OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 13, Nº. 1 (Maio-Outubro 2022)
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A DIPLOMACIA CIENTÍFICA PORTUGUESA E AS REDES DE PROFISSIONAIS,
INVESTIGADORES E ESTUDANTES PÓS-GRADUADOS PORTUGUESES NO
ESTRANGEIRO: DA FUGA À CIRCULAÇÃO DE CÉREBROS
JOÃO MOURATO PINTO
jmouratopinto@gmail.com
Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade de Coimbra e mestre em Relações
Internacionais Estudos Europeus por esta Universidade e por Sciences Po Bordeaux. É
professor de diplomacia e doutorando na Universidade do Minho (Portugal), dedicando-se ao
estudo da ação global da União Europeia, particularmente em relação ao Brasil e à América do
Sul. É membro colaborador do Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade do
Minho e trabalhou no Conselho Europeu de Investigação/European Research Council (Comissão
Europeia). Foi Presidente da Erasmus Student Network (2017-2019), organização onde trabalhou
para melhorar a acessibilidade e a qualidade dos intercâmbios académicos no ensino superior a
nível global. Os seus principais interesses de investigação são a Ação Externa da União Europeia,
política externa brasileira, regionalismo sul-americano e diplomacia.
Resumo
A diplomacia científica é um campo que nasce da interação entre a ciência e a diplomacia.
Surge num contexto de alargamento do multilateralismo a novos atores onde se incluem os
cientistas, as Instituições de Ensino Superior, laboratórios, empresas e cidades. A Resolução
do Conselhos de Ministros n.º 78/2016 é a matriz legal da diplomacia científica portuguesa,
apresentando-a como um de vários pilares para a internacionalização da ciência e tecnologia
do país. De entre os vários atores identificados por esta resolução, as “Redes constituídas por
Profissionais, Investigadores e Estudantes Pós-Graduados Portugueses a trabalhar no
estrangeiro” têm um potencial elevado, sobretudo tendo em conta as sinergias que poderão
criar com embaixadas, pela via de conselheiros científicos, e com as Instituições de Ensino
Superior e cidades portuguesas. Após uma contextualização da diplomacia científica enquanto
disciplina e prática europeia e nacional, este artigo contribui para esse debate através de uma
reflexão exploratória sobre a papel das redes de profissionais e investigadores portugueses
no estrangeiro na operacionalização da diplomacia científica portuguesa.
Palavras-chave
Diplomacia científica; União Europeia; Portugal; emigração; ensino superior
Como citar este artigo
Pinto, João Mourato (2022). A diplomacia científica portuguesa e as redes de profissionais,
investigadores e estudantes pós-graduados portugueses no estrangeiro: da fuga à circulação
de rebros. In Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 13, 1, Maio-Outubro
2022. Consultado [em linha] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-
7251.13.1.7
Artigo recebido em 3 Maio 2021 e aceite para publicação em 3 Mao 2022
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A diplomacia científica portuguesa e as redes de profissionais, investigadores e estudantes pós-
graduados portugueses no estrangeiro: da fuga à circulação de cérebros
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A DIPLOMACIA CIENTÍFICA PORTUGUESA E AS REDES DE
PROFISSIONAIS, INVESTIGADORES E ESTUDANTES PÓS-
GRADUADOS PORTUGUESES NO ESTRANGEIRO:
DA FUGA À CIRCULAÇÃO DE CÉREBROS
JOÃO MOURATO PINTO
Introdução
O termo “diplomacia científica” refere-se a um conjunto de práticas que cruzam os
setores da investigação, ensino superior, ciência, tecnologia e inovação com a área das
relações internacionais, identificando pontos de interesse comum e instigando à sua
colaboração em desafios partilhados. O seu carater abrangente tem-se traduzido, por um
lado, em alguma confusão conceptual e, por outro, numa constante inovação na sua
aplicação.
Esta expansão conceptual e pragmática tem conduzido algumas organizações a refletir
sobre o seu contributo para a diplomacia científica. Entre estas encontram-se as “redes
constituídas por profissionais, investigadores e estudantes pós-graduados portugueses
no estrangeiro”, as quais começaram a surgir pouco mais de uma década por
organização espontânea dos portugueses emigrados. A Resolução do Conselho de
Ministros n.º 78/2016, a qual serve de enquadramento legal da diplomacia científica em
Portugal, atribui-lhes um papel de interlocutor” entre o Governo e as embaixadas
portuguesas e os investigadores portugueses emigrados. Este papel de interlocução
constitui uma inovação que outros países também têm procurado explorar e que, com a
estratégia acertada, pode tornar-se numa pedra angular do exercício futuro da
diplomacia científica.
Neste artigo exploratório, o qual parte de um briefing paper escrito para o Ministério dos
Negócios Estrangeiros e para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior,
discute-se o papel que estas redes podem desempenhar no contexto alargado da
diplomacia científica portuguesa. Em particular olha-se para o seu potencial agregador
de emigrantes graduados portugueses, sobretudo os que trabalham no meio científico,
como forma de contribuir para a substituição do termo “fuga de cérebros” por “circulação
de cérebros”. Este artigo argumenta que o trabalho em rede e no estrangeiro, seja de
forma temporária ou permanente, é uma condição intrínseca à profissão científica,
afetando especialmente os países mais periféricos e com menores recursos. Partindo
dessa premissa, é argumentado que as redes de profissionais e investigadores
portugueses no estrangeiro podem servir de pontos de contacto entre essa comunidade
e Portugal, ajudando à sua integração no novo meio enquanto a mantém informada sobre
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e promove o seu envolvimento na ciência feita por portugueses, em Portugal e no resto
do mundo. Este contacto horizontal (entre pares) e vertical (com o país) permite tanto à
diplomacia como à ciência portuguesa incluir na sua ação o contributo dos cientistas
portugueses no estrangeiro, seja pela via do conhecimento obtido ou pela via das redes
em que estes se inserem.
Para atingir este fim, a análise começa por salientar os principais aspetos do debate em
torno da definição da diplomacia científica, incluindo a sua relação com a chamada fuga
de cérebros, partindo depois para uma visita à sua aplicação pela União Europeia (UE).
Este enquadramento é seguido de uma análise mais detalhada do caso português,
atentando sobretudo às dinâmicas mais relevantes para as redes em causa. Nesse
sentido, o seu papel presente e potencial é articulado com o dos conselheiros
científicos, Instituições de Ensino Superior (IES) e cidades, procurando assim seguir
múltiplos ângulos na vida de um investigador. Por fim, são apresentadas ideias para o
futuro com o intuito de contribuir para o debate académico e prático em torno do papel
da diplomacia científica na diplomacia e na ciência portuguesa. Ao longo do documento
são introduzidos exemplos estrangeiros como ilustração dos argumentos apresentados.
1. A ciência como ramo da diplomacia (e vice-versa)
A diplomacia científica é um tema relativamente recente, mas em rápida evolução. Esta
insere-se num quadro de mudança do multilateralismo, hoje caracterizado também por
um progressivo alargamento das práticas diplomáticas a outros setores da sociedade.
Estas novas práticas não substituem a diplomacia tradicional, a qual permanece um dos
mais importantes instrumentos de política externa de cada país, particularmente nas
relações formais entre Estados. o obstante, inserem-se num quadro de paulatina
evolução da diplomacia onde temas nacionais e internacionais se confundem na era da
globalização e onde o seu uso não é exclusivo dos Governos.
De entre as novas expressões da diplomacia, a diplomacia científica é particularmente
abrangente. De grosso modo, esta define-se como um “nexo de práticas” (Mendonça,
2016) ou uma “interação difusa” (Aranda, 2019) entre os negócios estrangeiros de um
Estado, os quais o geralmente coordenados pelos Ministérios dos Negócios
Estrangeiros, e a sua política científica e tecnológica, a qual é gerida pelos Ministérios de
Ciência. Trata-se de “desenvolver o ambiente nacional de investigação e
empreendedorismo ao mesmo tempo que [se] projetam na arena internacional os
interesses estratégicos da comunidade de atores de referência” (Mendonça, 2016). A
interseção de dois campos tão abrangentes gera, inevitavelmente, uma miríade de
abordagens e ângulos diferentes assumidos pela diplomacia científica em cada Estado.
Por este motivo, ainda não existe uma definição completa do termo nem um modelo
único que possa ser facilmente replicado (Aranda, 2019).
Uma das definições mais consensuais é a cunhada pela Royal Society (Reino Unido) e
pela American Association for the Advancement of Science (AAAS, Estados Unidos da
América) em 2010 na sua publicação “New Frontiers in Science Diplomacy”. Essa
definição assenta em três pilares: diplomacia para a ciência, quando a diplomacia facilita
a criação de parcerias científicas; ciência para a diplomacia, quando a ciência facilita o
desenvolvimento de relações diplomáticas; e ciência na diplomacia, quando os objetivos
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da política externa são informados pelo aconselhamento científico. Desde então, estes
termos têm sido usados por diversas instituições como um entendimento partilhado de
uma atividade ainda em construção. Mais recentemente, o projeto EL-CSID
1
, financiado
pelo programa Horizonte 2020, propôs a adição de um quarto pilar denominado
diplomacia na ciência, a fim de alertar para a necessidade de incorporar práticas
diplomáticas na ciência. Segundo este projeto, dessa forma poderá ser mais fácil
combater o ceticismo em relação à ciência, reparar a fragmentação da sociedade,
aumentar o impacto da ciência nos debates sociais e profissionalizar o diálogo entre
cientistas e decisores políticos (Van Langenhove, 2021).
Para atingir estes objetivos, a diplomacia científica faz uso de várias ferramentas
estratégicas e operacionais. No nível estratégico emitem-se declarações conjuntas entre
Estados, regiões ou instituições e usa-se do assento em organizações internacionais para
salientar a importância de uma determinada agenda científica. O nível operacional
assenta em acordos de colaboração internacional dos quais se destacam, por exemplo,
o CERN
2
ou o SESAME
3
. Este último reúne cientistas de diversos Estados do Médio
Oriente, incluindo alguns sem relações diplomáticas entre si, criando um ambiente
propício ao sucesso da “ciência para a diplomacia”. O Painel Intergovernamental para as
Alterações Climáticas (IPCC) é outro exemplo de relevo (Van Langenhove, 2016) pois
reúne um grupo pluridisciplinar de cientistas e diplomatas responsáveis pelo
acompanhamento do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, sendo assim um
exemplo de “ciência na diplomacia”. Outras ferramentas operacionais incluem conselhos
consultivos em ciência e tecnologia, alocação de conselheiros científicos a embaixadas,
inclusão de cientistas estrangeiros em esquemas nacionais de financiamento de ciência
e tecnologia, programas de intercâmbio académico, programas internacionais de
colaboração científica, entre outros.
A implementação da diplomacia científica deve também incluir campanhas de promoção
dos seus resultados e programas de treino dedicados, sendo estes porventura os campos
menos trabalhados (Van Langenhove, 2016). A inexistência de uma carreira de
diplomacia científica dificulta a criação de oferta formativa, já que o tema tende a residir
sobretudo no discurso oral como referência às práticas que combinam ciência e
diplomacia. A esta dificuldade acresce ainda o facto de alguns cientistas não
considerarem que parte do seu trabalho possa ser etiquetado como um tipo de
diplomacia. Consequentemente, nem todos os profissionais de ciência são treinados para
a aquisição das competências necessárias à prática diplomática e nem todos os
diplomatas conhecem a ciência (enquanto campo abstrato) com a profundidade
necessária. Questões como estas têm aumentado o criticismo em torno da falta de
mecanismos de avaliação da eficácia da diplomacia científica (Flink, 2021).
A aplicação destas ferramentas requer o trabalho conjunto de recursos humanos
altamente qualificados em vários setores. O projeto S4D4C
4
identificou cinco grupos de
atores relevantes para a diplomacia científica: setor governamental (incluindo governos
subnacionais e agências públicas), setor intergovernamental e organizações
1
European Leadership in Cultural, Science and Innovation Diplomacy el-csid.eu.
2
Organização Europeia para a Investigação Nuclear.
3
Synchrotron-Light for Experimental Science and Applications in the Middle East.
4
Using Science for/in Diplomacy for addressing global Challenges s4d4c.eu.
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supranacionais, setor privado (desde start-ups a multinacionais), setor universitário e de
investigação científica (incluindo academias nacionais, conselhos de investigação ou
indivíduos proeminentes) e o setor da sociedade civil (Elorza et al., 2021). Posto isto,
uma das principais dificuldades da diplomacia científica prende-se com a complexa
coordenação de tantos atores. Segundo as conclusões do mesmo projeto, uma relação
direta entre o nível de eficácia dessa coordenação e o alcance da diplomacia científica de
um Estado.
A obrigatoriedade da inclusão de atores políticos e diplomáticos é uma das principais
características que distingue a diplomacia científica da colaboração científica
internacional em geral. A diplomacia científica é um resultado ponderado entre ciência e
prioridades políticas, uma convivência nem sempre harmoniosa que «ciência
representa “objetividade” e “verdade” [e] diplomacia representa “interesse” e
“compromisso”» (Mendonça, 2016). Neste contexto, entre alguns cientistas o receio
de que a ciência possa ser instrumentalizada pela realpolitik, especialmente porque a
diplomacia científica é sobretudo um ramo da diplomacia e, portanto, pode estar sujeita
a lógicas potencialmente adversas à ciência (Muller, 2021). Países como o Reino Unido e
a China, e até mesmo a UE através de projetos financiados pelo Horizonte 2020, têm
aumentado o seu investimento na ciência tendo em vista o alargamento do seu soft
power, ou seja, a sua capacidade de atração e de influência nas relações internacionais.
Assim, apesar de a narrativa em torno da diplomacia científica ser maioritariamente
positiva, sublinhando-se palavras como “cooperação” e “universalidade”, a prática
demonstra que este não será sempre o caso e que a moeda tem de facto outro lado.
Hoje, a diplomacia científica também reflete lógicas de interesses nacionais e dinâmicas
de poder, uma tendência acelerada pela pandemia COVID-19 (Fägersten, 2021).
Uma diplomacia científica eficaz pode ter ainda outro efeito perverso. Ao atrair para um
dado país os melhores talentos globais, tanto pode contribuir para o enriquecimento
desse Estado como para o empobrecimento dos Estados de onde esses talentos provêm.
Estes movimentos tendem a aglutinar-se em grandes centros científicos e tecnológicos
mundiais, alimentando um círculo vicioso de perpetuação dos desequilíbrios que estão
na origem dessa mesma emigração. Ou seja, a diplomacia científica pode contribuir para
a perpetuação de dinâmicas migratórias entre centros e periferias.
Por outro lado, através da implementação de redes de profissionais e investigadores no
estrangeiro, a diplomacia científica também oferece aos Estados a possibilidade de se
manterem ligados aos seus cérebros “em fuga”, criando a estrutura para que estes
contribuam para o desenvolvimento do seu país a partir do estrangeiro. Devido à
natureza híbrida de cooperação e competição da ciência, a emigração permanente ou
temporária é intrínseca à profissão científica. Através das suas ferramentas, a diplomacia
científica oferece soluções para a quebra do círculo vicioso, contribuindo para que o termo
“fuga de cérebros” possa ser substituído por “circulação de cérebros”, ou seja, a noção
de que os investigadores nacionais e estrangeiros têm fases da sua carreira dentro e
fora do país e que ambas as situações podem acrescentar valor à ciência nacional. Esta
circulação contribui para que a diplomacia científica de um país ganhe e distribua
influência em, por exemplo, processos de decisão em organizações internacionais. Neste
contexto, ao promoverem a ligação ao país de origem, as redes de profissionais e
investigadores no estrangeiro podem desempenhar um papel importante na correção dos
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desequibrios, contribuindo para que a diplomacia científica não seja um jogo de soma
nula.
Para acelerar o avanço da implementação de estratégias de diplomacia científica no
mundo, no seu relatório final o projeto EL-CSID propõe um conjunto de recomendações
(EL-CSID, 2019). Em primeiro lugar aponta para a necessidade de uma maior teorização
sobre o tema, sobretudo em ligação com as teorias das Relações Internacionais e assente
em estudos de caso sobre sucessos e falhanços da diplomacia científica. Segundo, deve
ser fomentada a troca de boas-práticas, sobretudo entre cientistas e outros profissionais,
assim como a comunicação entre estes e os decisores políticos. Terceiro, o estudo afirma
que os cientistas deverão estar mais atentos às consequências do seu trabalho nas
relações internacionais, empenhando-se em redes com impacto na diplomacia científica.
Por fim, é recomendado aos decisores políticos que monitorizem este tipo de atividade,
incorporando-a no seu trabalho e rejeitando bloqueios políticos ao avanço da ciência.
2. Diplomacia Científica da União Europeia
Em junho de 2015, Carlos Moedas, então Comissário Europeu para a Investigação,
Ciência e Inovação, num discurso endereçado ao European Institute em Washington DC,
referiu que “a diplomacia científica apresenta uma oportunidade sem igual para enfrentar
os atuais desafios políticos, demográficos e ambientais através da língua e expressão
universal do esforço científico” (Moedas, 2015). No ano seguinte, a Estratégia Global da
UE, o documento orientador da ação externa europeia, indicou a diplomacia científica
como uma forma de resolver conflitos. Desde então, a UE traçou seis objetivos gerais
para a sua diplomacia científica: estabelecer um ambiente livre para os cientistas da
união; acordar sobre os princípios da cooperação científica; promover a capacidade da
diplomacia cultural e científica no contexto da sua ação externa; conectar outras
estratégias de política externa à diplomacia científica; aumentar a coesão entre os
Estados-membros; e perceber qual o papel de cada ator na diplomacia científica, sendo
que alguns poderão ser mais estratégicos se deixados independentes (Fägersten, 2021).
Nesse sentido, a UE tem vindo a incluir a diplomacia científica em alguns dos seus
programas e instrumentos. Tal é visível no trabalho de instituições como o Conselho
Europeu de Investigação (ERC) ou o Centro Comum de Investigação (JRC) e em
programas como o Horizonte 2020, as Ações Marie Sklodowska-Curie ou o Erasmus+.
Este último, incluindo as suas ações Jean Monnet, recebe financiamento direto do Serviço
Europeu de Ação Externa (SEAE) com o propósito de alargar o papel do setor educativo
na ação externa europeia. Mais recentemente a UE tem integrado os alumni destes e
outros programas na sua estratégia diplomática com vista à criação de redes de alumni
“embaixadores” da causa europeia (Ferreira-Pereira e Mourato Pinto, 2021). A rede
Euraxess, a qual é composta por mais de 600 pontos de informação em 42 países
europeus e com rias ligações a outros pontos do mundo, é outra ferramenta central
na estratégia europeia para a área.
O Horizonte 2020 proporcionou a criação do cluster de diplomacia científica da UE
(science-diplomacy.eu), o qual é constituído por três projetos irmãos: EL-CSID
(terminado em 2019), S4D4C (terminado em 2021), o qual criou um curso virtual
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gratuito e aberto ao público em geral, e InsSciDE
5
(termina em 2022). Em 2019, as
comunidades dinamizadas por estes projetos lançaram a “Declaração de Madrid sobre
Diplomacia Científica” com o objetivo de fomentar a condução de políticas externas
informadas pela ciência, o aumento da produtividade das relações internacionais e o
alargamento da capacidade para enfrentar desafios globais. Para o atingir a Declaração
de Madrid defende que a diplomacia científica deve ter os cidadãos no centro da sua ação
e deve ser capaz de mostrar resultados com frequência. Esta comunidade tem sido muito
ativa na criação de propostas para a diplomacia científica da UE, apelando a que esta
estimule o treino dos seus Estados-membros, fomente a criação de uma comunidade
europeia de profissionais neste campo e faça uma maior ligação entre a ciência e o
combate aos desafios globais (Melchor, Elorza, Lacunza, 2021). Em 2021 este cluster foi
transformado na EU Science Diplomacy Alliance, a qual oferece mais oportunidades de
treino e aconselhamento aos diversos atores, a fim de formar uma comunidade europeia
de diplomacia científica. A tarefa poderá revelar-se mais desafiante tendo em conta que
o campo se estará a fraturar em áreas temáticas como energia, água, saúde, entre
outros. Posto isto, argumenta-se que a aposta deverá residir na criação de espaços para
a troca de ideias e na disponibilização de oportunidades de formação (Hartl, 2021).
A ação da UE também se alicerça numa rede de treze conselheiros científicos distribuídos
pelo mundo e coordenada a partir de Bruxelas pelo Fórum Estratégico para a Cooperação
Internacional em Ciência e Tecnologia (SFIC), uma colaboração entre o SEAE e a Direção-
Geral para a Investigação e Inovação da Comissão Europeia (Conselho da EU, 2016).
Estes estão alocados a países de interesse estratégico da UE
6
, sendo que o mais recente
foi criado em 2020 no Reino Unido na sequência do Brexit
7
. Estes conselheiros promovem
os programas de investigação da UE para aumentar o seu perfil internacional e fomentam
a colaboração entre os conselheiros ou attachés dos Estados-membros através da
organização de reuniões mensais (Ruffini, 2021a). Quanto ao SFIC, este está dotado de
uma equipa especializada em diplomacia científica, a qual lançou em setembro de 2020
o working paper “Anchoring Science Diplomacy In Horizon Europe - Developing Specific
Subjects And Activities”. Este documento sublinha a necessidade de maior conexão entre
o Programa Horizonte Europa e a estratégia europeia para a diplomacia científica, indo
ao encontro do desejo de criação de maiores sinergias entre diferentes políticas,
plasmado desde logo na Estratégia Global da UE de 2016. Com efeito, o Plano Estratégico
do Horizonte Europa 2021-24 dedica um capítulo à cooperação internacional, salientando
o papel da diplomacia científica.
Estas iniciativas são também um contributo da UE para a reforma do multilateralismo.
Os objetivos são torná-lo mais inclusivo através da participação de atores não-estatais e
desenquadrados de lógicas nacionais (Muller, 2021) e ainda reforçar os mecanismos de
resolução de desafios transnacionais, nomeadamente os relacionados com os bens
comuns globais (“global commons”), tais como as questões ligadas às alterações
climáticas (Van Langenhove, 2016). Numa perspetiva mais realista, a UE pretende que
a diplomacia científica aumente o seu soft power e, consequentemente a sua capacidade
5
Inventing a shared Science Diplomacy for Europe - insscide.eu.
6
Canadá (aberto em 1977), Estados Unidos da América (1980), Austrália (1988), China (1991), Rússia
(2000), Índia (2001), Arábia Saudita (2002), Japão (2002), Brasil (2008), Etiópia (2013), Coreia do Sul
(2014) e Egito (n.d.).
7
Sem informação acerca da nacionalidade do/a conselheiro/a.
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de ação enquanto ator internacional. No global, a diplomacia científica serve a renovação
da imagem da UE, adicionando ao projeto de paz que a originou a ideia de um continente
ambientalmente sustentável e baseado num modelo de desenvolvimento assente na
ciência e na tecnologia (Muller, 2021).
3. A diplomacia científica portuguesa
A diplomacia científica portuguesa foi definida pela Resolução do Conselho de Ministros
n.º 78/2016. Nesta lê-se que “deve entender-se por diplomacia científica o uso coerente
e sistemático de recursos e iniciativas da área da ciência e tecnologia, no quadro da
política europeia e externa de Portugal, para prosseguir as finalidades desta política e,
designadamente, a promoção da imagem e dos interesses nacionais, das oportunidades
de conhecimento, comunicação e colaboração reproca entre Portugal e outros Estados,
dos contactos povo a povo e da diplomacia pública”. Apesar de esta definição ter um
entendimento unidirecional do termo, olhando sobretudo para o contributo que a ciência
pode trazer para a diplomacia portuguesa, o todo da resolução apresenta diversas ações
com o objetivo de internacionalizar a ciência portuguesa, parcialmente por via de uma
maior interação com a política externa do país. A fim de criar uma “política de
internacionalização do ensino superior e da ciência e tecnologia”, além do papel da ciência
na ação do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), de forma mais alargada
pretende-se que esta internacionalização valorize a investigação científica e tecnológica
em Portugal, contribua para a cooperação com países terceiros e seja um veículo de
“apoio a consórcios e parcerias de âmbito estratégico que afirmem Portugal e os
portugueses na Europa e no Mundo e que reforcem a capacidade de atração de recursos
humanos qualificados para o nosso país”. Por fim, pretende-se ainda um maior
relacionamento com as comunidades académicas e científicas portuguesas residentes no
estrangeiro.
Este conjunto de objetivos aporta à diplomacia científica uma multidisciplinaridade de
difícil implementação. Nesse sentido, tem sido criada uma estreita colaboração entre o
MNE e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), sendo que algumas
competências estão delegadas nas Secretarias de Estado das Comunidades Portuguesas,
da Internacionalização e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. A coordenação da
implementação no terreno está em grande parte a cargo da Fundação para a Ciência e
Tecnologia (FCT), da Ancia Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica (Ciência
Viva), da Agência Nacional de Inovação (ANI) e da Agência para o Investimento e
Comércio Externo de Portugal (AICEP). O corpo diplomático português acompanha o
desenvolvimento do tema nos respetivos países, organizando eventos de divulgação
científica e de dinamização da comunidade local de cientistas portugueses. A estes atores
acresce o papel desempenhado pelas “Redes constituídas por Profissionais,
Investigadores e Estudantes Pós-Graduados Portugueses a trabalhar no estrangeiro”, o
qual iremos explorar nos próximos segmentos.
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3.1. Redes constituídas por profissionais, investigadores e estudantes pós-
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De acordo com o Eurostat (2019), enquanto 10.8% dos portugueses vivem noutro
Estado-membro da UE, apenas 1.1% dos espanhóis se encontram na mesma situação.
Não obstante as razões socioeconómicas que frequentemente motivam a emigração, a
diáspora portuguesa, incluindo os lusodescendentes, é um dos principais ativos de
Portugal no estrangeiro. Para incentivar a sua (re-)aproximação ao país, a resolução
pretende fomentar a criação de "Redes constituídas por Profissionais, Investigadores e
Estudantes Pós-Graduados Portugueses a trabalhar no estrangeiro”, atuando como
“interlocutores prioritários dos serviços centrais do MNE e do MCTES, bem como da rede
diplomática e consular, tendo em vista a representação e promoção dos interesses e
imagem de Portugal nesses países.” (Presidência do Conselho de Ministros, 2016). A
dinamização deste “associativismo académico e científico” é responsabilidade da
Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, sendo que cumpre à FCT estimular
a relação com a diáspora científica portuguesa, eventualmente atraindo-a para o
emprego científico em Portugal. Atualmente existem sete associações: AGRAFr (França),
AGRAPS (Suíça), APEI Benelux (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), ASPPA
(Alemanha), PAPS (Estados Unidos da Arica e Canadá), PARSUK (Reino Unido), SPOT
Nordic (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia). Estas surgem da capacidade
de auto-organização da comunidade portuguesa, sendo que algumas precedem em
vários anos a publicação da Resolução n.º 78/2016. Embora sem homogeneidade, o seu
trabalho é feito em coordenação parcial com as embaixadas de Portugal nos respetivos
países. também um ainda parco envolvimento com os respetivos conselheiros das
comunidades portuguesas. A FCT tem protocolos de cooperação formal estabelecidos
com algumas, sendo o objetivo alargá-los a todas. O protocolo com a PARSUK resultou
na criação de um conselho científico formado pela diáspora científica portuguesa no Reino
Unido.
Os eventos organizados por estas associações, os quais não se esgotam na diplomacia
científica, incluem a promoção das IES portuguesas junto das suas comunidades,
organização de debates científicos em contexto formal e informal, online e offline,
divulgação das atividades da comunidade portuguesa além do mundo científico, entre
outros. Por exemplo, a PARSUK e a FCT colaboram na organização de um concurso anual
de apoio à mobilidade científica entre Portugal e o Reino Unido, denominado Bilateral
Research Fund, o qual obtém centenas de candidaturas para um financiamento global de
15000€. a APEI Benelux desenvolve uma atividade anual de divulgação das IES
portuguesas junto dos alunos portugueses finalistas do ensino secundário na Escola
Europeia em Bruxelas, atraindo-os para o ensino superior português. Uma vez por ano
todas as organizações colaboram na organização do GraPE Fórum de Graduados
Portugueses no Estrangeiro com o objetivo de promover a discussão entre profissionais
portugueses residentes em Portugal e no estrangeiro. Na sua nona edição o evento atraiu
diversas instituições públicas e privadas, incluindo dois ministros e um ex-comissário
europeu, tendo o potencial para crescer e tornar-se numa montra da investigação
realizada por portugueses em todo o mundo.
Nascendo do associativismo, estas redes têm o potencial de dar aos investigadores
portugueses no estrangeiro uma maior propriedade sobre a diplomacia científica
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portuguesa no seu país de acolhimento, contribuindo assim para que o termo “fuga de
cérebros” seja substituído por “circulação de cérebros”. Porém, para que tal aconteça, as
instituições portuguesas deverão estar cientes tanto do potencial como das limitações do
associativismo, integrando-o de forma adequada na diplomacia científica portuguesa.
Nesse sentido, o trabalho voluntário não poderá substituir o profissional e deverá ser
objeto do reconhecimento e valorização apropriados por parte das entidades
responsáveis. Adicionalmente, a aquisição de escala global está dependente de
coordenação centralizada a qual deve identificar sinergias entre estas redes e
embaixadas, pela via de conselheiros científicos, IES e cidades portuguesas.
3.2. O Conselheiro Científico
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 78/2016 introduz a figura do “Conselheiro
Científico” com o objetivo de centralizar a informação num único profissional responsável
pela “promoção do emprego científico” (Presidência do Conselho de Ministros, 2016).
Após indicação da FCT e sob alçada das principais embaixadas portuguesas, os
conselheiros científicos poderão ser uma adição aos existentes conselheiros
económicos, formando uma equipa com um grande potencial de atração de investimento
e conhecimento para Portugal. Enquanto que as associações de pós-graduados podem
ter o papel de dinamização dos seus pares, o seu trabalho está inevitavelmente limitado
pela sua condição de voluntariado, o lhes podendo ser imputada a execução de
estratégias governamentais. Pelo conjunto de competências que encerram, os
conselheiros científicos poderão desempenhar este papel, apoiando a FCT, as embaixadas
e as redes de profissionais e investigadores portugueses no estrangeiro na
implementação local da diplomacia científica. Apesar do seu potencial, e apesar de haver
profissionais destacados para realizar algumas destas tarefas, Portugal não nomeou
nenhum conselheiro científico.
Exemplos internacionais: as várias formas do conselheiro científico
A Alemanha organiza anos internacionais da ciência para dar visibilidade a relações
científicas bilaterais com um país-tema durante um ano. A Suíça tem casas de
divulgação suíça no estrangeiro, as quais são institutos próprios sedeados junto dos
grandes hubs científicos e tecnológicos globais como Silicon Valley, Nova Iorque, ou
Xangai. A Dinamarca nomeou um representante para a tecnologia acreditado em
Silicon Valley e a Áustria criou o Office of Science and Technology em Washington DC.
Espanha montou em Madrid uma rede de diplomacia científica que assenta na
dinamização do contacto entre os funcionários das várias embaixadas acreditadas
nessa cidade. Através dessa rede dissemina a sua informação e obtém informação de
outros países. França tem a Agence Nationale de la Recherche, a qual compila e
dissemina informação através da sua rede de conselheiros científicos colocados nas
suas embaixadas. Esta informação é de interesse para as entidades públicas
francesas, empresas privadas, laboratórios de investigação, e todos os que estejam
ligados ao investimento na ciência. O Reino Unido criou a Science and Innovation
Network, mobilizando cerca de cem profissionais para trabalhar em onze programas
temáticos localizados em quarenta países.
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3.3. Instituições de Ensino Superior
As IES são um dos eixos fundamentais da diplomacia científica, seja pelo seu papel
central na formação superior, na investigação, na inovação, na ligação às empresas ou
na dinamização das cidades que as acolhem. As IES têm a capacidade única de fazer a
ponte entre ciência e tecnologia e a educação e juventude. Estas características tornam
as universidades em atores ativos e passivos da ação diplomática, falando-se por vezes
em diplomacia do ensino superior” (Ferreira-Pereira e Mourato Pinto, 2021; Ruffini,
2021b).
Porém, analisando artigos sobre o papel das IES na diplomacia científica tem-se concluído
que muitas destas têm optado por se manter à margem, possivelmente por questões de
independência política e universalidade do conhecimento, deixando a tónica recair sobre
os investigadores e sobre os fluxos de estudantes. Neste sentido, os debates mais
recentes têm-se centrado em modelos de envolvimento independente das IES na
diplomacia científica. De uma perspetiva nacional, estes incluem políticas de atração de
estudantes estrangeiros, formação de profissionais na diplomacia científica, gestão de
redes de alumni, e uso de fundos europeus para aumentar a sua influência e, assim,
inerentemente contribuir para o soft power nacional. Já de uma perspetiva mais global,
argumenta-se que as IES podem contribuir para um maior conhecimento académico
sobre a diplomacia científica, formar quadros para as organizações internacionais,
promover a adoção de abordagens multidisciplinares nas questões diplomáticas, ser
veículos de cooperação internacional através das redes de universidades onde já se
inserem, entre outros (Ruffini, 2021b).
Esta discussão enquadra-se na temática de internacionalização das IES, assunto que
ganhou particular velocidade em Portugal na última década e resultou num saldo positivo
no fluxo internacional de estudantes de ensino superior, ou seja, mais estudantes
estrangeiros em Portugal do que o inverso. Quase metade é oriunda da lusofonia, o que
se poderá explicar em parte pelos laços culturais, mas também pelos vários acordos de
cooperação académica assinados entre IES e Governos destes países. O Centro UNESCO
Ciência LP (Língua Portuguesa) tem sido um importante ator neste contexto através da
oferta de formações e bolsas de doutoramento a alunos dos Países Africanos de Língua
Oficial Portuguesa (PALOP). Em sentido inverso, quase metade dos estudantes
portugueses no estrangeiro distribuem-se pelo Reino Unido, França e Espanha (UNESCO,
2019), tornando este um movimento que largamente se faz de sul para norte.
A FCT presta um papel central nesta área através da capacitação e financiamento das
IES nacionais e criação de parcerias com entidades estrangeiras. De entre vários
exemplos destaca-se a iniciativa GoPortugal Global Science and Technology
Partnerships
8
, a qual pretende promover a colaboração entre Portugal e IES estrangeiras
de renome internacional. Parcerias como estas têm contribuído para que o fluxo de
investigadores seja diferente do que se verifica nos estudantes. Em 2017 havia quase
55000 investigadores em Portugal, sendo que 4647 (8.4%) eram de origem estrangeira.
Porém, enquanto o Brasil continua a surgir como principal país de origem (27,1%), os
8
fct.pt/apoios/cooptrans/goportugal.phtml.en.
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PALOP têm menor representatividade neste setor, não chegando a totalizar 6% dos
investigadores estrangeiros em Portugal. Os países europeus são a principal origem
destes investigadores, destacando-se Espanha (14,8%), Itália (9%) e Alemanha (4.1%)
(DGEEC, 2019).
O potencial de crescimento do público europeu é particularmente importante, sobretudo
tendo em vista os planos da UE para o setor através da alocação de 95.5 mil milhões de
euros para o programa Horizonte Europa no período 2021-2027. Portugal tem aumentado
paulatinamente a sua capacidade de captação e execução destes fundos, tendo sido um
beneficiário líquido do Horizon 2020 (PERIN, 2022: 10). A rede Portugal in Europe
Research and Innovation Network (PERIN), lançado no início de 2021, traça o ambicioso
objetivo de “atrair cerca de dois mil milhões de euros de financiamento da UE nas áreas
da Investigação e Inovação (PERIN, 2022: 2) no período de vigência do Horizonte
Europa. Para que tal seja possível, será necessário mobilizar a comunidade científica do
país, olhando também para as oportunidades criadas pelos Espaços Europeus da
Investigação e da Educação e pelas “Universidades Europeias”. Neste contexto importam
também as iniciativas mais regionalizadas, tais como o Programa IACOBUS, o qual foi
assinado em 2014 entre as IES do Norte de Portugal e da Galiza para desenvolver um
sistema de intercâmbio entre todos os seus funcionários, incluindo cientistas. Em sete
edições o programa financiou mais de mil projetos de investigação na Euro-região
Galiza-Norte de Portugal (CCDR-N, 2021).
O investimento e atenção dada à internacionalização da ciência portuguesa poderá
resultar num número crescente de investigadores no país, sejam nacionais ou
estrangeiros. Tal como é inerente à sua profissão, é expectável que estes profissionais
emigrem para outros países, de forma temporária ou permanente, para integrar outras
equipas e projetos. Atualmente as IES desenvolvem isoladamente as suas estratégias de
envolvimento dos seus alumni, disponibilizando-lhes informação e ofertas dedicadas.
Porém, este modelo conhece dificuldades relacionadas com o facto de a investigação se
alicerçar em várias IES, laboratórios, empresas, entre outros, sendo a alma mater apenas
um capítulo na carreira de um investigador e graduado. Tanto o efeito “circulação de
cérebros” como o impacto dos investimentos podem ser multiplicados mediante a
implementação de uma estratégia de acompanhamento internacional dos alumni
nacionais, enquadrada pela estratégia mais geral para a diplomacia científica, e onde se
incluam portugueses e estrangeiros graduados nas universidades portuguesas. Devido à
sua inserção no associativismo científico e à sua estrutura horizontalizada, as redes de
profissionais e investigadores portugueses no estrangeiro podem ser as pedras angulares
dessa estratégia.
No futuro próximo as IES portuguesas serão também desafiadas a olhar para a sua oferta
letiva e formativa no âmbito da diplomacia científica. Um estudo do projeto S4D4C
(Melchor, Elorza, Lacunza, 2021) recomenda a criação de programas de treino mistos
para cientistas e diplomatas, equipando-os com as competências necessárias a este novo
campo. O currículo destes programas deverá seguir prioridades nacionais, mas a sua
implementação deverá incluir tantos sessões presenciais como sessões à distância para
incluir mais facilmente os cientistas portugueses emigrados.
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Exemplos internacionais: programas de treino em diplomacia científica
A Universidade de Varsóvia tem uma academia para a diplomacia científica e o SciTech
DiploHub de Barcelona oferece formões sobre o tema. A ETH de Zurique trabalha
em proximidade com os conselheiros científicos da Suíça, criando uma ligação direta
entre a diplomacia científica nacional e o seu corpo estudantil. a Academia
Americana para o Progresso da Ciência (AAAS) e a The World Academy of Sciences
(TWAS) oferecem em Trieste um programa de formação de formadores em diplomacia
científica. O Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo
organiza anualmente a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Diplomacia Científica
e Diplomacia da Inovação, a qual consiste em cinco dias de formação intensiva e em
inglês.
3.4. Cidades
As cidades o elementos fundamentais da diplomacia científica na medida em que
centralizam o triângulo formado pela ciência, empresas e indústria. No seu conjunto,
estes formam polos de atração tanto de profissionais altamente qualificados, incluindo
estrangeiros e os cientistas portugueses emigrados. Portugal já conta com vários destes
polos, sendo exemplos o TagusPark (Oeiras), o Atlantic International Research Centre
(Angra do Heroísmo), ou o eixo Braga-Guimarães onde se inclui o Laboratório Ibérico
Internacional de Nanotecnologia. Cidades como Covilhã, Coimbra ou Évora, onde o peso
dos estudantes é desproporcional, mas também Porto, Lisboa, ou Aveiro, o muito
importantes para a diplomacia científica nacional. Em todos estes exemplos se destaca a
parceria entre municípios, IES e empresas locais, criando um ambiente propício à fixação
de recursos humanos de qualificação elevada. A diplomacia científica pode servir para
reforçar esta relação, contribuindo para a fixação de talentos e atraindo investimento
direto estrangeiro, incluindo nas regiões menos conhecidas internacionalmente. Por este
motivo, a Secretaria de Estado da Valorização do Interior está envolvida nesta dinâmica.
Exemplos internacionais: o Barcelona SciTech DiploHub
O caso de Barcelona é paradigmático, desde logo porque constitui um exemplo de
“paradiplomacia”, ou seja, relações internacionais conduzidas por um governo que
não o nacional (Cornago, 2018). Sob coordenação do município foi constituído o
consórcio “SciTech DiploHub”, o qual inclui várias IES locais, empresas, laboratórios
e outras entidades relevantes para a primeira cidade a implementar uma estratégia
de diplomacia científica e tecnológica”. Este pretende ainda mapear e dinamizar uma
comunidade de “Barcelona alumni”, a qual constitui uma “rede global de cientistas,
especialistas em tecnologia, e líderes em inovação formados (…) no ecossistema de
conhecimento da cidade e atualmente residentes no estrangeiro”. Os membros desta
rede são considerados embaixadores de Barcelona e estão conectados através de uma
plataforma virtual. Uma newsletter mensal mantém-nos informados sobre ofertas
profissionais na cidade e é-lhes oferecido um programa de aconselhamento
profissional. Por fim, os “Barcelona Alumni” são instigados a partilhar as suas histórias
com o grupo, sendo que as afinidades pessoais são fomentadas em eventos exclusivos
como o “Barcelona Alumni Glo bal Summit” e os “Barcelona Innovation Days”. Estes
últimos são descentralizados para outras cidades do mundo, tais como Boston ou
Londres (SciTech DiploHub, 2021). No caso de Barcelona, o envolvimento do
município é um dos fatores-chave para o sucesso da sua plataforma de alumni.
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Posto isto, num contexto de circulação permanente dos profissionais qualificados, tanto
as cidades como as IES são simultaneamente pontos de origem e de chegada. Esta dupla
condição torna o seguimento das carreiras destes profissionais uma tarefa difícil onde
Portugal já deu passos de relevo. Um dos principais exemplos é o da Global Portuguese
Network (GPS), a qual foi criada em 2016 como resultado de uma parceria entre
Universidade de Aveiro, a Ancia Ciência Viva, a Fundação Francisco Manuel dos Santos,
a empresa Altice e as várias redes de profissionais e investigadores portugueses no
estrangeiro. Num curto espaço de tempo registaram-se na plataforma mais de 4300
pessoas em 126 países diferentes, as quais beneficiam de uma newsletter dedicada, de
um motor de busca que lhes permite encontrar colegas portugueses por todo o mundo e
da possibilidade de participação num evento anual exclusivo. Os utilizadores podem
adicionar ao seu perfil informação sobre as suas conquistas profissionais e partilhar
oportunidades e opines com todos os utilizadores ou apenas dentro de grupos restritos.
As associações de pós-graduados têm espaços reservados dentro da plataforma, a partir
dos quais podem divulgar informação de relevo apenas para os portugueses residentes
nos seus países. A plataforma GPS tem atualmente parcerias com canais de televisão,
jornais e podcasts, sendo os seus membros convidados a intervir publicamente sobre os
mais variados temas. Porém, não obstante o seu sucesso, o crescimento da plataforma
tem sido mais lento nos últimos anos. Enquanto que do ponto de vista do utilizador a
plataforma está ao nível do estado da arte, após os primeiros anos de mapeamento da
diáspora científica portuguesa, surge a necessidade de traçar um plano igualmente
ambicioso para a potencialização dessa informação, particularmente no contexto da
diplomacia científica.
Exemplos internacionais: os EU Alumni
Para atingir objetivos semelhantes aos da Plataforma GPS, a UE está a conduzir o
projeto piloto “EU Alumni Engagement Initiative”. Este é financiado pelo Serviço
Europeu de Ação Externa e tem como objetivo criar uma comunidade de alumni
alicerçada em relações interpares. A comunidade é dinamizada localmente tanto pelas
já existentes redes de alumni do programa Erasmus e ações Marie Curie como pelas
delegações da UE. O objetivo é criar canais através dos quais a UE possa partilhar
informação com maior facilidade e obter contributos para as suas estratégias locais.
A comunicação faz-se através de uma newsletter dedicada e de eventos online e
offline. Adicionalmente, a UE convida alumni dos seus programas de intercâmbio
académico para a representarem tanto nos seus eventos “Study in Europe” como nas
grandes feiras internacionais de ensino superior (NAFSA, EAIE, etc.). Enquanto que
os profissionais da UE se dedicam à criação de parcerias com outras organizações e
países terceiros, os alumni partilham a sua história pessoal com os participantes
destes eventos, a fim de os atrair para os programas europeus.
4. Ideias para o futuro
A diplomacia científica portuguesa ainda está a dar os primeiros passos e como não
nem uma definição completa nem um modelo único para a sua implementação, as opções
para o futuro o muitas. Nesta lista apresentam-se algumas ideias com o objetivo de
contribuir para o debate em torno da operacionalização da diplomacia científica
portuguesa.
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I Estratégia nacional para a diplomacia científica: o potencial de maior
coordenação e mais sinergia
Após a publicação da legislação em 2016 e volvidos os primeiros anos de
experimentação, o momento atual poderá ser o ideal para a criação de uma estratégia
para a diplomacia científica portuguesa. Tendo em conta o crescente número de atores
envolvidos, a carência de uma estratégia de articulação global obsta a que o seu potencial
seja totalmente aproveitado. Tal estratégia poderia aumentar a eficácia da diplomacia
científica através da identificação de sinergias guiadas por uma estrutura coordenadora
dos atores mais relevantes. Essa estrutura não tem de ser uma entidade nova uma vez
que a lei já prevê a divisão de responsabilidades entre os diversos atores. A Declaração
de Madrid introduz alguns dos princípios mais importantes nos quais esta estratégia se
poderá alicerçar.
As redes de profissionais e investigadores portugueses no estrangeiro estão entre as
entidades que mais valor podem acrescentar à diplomacia científica portuguesa mediante
maior coordenação e estabelecimento de objetivos nacionais mensuráveis e situados no
tempo. Hoje, estas sete organizações, às quais é expectável que se adicionem outras nos
próximos anos, centram-se em atividades realizadas nos seus territórios funcionando
como rede global quase exclusivamente apenas durante o Fórum GraPE. Algumas das
suas atividades atuais são de interesse à diplomacia científica portuguesa e algumaso
mesmo resultado de protocolos com a FCT, como é o exemplo do Bilateral Research Fund
da PARSUK, assegurando maiores sinergias com as prioridades nacionais. Porém, o efeito
de rede global necessita de uma estratégia coordenada centralmente e operacionalizada
em articulação com outros atores locais, tais como os conselheiros científicos. Desta
forma poderiam ser organizadas atividades de âmbito internacional com maior facilidade,
tais como campanhas promocionais, ciclos de eventos de tema comum descentralizados
nos vários países, entre outros. O desenho de tal estratégia central deve incluir um total
respeito pela independência destas associações e contribuir para o reforço do seu
associativismo. Posto isto, além de ter em mente os graduados e cientistas portugueses
emigrados deverá também dedicar particular atenção à motivação dos membros ativos
nas associações, incluindo-os na criação da estratégia, na estrutura coordenadora e em
eventos e programas que valorizem o seu tempo voluntário. Esta aposta garantirá aos
emigrantes graduados portugueses uma melhor representação dos seus interesses
perante o Estado português e vice-versa.
Uma estratégia nacional poderia ainda contribuir para repensar a disparidade na
identidade gráfica e nas nomenclaturas das diferentes organizações. O seu alinhamento,
o qual não deverá descurar a independência associativa, pode instantaneamente
fortalecer o efeito de rede global de portugueses graduados emigrados, aumentando a
visibilidade da ciência portuguesa no estrangeiro e dando a impressão visual de que os
portugueses fazem ciência por todo o mundo. Desta forma, um português em movimento
teria mais facilidade em encontrar a associação local e seria mais fácil captar a atenção
de potenciais parceiros globais. Este é, por exemplo, o caso de Espanha cuja maioria das
associações se chama “Asociación de Científicos Españoles en [país]” e todas usam a
representação de uma maçã como logo, mantendo uma maior unidade gráfica e
aumentando assim a exposição mútua. O trabalho de associações globais de alumni de
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programas da UE, tais como a Erasmus Student Network, a Marie Curie Alumni
Association ou a EIT Alumni, pode servir de inspiração para esta abordagem.
Conforme a rede se for alargando, maior será a necessidade de uma coordenação geral
do seu trabalho, seja pela via da auto-organização das associações ou pela criação de
uma posição institucional dedicada a este propósito. Nesse contexto, as atividades
organizadas pelas redes de profissionais e investigadores portugueses no estrangeiro
poderiam conversar melhor com outras da diplomacia e da ciência portuguesas.
Ademais, tal estratégia poderia também explorar uma melhor articulação entre os
eventos GraPE, Encontro de Ciência e o evento anual da rede GPS. Visto haver uma
sobreposição parcial dos públicos-alvo, a discussão de uma estratégia nacional para a
diplomacia científica poderá identificar redundâncias a ser eliminadas e sinergias a ser
criadas, resultando em maior visibilidade e menor orçamentação. Ao trazer os vários
atores ao mesmo local, tal evento poderia incluir um segmento dedicado à discussão de
estratégias de diplomacia científica. Esta ocasião poderia servir para organizar painéis de
discussão sobre, por exemplo, a expansão e consolidação das redes de profissionais e
investigadores portugueses no estrangeiro, a discussão de estratégias de envolvimento
dos lusodescendentes, ou o aprofundamento da plataforma GPS. Por fim, este trabalho
conjunto poderia resultar numa maior capacidade de captação de financiamento para
atividades da diplomacia científica portuguesa, nomeadamente através do programa
Horizonte Europa ou da rede COST
9
, alimentando assim a concretização dos objetivos da
rede PERIN.
Tal estratégia deveria ainda contemplar uma melhor inclusão de Portugal nos fóruns de
diplomacia científica, tais como a nova EU Science Diplomacy Alliance. Deverá ser
instigada a parceria com os conselheiros científicos da UE e dos seus Estados-membros
destacados em países estratégicos para o interesse nacional. As cidades portuguesas
também poderão prestar um papel importante através das suas parcerias internacionais
e das suas iniciativas de atração de talento. Por fim, as entidades financiadoras de ciência
poderão instigar os seus investigadores principais a incluir ações de diplomacia científica
nos seus projetos. Para tal o MNE poderá especificar os objetivos que pretende atingir
neste campo e, em colaboração com o MCTES, acordar nas prioridades que poderão ser
atingidas pelos projetos de ciência em Portugal.
Tal estratégia deverá atentar tanto à comunicação dos seus resultados com o público em
geral como à necessidade de avaliação cíclica sobre o seu sucesso, aspeto que seria até
inovador no contexto global e posicionaria Portugal no centro do debate académico sobre
a diplomacia científica.
II Recursos humanos no centro da estratégia
A diplomacia científica portuguesa deverá estar assente no princípio da circulação de
cérebros, preocupando-se não apenas em atrair mais talento para Portugal, mas também
em seguir o talento formado em Portugal (seja português ou estrangeiro) ao longo da
sua carreira fora do país. As redes de profissionais e investigadores portugueses no
estrangeiro adquirem um papel central para a concretização destes objetivos. Através da
9
European Cooperation in Science and Technology cost.eu.
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sua atividade estas promovem a socialização entre portugueses emigrados e
lusodescendentes e proporcionam oportunidades para a criação de redes. Algumas
disponibilizam newsletters dedicadas e até mesmo guias de sobrevivência para
portugueses recém-chegados. A existência destes serviços em vários países facilita a
manutenção do vínculo entre Portugal e os investigadores portugueses emigrados. Este
tipo de acompanhamento poderá crescer se conversar com outras iniciativas tais como a
rede GPS ou os programas de alumni das IES, os quais também disponibilizam
newsletters e eventos dedicados. Deverá ser criado um modelo onde todas estas
abordagens se alimentem mutuamente.
No contexto dos recursos humanos, deveser pensada a criação de uma comunicação
especializada para os lusodescendentes nos quais se incluem exemplos ilustres como
Craig Mello, um dos vencedores do prémio Nobel da Medicina em 2006, e milhares de
cidadãos anónimos. A criação de um contingente especial no acesso ao ensino superior,
o qual reserva 7% das vagas para emigrantes e seus familiares, foi um importante
contributo para o aumento da atratividade de Portugal junto desta população. As 600
vagas preenchidas no ano letivo 2020-2021, de um total de 3500, demonstram que a
iniciativa teve interesse e que espaço para crescer. Porém, a atração de graduados
emigrantes e lusodescendentes depende de outros fatores, tais como a agilização
equivalências de habilitões académicas e qualificações profissionais obtidas no
estrangeiro, um objetivo entretanto integrado no Programa Nacional de Apoio ao
Investimento da Diáspora (PNAID). Medidas de longo prazo deverão ainda prestar
atenção ao ensino de português no estrangeiro, o qual deve estar alicerçado numa
distinção clara entre português como língua materna e como língua estrangeira. Hoje, os
lusodescendentes são integrados em turmas mistas onde a imersão linguística e
sociocultural poderá não ter a profundidade necessária para o seu maior relacionamento
futuro com o país (CCP Europa, 2018). No médio e longo prazo, este e outros desafios
relacionados com a inclusão dos lusodescendentes podem fragilizar os objetivos de
programas como o PNAID ou da rede PERIN. Pela sua proximidade física e pelo seu
modelo assente na interação entre pares, também aqui as associações de pós-graduados
podem ter um papel relevante, sobretudo se receberem do Estado treino para o efeito.
III Formação na área da diplomacia científica
As IES e centros de investigação portugueses serão crescentemente desafiados a
proporcionar formações em diplomacia científica vocacionadas tanto para jovens que
decidam seguir essa carreira como para profissionais que decidam especializar-se no
tema. Enquanto os centros internacionais podem oferecer programas abertos aos
portugueses, equipando-os com o conhecimento teórico e exemplos de outros países,
apenas uma oferta formativa acompanhada por instituições portuguesas pode responder
às necessidades específicas do país. Conforme o tema da formação em diplomacia
científica ganha interesse internacional, particularmente por parte dos académicos, a
construção desta oferta podetambém ter em mente o resto da lusofonia assim como
investigadores estrangeiros interessados na diplomacia e na ciência portuguesa,
apoiando assim a sua internacionalização.
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O país poderá mesmo equacionar a criação de uma carreira associada à diplomacia
científica mediante o seguimento de uma formação pós-graduada específica para o efeito.
Esta poderia ser feita através da oferta formativa nas IES e/ou através do
desenvolvimento de programas de treino para diplomatas e cientistas interessados.
Neste modelo poderá estar incluída a formação tanto das associações de pós-graduados
portugueses no estrangeiro como dos investigadores e gestores dos projetos científicos
mais relevantes. A criação de uma estratégia central permitirá criar programas
modulares em articulação com a oferta e outros programas já existentes.
Além disso, as IES deverão continuar a apostar na aquisição de competências relevantes
para este tipo de carreira, nomeadamente através de mais oportunidades de
internacionalização dos seus alunos e investigadores. A rede PERIN poderá contribuir
para este objetivo ao pretender “triplicar o número de estudantes em mobilidades no
ensino superior”, sobretudo pela via do Programa Erasmus+ (PERIN, 2022: 2). As
competências adquiridas após uma experiência internacional poderão ser exponenciadas
mediante um programa de reflexão, tal como sugerido pelo projeto Erasmus Skills
10
,
financiado pelo programa Erasmus+. Quanto aos estudantes incoming, as IES deverão
promover o seu envolvimento na criação e execução ativa das suas estratégias de
internacionalização (Mourato Pinto e Benke-Åberg, 2019), à semelhança do que é feito
no exemplo de Barcelona. Estes tipos de envolvimento dos estudantes
“internacionalizados” contribui para a aquisição de competências importantes para a
diplomacia científica. Por fim, os gabinetes de apoio à formação profissional das IES
deverão também receber instruções sobre as oportunidades na área a fim de melhor
aconselhar os alunos interessados.
IV Rumo à Equipa Portugal
Por fim, e porque a diplomacia científica é apenas uma das expressões da diplomacia e
da ciência portuguesa, a criação de uma estratégia para este campo deverá ter como
objetivo principal a melhor integração do tema naquilo que Portugal já faz. O objetivo é
criar uma única “Equipa Portugal”, a qual deverá reunir-se periodicamente e agregar os
principais atores, tais como os diferentes conselheiros nas embaixadas, os Conselheiros
das Comunidades Portuguesas, empresários portugueses emigrados, as redes de
profissionais e investigadores portugueses no estrangeiro, entre outros. Desta forma,
estes últimos poderiam disseminar com maior propriedade as mensagens mais
relevantes da ciência e da política externa portuguesa entre os seus membros,
efetivamente envolvendo os cientistas portugueses na diplomacia portuguesa e
expandindo assim o alcance do soft power nacional. Para um país com recursos limitados,
geograficamente pequeno e periférico no contexto europeu, a extensão do soft power
através da emigração tem um potencial de ganhos de poder relativo que Portugal pode
explorar melhor. Assim, a criação de uma Equipa Portugal poderia facilitar a criação de
uma mensagem única e partilhada por todos os atores nos diversos campos, aumentando
a eficácia das novas expressões da diplomacia portuguesa. No fundo, trata-se de
construir a governança da diplomacia científica portuguesa, esbatendo fronteiras
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institucionais e promovendo a interdisciplinaridade e espírito colaborativo que lhe são
essenciais.
Conclusão
A produção científica em Portugal está a atingir um novo patamar com um número
recorde de publicações, patentes registadas e circulação de cérebros dentro e fora do
país. Este clima de inovação, associado ao crescente número de estudantes no ensino
superior, ao potencial tanto da diáspora como da lusofonia e às possibilidades abertas
pelos fundos europeus, fazem deste o momento indicado para uma forte aposta na
diplomacia científica. Este artigo procurou identificar algumas dinâmicas decorrentes da
implementação Resolução do Conselho de Ministros n 78/2016, sobretudo as mais
relevantes para as redes de profissionais e investigadores portugueses no estrangeiro,
com vista a contribuir para o debate sobre o tema. As ideias para o futuro sugerem a
criação de uma estratégia nacional para a diplomacia científica que promova o
associativismo académico e científico da diáspora portuguesa como forma de apoio a
uma carreira científica sem barreiras nacionais tal como o exige a ciência mas com
oportunidades de permanecer ligado ao país e de contribuir para o seu progresso, mesmo
que a partir do estrangeiro.
Parte do sucesso futuro da diplomacia científica portuguesa prender-se com a sua
capacidade de captação dos seus graduados, seja pela via das IES, das cidades, das
embaixadas ou outra. Em todas elas as redes de profissionais e investigadores
portugueses no estrangeiro podem desempenhar um papel fulcral ao combinarem uma
dimensão formal e informal da experiência internacional, sendo promotoras de uma boa
integração dos portugueses no estrangeiro e da captação de estrangeiros para investigar
em Portugal. Elas são fundamentais nesta “circulação de cérebros” que a ciência moderna
promove e na qual Portugal se vem integrando. Ao manter os seus graduados ligados ao
país, Portugal poderá conseguir captar mais investimento direto estrangeiro e aumentar
o seu perfil em organizações internacionais. Através desta estratégia o país poderá
contribuir mais ativamente para a definição da diplomacia científica, dando prioridade à
clarificação de práticas e discursos, à criação de estratégias de comunicação e ao
estabelecimento de carreiras dedicadas.
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