de duas superpotências. EUA e URSS perfilhavam de ideologias opostas, o liberalismo e
o marxismo-leninismo, mas «ambos eram ideologias esclarecidas que buscavam
expandir-se à civilização universal» (Gray, 2007: 30). Envolveram-se, então, numa
disputa estratégica, económica e ideológica que começou na Europa e se alastrou
rapidamente a todas as regiões do mundo, determinando sistemas de alianças,
alinhamentos económicos, conflitos, regras, instituições, comportamentos e interacções
entre a generalidade dos actores, estatais e não estatais. Muito mais do que a ONU e o
Direito Internacional, foram as armas nucleares (que a URSS também passou a possuir
desde 1949) e a dissuasão pela “destruição mútua garantida” que obrigou americanos e
soviéticos a coexistirem em Guerra Fria e o mundo viver sob esse “equilíbrio do terror”.
Cada uma das superpotências dispunha de “áreas de influência” no mundo e nas várias
regiões, liderando e organizando o seu “bloco” em função dos respectivos interesses,
visões e instituições. Desta confrontação bipolar resultaram diretamente inúmeros
conflitos, guerras civis, golpes de Estado, movimentos de guerrilha e subversivos,
“guerras por procuração” e “crises” e guerras internacionais.
Paralelamente, ainda que sempre em competição, os EUA e a URSS foram conseguindo
cooperar e articular-se quando os seus interesses convergiam. Por exemplo, ambos
favoreceram o direito da autodeterminação e a descolonização pelos países europeus, tal
como condenaram certas posturas neocoloniais (como na Crise do Suez de 1956). Foi
possível desenvolver o “sistema onusiano”, reconhecer inúmeros novos Estados
independentes e até lançar “missões de paz” da ONU (quando nenhum exerceu o seu
direito de veto no CSNU). A articulação entre os “blocos” Leste e Oeste foi igualmente
crucial para a celebração do armistício que pôs fim à Guerra da Coreia de 1950-53,
Acordos de Paz como os de Genebra de 1954, a “substituição” da República da
China/Taiwan pela República Popular da China na ONU (e logo como membro-
permanente do seu Conselho de Segurança), em 1971, ou os Acordos de Helsínquia
alcançados na Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), em 1975.
E se é certo que o nível de interdependência económica e comercial entre os dois lados
era mínimo e não justificou o desenvolvimento de regras e instituições comuns nesse
domínio, articularam-se para criar ou apoiar o desenvolvimento de novas normas e, por
vezes, instituições, a respeito do controlo de armamentos, da não militarização de certos
espaços ou da não proliferação de armas nucleares, nos níveis bilateral e multilateral, de
que são exemplo o Antarctic Treaty System, o Moon Agreement, o Outer Space Treaty,
os Tratados Anti-Ballistic Missile (ABM), Strategic Arms Limitations Talks (SALT) 1 e 2 e
Strategic Arms Reductions Talks (START), a Convention on Certain Conventional
Weapons, Convention for the Suppression of Unlawful Acts against the Safety of Civil
Aviation, a Biological Weapons Convention aos Seabed Arms Control Treaty, o
Intermediate-Range Nuclear Forces Treaty, o Partial Test Ban Treaty , o Tratado de Não
Proliferação Nuclear, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) ou o Nuclear
Suppliers Group.
Portanto, a ordem mundial que vigorou entre 1946-47 e 1989-91 foi, essencialmente, a
da Guerra Fria, fundida com o “sistema onusiano” que, apesar de tudo, se desenvolveu
e alargou a muitos novos Estados resultantes dos processos de descolonização que a
organização apoiou, sobretudo, através da sua Assembleia-Geral (ver O’Sullivan, 2005).
No âmbito e coexistindo com essa ordem mundial, estabeleceram-se outras duas outras
ordens internacionais correspondendo aos “campos” liderados por cada uma das