OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 13, Nº. 1 (Maio-Outubro 2022)
158
RESPONSABILIDADES COMUNS, MAS DIFERENCIADAS RELATIVAMENTE ÀS
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS. DIFERENTES INTERPRETAÇÕES DENTRO DO
CONTEXTO NACIONAL BRASILEIRO
CHRISTOPHER KURT KIESSLING
ckiessling@conicet.gov.ar
Doutoramento em Ciências Sociais pela FLACSO, Argentina. Pós-doutoramento no Conselho
Nacional de Investigação Científica e Técnica (CONICET) co-financiado pela Universidade Católica
de Córdoba (Argentina). Professor e investigador nesta instituição e na Universidade Blas Pascal.
Membro do Observatório da Política Climática Argentina, ARG1.5º.
AGUSTINA PACHECO ALONSO
apacheco234@gmail.com
Mestranda em Direito e Economia das Alterações Climáticas (FLACSO, Argentina). Licenciatura
em Relações Internacionais (Universidade Católica de Córdoba) e Licenciatura em Ciências
Políticas (Universidade Católica de Córdoba). Docente na Universidade Siglo XXI. Coordenadora
da área de Alterações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável na Asociación Sustentar,
membro da equipa de investigação da FLACSO sobre cidades e alterações climáticas e do
Observatório da Política Climática Argentina, ARG1.5º.
Por sua vez, é membro de diferentes redes climáticas nacionais e regionais, tais como o
Observatório Latino-americano de Ação Climática (OLAC), a Plataforma Latino-americana da
Juventude e Alterações Climáticas (Clic!) e a Aliança para a Ação Climática Argentina (AACA).
Resumo
Este artigo pretende reconstruir a evolução desta dinâmica, traçando as interpretações e
reinterpretações da norma feitas pelos atores estatais brasileiros através do processo de
localização da norma no discurso doméstico sobre as alterações climáticas no Brasil de 2005
a 2010. A perspetiva teórica baseia-se na literatura sobre internalização de normas que tenta
especificar as condições sob as quais as normas internacionais encontram relevo em contextos
domésticos particulares.
Duas interpretações principais coexistem na arena política brasileira no período compreendido
entre a entrada em vigor do Protocolo de Quioto e a assinatura do Acordo de Paris que
influenciou a política climática no Brasil nesse período. A primeira posição em torno da norma
foi uma interpretação tradicional do princípio de defesa de uma posição de responsabilidades
históricas que implicava que o Brasil não tinha de tomar medidas de redução de gases com
efeito de estufa. A segunda posição é uma interpretação mais progressiva da norma, que
defende que o Brasil, como país emergente, pode e deve adotar reduções de emissões. A
ligação entre ambas as posições permite-nos compreender os alegados altos e baixos na
política climática no horizonte temporal estudado.
Palavras-chave
Alterações Climáticas; Brasil; Responsabilidades Comuns, mas Diferenciadas; Localização
Como citar este artigo
Kiessling, Christopher Kurt; Alonso, Agustina Pacheco (2022). Responsabilidades comuns,
mas diferenciadas relativamente às alterações climáticas. Diferentes interpretações dentro do
contexto nacional brasileiro. In Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 13, 1,
Maio-Outubro 2022. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.13.1.10
Artigo recebido em 11 Setembro 2021 e aceite para publicação em 20 Fevereiro 2022
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Responsabilidades comuns, mas diferenciadas relativamente às alterações climáticas. Diferentes
interpretações dentro do contexto nacional brasileiro
Christopher Kurt Kiessling, Agustina Pacheco Alonso
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RESPONSABILIDADES COMUNS, MAS DIFERENCIADAS
RELATIVAMENTE ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS.
DIFERENTES INTERPRETAÇÕES DENTRO DO CONTEXTO
NACIONAL BRASILEIRO
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CHRISTOPHER KURT KIESSLING
AGUSTINA PACHECO ALONSO
Introdução
O princípio das Responsabilidades Comuns, mas Diferenciadas e Respetivas Capacidades
(CBDR-RC a partir de agora) emerge como norma fundamental da governação ambiental
global a nível interestatal, como resultado das negociações internacionais que
conduziram à adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações
Climáticas (UNFCCC a partir de agora) em 1992. A interpretação tradicional da norma
sustentava que deveriam ser esperados diferentes níveis de proteção ambiental entre
países desenvolvidos e países emergentes ou em desenvolvimento, ou, no nimo,
deveria ser concedido um período de carência aos países em desenvolvimento para
abordar reformas que conduzam à redução do seu impacto ambiental a médio prazo. Em
contrapartida, devem ser abordadas, o mais rapidamente possível, medidas de mitigação
para os países desenvolvidos.
A lógica do princípio é que os Estados do Norte o os principais responsáveis pela
degradação ambiental passada, continuam a consumir uma proporção esmagadora dos
recursos do planeta e possuem capacidades tecnológicas e financeiras superiores para
proteger o ambiente. No entanto, muitos Estados do Norte recusaram-se a aceitar a
responsabilidade pela sua contribuição histórica para a degradação ambiental global.
Interpretam o princípio como impondo apenas responsabilidades futuras e não passadas
(Rafiqul Islam, 2015). Deste modo, o princípio CBDR-RC deriva da divisão histórica entre
o Norte Global e o Sul Global sobre política ambiental e consolida-se como um
compromisso entre as necessidades dos países do Norte e do Sul, reconhecendo o apelo
à adoção de normas diferenciais em determinadas circunstâncias, dada a
heterogeneidade da sociedade internacional (Atapattu, 2015). Contudo, os debates em
torno da adoção deste princípio revelaram-se inacabados, que alguns países do Norte,
como os Estados Unidos em particular, procuraram lançar este princípio como um reflexo
da capacidade técnica e financeira "superior" do Norte, em vez do seu dever de
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Artigo traduzido por Cláudia Tavares.
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proporcionar reparação de danos passados (Atapattu & Gonzalez, 2015). Apesar deste
debate, o princípio da CBDR-RC continua a ser uma norma de justiça global na sociedade
internacional (Kiessling & Pacheco Alonso, 2019).
Relativamente às alterações climáticas, esta norma permitiu estabelecer uma divisão de
responsabilidades entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, definindo os
primeiros como os principais responsáveis pela regulação das alterações climáticas no
âmbito da governação ambiental. Com a assinatura do Protocolo de Quioto em 1997,
esta norma foi institucionalizada ao estabelecer que os Estados desenvolvidos do Norte
Global, referidos como Anexo I, eram os responsáveis pela adoção de medidas para
mitigar as alterações climáticas. Enquanto os países do Sul Global (não o Anexo I) apenas
se comprometeram a cooperar no âmbito das negociações sobre as alterações climáticas
e a apresentar relatórios periódicos para contribuir para os objetivos da UNFCCC
(Bodansky, Brunée, Rajamani, 2017).
A ambiguidade com que a norma foi institucionalizada na arena internacional,
precisamente a intenção de alargar a participação de todos os países, levou a discussões
sobre a diferenciação entre as Partes e a forma como ela deveria ser aplicada. Assim,
discutiu-se se a base da implementação da norma deveria ser as capacidades evolutivas
e dinâmicas dos países ou as contribuições históricas relativas às emissões de GEE, um
debate que ainda não foi resolvido (Bodansky, Brunée, Rajamani, 2017). Não sendo claro
se o CBDR-RC regula as responsabilidades históricas por danos passados na arena
ambiental, riqueza e capacidades técnicas para diminuir o impacto ambiental, ou
representar uma adaptação do princípio do património comum da humanidade, todos
estes significados podem coexistir nos discursos globais sobre o ambiente.
Desde a origem do princípio no início dos anos 90, esta norma internacional teve um
caráter exclusivamente interestatal na consolidação do ambientalismo liberal como um
complexo normativo da governação global das alterações climáticas (Bernstein, 2001).
O Brasil foi um protagonista neste processo ao cerrar fileiras nas negociações com a
China e a Índia para garantir que o adotariam compromissos de mitigação
juridicamente vinculativos no emergente regime de governação climática. Esta aliança
lançou as bases para o trabalho futuro do G77+China, no âmbito das negociações
climáticas, com base numa divisão de trabalho interna onde o Brasil detinha a liderança
em questões científicas.
O desempenho do G77+China neste cenário foi fundamental para levar a uma
interpretação generalizada da norma que privilegiou a ideia de responsabilidades
históricas e uma forte separação entre países do Anexo I e países não pertencentes ao
Anexo I; e para manter, entre o Sul Global, a posição de não aceitar compromissos
juridicamente vinculativos, com base numa definição rígida de identidade como países
em desenvolvimento. No entanto, no início dos anos 2000, a governação climática global
ganhou complexidade com o aparecimento e envolvimento de novos intervenientes que
conduziram a dinâmicas inovadoras dentro do regime. Um caso paradigmático foi o
processo de internalização da CBDR-RC no Sul Global, onde o envolvimento de atores
não estatais, quer aceitando ou contestando o conteúdo e as interpretações da norma
internacional, moldou a forma como o princípio apareceu no discurso doméstico.
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interpretações dentro do contexto nacional brasileiro
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O documento seguinte pretende reconstruir a evolução desta dinâmica, traçando as
interpretações e reinterpretações da norma feitas pelos atores estatais brasileiros através
do processo de localização (Acharya, 2004) da norma no discurso doméstico sobre as
alterações climáticas no Brasil de 2005 a 2010. A delimitação temporal responde à
entrada em vigor do Protocolo de Quioto em 2005 e aos anos subsequentes, através dos
quais a governação climática nacional foi consolidada até à sanção da Lei das Alterações
Climáticas em 2009 e da Política Nacional sobre Mudança do Clima em 2010. Tal como
identificado em pesquisas anteriores, a delimitação temporal proposta responde à
emergência de uma arena nacional de governação das alterações climáticas no Brasil
(Kiessling, 2018; 2019; 2021). Contudo, é de notar que o cenário da governação
climática no Brasil sofreu mudanças drásticas prejudiciais, tanto na sua estrutura como
na ambão e robustez do seu organismo regulador, especialmente desde a chegada de
Bolsonaro ao governo em 2018. Como antes deste momento, o Brasil liderou a ação
climática na rego - particularmente entre 2005 e 2010 -, e os processos desenvolvidos
neste período continuam a representar um exemplo a seguir na América Latina; este
documento centra-se na análise e reflexão sobre este momento particular na construção
da governação climática brasileira.
O artigo está estruturado em sete secções, além desta introdução; a primeira enquadra
a abordagem teórico-metodológica; a segunda e terceira descrevem o contexto das
negociações internacionais sobre as alterações climáticas e a discussão do CBDR-RC no
contexto doméstico brasileiro, respetivamente. A quarta e quinta secções ilustram as
duas interpretações diferentes da norma abordadas pelos decisores políticos brasileiros.
A sexta secção apresenta a discussão empírica que expõe o argumento principal do
artigo. Finalmente, são apresentadas as reflexões finais que recuperam as principais
conclusões do artigo.
Abordagem teórico-metodológica
A perspetiva teórica que orienta este artigo baseia-se na literatura sobre internalização
de normas que tenta especificar as condições sob as quais as normas internacionais
encontram relevo em contextos domésticos particulares. Kratochwil define normas como
atos de fala através dos quais a comunicação é estabelecida (Koslowski & Kratochwil,
1994). Em qualquer caso, as definições mais operacionais são geralmente referidas pela
literatura, tais como normas de comportamento adequado para atores com uma
determinada identidade (Katzenstein, 1996), prescrições de atuação em situações de
escolha (Cortell & Davis 2000), ou mais específicas; ideias com diferentes graus de
abstração e especificação relativas a valores fundamentais, princípios organizacionais ou
procedimentos padronizados que ganharam o apoio dos estados e atores globais, e que
têm lugar de forma proeminente em múltiplos runs, incluindo políticas estatais, leis,
tratados ou acordos internacionais (Krook & True, 2010).
Um aspeto essencial da difusão de normas internacionais é a sua internalização em
contextos nacionais particulares. No processo de internalização, as internacionais (ideias)
estão ligadas às nacionais(identidades). A Sociologia e a Psicologia Social definem a
internalização das normas como um processo que transforma as motivações e os
interesses de um agente para cumprir as normas sociais, transformando a adesão à
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norma como uma forma de evitar castigos ou obter recompensas em cumprimento como
um fim em si (Andrighetto et al., 2010). Tradicionalmente, na literatura de Relações
Internacionais, é indicado que os Estados são os principais agentes "geradores de
normas" ou "aceitadores de normas" (Legisladores vs. Legislados). Contudo, com novos
estudos sobre os processos de emergência, consolidação e internalização das normas
internacionais (e.g., Argomaniz, 2009, Xiaoyu, 2012), a complexidade destas dinâmicas
começou a ser compreendida.
A partir de uma abordagem epistemológica interpretativa, ideias, normas e discursos
adquirem centralidade como objetos de análise. O papel das ideias tem sido reconhecido
nas Relações Internacionais por autores de várias correntes teóricas. Duas grandes
abordagens metateóricas informam os estudos sobre a internalização das normas:
racionalismo e construtivismo (Cortell & Davis, 2000; Boekle, Rittberger, Wagner, 1999;
e.g.). Do racionalismo, argumenta-se que as normas internacionais modificam os
incentivos dos intervenientes, fornecendo soluções para os problemas de coordenação e
reduzindo os custos de transação. Neste contexto, isso implica que a adesão às normas
internacionais dependerá de um cálculo custo-benefício e das possibilidades que as
regras oferecem para maximizar os lucros destes intervenientes.
Por outro lado, num sentido construtivista, afirma-se que as normas internacionais
fornecem uma linguagem e uma gramática da política internacional, constituindo os
próprios atores sociais através da formação das suas identidades e interesses. Para o
construtivismo, os atores sociais são guiados pela lógica do apropriado, opondo-se ao
pressuposto enraizado na tradição racionalista onde se supõe que a ação social é guiada
apenas pela lógica da consequência. Os racionalistas interpretam o cálculo do custo-
benefício como o principal guia para a ação social. Ao mesmo tempo, para os
construtivistas, a lógica do que é apropriado implica reconhecer que, para os atores, é
mais crítico que as suas práticas sejam reconhecidas, por outros agentes e por eles
próprios, como legítimas e apropriadas a um dado contexto social (March & Olsen, 2008).
Se prevalecerem considerações de "adequação" para orientar a agência social, as
modalidades sob as quais as alterações climáticas o inicialmente enquadradas como
um problema que define as ações "adequadas" para a sua abordagem irão gerar
trajetórias dependentes (David, 2007) destas interpretações, com impacto sobre os
discursos e a própria política futura.
Esta última implica considerar as normas internacionais como processos discursivos
(Krook & True, 2010). O reconhecimento da dimensão discursiva das normas permite-
nos questionar o pressuposto de que as normas internacionais mantêm a sua essência e
significado inalterados durante a internalização. Precisamente, a integridade de uma
norma internacional pode ser questionada após a sua aceitação retórica (Stevenson,
2013). Assim, os processos de internalização implicam necessariamente processos de
reinterpretação da norma com base no seu dinamismo. Duas fontes do dinamismo da
norma podem ser reconhecidas: as externas e as internas. O dinamismo externo de uma
norma é gerado pelo universo mais vasto de normas existentes e pelos conflitos ou
alinhamentos entre elas, ou seja, a concorrência que é gerada em torno da adoção de
uma determinada norma ou de outro concorrente potencial alternativo, seja na mesma
área temática ou não (Krook & True, 2010).
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O dinamismo interno é observado no seu potencial para estabelecer concorrência entre
os diferentes significados que a adoção da norma implica em si mesma. Por outro lado,
o dinamismo interno de uma norma é definido pela ligação feita entre a norma
internacional e a sua receção interna ou com a correspondência entre a referida norma
e as normas internas existentes. Por outras palavras, os atores domésticos são agentes
ativos na reinterpretação do conteúdo da norma na sua adoção e não meros recetores
passivos de um sistema internacional que os modifica.
Para fazer referência ao dinamismo interno das normas internacionais, é necessário
trazer à tona o conceito complementar de congruência normativa. Este conceito refere-
se à internalização das normas internacionais em contextos nacionais como um processo
dinâmico e imprevisível que oscila entre as perceções de congruência e incongruência
entre as normas globais e as condições domésticas (Stevenson, 2013: 11). Após
Stevenson (2013), a construção da congruência normativa pode potencialmente assumir
diferentes formas e incorporar uma vasta gama de atores domésticos estatais e não
estatais. Estes atores podem (consciente ou inconscientemente) promover processos de
mudança baseados no seu desacordo com a perceção da incongruência (ou congruência)
sobre as normas internacionais.
Por outro lado, o conceito de localização procura descrever como a internalização de
normas internacionais ocorre no Sul Global quando o conteúdo dessa norma tem (ou é
viável de construir) alguma ligação com normas nacionais pré-existentes, quer estejam
direta ou indiretamente relacionadas com o tema. Um elemento-chave é que a localização
ocorre se houver um processo de alojamento para que as normas possam convergir umas
com as outras. Assim, a localização de normas parte do paradoxo que implica tanto a
aceitação como a contestação da norma, permitindo a construção e (re)construção da
convergência normativa. Face a esta situação, a localização, e não a aceitação completa
ou rejeição total, resulta, na maioria dos casos, de resposta normativa nos contextos
domésticos do Sul Global (Acharya, 2004). A hipótese que orienta este estudo é que ao
longo do processo de localização do princípio de responsabilidades comuns, mas
diferenciadas no contexto doméstico brasileiro, os atores governamentais brasileiros
estavam a redefinir as suas interpretações sobre o assunto de acordo com as linhas dos
diferentes ministérios que têm competência sobre a questão das alterações climáticas
2
.
Em termos metodológicos, o artigo seguinte reconhece a importância da análise do
discurso para compreender o processo de enquadramento das normas internacionais.
Este conceito pode ser definido como um processo tendente a selecionar aspetos de uma
realidade percebida e tor-los mais salientes no discurso para promover de alguma
forma uma definição específica de um problema, a sua interpretação causal, avaliação
moral e recomendação para o seu tratamento (Stevenson, 2013). As principais fontes
desta investigação são entrevistas semiestruturadas com atores estatais e não estatais
no Brasil, tais como diplomatas, membros dos Ministros do Meio Ambiente, ciência e
Tecnologia, ativistas de ONG, empresários, entre outros; complementadas por uma
revisão de fontes secundárias, tais como documentos oficiais e artigos académicos. A
2
Este artigo visa estudar o processo de localização da CBDR-RC no contexto doméstico brasileiro. Neste
sentido, o papel do ramo executivo no Brasil é principalmente explorado e as suas ligações com outros
atores estatais e o estatais. Para mais detalhes sobre os processos de internalização da CRDB-RC no
Brasil por atores não-estatais, ver Kiessling (2019; 2021).
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leitura das entrevistas e dos documentos oficiais sob uma lente construtivista permite-
nos compreender como é constituída a agência de atores sociais do governo e
funcionários estatais brasileiros com base em ideias e discursos que constroem
interpretações sobre o alcance e significado das normas internacionais que regulam a
arena global de governação climática. Neste sentido, as palavras dos entrevistados são
apresentadas como ilustrações ou instantâneos das principais estruturas de significado
relacionadas com as modalidades sob as quais os atores sociais encaram a BDR-RC como
uma norma válida, as interpretações prevalecentes sobre a mesma e as suas mudanças
no tempo.
O Brasil, a CBDR-RC e o contexto internacional na fase pós-Quioto
A CBDR-RC, proposta pelos países do G77+China, foi um pilar da posição do governo
brasileiro nas negociações climáticas, mesmo antes da assinatura da UNFCCC. A
formulação desta norma respondeu a uma conceção de justiça na sociedade
internacional; isto significava que os países que tinham causado o problema deveriam
ser os principais responsáveis pela sua resolução e ajudar os países menos desenvolvidos
a adaptarem-se aos seus impactos inevitáveis. A posição convencional do Brasil nas
negociações internacionais sobre alterações climáticas baseou-se numa interpretação
desta norma que negava a possibilidade de o Brasil adotar quaisquer compromissos de
mitigação na governação climática. Contudo, as mudanças na relação entre países
desenvolvidos e emergentes do Sul Global nas negociações internacionais minaram as
bases sobre as quais esta interpretação se baseava. A partir de 2005, com a entrada em
vigor do Protocolo de Quioto, e especialmente após 2007 na COP13 em Bali, Indonésia,
os países desenvolvidos começaram a questionar seriamente uma agenda de
negociações de cima para baixo, que apenas estabelecia compromissos vinculativos para
os países do Anexo I. Nesta Conferência das Partes, os países apresentaram uma nova
forma de negociação que refletiu as mudanças no sistema internacional. Com o Plano de
Ação de Bali, os países reconheceram que as responsabilidades em matéria de alterações
climáticas são dinâmicas a longo prazo. Este plano estabeleceu também uma segunda
via de negociação, separada do Protocolo de Quioto, onde um grupo de trabalho de países
desenvolvidos (incluindo os Estados Unidos) irá negociar futuros compromissos
quantificados de redução de emissões (Lessels, 2013; Albuquerque, 2019).
Como resultado desta rutura e do subsequente fracasso da COP15 em Copenhaga em
2009 para assinar um novo tratado vinculativo ao estilo de Quioto, a dinâmica da agenda
de negociação internacional é transformada pela adoção de uma abordagem ascendente
que permite (e exige) que todos os Estados submetam contribuições nacionais de
mitigação à UNFCCC.
Neste contexto de uma mudança de governação global entre 2005 e 2009, a CBDR-RC é
reinterpretada a nível internacional para abandonar interpretações que apenas associam
este conceito à ideia de responsabilidades históricas que conduzem a uma separação
clara entre os países do Anexo I e os países não incluídos no Anexo I. Este processo
internacional desencadeou processos locais de reinterpretação desta norma na medida
em que os Estados podiam legitimamente apoiar interpretações tradicionais no contexto
da nova configuração do regime climático (Albuquerque, 2019).
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Responsabilidades comuns, mas diferenciadas relativamente às alterações climáticas. Diferentes
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Responsabilidades comuns, mas diferenciadas no contexto político
brasileiro pós-Quioto
Desde a assinatura do Protocolo de Quioto em 1997, o Brasil consolidou uma posição nas
negociações internacionais que pode ser caracterizada como a tradicional posição
brasileira sobre as alterações climáticas (Johnson, 2001, Viola, Franchini, & Lemos
Ribeiro, 2012). Em termos gerais, Viola, Franchini e Lemos Ribeiro (2012) argumentam
que durante a negociação do Protocolo de Quioto, o Brasil teve cinco visões que foram
fundamentais na definição desta posição:
Compromisso inabalável com o direito ao desenvolvimento como quadro em que se
insere a política relativa às alterações climáticas.
Defesa da noção de desenvolvimento sustentável para integrar processos económicos
com a defesa ambiental.
A liderança global do Brasil em matéria de alterações climáticas.
Evitar ligar as alterações climáticas à regulação e preservação das florestas e selvas.
A interpretação radical do princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas.
Durante a primeira década dos anos 2000, houve uma mudança política no que respeita
ao poder e atribuições dos ministérios ligados à agenda ambiental
3
. Embora no início de
2000 o Ministério da Ciência e Tecnologia pudesse ser reconhecido como o ator principal,
houve uma transição na segunda metade da década que colocou o Ministério do Meio
Ambiente no centro da agenda. Esta transição esteve ligada à internalização do CBDR-
RC e a disputas sobre o significado e interpretações que esta norma deveria ter. Até
2010, quatro ministérios lideraram a agenda climática no Brasil; Meio Ambiente,
Finanças, Relações Exteriores e Ciência e Tecnologia. Estes quatro ministérios podem ser
brevemente classificados em dois grupos:
Por um lado, esses ministérios procuraram manter o status quo em termos de
preservação das instituições e práticas estabelecidas para regular as alterações
climáticas no Brasil. Aqui podemos localizar o Ministério Das Relações Exteriores
(MNE) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O primeiro procurava
tradicionalmente limitar a interferência de outros ministérios na definição da política
climática no Brasil. Defendiam a identificação do Brasil como um país em
desenvolvimento emergente, membro do G77+China, que não deveria abandonar
completamente a CBDR-RC mesmo que fossem assumidos compromissos voluntários,
uma vez que eram apenas demonstrações de predisposição de um país em
desenvolvimento para agir. O MCT, responsável pela administração do Mecanismo de
3
Embora vários ministérios no Brasil concorram no quadro da agenda das alterações climáticas, quando a
UNFCCC foi assinada, foi estabelecida uma aliança cita entre o Itamaraty e o Ministério da Ciência e
Tecnologia. Esta aliança teria exclusividade na definição da política climática brasileira (Kiessling, 2018).
Nesse sentido, apenas o Itamaraty participou na formulação da posição tradicional brasileira; uma vez que
era considerado não o agente que representava mais consistentemente o interesse nacional brasileiro,
mas também o que tinha as capacidades mais significativas para o fazer (Viola, Franchini, Lemos Ribeiro,
2012).
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Desenvolvimento Limpo (MDL) desde meados dos anos 2000, também acompanhou
esta posição. Do seu âmbito de ação, o ministério foi favorável à preservação da
integridade ambiental do mecanismo, como um dos pilares da política externa
brasileira sobre o assunto (Kiessling, 2018).
Por outro lado, até 2012, os Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e das Finanças (MF)
estavam a liderar o caminho para reinterpretar o princípio. O MMA promoveu uma
reinterpretação radical da norma, orientada para assegurar maiores níveis de
compromisso, que foi apoiada e acompanhada por outros atores sociais, tais como o
setor privado e o terceiro setor. A modalidade preferida para enfrentar estas novas
obrigações, que o ministério interpretou ser crescente, era a adoção de instrumentos
económicos muito mais generalizados do que apenas baseados nos mecanismos de
flexibilização previstos pelo Protocolo de Quioto (o MDL). Assim, o MMA ornou-se
favorável e promoveu mecanismos como o REDD+, entre outras iniciativas. O MF
desempenhou aqui um papel importante, acompanhando e gerando as ferramentas
práticas que a lógica subjacente aos discursos do MMA exigia, em conformidade com
uma simbiose que seria visível, a partir do ano 2010, na figura da ministra Izabella
Teixeira.
Em ambos os casos, as interpretações progressivas da norma são compatíveis com as
reinterpretações que, nos primeiros anos de 2010, foram privilegiadas à escala global,
como descrito na secção anterior. As diferentes visões o então apresentadas no quadro
seguinte:
Quadro Nº1 - Interpretações do princípio de responsabilidades comuns, mas
diferenciadas pelos Ministérios no Brasil
Princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas
Interpretação tradicional do princípio
Ministério das Relações Exteriores - Ministério da Ciência e
Tecnologia
Interpretação progressiva do princípio
Ministério do Meio Ambiente - Ministério das Finanças
Elaboração própria
As secções seguintes explorarão ambas as interpretações em maior detalhe a partir deste
esboço.
A interpretação tradicional do princípio: a bandeira do Itamaraty
Como acima mencionado, entre 2007 e 2009, a diferenciação categórica baseada em
anexos foi abandonada, não sem resistência e contestações, na busca da
autodiferenciação (Bodansky, Brunée, Rajamani, 2017); baseada numa reinterpretação
do CBDR-RC, que passa do enfoque na responsabilidade histórica para um enfoque nas
capacidades dos países. Com o reconhecimento desta mudança ao longo das rondas de
negociações de Bali, o Itamaraty identifica que não pode continuar a adotar uma posição
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defensiva como tinha feito com o G77+China na primeira ronda de negociações de
Quioto. A consequência direta deste reconhecimento é uma flexibilização da posição
convencional no sentido do reconhecimento da importância dos grandes países em
desenvolvimento na solução das alterações climáticas e do novo papel do Brasil como
grande ator na economia global:
"Países em desenvolvimento como o Brasil também devem tomar medidas no
âmbito da Convenção."
4
" Todos nós devemos tomar medidas maiores e mais arrojadas para reduzir
as emissões"... "As responsabilidades o e devem ser diferenciadas, mas não
podemos esquecer que são também comuns."
5
" As nossas emissões, embora sejam mais recentes e mais pequenas, também
ajudam a sufocar e submergir a única terra que temos para habitar."
6
O Itamaraty, tal como os restantes países que mais tarde dariam forma ao bloco BASIC,
era a favor da abordagem de negociação em duas vias que foi consolidada na COP13 em
Bali (2007), uma vez que reconheciam que dentro da segunda via do Plano de Ação de
Bali, as suas ações seriam sempre autodeterminadas. Esta abordagem permitiria ao
Brasil, Índia, China e África do Sul aumentar voluntariamente as suas contribuições,
respondendo a pressões internas, sem que essas contribuições fossem consideradas
metas vinculativas derivadas da convenção (Lessels, 2013).
Estas conversações entre os três grandes países em desenvolvimento ocorreram desde
o início das negociações no seio do G77+China. Durante este período (2005-2009),
embora reconhecendo as transformações no âmbito das negociações, o Itamaraty cerrou
fileiras com a Índia e a China para apoiar o caráter voluntário de qualquer ação que o
Brasil pudesse tomar. Neste contexto, foram realizadas reuniões regulares com a China
e a Índia para coordenar até aspetos programados, tais como as datas de entrega das
Comunicações Nacionais ao Secretariado da Convenção
7
.
Uma vez estabelecido o BASIC, a ideia de contribuições voluntárias constituídas na
segunda via tornou-se extremamente importante para manter a coesão no seio da
coligação. Isto significava que um país parceiro podia fazer reduções voluntárias de GEE
sem comprometer os outros (Lessels, 2013). Desta forma, os parceiros poderiam manter
a coligação unida e manter uma identidade internacional baseada no seu estatuto
emergente, permitindo simultaneamente margens de ação para definir políticas internas
4
Luis Rebelo Fernandes, Secretário Executivo do MCT. Excerto do discurso proferido na COP 12, 2006.
5
Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores. Excerto de um discurso proferido na COP 12, Bali, 2007.
6
Carlos Minc, Ministro do Meio Ambiente, excerto de um discurso proferido na COP 14, Poznan, 2008.
7
em 2004, o Brasil, a Índia e a China concordaram em apresentar as suas primeiras Comunicações
Nacionais da UNFCCC durante a COP 10 em Buenos Aires, embora a Comunicação Nacional do Brasil
tivesse sido preparada anteriormente. Embora a Índia não cumprisse o estipulado e apresentasse a sua
comunicação alguns meses antes dos outros países, a ideia era que os três adiassem a entrega das
comunicações para evitar a atenção às suas situações nacionais e políticas internas. A sua entrega procurou
conjuntamente reforçar a sua posição contra uma potencial reivindicação por parte dos países do Anexo I
(Lessels, 2013).
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interpretações dentro do contexto nacional brasileiro
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168
com uma certa autonomia. Assim, com a conformação do BASIC, estes países foram
capazes de abrandar, ou pelo menos reduzir, a velocidade das transformações dentro da
estrutura da governação climática global. Através desta ação conjunta, os membros
BASIC conseguiram manter o CBDR-RC, mesmo na transformação dos compromissos de
um modelo de cima para baixo para uma abordagem de baixo para cima (Albuquerque,
2019).
Como um inquirido salienta, o CBDR-RC continuou a ser um princípio defensivo, apesar
das transformações:
"Assim, no início dessas discussões, havia ... o governo brasileiro usou muito
disso para dizer que não ia fazer nada, que ia esperar por vários
momentos. Por exemplo, o governo brasileiro disse por vezes ... quantos
países desenvolvidos não publicaram os seus inventários de emissões, nós
também não vamos publicar, quantos países não enviam as suas
contribuições, aqueles países desenvolvidos com obrigações de Quioto, nós
também não vamos fazer, e com o tempo o governo brasileiro tornou-se
menos ... tornou-se um pouco mais flexível, lembra-se sempre desse
princípio, mas de certa forma relaxou um pouco…”
8
De 2005 a 2010, o Brasil continuou a reforçar a sua posição no seio do G77+China; onde
ainda era a referência em relação aos temas científicos das negociações, mas também
procurou aumentar a sua influência construindo a ideia de que o Brasil, embora um país
em desenvolvimento, poderia ajudar na transferência de tecnologia e conhecimento para
os países menos desenvolvidos no quadro dos programas de cooperação Sul-Sul e
regional (Lessels, 2013):
"(...) (Brasil) foi pioneiro no desenvolvimento tecnológico mundial de
alternativas energéticas limpas, tais como o etanol, combustível à base de
álcool. Estamos dispostos a partilhar esta experiência com outros países,
especialmente com os nossos países-irmãos em desenvolvimento"
9
.
"(...) e estamos dispostos a partilhar esta tecnologia com outros países em
desenvolvimento em África, Ásia, América Latina e Caraíbas"
10
.
" Também temos sido capazes de criar programas de cooperação Sul-Sul para
a transferência de tecnologia"
11
.
8
Excerto da entrevista com André Rocha Ferretti (Observatório do Clima), por videoconferência, a 15 de
agosto de 2016.
9
Luis Rebelo Fernandes, Secretário-Geral do MCT, excerto do discurso proferido na COP 12, Nairobi, 2006.
Citação extraída de Lessels (2013).
10
Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores, excerto do discurso proferido na COP 13, Bali 2007. Citação
extraída de Lessels (2013).
11
Izabella Mônica Teixeira, Ministra do Meio Ambiente, excerto do discurso proferido na COP 16, Cancun 2010.
Citação extraída de Lessels (2013).
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interpretações dentro do contexto nacional brasileiro
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"Não a vamos excluir (a ideia de transferir financiamento para países menos
desenvolvidos). o é um problema para o Brasil contribuir para outros
países. No entanto, é evidente que o principal fardo não pode ser para os
países emergentes"
12
.
Na COP 15 em Copenhaga, em 2009, o Brasil demonstrou uma vontade de ajudar a
financiar os programas de adaptação e mitigação para os países menos desenvolvidos.
Nas palavras de Luís Inácio Lula da Silva:
"Se houver outro sacrifício a ser feito, o Brasil está disposto a colocar dinheiro
também para ajudar outros países. Estamos dispostos a participar no
financiamento se, nesta reunião, chegarmos a acordo sobre uma proposta
final"
13
.
Ao mesmo tempo, o governo brasileiro, como um todo, tanto o MMA como o Itamaraty,
começaram a ser muito mais recetivos às instâncias e espaços facilitadores da
participação da sociedade civil organizada.
Em 2009, o Brasil anunciou na COP15 que iria tomar medidas de mitigação voluntárias
para reduzir os GEE. Com base nesta decisão brasileira, foram desencadeadas algumas
preocupações no seio da coligação BASIC e de alguns países do G77+China, pois poderia
levar a uma procura crescente de esforços mais significativos por parte dos países em
desenvolvimento e a uma pressão substancial sobre a ideia de objetivos obrigatórios para
os países BASIC. Contudo, o Itamaraty sustentou que a redução voluntária de emissões
fazia parte de uma decisão nacional que não estava legalmente associada a qualquer
acordo da UNFCCC e, portanto, o implicava que os outros membros da coligação BASIC
fizessem o mesmo; uma vez que a segunda via aberta depois de Bali podia permitir esta
alternativa (Lessels, 2013).
No entanto, esta definição não foi necessariamente partilhada por todo o governo
brasileiro. Assim, a interpretação do MMA sobre o processo de adoção de objetivos
voluntários pode ser entendida a partir das palavras de um entrevistado:
“Só aqui, mesmo essa posição (a tradicional posição brasileira sobre as
alterações climáticas) em 2005, 2006, teve um peso hegemónico no governo,
foi sustentada várias vezes por Lula. Com o lançamento do relatório do IPCC,
o documentário de Al Gore, os movimentos internos, a informação de que as
emissões do mundo em desenvolvimento, Índia, China, Brasil passaram a ser
equivalentes às emissões dos países do Norte, que o Brasil foi para
Copenhaga com uma mudança bastante expressiva, e chegou com propósitos
voluntários. Isto tem a ver com o movimento político geral de Lula, com base
no alinhamento da China com os EUA. Quando a China se alinha com os
Estados Unidos, Lula fez uma inflexão em relação a Sarkozy e à UE e relaxou
12
Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores, entrevista com O Globo a 14 de outubro de 2009. Citação
extraída de Lessels (2013).
13
Luís Inácio Lula da Silva, Presidente da República do Brasil, 2009, COP 15, Copenhaga. Citação extraída de
Lessels (2013).
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interpretações dentro do contexto nacional brasileiro
Christopher Kurt Kiessling, Agustina Pacheco Alonso
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em dois pontos em que o Brasil era absolutamente inflexível: a aceitação dos
objetivos e a aderência à proposta da Organização Mundial do Ambiente a
que o Brasil sempre resistiu até 2006, embora com Marina Silva tenhamos
defendido que o governo deveria mudar a sua posição. Lula muda e torna-se
o principal Chefe de Estado em Copenhaga... foi um processo evolutivo de
2003 a 2007..."
14
.
Desta forma, observa-se que no governo brasileiro começou a emergir e a coexistir com
a interpretação clássica do CBDR-RC, uma abordagem mais próxima da posição ocupada
pela sociedade civil na altura (Kiessling, 2019); isso acabaria por questionar a visão
tradicional do Itamaraty sobre a responsabilidade do Brasil na mitigação das alterações
climáticas. Este processo será desenvolvido em maior detalhe na próxima secção.
Interpretação progressiva do princípio: as responsabilidades que
podemos assumir
A partir de 2003, com a chegada de Marina Silva ao MMA, a hegemonia do MRE e do MCT
sobre o assunto foi quebrada. Novas vozes são permitidas na esfera de discussão que
privilegiaram os aspetos ambientais das alterações cliticas em relação à interpretação
tradicional do Itamaraty sobre a questão como um problema de desenvolvimento e
utilização de energia (Kiessling, 2018). A participação de outras vozes no governo
brasileiro continuou a crescer, fazendo um grande discurso com o Comité Interministerial
para as Alterações Climáticas (ICCC) através do Decreto 6263/07. O ICCC é
coordenado pela Casa Civil da Presidência da República e é composto por dezassete
agências federais estruturadas sob um Grupo Executivo (EG) coordenado pelo Ministério
Meio Ambiente e composto por oito ministérios e pelo Fórum Brasileiro de Mudanças
Climáticas. O CIM, através do EG, elaborou em 2008 e 2009, respetivamente, o Plano
Nacional sobre Mudança do Clima e a Política Nacional sobre Mudança do Clima Assim, a
caracterização da CBDR-RC começa a ser reinterpretada dentro do próprio governo de
uma forma que centra a sua atenção no caráter comum das responsabilidades e não no
seu caráter diferenciado. Esta norma começa então a ser abordada mais proativamente
(as responsabilidades que podemos assumir) do que de uma forma defensiva
(responsabilidade histórica) (Kiessling, 2018).
A transição de responsabilidade do MCT para o MMA, no que diz respeito à liderança na
questão, ocorreu gradualmente e continuou de 2005 a 2009-2010. Os negociadores
brasileiros nas COP continuaram a ser funcionários do MCT, não obstante pretenderem
manter a tradicional posição brasileira sobre as alterações climáticas, apesar de sofrerem
pressões tanto das mudanças internas que estavam a ter impacto na posição oficial do
país como das transformações que estavam a ocorrer no âmbito das próprias negociações
internacionais. Por outro lado, como indicado por Lessels (2013), a equipa técnica do
MCT, pouco a pouco, começou a perder poder e influência dentro da delegação. A partir
de 2010, o MCT quase não participa nos processos de tomada de decisão sobre as
14
Excerto da entrevista conduzida por Asher Lessels em 14 de outubro de 2011 com um alto funcionário do
Ministério do Meio Ambiente brasileiro responsável por liderar a delegação brasileira na COP 9.
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interpretações dentro do contexto nacional brasileiro
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alterações climáticas, tendo encerrado quase todas as operações relacionadas com a
agenda climática. No entanto, o MCT manteve, dentro das suas competências,
responsabilidade em relação às Comunicações Nacionais do Brasil à UNFCCC e à gestão
dos projetos MDL, a autoridade reguladora e de supervisão desta matéria.
Relativamente ao MMA, como Lessels (2013) indica, provavelmente a preocupação mais
significativa para Marina Silva não era tanto a questão da mudança climática em si,
mesmo sendo Marina uma ambientalista, mas que as negociações da UNFCCC foram
apresentadas como uma oportunidade para forçar mudanças no desempenho do país no
que respeita à gestão florestal. Marina Silva estava convencida de que era necessário
que o Brasil estabelecesse abertamente uma forte ligação entre clima e floresta e
promovesse a ideia de que responsabilidades comuns, mas diferenciadas não
significavam que o Brasil não tivesse responsabilidades (Lessels, 2013). Assim, no início
de 2005, o MMA tinha quebrado a associação e identificado as alterações climáticas
exclusivamente como uma questão de utilização de energia. Sob a direção de Marina, o
MMA abriu também o primeiro departamento ministerial dedicado às alterações
climáticas, dando ao ministério capacidades para abordar políticas sobre o assunto.
Esta mudança teve uma enorme importância nos anos seguintes, uma vez que, embora
as interpretações da norma no seio do governo brasileiro permanecessem abertas, uma
interpretação proativa da CBDR-RC, associada às responsabilidades que o Brasil pode
assumir com base nas suas capacidades, foi o protagonista nos debates governamentais.
Para se adotar tal interpretação, anteriormente, era necessário que as alterações
climáticas fossem enquadradas como uma responsabilidade conjunta da Humanidade,
em que as capacidades atuais dos Estados são o padrão necessário para estabelecer
objetivos de mitigação e não o seu status institucionalizado como um país desenvolvido
ou em desenvolvimento.
Esta posição foi acompanhada pela sociedade civil organizada e pelo setor académico
que trabalharam neste problema, que foram favoráveis, ao longo deste processo de
reinterpretação da norma, a que o Brasil mudasse a sua política interna e externa em
matéria de alterações climáticas para assumir compromissos de redução dos GEE
(Kiessling, 2019). Neste sentido, vale a pena mencionar a existência de um
microprocesso de socialização intracaso, que não envolveu atores internacionais, mas
teve um impacto significativo na socialização dos atores estatais. Com a chegada de Lula
da Silva à Presidência do Brasil, especialmente o Ministério do Meio Ambiente iniciou um
processo de contratação de pessoal especializado, o qual, em certa medida, teve impacto
nas agendas, políticas, visão e capacidades do ministério. Como indica um entrevistado:
"... fui em 2004, mais até 2003 (o MMA) tinha um corpo técnico minúsculo.
(...), com a chegada de Marina Silva, trouxe muitos profissionais que atuavam
no terceiro setor para compor a equipa do Ministério e fez o primeiro
concurso, para análise ambiental, fez o concurso para (...), que foi o que eu
fiz, trabalhei lá, e a partir daí começou a construir aquele corpo técnico do
Ministério que não existia antes. E as pessoas que estavam livres no mercado
para trabalhar nessa questão são as pessoas que vieram do terceiro setor,
que estavam no terceiro setor e que foram ao Ministério para fazer essa
transição, para construir, para ajudar a construir esse próprio corpo técnico.
Então, não (o MMA) tinha muitas alianças com o setor privado e com o
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interpretações dentro do contexto nacional brasileiro
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terceiro setor, mas tinha muitas pessoas que eram do terceiro setor e que
tinham ido ao Ministério para ajudar nessa construção..."
15
Discussão e resultados
Como o discurso interno sobre as alterações climáticas estava a ressignificar e a
questionar a centralidade da CBDR-RC na interpretação do Itamaraty, este movimento
foi acompanhado pelo aparecimento de um número crescente de agências
governamentais que formulavam opções consistentes com a CBDR-RC. Como
argumentado na literatura, este sinal mostra a importância crescente de uma norma
internacional num contexto doméstico (Cortell & Davis, 2000; Kiessling, 2021).
O objetivo geral do programa era identificar, planear e coordenar as ações e medidas
que poderiam ser empreendidas sobre a mitigação e adaptação às alterações climáticas.
Assim, em primeiro lugar, deve ser destacada a formulação do Plano Nacional sobre
Mudança do Clima em 2007. Este plano foi apresentado como um quadro relevante para
a integração e harmonização das políticas públicas relativas ao tema. A importância do
plano reside no pressuposto de que este plano representa uma transição no
posicionamento do governo do Brasil: de uma identificação do país como país em
desenvolvimento, e não do Anexo I, para uma posição definida pelo objetivo de começar
a planear ações voluntárias de mitigação e adaptação através da identificação de
oportunidades de mitigação económica
16
.
Contudo, os "postulados da norma" e os seus significados também foram contestados no
seio do próprio governo do Brasil, entre uma visão das alterações climáticas como um
problema da Humanidade como um todo, como um problema económico de
externalidades e como um problema nacional de desenvolvimento e utilização da energia.
A nível federal, foi apresentado ao Congresso do Brasil em 2008 um projeto de lei que
abriu um debate no Congresso, que começou a acelerar em meados de 2009, quando o
governo brasileiro começou a sinalizar que iria adotar metas de redução de emissões em
Copenhaga
17
. Esta proposta foi baseada num projeto feito pelo Observatório do Clima.
Foi apoiado pelo Executivo tornando-se a base da lei que foi finalmente sancionada e
mesmo mantendo extratos do projeto original do Observatório do Clima.
Isto representa a institucionalização de mecanismos de cooperação entre atores estatais
e não estatais para consolidar a norma no contexto doméstico. Esta cooperação p-
existiu à sanção da lei climática. Contudo, aumentou significativamente entre 2007 e
2009 através da convergência dos atores públicos, privados e do terceiro setor para a
definição da exigência de uma abordagem de regulação nacional das alterações
climáticas que transcenderia a interpretação da CBDR-RC como responsabilidades
históricas.
15
Excerto da entrevista com Beatriz Martins em São Paulo no dia 26 de setembro de 2016.
16
Os setores identificados como oportunidades de atenuação serão a base dos futuros planos setoriais
definidos pela Política Nacional em 2009.
17
O Itamaraty confirma que o Brasil terá um objetivo contra o aquecimento global. Folha de São Paulo
08/12/2009 (https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2009/08/608523-itamaraty-confirma-que-brasil-
tera-meta-contra-aquecimento.shtml). Última consulta online: 09/09/2021.
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Após um processo de negociação no seio do Governo, o Senado brasileiro aprovou a
Política Nacional sobre Mudança do Clima a 25 de novembro de 2009. No final de 2009,
Carlos Minc conseguiu organizar uma série de pequenas reuniões onde os atores mais
importantes do Governo se reuniram para discutir as posveis reduções voluntárias de
emissões de GEE do Brasil. Nestas quatro reuniões privadas no Palácio do Planalto em
Brasília estiveram presentes, entre outros, Lula, Presidente da República; Dilma
Rousseff, Chefe da Casa Civil da Presidência; Carlos Minc, Ministro do Meio Ambiente;
Sergio Rezende, Ministro da Ciência e Tecnologia; e Celso Amorim, Ministro das Relações
Exteriores (Lessels, 2013). No final da terceira reunião, os atores políticos convergem a
favor da adoção de objetivos voluntários anunciados. Depois, formalmente, a Política
Nacional sobre Mudança do Clima foi aprovada e sancionada como lei pelo Presidente da
República em 20 de dezembro de 2009
18
. Esta política anuncia reduções entre 36,1% e
38,9% relativamente aos níveis de emissões previstos para 2020 num cenário de BAU.
“Assumimos um compromisso, e aprovámo-lo no Congresso Nacional,
transformando em lei o facto de o Brasil, até 2020, reduzir as emissões de
gases com efeito de estufa de 36,1% para 38,9% com base no que
consideramos importante: mudança no sistema agrícola brasileiro; mudança
no sistema siderúrgico brasileiro, mudança e melhoria da nossa matriz
energética, que é uma das mais limpas do mundo; e assumimos o
compromisso de reduzir o desmatamento da Amazónia em 80% até 2020"
19
.
Assim, com a promulgação da lei em dezembro de 2009, pode observar-se que os dois
indicadores que Cortell e Davis (2000) reconhecem para analisar empiricamente esta
institucionalização foram cumpridos; nomeadamente, as mudanças no discurso nacional,
bem como as modificações nas instituições e nas políticas estatais (Cortell & Davis,
2000).
Reflexões finais
Este artigo descreveu as modalidades segundo as quais o princípio das Responsabilidades
Comuns, mas Diferenciadas foi internalizado e localizado na política nacional brasileira.
Ficou demonstrado que esta norma foi rapidamente adotada pela diplomacia brasileira
para evitar que o Brasil adotasse metas vinculativas de redução de gases com efeito de
estufa. Em termos gerais, por volta do ano 2003, com a chegada de Marina Silva ao
Ministério do Meio Ambiente, esta norma começa a ser reinterpretada dentro do próprio
governo de uma forma que centra a sua atenção na natureza partilhada de
responsabilidades e não no seu caráter diferenciado. Neste sentido, abordagens mais
proativas do princípio (as responsabilidades que podemos adotar) começaram a ganhar
tração versus abordagens defensivas (responsabilidades históricas). Esta reinterpretação
da norma atingiu um ponto alto em 2009 com a promulgação da lei das alterações
18
O Presidente Lula vetou três artigos da lei original numa ação que alguns observadores interpretaram como
uma defesa do setor petrolífero (Por exemplo https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2009/12/672320 -
lula-must-sanction-lei-do-clima-mas-protects-setor-do-petroleo.shtml).
19
Luis Inácio Lula da Silva, Presidente da República do Brasil, 2009, Excerto do discurso proferido na COP 15,
Copenhaga. Citação extraída de Lessels (2013).
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climáticas e a adoção de compromissos voluntários por parte do governo brasileiro. No
entanto, esta reinterpretação o foi consolidada como hegemónica dentro do país,
principalmente devido ao Itamaraty ter uma interpretação mais gida da norma
20
.
Desde então, a política climática e de governação do Brasil sofreu grandes mudanças,
principalmente devido a dois marcos significativos, a assinatura e entrada em vigor do
Acordo de Paris e a ascensão ao poder de Jair Bolsonaro.
Com a assinatura do Acordo de Paris em 2015 e a sua subsequente entrada em vigor em
2016, o CBDR-RC sofreu transformações que reduziram a sua centralidade como princípio
orientador da governação climática global. No entanto, na arena nacional, os debates em
torno das diferentes interpretações do princípio tornaram-se mais uma vez relevantes na
elaboração da Contribuição Nacionalmente Determinada.
Alguns anos mais tarde, a subida ao poder de Jair Bolsonaro significou retrocessos na
ambição e robustez da política climática brasileira. Tanto em termos discursivos como
nas medidas que foram tomadas, a posição do novo governo sobre a crise climática
significou o desmantelamento das regulamentações ambientais, o desaparecimento da
questão da agenda governamental e o espaço para a liderança na ação climática por
atores não estatais - a nível interno - e de outros países - a nível regional -.
Assim, a investigação futura poderia abordar as seguintes questões decorrentes deste
artigo: 1) Como é que a assinatura do Acordo de Paris influenciou as discussões e debates
internos brasileiros sobre o CBDR-RC? 2) Como é que esta interpretação do CBDR-RC
pelo Ministério das Relações Exteriores influenciou as possibilidades de exercer a
liderança regional brasileira sobre as alterações climáticas? Além disso, 3) Como é que a
localização influenciou a chegada ao governo de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018 e o
processo de contestação dos regulamentos de proteção ambiental?
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objetivos da Política Nacional sobre Mudança do Clima e na elaboração dos planos setoriais, funcionando
como base discursiva da futura proposta brasileira dos "círculos concêntricos" no ano de 2014.
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