
porquanto a realização do próprio ser é diferente conforme a identificação que dele se
faz e consoante os objectivos a atingir. Uns querem ser deixados em paz, outros almejam
rever a suposta ordem, porque não faria justiça aos desígnios inerentes à própria
identidade. Outros ainda acham que essa ordem condiz na perfeição com o ser que
almejam ser na íntegra e que guia a sua plena materialização. Por fim, aqueles que
se definem como paladinos da ordem a manter, porque pensam que o seu ser, a sua
natureza se justifica na hegemonia ou na preponderância, até para o bem de todos. Claro
que muitas outras variantes seriam aqui possíveis, seja como for, o que todas mostram,
dada a diversidade e incompatibilidade de um número significativo dentre elas, é que o
conceito de segurança ontológica é um conceito vazio. Estou seguro quando uma
tensão criativa, uma compatibilidade entre o “já” e o “ainda não”. Mas o significado dessa
compatibilidade é demasiado vasto para o conceito de segurança o poder abarcar de
forma minimamente operacional. Outrossim, a tensão fundacional entre o “já” e o “ainda
não” na cultura ocidental remete para um abrir-se de si que está justamente nos
antípodas do conceito de segurança, do seu assenhorear-se ontológico de um sentido de
pertença cerrada ou nem tanto, de uma essência satisfeita, de um planar conformado no
jogo das essências sem o r em causa, sem nunca conseguir escamotear a deriva
imunológica sempre à espreita na segurança. Mas curiosamente, quando o campo
parece, por fim, despejar-se, para demandar alguma coisa útil, entrando no território da
ontologia, a ciência das relações internacionais arreda caminho e escusa-se a alguma
coisa dizer. Em suma, face ao conceito, ou sintagma conceptual de segurança ontológica
estamos diante de um marco estéril e à sua volta, quando muito, de uma zona umbrosa,
convidando mais à cerração do que à clareza.
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Para uma leitura que leva a série o conceito de segurança ontológica, embora nos pareça não adiante muito
mais que aquilo que dissemos, veja-se (Mitzen, 2006).
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O uso ideológico e pragmática do sintagma potência(s) revisionista(s)
Nenhuma das considerações acima feitas, perfeitamente triviais, quando aplicáveis, teria
particular acutilância crítica se na prática a noção (em forma de sintagma nocional) de
potência revisionista não fosse usada para cimentar posições fortes de poder em
detrimento de terceiros, a começar pela condução retórica da realidade internacional,
isto é, em termos não apenas dos sinais dados, e no caso de afrontamento, em termos
de estratégia declaratória, mas na própria conformação de base dos discursos acerca
daquilo que é legítimo ou não o é, ou acerca do que é ou não justificável. Mais,
procurando criar determinadas mundividências, a ponto de inculcar na mente de
decisores, investigadores, ou nas populações em geral, uma pré-compreensão da justeza
das concepções, a passar então como a natureza das coisas, da realidade tal como ela
é, carecendo, portanto, de alternativa. Apesar de estarmos perante realidades humanas,
mutáveis, intersubjectivas, não apodícticas.
5
Dir-se-ia que sempre assim aconteceu. Pode muito bem ser, se não quisermos abrir mais
frentes, e de forma erística aceitarmos, por mor do argumento, não só retroprojectar as
relações internacionais aquém da Idade Moderna (não o podemos), como projectar nos
actores primodernos e não intuitos de raiz exclusivamente guiados por uma lógica
maquiavelana de poder. Todavia, o problema mantém-se porque reside antes de mais
no impensado na ciência das Relações Internacionais sobre a questão; na assunção
acrítica de que mesmo potências revisionistas e outras que o não são, ou não o são
tanto, ou ainda não o são tendencialmente. Como se houvesse uma matriz escrita
algures, sabe-se onde, à qual recorrer enquanto tira-teimas. Não por acaso, Henri
Kissinger refere-se, na sua própria terminologia, às potências revolucionárias como
aquelas dotadas de uma auto-consciência levada sem titubear até à conclusão final de
propósitos, por oposição à ordem estabelecida caracterizada pela espontaneidade
(Kissinger, 2013:3). Exprimindo a espontaneidade a ideia de um aflorar que se manifesta
sem constrangimentos, num acordo quase óbvio com a natureza das coisas, ou num
coincidir consigo mesmo, consentir no trânsito de si a si (uma espécie de oikeiosis) por
oposição ao esforço reflexivo de se colocar em causa, parecendo sempre comportar algo
de artificial. Como se os homens não fossem seres reflexivos e não habitassem a
linguagem. O que transforma de imediato aquela que parecia ser uma mera constatação,
denotação, mas comporta afinal um pressuposto ontológico e normativo, num apodo
duvidoso: se o espontâneo parecia identificar-se “espontaneamente” com o positivo,
revirando a metáfora da reflexividade em torno do ser homem, deparamo-nos com as
virtualidades da auto-reflexividade e das potências que a praticariam contra todo o
espontâneo, agora identificável com o simplesmente orgânico e sem mundo (no sentido
heideggeriano). É o problema com as acusações implícitas e impensadas.
5
Pressupondo, além do mais, na esteira de um positivismo grosseiro, não só uma espécie de determinismo
das coisas humanas, como um suposto determinismo epistemológico em relação ao conhecimento do
mundo, como se a realidade se impusesse sem mais aos homens, quando nem sequer em Aristóteles o
percipiente é um mero espelho dela (Aristóteles, 2010: 2, 426a) Seria bom não esquecer, incluindo o
dramatismo, com mais ou menos razão, as palavras perspectivistas de Nietzsche: “aquilo a que nós,
actualmente, chamamos o mundo, é o resultado de uma quantidade de erros e de fantasias, que surgiram
paulatinamente, durante toda a evolução dos seres orgânicos, se soldaram uns aos outros e, agora, nos
são transmitidos por herança [prolegómenos à ciência normal kuhniana, mas não no sentido mais bastardo
dos impensados inassumidos, por nós relevados] como tesouro acumulado do passado inteiro como
tesouro, pois o valor da nossa humanidade repousa sobre isso” (Nietzsche, 1996b: 37).
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Em primeiro lugar, acusar determinado actor político na cena internacional de ser um
poder/potência revisionista falamos em acusar porquanto é disso que se trata; nem
que seja implicitamente diz-se que aquele ou aqueloutro o é dos nossos, pelo menos
não é dos nossos em determinados contextos pregnantes, como acontece com os visados
por acrónimos como BRIC ou PIGS, mesmo quando os próprios visados o adoptam sem
lhe medir as consequências
6
; quando não é tratado simplesmente de jagodes
pressupõe que a situação ou ordem vigente está, no mínimo, justificada, sendo estranho
que alguém atente contra ela, ou a queira pôr em causa. A dita ordem ou cenário
historicamente imposto tende a passar por natural, porque alguém o quer e deseja muito
que assim continue.
É claro que um investigador pode sentir-se bem como cidadão dentro do statu quo
vigente. Este pode verdadeiramente ser mais justificável que um outro a várias luzes, ou
podemos oferecer boas razões nesse sentido. Não obstante, nada justifica que
cientificamente essa ordem ou situação seja tomada como solo inquestionado, com base
no qual se coloca depreciativamente entre parêntesis as pretensões de terceiros.
A título de exemplo, poderá a Rússia putiniana, ou simplesmente a Rússia ser
considerada uma potência revisionista apenas porque parece desafiar uma lógica de
habilitação da cena internacional defendida pelos decisores norte-americanos e os
principais decisores do resto da Europa (sendo naturalmente a Rússia uma potência
europeia, com um território que se expande aos confins da Ásia)?
7
Quem decide que a
ordem norte-americana, ou uma subjacente e suposta ordem ocidental é a Ordem? Basta
pensar o problema em termos cartográficos para compreender o quão ideológico se está
a ser. Na Europa desde muito se utiliza a projecção de Mercator para o planisfério.
Todavia, nos EUA, a projecção de Miller recolhe igual ou superior favor. No entanto,
ambas as projecções são diferentes e o facto deveria fazer pensar a quem defende uma
posição transatlântica à outrance, ainda que costurada em valores europeus. É que na
projecção de Miller as Américas ocupam um lugar central.
E o que dizer das projecções chinesas, materializadas pelos cartógrafos jesuítas
(Matteo Ricci) no século XVII? Acaso não poderão os chineses ver o mundo à sua medida,
6
Acerca da lenda negra que recaiu sobre uma Espanha imperial e católica, ainda persistente, e extensível,
grosso modo, a toda a Europa meridional, veja-se o controverso mas bem documentado livro de María
Elvira Roca Barean (Roca Barea, 2017). Não deixa de ser irónico observar o espaço anglófono e protestante
em geral, vencedor político da modernidade, ao tempo, a batalhar encarniçadamente como “revisionista”
mediante a criação de uma feroz propaganda anti-sistema. E o que não dizer, nós portugueses, de BRIC,
englobando o Brasil, uma cultura aparentemente irmã, membro da CPL, como se fosse um corpo estranho,
um corpo a ser designado por um acrónimo, por isso mesmo tomando este último por bom, normalizando-
o. E se inventássemos também um acrónimo infeliz e horripilante, USAFRAG, para designar em conjunto os
Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha, ou, em inglês, a Alemanha, Germany?
7
Acerca do nascimento da russofobia às mãos dos iluministas franceses, veja-se (Roca Barea, 2017: 93 ss.).
O chamado Grande Jogo, sobremaneira na segunda metade do século XIX, por causa das marcas orientais
dos impérios russo e britânico em ascensão, inteiriçou a opinião pública britânica contra a Rússia. Produto
disso é a estonteante e turva geomaquia de Mackinder, que muito ajudou a conceber uma dicotomia
geopolítica entre poderes terrestres, epirocráticos, e poderes marítimos, talassocráticos, de grande futuro
na geopolítica, mas sem qualquer base científica, a não ser o receio contextual e atávico do poder russo,
supostamente semi-asiático (Mackinder, 1981). A edição por nós manejada, correspondente à visão do
autor de 1919, contém, no entanto, o estudo pioneiro "The Geographical Pivot of History", de 1904, bem
como, a última demão mais optimista, dado a emergência mundial do poder militar norte-americano, "The
Round World and Wining of the Peace", de 1943. Na verdade, é aquando da Guerra da Crimeia que a opinião
pública inglesa é pela primeira vez mobilizada em força contra o colosso russo, mas já na primeira metade
do século XIX, nomeadamente em torno do falso Testamento de Pedro o Grande e da causa polaca, a
antipatia pela Rússia vinha crescendo (Figes, 2012: 141 e ss.).
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sem que isso signifique qualquer ilegitimidade. Os EUA dispõem, pelo menos
nominalmente, de comandos militares abrangendo o orbe inteiro. E se outras potências,
em particular a China, anunciassem a mesma pretensão? No mínimo seriam apelidadas
de revisionistas, de se quererem transformar em potências militares globais, sem pedir
licença aos poderes instalados. Mas como e quem instalou a potência dominante?
Contudo, bem sabemos ser esta uma leitura melíflua, porque perante um tal cenário
iminente o mais provável era clamar a trombetas vir o mundo por abaixo de
cambulhada; a desordem instalada. Como se os revisionistas fossem por definição
perturbadores e desordenadores.
De resto, espontaneamente, muita gente perfilhando racionais realistas pensa assim.
Curioso, porque a lógica inerente à soberania é que é, como veremos, no essencial,
discricionária, vivendo da instabilidade estrutural característica do seu afã de poder e
não de um qualquer mecanismo de regulação homeoestática, o qual lhe é completamente
estranho. Em qualquer caso, se perscrutarmos a matriz dos realismos, dificilmente se
pode defender uma ideia qualquer de ordenação que não seja em termos lógicos mera
consequência pragmática dos interesses e, como tal, não uma verdadeira ordem fundada
ou fundável. Se buscarmos pelo lado seminal da anarquia, nesse caso e por definição, a
sustentação de uma ordem atacada por supostos revisores/perturbadores não faz
qualquer sentido bem assim, a própria ideia de anarquia internacional não o faz, porque
se a matriz realista assegura serem as relações internacionais, no essencial, relações de
poder, o factor estruturante é o poder, ainda que não seja um poder central
constrangedor, mas o poder de cada um por si. Porém, se isso significar anarquia
internacional, estamos já diante de uma contradição. A anarquia não pode ser o factor
estruturante, porque isso quereria dizer que tem o poder de ser determinante, de
estruturar, quando a anarquia significa ausência de poder e/ou estilhaçamento desse
poder. No melhor dos casos, a anarquia internacional seria desestruturante.
Na prática, se atendermos a que um suposto estado de natureza apenas encontra um
símil mais próximo da realidade no poder concentrado da lógica soberana, a ideia de
polícia internacional de uma ordem (?) “cosmopolita” não seria a de Kant antes a de
Cecil Rhodes, para parafrasear uma conhecido filósofo italiano (Losurdo, 2016: 269). Em
qualquer caso, a moral subjacente é óbvia: nem a democracia, nem o liberalismo o
apanágio da ordem ou, pelo contrário, da desordem. A natureza do poder soberano e a
tenacidade para fazer a guerra envolve tanto o liberalismo, como a democracia, como
outros modelos políticos. Como constatara Hamilton, nem instituições livres
representativas, nem comércio livre são por si garantia de paz ou do que seria um
verdadeiro comportamento ético estabilizador, movido pela ampliação de horizontes e a
abertura ao outro, um viver bem com e pelo outros no seio de instituições justas aplicado
à cena internacional, a um cosmopolitismo, digamos assim, integrando de forma nuclear
a particularidade. Ao contrário, a experiência mostra o bem fundado das interrogações
de Alexander Hamililton:
Na prática, foram as repúblicas menos dadas à guerra do que as monarquias?
[…] Não existem aversões, predilecções, rivalidades, e desejo de aquisições
injustas que afectam as nações tanto como os reis? As assembleias populares
não são frequentemente sujeitas aos impulsos da ira, ressentimento, inveja,
avareza, e outras predisposições irregulares e violentas? Não é bem
conhecido que as suas determinações o muitas vezes governadas por um
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punhado de indivíduos em quem depositavam confiança, e são, é claro,
propensas a ser influenciadas pelas paixões e pontos de vista desses
indivíduos? O comércio fez até agora alguma coisa além de modificar os
objectos da guerra? Não é o amor das riquezas uma paixão tão dominadora
e empreendedora como a do poder ou da glória? Não existiram muitas guerras
fundadas em motivos comerciais[…]? (Hamilton, Madison, Jay, 2003: 6, 57-
58).
Além do mais, é nosso dever tornarmo-nos suspicazes quando, num mundo bastante
desontologizado, ou em todo o caso, particularmente sensível à disseminação de
ontologias plurais, pelo menos em teoria, de forma súbita a ideia de ordem passa a
revestir-se de uma quase inviolabilidade, para voltar a ser descartada mais à frente,
desfeito o perigo por exemplo, no âmbito das relações Leste/Oeste, ninguém pareceu
em especial preocupado aquando dos momentos de fraqueza internacional, mas também
de débâcle social, da Rússia de Ieltsin.
8
Na verdade, é muito fácil perceber que a aplicação do sintagma potência revisionista
depende de um particular enquadramento ideológico e de poder, quantas vezes nefário.
Numa leitura completamente distinta, por exemplo, uma geopolítica da paz e dos pobres,
com ou sem teologia da libertação, poderia muito bem configurar o mundo de outra
forma, pondo em causa toda a lógica mais ou menos realista das potências, instaladas
ou em instâncias de revisionismo.
9
Por outro lado, a problemática da ordem de acordo com racionais realistas levar-nos-ia
a um outro ponto que, pela sua dimensão, aqui apenas podemos apontar: o das enormes
aporias de uma pretensa ética realista, se não mesmo do oximoro de querer descortinar
um registo de raiz ético numa base assumidamente de poder e dos interesses daí
decorrentes. Seja em função de uma ética material como a de Kant, seja a partir da
definição de ética de Ricoeur viver bem, com e pelos outros, no seio de instituições
justas (Ricoeur, 1998) -, dificilmente configurável como material ou formal, são
escassíssimas, para o dizer nulas, as possibilidades de fundar uma ética realista.
Naturalmente, nos mais variados casos, podemos pensar em posturas éticas, ou vistas
como éticas, num quadro realistas. Posturas estudadas, eivadas de segunda intenções,
é certo, mas cuja ausência acarretaria consequências ainda piores, obrigando à
prudência; podendo nelas vislumbrar-se não apenas o calculismo mas igualmente o
milenar registo dianoético. Porque os decisores estariam ainda presos por finos liames a
uma ética da responsabilidade Todavia, referir uma ética como um todo, uma ética
8
De tal forma a cena internacional parece desontologizada - o mesmo é dizer não levando a reflexão até às
últimas consequências, interrogando as raízes do ser, não investido directamente nos problemas ontológicos
regionais levantados pelo objecto em causa -, que um realista da talha de Kenneth Waltz identifica anarquia
com a ausência de governo, sabendo não existir um árbitro na cena internacional (Waltz, 1979: 102).
Quando uma tal ausência não implica necessariamente a inexistência de regras políticas comuns, como o
mostram as teses da 2ª escolástica (teses que configuram a primeira aproximação teórica às relações
internacionais) e, até certo ponto, as primícias das relações internacionais de facto emergentes no período
primomoderno. Ideia igualmente desontologizada da cena internacional, mas implicando uma leitura
aparentemente distinta de anarquia, têm-na, por exemplo, o construtivista Alexander Wendt (Wendt, 1999:
246-312).
9
Para uma actualização teológica das chamadas teologias do Sul, altermundistas em sentido próprio, confira-
se (Tamayo, 2017). Para uma perspectiva crítica da política pouco menos do que “revisionista”, seguindo o
senso comum, da potência vencedora da guerra fria, veja-se (Dower, 2017).
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As potências revisionistas nas Relações Internacionais uma noção equívoca
António Horta Fernandes
9
inerente a uma determinada forma de ser e de agir é bastante distinto. Implica um
comportamento estrutural fundamentalmente ético, ou eticamente inspirado nos seus
fundamentos, ou ainda que a fonte última que sobraça e alimenta os seus fins tenha
natureza ética. Ora, nada disto pode a matriz realista comportar sem contradição, por
maioria de razão, muito menos a lógica soberana de puro poder, totalizante, que veremos
de seguida. E de nada vale objectar ser a lógica soberana um transvase categorial
moderna do teológico para o secular, importando, por consequência, as características
do seu modelo. Precisamente, na transposição dos caracteres reside o problema, na
diferença abissal entre criador e criatura. A omnipotência de Deus convive com a máxima
liberdade da criatura, melhor, a sua omnipotência consiste nisso mesmo, no entregar-se
por completo à criatura, deixando-lhe espaço (teonomia). a criatura, sendo
inapelavelmente finita, limitada, não sendo ubíqua, onde ela está não pode estar senão,
no máximo, a sombra de outro, o que ela é não pode ser mais ninguém, pelo que a
mimese da omnipotência pode ser feita à custa dos outros, esvaziando o poder dos
outros, numa interminável fuga para a frente a ver se consegue a impossível libertação
da falibilidade.
10
Assim sendo, a mera desconstrução ideológica ou de bom senso epistemológico fere as
pretensões mais recalcitrantes e impensadas, mas deixa intacta a bondade última do
sintagma; deixa-lhe apenas, e não é pouco, porque sem em instância de se querer
transformar em algo mais, o espaço de aplicação pragmático, de acordo com uma leitura
de fundo perspectivista. Ora, o sintagma potência revisionista não se tem de pé, se
pensarmos bem, pelo que não basta esta desconstrução primeira. E pouco importa aqui
se a noção de potência revisionista está sobremodo presente na Power Transition Theory,
ou noutra corrente qualquer. Na verdade, num artigo recente, que faz uma análise crítica
da teoria de transição de poder, o internacionalista Randall Schweller, embora ponha em
causa que as potências ascendentes têm de ser sempre revisionistas e que os
revisionistas m de ser necessariamente perigosos (mas perigosos para quem?), não
abandona de todo o malfadado sintagma. Chega mesmo a defender serem os EUA um
verdadeiro Estado revisionista, na condição, dubitativa pensamos, de hegemon recém-
coroado. Isto, porque, para Schweller, os maiores candidatos a revisionistas são os
hegemons recém-criados e os hegemons em ascensão (Schweller, 2015).
11
Nem lhe
parece passar pela cabeça o mais óbvio (e que à frente exploraremos), dada a natureza
da lógica soberana e dos distintos raios de acção dos actores soberanos: quanto mais
assentado e hegemónico é o actor (sem querer discutir agora se os hegemons são assim
tão abundantes na cena internacional, ou que características detêm que os tornam
passíveis de ser classificados como tais) maior é o seu poder “revisionista”.
10
O tema do potencial de transcendimento do homem, muito presente, por exemplo, em Nicolau de Cusa, do
ilimitado da liberdade, partícipe de uma outra liberdade inconsumptível, começa justamente no sair de si e
não no retorno capacitado de poder a si.
11
Estamos gratos a Ana Santos Pinto nos ter chamado a atenção para este artigo. A propósito da hegemonia,
Ned Lebow defende que o sistema europeu de potências e o sistema internacional (a expressão sistema
internacional é dele, bem entendido), quase nunca esteve caracterizado pela hegemonia. Da mesma
maneira, defende igualmente que as guerras entre potências em ascensão e potências dominantes são
pouco frequentes e não têm como motivação primária defender ou rever a ordem internacional vigente
(Leebow e Valentino, 2009). Todavia, os autores nunca colocam em causa o sintagma potência revisionista,
embora lhe retirem grande parte da sua pertinência prática. Não é que façam do tema mortinato, antes
parecem sobrestá-lo.
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10
A ideia de revisionismo face ao predomínio da lógica soberana
Para bem ou para o mal, ou melhor, para o mal, certo é que o mundo moderno e
contemporâneo continua delimitado pelas soberanias, ou pelos poderes soberano-
governamentais, em conformação liberal, capitalista ou outra. Não querendo dizer com
isto que as soberanias se limitem ao clássico Estado-Nação, quando a sua lógica tem
contaminado outros actores, e quando a própria soberania tende a descolar, aqui e ali,
como bem pretende Agamben, da própria matriz estatocêntrica e até do múnus de outros
actores internacionais entretanto parasitados, como sejam as organizações
internacionais, indo de si, na forma de polícia supranacional, invocando a segurança da
comunidade internacional, ab-rogando as normas do direito internacional uma após
outra, como se da suspensão interna de direitos em estado de excepção se tratasse
(Agamben, 2001: 73-74). Pois bem, o principal caracterizador de um poder soberano e
da sua lógica, o mesmo é dizer, de um poder absoluto, perpétuo e indivisível, o poder de
dar e quebrar a lei, um poder majestático expurgador de toda a politicidade intrínseca
do corpo político, reduzida a mera sociedade civil composta por in-divíduos, é a sua
faculdade de proclamar o estado de excepção, de estar ao mesmo tempo dentro e fora
da lei, ou dito de outra modo, da lei permanecer vigente sob a forma de suspensão,
cobrindo o que em tempos normais deixaria de fora (Agamben, 2006: 106-106).
12
Quer
isto dizer que embora a excepção seja excepção (independentemente da excepção se ir
tornando cada vez mais normal, de se normalizar), é ela que estabelece o sentido último
do poder, da formatação política, o valor de utilidade marginal da governação. E se é ela
a estabelecer o preço, recortando discricionariamente a realidade quando
tautologicamente lhe aprouver, no momento em que o faz a lei deixa de vigorar como
força-de-lei e passa a vigorar de maneira informulável, não como pura força anárquica,
porque tal estado de coisas isentaria os súbditos do poder, nem como a anomia sucessiva
ao fim da ordem, mas como poder que tudo sujeita, a que se está abandonado, à mercê,
num estado indefinido, grafado por alguns como força-de-leӾi, por isso irrepresentável,
mas não menos operativo e proficiente, pelo contrário (Galindo Hervás, 2005: 105). A
soberania necessita assim de reinar dividindo, isolando, e cada vez se intromete mais na
vida ordinária, recriando sucessivamente momentos de excepção (por razões securitárias
ou outras). Mas também as duas coisas em conjunto, divisão e intromissão, porque isso
gera mais desconfiança, apartamento, vontade imunitária e, por sua vez, maior
premência na intromissão; para que nunca ninguém esteja limpo e as contas nunca se
saldem, parafraseando uma notável passagem sobre o Estado de um romance de Javier
Marías (Marías, 2017: 131).
Os poderes soberano-governamentais governam de forma expedita, aferrando os
homens, devidamente dessocializados, aos efeitos colaterais e inesperados das leis gerais
(algumas criadas, outras exteriores, naturais), ao administrar as consequências de tais
efeitos. Ainda segundo Agamben, o paradigma soberano-governamental, ou mais
propriamente teológico-económico, que está por detrás da biopolítica moderna e do
triunfo do governo e da economia sobre qualquer outro aspecto da vida em comunidade,
faz assentar a lógica de governo na previsão consciente dos possíveis efeitos colaterais
12
O clássico nestas matérias é o livro de Carl Schmitt Teologia Política, de 1922, assim como a sua resposta
de 1969, tardia no tempo, ao livro de Erik Peters, O Monoteísmo como Problema Político, conhecida por
Teologia Política II. A lenda da liquidação de toda a teologia política. Manejámos a edição espanhola,
agrupando os dois textos de Schmitt (Schmitt, 2009).
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da (suposta) natureza mesma das coisas, da sua cadeia de causas e efeitos, às quais os
homens foram previamente submetidos, os quais continuam a ser contingentes na sua
absoluta singularidade. Esta acção governamental, tecida pela gestão de acaso e
necessidade, providenciando o encontro fortuito com o destino, parece ter um carácter
ao mesmo tempo impenetrável e milagroso, fazendo jus ao sentido de arcano
inescrutável para-divino a que a soberania se arroga, como divindade possível, quer
dizer, mortal, na Terra.
13
Se substituirmos, por força do rigor analítico, mas também por causa da evolução da
lógica soberana, a palavra Estado por soberano, embora ele esteja a pensar no Estado
soberano, seja qual for a materialização dessa soberania, Nietzsche exprime muito bem
o argumentado em face da nova realidade política moderna quando explica que,
usei a palavra “Estado” e é fácil perceber o que com ela pretendo dizer: um
bando de feras loiras, uma raça de senhores e conquistadores que,
organizados para a guerra e possuindo força para organizar, cravam
impiedosamente as suas temíveis garras numa população talvez muitíssimo
superior em quantidade, mas ainda errante e desprovida de forma. É assim
que nasceu no mundo o “estado”, e suponho que deste modo fica arrumada
de vez a ideia visionária [fantasia] que identifica o seu início com um contrato
(Nietzsche, 1997: 99).
Na cena internacional, a soberania esparze-se por vários actores, que a contragosto
(como o elucida a passagem nietzschiana), mas sem ter outro remédio, acabam por se
ter de reconhecer mutuamente, intersubjectivamente, ver no outro soberano um sujeito
inteiro ao qual se reconhece o músculo suserano que apregoa ter, porquanto jamais é
possível testar a par e passo esse outro para verificar se efectivamente vale o que diz
valer. No fundo, no âmago das suas relações, as soberanias vêem-se compelidas ao
reconhecimento de uma legitimidade essencial mútua que tanto se exime quanto
transborda das relações de força. Contrariadas, vêem-se na impossibilidade de o
aceitarem um estado de paz de princípio, porquanto nunca na realidade se dão em estado
puro, variando também o seu raio de acção. Contrafeitas, as soberanias o remetidas a
uma impuissance de base relativa mas não alijável, uma contenção de raiz a que não
podem escapar, derivada ultimamente de uma hospitalidade umbilical como face mais
própria do homem, à qual não conseguem deixar de ceder, ou pelo menos, não
conseguem obviar.
Porém, não o devemos olvidar, a contenção estrutural imposta às soberanias não torna
o seu poder menos absoluto, perdoe-se a expressão, simplesmente assinala que o
13
No fundo, aparece pressuposta uma longa história actuante da ideia de providência, aqui no sentido em
que a decisão soberano-transcendente (divina) determina os princípios gerais de ordenação do cosmos,
confiando a sua administração a um poder gestionário (económico) subordinado mas autónomo (daí falar-
se em mecanismos soberano-governamentais), que vela para que os indivíduos estejam em permanência
submetidos à férrea cadeia de causas e efeitos. Governando esse poder imanente (providência
efectiva/destino) pelo ajustamento contingente e expeditivo face aos efeitos colaterais, inerentes à suposta
natureza das coisas, que pingam sobre os indivíduos expostos ao encadeamento inexorável. Na medida em
que o soberano, em sentido estrito, encarna cada vez mais um uno de muitos, como acontece com a
soberania popular, mais necessário se torna operar por intermédio de agentes gestionários, por definição,
remetendo para a contingência expedita das acções, reproduzindo assim, da melhor maneira e de forma
continuada, a excepção soberana (Agamben, 2008: 134, 144-145).
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absoluto das soberanias é o possível de idear e de passar à prática em termos criacionais.
Porque a única possibilidade de um mortal, e o soberano é um deus mortal, participar do
“absolutamente absoluto”, para dizê-lo de algum forma ciente da falha lógica, é
assumir a sua convocação como ser-para-o-outro. Na verdade, como atrás referimos, se
o soberano fosse um verdadeiro deus jamais se comportaria como um soberano, apenas
nas criaturas finitas circula o poder como tal e a sua vontade de totalização, porque o
espaço que uma ocupa não pode uma outra ocupar, não pode estar integralmente e
deixar todo o espaço à liberdade da outra, qual ser transcendente.
14
O poder “que resta” às soberanias é ainda um poder ab-soluto, ao seu nível, tanto quanto
o pode ser, um poder deslizante, sempre em movimento, porque não há poder entregue
a si mesmo que cesse de se mover. É um poder normalmente, mas não necessariamente,
actuante nas zonas de fronteira, de limiar (claro está, não apenas físicas, de fronteiras
traçadas cartograficamente e juridicamente aceites entre Estados), os quais pretende
reescrever. Bem se pode dizer dessas zonas que afinal são excepcionais, expressam
confins, quando o fundamental é perceber que é a partir da excepção que se vai
configurando e reconfigurando a ordem um incidente nos Balcãs, em virtude do forcejar
nessas zonas de fronteiras não levou ao primeiro grande cataclismo do século XX,
reconfigurando a dita ordem mundial, mas sobretudo europeia?
15
Destarte, é impossível fugir, em coerência, ao corolário lógico e (para infelicidade
humana) bastante concreto: o de serem as potências enquanto soberanas por natureza
revisionistas. A própria natureza da soberania, digamos assim, é revisionista; procura
retecer sempre (sempre que pode) a margem de poder disponível. Pior, todas as
potências soberanas, sem excepção, são rogue states, como mostra Derrida, pensando
em particular no Estado soberano, apesar de tudo ainda figura de proa no conjunto dos
actores internacionais (Derrida, 2004: 63-71).
16
Desde o momento em que há soberania,
há abuso de poder e rogue State. E neste preciso sentido não há mais que rogue States,
Etats voyous, Estados-párias, Estados-canalhas. Em potência e em acto, o Estado
enquanto conformado pela soberania, em função dela, não pode deixar de ser canalha.
Assim sendo, impõe-se a única conclusão pertinente: porque justamente todas as
soberanias, todos actores parasitados pela soberania, são revisionistas, não potências
revisionistas; porque se todas o são, variando apenas em grau no terreno, nenhuma o é
por definição tipológica. Pois, para alguma o ser, do ponto de vista estrutural, pregnante,
é porque se destacaria de outra que, também estruturalmente, não poderia ser assim
designada. Então, como discriminar? O conceito perde o seu objecto, o seu definiens e a
sua pressuposta universalidade, tornando-se inútil quando não se resume a uma usança
ideológica, ou meramente expedita, pragmática, na sequência trivial dos argumentos em
contexto bem delimitado. Ou dito, de outra forma, o conceito ou o sintagma conceptual
potência revisionista é tão-só abstracto, no sentido hegeliano do termo, isto é, limitado,
14
As limitações de um deus mortal, tanto para quem encarna materialmente a soberania como para a figura
em si, podemo-las encontrar descritas de forma magistral nas palavras do físico Viktor Shtrum para
Chepizhin, em Vida e Destino: “diga-me, este homem do futuro superará em bondade a Cristo? E isto é o
mais importante! Diga-me, que oferecerá ao mundo o poder de um ser omnipresente e omnisciente se este
conserva a nossa fatuidade e egoísmo zoológicos: egoísmo de classe, de raça, de Estado, ou simplesmente
individual? Não transforma este homem o mundo inteiro num campo de concentração galáctico?”
(Grossman, 2009: 881).
15
Para um maior desenvolvimento deste assunto, atenda-se a (Fernandes, 2017: 208-215).
16
Ainda, do mesmo autor (Derrida, 2005: 126-127).
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parcial, seja porque carece de objectivação, seja porque objectivado se enclausura na
sua posição, obviando a marcha dialéctica, perdendo o contacto com o real, ou reduzindo
muito o real visado, o que, na prática, vai dar no mesmo.
De mais a mais, não pode deixar de parecer estranha a evocação actual do conceito de
potência revisionista face à ordem internacional vigente, se pensarmos que em relação
à única super-potência, suposta garante dessa ordem, se discute o seu estatuto de
excepcionalidade existencial enquanto nação, o seu destino manifesto aceite por muitos
norte-americanos desde que arribaram às colónias da fachada atlântica da América do
Norte.
17
Como compaginar a interiorização da imagem messiânica dos EUA de uma
Cidade sobre a Colina, enquanto destino singular, seja na vertente isolacionista, seja na
vertente interventiva, com a imagem de estabilizador de uma ordem da qual se pretende
exceptuar de raiz? Claro que tudo isto parece contraditório com o mito da translatio
imperii, de que os Estados Unidos seriam o derradeiro elo da cadeia de transmissão,
fundando o americanismo uma nova ordem imperial.
18
A não ser que a contradição seja
apenas aparente e os EUA encarnem a ordem de que sempre se exceptuam. Mas não é
isso afinal aquilo que caracteriza o poder soberano, tanto para aquele que exclui como
para o excluído, em perfeita simetria? Não afirmou Lord Acton, num apotegma que tende
a sintetizar o atrás dito sobre a natureza do poder, que todo o poder tende a corromper
e o poder absoluto corrompe absolutamente? Pois bem, na cena internacional, por mais
democráticas que sejam as ideias e atitudes dos principais dirigentes da principal
potência mundial, um poder absolutizado de vida e de morte à escala planetária,
corrompe de um modo absoluto de forma ainda mais pregnante (Losurdo, 2016: 351-
352). Por melhores e mais louváveis que sejam os seus instintos protectores, abstraindo
de demais interesses, mas ainda na esfera da configuração do poder enquanto tal, a
pergunta será sempre sobre quem nos protegerá da responsabilidade (por consequência
sempre revisora) de proteger.
De resto, passando de uma leitura estrutural a uma leitura histórica, em sentido estrito,
e se pensarmos no pano de fundo vestefaliano, são as potências preponderantes, aquelas
que tendem a deter maior supremacia ou superioridade, as mais revisionistas. É claro
que potências menores podem alcandorar-se, como a Prússia, na longa sequência da
Guerra dos Trinta Anos. Ou então, como o expressou à maravilha o cardeal de Richelieu,
ainda que seja comum dizer-se que quem tem a força tem, de ordinário, a
razão, é todavia verdade que, juntando-se por um tratado duas potências
desiguais, a maior corre maior risco de ser abandonada do que a outra. A
razão de ser é evidente: a reputação é tão importante para um grande
príncipe que nenhuma vantagem se lhe poderia propor que pudesse
compensar a perda que ele sofreria se faltasse aos compromissos da sua
palavra e da sua lealdade. E àquele cuja potência é medíocre, apesar da sua
qualidade ser soberana, pode-se fazer uma proposta tão boa que
provavelmente preferirá a sua utilidade à honra, o que o levará a faltar à sua
obrigação para com aquele que, prevendo a sua infidelidade, não poderia
sequer resolver-se a preveni-la, pois ser abandonado pelos seus aliados não
17
Acerca do emprego explícito de uma linguagem teológico-política nos EUA, veja-se (Losurdo, 2008),
(Lieven, 2007), e sobretudo as reflexões do teólogo evangélico Jürgen Moltmann (Moltmann, 1987: 65-78).
18
Sobre o mito da translatio imperii aplicado aos EUA (Losurdo, 2008: 246-247, 249-250).
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tem tantas consequências como o prejuízo que sofreria se violasse a lealdade
(Richelieu, 2008: 287).
Na realidade, e um tal cenário é ainda hoje verificável (veja-se as tentativas de
justificação norte-americanas para empreender a segunda intervenção no Iraque,
quando em termos de puro poder e na prática o poderiam dispensar, tendo sido o que
ocorreu efectivamente ao não conseguirem um respaldo generalizado), a pose moral das
grandes potências, em determinadas circunstâncias, como é o caso das alianças referidas
por Richelieu, acaba por constrangê-las muito mais do que às pequenas potências, às
quais é possível um comportamento oportunista, na aparência revisionista, e dessa
maneira também imoral. Por consequência, a pura e simples deglutição das pequenas
potências pelas grandes, num ambiente arbitrário, atomizado, de salve-se quem puder
não ocorre. A célebre passagem do Sermão de Santo António, do padre António Vieira,
onde é evocada a poderosa e justa imagem dos grandes que comem os pequenos, apesar
da soberania, não pode ser empregada neste ponto de forma directa e linear (Vieira,
2001: 327-328).
De qualquer forma, o que tudo isto nos mostra não é de todo a problemática do
revisionismo, antes a problemática, essa sim fundamental, ademais uma cruz para os
realismos,
19
da impuissance relativa da figura soberana. Da constatação de que o próprio
cerne do poder efectivo das grandes potências, assim como o raio de acção da sua
soberania, dependem, numa escala maior do que estas desejariam, e não obstante os
resultados comparados possíveis, de um comportamento estudado, mas também
necessariamente praticado, de inibição, fruto de um im-poder de fundo e da intromissão
ainda mais funda de um estado de paz fundador, impossível de alijar por completo, tal
como atrás arguimos. No fundo, no cálculo do ser e do parecer, um cálculo que tem de
ser transcrito na realidade, sob pena das expectativas não corresponderem aos papéis
que cada actor se arroga, as grandes potências parecerem mais nobres aos olhos do
mundo por comparação com o dúctil comportamento dos pequenos poderes. Quando não
verdadeiramente nenhum comportamento moral neste cálculo soberano, seja o
soberano pequeno ou grande nas relações internacionais, e o que de moral e
constringente, inescapável mesmo para os soberanos, está francamente a montante. Não
perceber isso é perceber muito pouco; é deixar-se confundir pela retórica soberana, que
apresenta justificações precisamente porque não dispõe do poder suficiente para agir
sem falha no silêncio, para silenciar, devendo por esse facto encetar o compromisso com
o dar razões, violentando-se, expondo-se, é certo, mas ao mesmo tempo imunizando-se
da maneira mais inaparente.
Frise-se, adicionalmente, e em abono do argumento, para que não restem dúvidas que,
no seu afã de incremento de poder, a soberania, na medida em que é árquica, o é
enquanto consolidadora do poder de dominação próprio da relação majestática
19
A cruz dos realismos não está tanto nos pormenores, em a cena internacional, apesar da soberania, não se
resumir a uma luta entre grandes e pequenos, muito menos a uma luta linear entre eles, antes na razão
de fundo que explica porque as relações internacionais não são lineares no que à fricção entre potências
diz respeito, e sobretudo, porque não são nem podem ser, no seu núcleo mais íntimo, uma questão de
poder. Mesmo os candidatos mais fortes a tomar as relações internacionais como relações de poder, os
actores soberano-governamentais, ou aqueles pelos dispositivos soberano-governamentais marcados,
afinal estão tomados na raiz por uma impuissance ultimamente derivada de uma sororidade maior que nem
eles conseguem debelar.
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senhor/súbdito sem resto, e não enquanto forjadora de um determinado enquadramento
particular, uma ordem dominante procurada para durar, a qual deveria ser
tipologicamente designada de ordem soberana. Porque isso seria oferecer às regras
entretanto estabelecidas, em rigor, impostas, uma sedimentação, uma perenidade que
poria em causa o afã de alargar o raio de acção bem como a absolutez mesma do poder
soberano. E se as regras impostas, a ordenação não é mais transitória ainda é porque o
soberano, na condição de deus mortal, nunca consegue apresentar-se em estado puro e
dilatar ao máximo o inconfessado da sua voragem de poder, de o esticar sem dissimular.
Mas justamente quando dissimula, encobre, oferece justificações, dá razão de si, enceta
a sua própria imunidade, não deixando de, paradoxalmente, reforçar também por esse
facto a imunidade encetada, ao fazer parecer que o afã de poder seja outra coisa. Assim,
todo o enquadramento, toda a ordem é provisória, instrumental e não substantiva,
porquanto a soberania assenta na violação da mesma, na sua suspensão. Quer dizer, o
actor soberano, ou impulsionado, ou contaminado pelos racionais soberanos define-se
não pela criação de qualquer ordenamento impositivo, antes pela própria imposição em
si, a dominação enquanto tal, a qual é tanto mais eficaz quanto menos barreiras
sedimentadas tenha para lhe fazer frente claro está que nada impede de designar as
contínuas e sucessivas constelações do poder soberano de “ordem soberana”, por
analogia formal, ou como força de expressão, com vista a facilitar a qualificação de uma
determinada configuração ocorrida com a esfera política na modernidade, tanto em
termos internos como externos. Mas tal procedimento dificulta mais do que esclarece
aquilo que está em causa com a lógica soberana.
Se pensarmos com ponderação, nada do argumentado até aqui nesta secção sob o título
a ideia de revisionismo face ao predomínio da gica soberana tem algo de extraordinário,
ou parece contra-intuitivo, bem pelo contrário. A analogia possível com a relação entre
pais e filhos adolescentes pode ser muito ilustrativa. À partida, parece um análogo mal
escolhido, porquanto a quem mais havemos de assacar o revisionismo senão à força, na
aparência destemperada, do adolescente a querer ganhar espaço, não poucas vezes com
resultados trágicos estamos a pensar em culturas de abundância ou onde a guerra não
viceje, porque nos restantes palcos o cenário é bem mais trágico, sem tempo para
escolhas ou grandes aventuras díscolas.
Contudo, a analogia é certeira. Pois se os adolescentes são, à sua maneira, revisionistas,
tal como as pequenas potências, não é possível negá-lo, a quem cabe revisionismo maior
senão aos pais, às grandes potências? Quem é que pode (ou a isso é obrigado), na
esmagadora maioria das vezes, mudar estruturalmente a vida da família, voluntária ou
involuntariamente, quando uma alteração de emprego implica uma alteração geográfica
radical, com tudo o que isso implica na vida de todos, a não ser os pais?
Comparativamente, o que fica a valer o finca-do adolescente num modo de estar e
numa escolha alternativa dos amigos? No caso da submissão à droga, um análogo
revisionista mais claro. Mas também aí seo procedimento dos pais a ter ultimamente
um papel decisivo na evolução da situação. E caso se dê o passamento do adolescente,
num acidente, mesmo que em muito provocado por comportamentos díscolos, lá está,
revisionistas, do adolescente? que entramos com a contingência, com o carácter
essencialmente aberto e incompleto do mundo dos homens, razão pela qual a soberania
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é um absoluto “tão só” ao nível criatural e o seu raio de acção varia.
20
entramos, por
exemplo, na temporalidade da guerra na cena internacional, com a sua imprevisibilidade,
com a caótica derivada da sua consistência enquanto fenómeno específico ultimamente
intratável, politico-estrategicamente falando, até para o soberano - outra das cruzes dos
realismos, arvorando a bandeira de um mito impossível, o da anarquia internacional.
21
Se medirmos bem, a analogia comprova-se facilmente na história. Pensemos no que
aconteceu na Europa oriental nos estertores da guerra fria. Não eram os Estados
dependentes da URSS, e muito menos a oposição interna, a poder desestabilizar o
sistema. Apenas a própria URSS o poderia fazer. E fê-lo. Mostrando uma vez mais que
as maiores potências são aquelas mais capazes de ser insurgentes contra si mesmo. Ora,
como a queda, internamente provocada a partir do eixo do poder, da União Soviética foi
o mais radical factor de mudança da cena internacional, a União Soviética foi o maior
desafiador de si mesmo, isto é, um putativo puro poder revisionista. Algo que, no caso,
faz tanto sentido quanto a rábula dos gauleses a invadir a Gália, desarmando, isso sim,
por dentro, a bondade do argumento da existência de potências revisionistas.
Existe ainda uma outra opção, até porque não cingimos a dignidade de sujeito político
internacional, trespassado pela soberania, unicamente aos actores estaduais, referimo-
nos ao terrorismo. Felizmente, o terrorismo de dignidade actorial não parece ter nada,
apesar de ser um agente com franca influência na cena internacional. Para ser um actor
político internacional precisaria desde logo de ser político de cabo a rabo, qualificação
que dificilmente nele assenta porquanto a lógica de violência per se parece imperar, e
tudo o mais são cristas nebulosas, ganga retórica a disfarçar o seu verdadeiro core
business. Um actor político é aquele que edifica, o faz mantendo o statu quo, reformando,
ou revolucionando, e não aquele que segrega parasitariamente o habitar, desedifica, faz
da dogmática da violência sua dimensão fontal.
22
Ainda assim, mesmo que não
tivéssemos razão, estão as conclusões da filósofa italiana Donatella Di Cesare, mesmo
não a seguindo em todo o comprimento de onda, a mostrar-nos, sem de modo algum
justificar o terrorismo, que este se afigura um contragolpe à auto-suficiência arrogante
da modernidade, por dentro da modernidade globalizadora, tal como se apresenta
(Cesare, 2017).
23
Significa isto que, mesmo estando perante um conglomerado genérico
altamente revisionista, na aparência sem par, o revolvimento produzido pelo terrorismo
nas entranhas da modernidade, a julgar pelos racionais de Di Cesare, é intrínseco à
20
Acerca da ineliminável contingência das acções humanas, vide, entre outros (MacIntyre, 2007: 88-108).
21
Sobre o mito da anarquia internacional, veja-se (Fernandes, 2012).
22
Sobre o terrorismo enquanto figura do mal, atravessando o terreiro da política sem ser político, veja-se
(Fernandes, 2010). Pensamos que Michael Walzer vai na mesma linha ao defender que a razão pela qual
nenhum programa terrorista, por indecente que seja em si mesmo, pode ser instrumento de qualquer fim
político digno desse nome é que todo o fim político minimamente decente deve acolher de alguma forma
as pessoas contra as quais se dirige o terrorismo. Quando o terrorismo expressa exactamente a recusa de
que alguma vez essas pessoas, contra as quais se luta em nome de um pretenso grande ideal, possam vir
sequer a existir no espaço a implantar desse suposto ideal (Walzer, 2004: 200). Nesse sentido, mais do
que numa antevisão do totalitarismo, podem ser tomadas as palavras de Verkhovênski em Demónios: “toda
a actividade consiste, por enquanto, em fazer ruir tudo: o Estado e a moral. Ficaremos de pé apenas nós,
os predestinados para o poder: adoptaremos os inteligentes e cavalgaremos os estúpidos” (Dostoiévski,
2008: 564). Vale a pena lembrar que a obra é escrita no contexto do culto à violência do niilismo
revolucionário, sendo a personagem de Verkhovênski inspirada em Sergei Nechayev, o célebre autor do
Catecismo Revolucionário.
23
Mesmo no caso do terrorismo de inspiração islâmica a filósofa italiana argumenta com pertinência que é
difícil defender tratar-se de um choque de civilizações, pois afinal é o ocidentalizado aquele que “declara
guerra” ao Ocidente, cujo rechaço sente ter experimentado e por essa razão o demoniza (Cesare, 2017:
147).
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modernidade, por conseguinte também dependente da configuração disruptiva (e, nesse
sentido, revisionista) induzida pelas potências superiores ao longo do tempo. Porém,
assim sendo, voltámos ao mesmo de qualquer forma é necessário ter cuidado com
estes putativos revolvimentos, por causa do circo mediático que impregna a nossa época.
Basta estar atento às cogitações acerca de uma nova era depois dos atentados de 11 de
Setembro de 2001, observando a facilidade e o desplante com que hoje a primeira
punção que aparece é de imediato apelidada de mutação histórica.
Enfim, se perguntarmos hoje pelos Estados Unidos, como ontem poderíamos perguntar
pelo Reino Unido, e no futuro, por outra potência qualquer, interrogando se acaso os
Estados Unidos, tendo em conta até a muito debatida possibilidade de um carácter
excepcional,
24
são uma potência revisionista, e se a resposta for negativa, como
poderemos encarar com interesse o sintagma nocional em si de potência revisionista? Se
nem a maior potência mundial ao tempo for revisionista, então quem poderá sê-lo?
De resto, para julgar, com um argumento final e adicional, da inanidade do sintagma
potência revisionista, atendamos ao seguinte: como acabámos de mostrar, as potências
soberanas maiores são as mais revisionistas, num senso muito genérico, sem qualificar,
aquelas que tendem a revolver mais a realidade internacional. No entanto, bem sabemos
ser possível uma configuração de poder unipolar não significa que exista. Ora, essa
potência unipolar, enquanto poder soberano com maior raio de acção, será
necessariamente a mais revisionista de entre elas. Porém, que sentido faria apelidá-la
de revisionista em face de uma “ordem” cuja configuração dirigiria à descrição?
Concluindo
A defesa da noção de potência revisionista obriga, como princípio tácito, à assunção de
que, reconhecendo distintos protagonistas, interesses diversos, mundividências
históricas e espaciais várias, no intuito de escapar ao enviesamento ideológico, não
obstante é possível encontrar uma determinada ordem, ou pelo menos uma confluência
estável, um nimo denominador comum, com os seus campeões e os seus
perturbadores. Todavia, isso é já pressupor demasiado, seja porque invoca uma abstrusa
ideia mecanicista de sistema nas relações internacionais, seja porque contempla marcos
recorrentes suficientemente equiparáveis, numa veia determinista dificilmente
compaginável com o aberto do homem no mundo. Porque se é difícil integrar numa
mesma conceptualização o mercador possidente quinhentista, o abastado comerciante
chinês do Índico da mesma altura e o capitalista comercial do século XIX, o que não dizer
de um espaço conceptual que tem em comum o conceito de ordem, quando muito.
Mas pior, imaginando suplantar esses obstáculos, não se dão as condições nem
necessárias nem suficientes para operacionalizar a noção sintagmática de potência
revisionista. Não se dão as condições necessárias porque os principais agentes de poder,
os actores soberanos ou para-soberanos e a força mais disruptiva da cena internacional,
a força bélica, são assistémicos por natureza. Outrossim, não se dão as condições
24
Apesar de todas as prevenções iniciais - o juiz James Wilson, membro do Supremo Tribunal, chegou a
afirmar, em 1793, que para a constituição do novel Estado norte-americano a soberania era um termo
totalmente desconhecido (apud Arendt, 2014: 15). Os EUA acabaram por ser um país como os outros, e
realmente a lógica soberana acabou por se impor. Todavia, não estamos seguros de não haver nenhuma
excepcionalidade na história norte-americana, na presunção de ser possível estabelecer um padrão do
mundo abraâmico, na sua vertente judaico-cristã, como aferidor.
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suficientes porque os actores soberanos são todos, grandes e pequenos, e principalmente
os grandes, aqueles a quem a priori julgaríamos poder atribuir maiores faculdades
estabilizadoras, revisionistas. Ao mesmo tempo que toda a ideia de ordem subjacente
que queiramos encontrar, por mais descarnada que seja, é sempre comprometida. Ao
homem não foi dada a faculdade de uma view from nowhere, de observar à vista de
pássaro, envolvido que está sempre no círculo hermenêutico da compreensão.
Ou como afiança Magris, num delicioso instantâneo a propósito de um sujeito empenhado
directamente no que veio a ser a queda do Muro de Berlim, a qual, não obstante, julgava
impossível a curto trecho:
quase todos nós somos observadores cegos, relutantes ou então incapazes
de acreditar que as coisas podem mudar. Tomamos a realidade, na qual
estamos habituados a viver, como a natureza, como uma ordem de coisas
que talvez fosse desejável, mas é ingénuo, querer mudar. Tomamos a
fachada do real como a única realidade possível, definitiva, sem sentirmos
aquilo que desde sempre e incessantemente preme dentro dela e
continuamente a transforma ora lentamente, quase inadvertidamente, ora
de forma clamorosa. Não sentimos o caruncho que corrói a madeira, não nos
apercebemos da crisálida que será um dia borboleta, não temos percepção
do entupimento das artérias da História (Magris, 2018: 94-95).
Claro que há, por fim, uma força verdadeiramente perturbadora e revisionista, ou melhor,
insurgente, sendo mais rigoroso ainda, messiânica, residente no débil, na asthêneia,
dotada de uma potência deveras desequilibrante, ainda não de todo mobilizada. Porém,
essa nada tem a ver com os jogos de poder, antes com o seu fim, porque nela se joga
força de rei, mas a de um rei mendigo, de um deus cigano, a do amor e da justiça a
haver, que escapa a todo o registo de dominação e incoa a metanóia.
Assim, todos aqueles que usam, de forma consciente e reflexiva, a noção de potência
revisionista, sem ser num contexto estrita e trivialmente pragmático, quase como mera
força de expressão, ou ao serviço de uma ideologia ou de uma constelação de poder,
antes pretendendo encontrar justificações fundacionais e orto-normativas para a mesma,
deveriam antes evitar o aranzel estar calados.
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