Para além dos aspetos bilaterais, as relações entre Moscovo e Pequim são também
concretizadas no plano multilateral. Ao nível das NU, existe um alinhamento entre ambos
relativamente ao papel de liderança dos EUA na organização. Em março de 2021, os
ministros dos negócios estrangeiros apelaram a uma reunião entre os membros
permanentes do CSNU, no sentido de discutir os principais focos de turbulência, com o
ministro russo a referir-se à forma destrutiva como os EUA têm atuado em termos
internacionais (Reuters, 2021). No âmbito diplomático, a solidariedade entre Moscovo e
Pequim ficou expressa no silêncio chinês em relação à invasão da Crimeia pela Rússia
(Ismail, 2019). Esta postura tem sido igualmente visível na atual guerra da Ucrânia, pois
para além de Pequim ter recusado o uso do termo «invasão», tem igualmente
enquadrado este conflito enquanto resposta da Rússia às políticas de alargamento da
OTAN para o leste europeu (Liu, 2022). A China absteve-se no Conselho de Segurança
no dia seguinte ao início do conflito da Ucrânia, na resolução que condenava a invasão
(UN, 2022).
No palco ocidental do continente euroasiático, a intervenção russa é sobretudo focada
em espaços de influência tradicionais e cuja proximidade geográfica e desafios
securitários são vistos, em continuidade, por Moscovo com uma grande preocupação.
Para além do apoio político e económico aos Estados parceiros, como forma de limitar a
capacidade de intervenção de outras potências exteriores (RF, 2021: 5, 26), o documento
estratégico russo aponta para as ameaças do alargamento da OTAN e para a construção
de bases militares nas proximidades da Rússia, dos seus aliados e parceiros (RF, 2021:
11). No campo da cooperação ao nível das informações, é com os Estados parceiros que
a Rússia se propõe trabalhar, incluindo aqui o uso de tecnologias de informação e de
comunicação (RF, 2021: 23). Ainda em relação a esta prioridade regional, a Rússia
disponibiliza-se para “apoiar os aliados e parceiros (...) nas matérias relacionadas com a
segurança e a defesa, e na neutralização de tentativas de interferência (de atores
externos) nos seus assuntos internos” (RF, 2021: 40).
O espaço pós-soviético (RF, 2021: 42) é, por isso, a região onde são identificados grande
parte dos objetivos vitais russos, em particular no domínio da segurança. Assim,
assumem especial destaque a Bielorrússia, a Ucrânia e a Moldávia, enquanto zona
tampão (buffer zone) (Toucas, 2017) (Tabachnik, 2019), ou seja, como uma espécie de
“cordão sanitário” em relação ao Ocidente, e, em menor escala, os Estados Bálticos
(Estónia, Letónia e Lituânia), a Polónia, a República Checa, Roménia e a Bulgária. Além
do instrumento militar, a intervenção russa tem ainda como instrumentos o domínio
informacional, através de campanhas de desinformação e de propaganda, usando
inclusivamente os media locais. Esta articulação de instrumentos, civis e militares,
materiais e virtuais, reforçam as capacidades de intervenção híbridas da Rússia em
diversas regiões, em particular no seu “estrangeiro próximo”.
Em termos regionais, a Rússia tem também aproveitado grande parte das oportunidades
geradas pela falta de capacidade e de entendimento das potências ocidentais em atuar
em determinados espaços geográficos, procurando em diversos Estados apoiar fações
opostas às que são suportadas pelas potências ocidentais. Retratando o aumento das
tensões e dos conflitos no espaço pós-soviético, no Médio Oriente, no Norte de África, no
Afeganistão e na península coreana, a ENSR associa esta instabilidade regional alargada
como fonte para o desenvolvimento do terrorismo internacional e das atividades