senhor/súbdito sem resto, e não enquanto forjadora de um determinado enquadramento
particular, uma ordem dominante procurada para durar, a qual deveria ser
tipologicamente designada de ordem soberana. Porque isso seria oferecer às regras
entretanto estabelecidas, em rigor, impostas, uma sedimentação, uma perenidade que
poria em causa o afã de alargar o raio de acção bem como a absolutez mesma do poder
soberano. E se as regras impostas, a ordenação não é mais transitória ainda é porque o
soberano, na condição de deus mortal, nunca consegue apresentar-se em estado puro e
dilatar ao máximo o inconfessado da sua voragem de poder, de o esticar sem dissimular.
Mas justamente quando dissimula, encobre, oferece justificações, dá razão de si, enceta
a sua própria imunidade, não deixando de, paradoxalmente, reforçar também por esse
facto a imunidade encetada, ao fazer parecer que o afã de poder seja outra coisa. Assim,
todo o enquadramento, toda a ordem é provisória, instrumental e não substantiva,
porquanto a soberania assenta na violação da mesma, na sua suspensão. Quer dizer, o
actor soberano, ou impulsionado, ou contaminado pelos racionais soberanos define-se
não pela criação de qualquer ordenamento impositivo, antes pela própria imposição em
si, a dominação enquanto tal, a qual é tanto mais eficaz quanto menos barreiras
sedimentadas tenha para lhe fazer frente – claro está que nada impede de designar as
contínuas e sucessivas constelações do poder soberano de “ordem soberana”, por
analogia formal, ou como força de expressão, com vista a facilitar a qualificação de uma
determinada configuração ocorrida com a esfera política na modernidade, tanto em
termos internos como externos. Mas tal procedimento dificulta mais do que esclarece
aquilo que está em causa com a lógica soberana.
Se pensarmos com ponderação, nada do argumentado até aqui nesta secção sob o título
a ideia de revisionismo face ao predomínio da lógica soberana tem algo de extraordinário,
ou parece contra-intuitivo, bem pelo contrário. A analogia possível com a relação entre
pais e filhos adolescentes pode ser muito ilustrativa. À partida, parece um análogo mal
escolhido, porquanto a quem mais havemos de assacar o revisionismo senão à força, na
aparência destemperada, do adolescente a querer ganhar espaço, não poucas vezes com
resultados trágicos – estamos a pensar em culturas de abundância ou onde a guerra não
viceje, porque nos restantes palcos o cenário é bem mais trágico, sem tempo para
escolhas ou grandes aventuras díscolas.
Contudo, a analogia é certeira. Pois se os adolescentes são, à sua maneira, revisionistas,
tal como as pequenas potências, não é possível negá-lo, a quem cabe revisionismo maior
senão aos pais, às grandes potências? Quem é que pode (ou a isso é obrigado), na
esmagadora maioria das vezes, mudar estruturalmente a vida da família, voluntária ou
involuntariamente, quando uma alteração de emprego implica uma alteração geográfica
radical, com tudo o que isso implica na vida de todos, a não ser os pais?
Comparativamente, o que fica a valer o finca-pé do adolescente num modo de estar e
numa escolha alternativa dos amigos? No caso da submissão à droga, há um análogo
revisionista mais claro. Mas também aí será o procedimento dos pais a ter ultimamente
um papel decisivo na evolução da situação. E caso se dê o passamento do adolescente,
num acidente, mesmo que em muito provocado por comportamentos díscolos, lá está,
revisionistas, do adolescente? Só que aí entramos com a contingência, com o carácter
essencialmente aberto e incompleto do mundo dos homens, razão pela qual a soberania