OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 13, Nº. 1 (Maio-Outubro 2022)
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RECENSÃO CRÍTICA
Innerarity, Daniel (2019). Política para Perplexos. Lisboa: Porto
Editora, ISBN 978-972-0-45-03232-4, 214 pp.
JOÃO CARLOS SOUSA
joao.carlos.sousa@iscte-iul.pt
Doutorando em Ciências da Comunicação do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (Portugal) e
bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Mestre em Sociologia: exclusões e políticas
sociais (Universidade da Beira Interior) e Licenciado em Sociologia. Foi bolseiro de Investigação
nos projetos Agenda dos Cidadãos: jornalismo e Participação cívica nos media portugueses e
público e privado em comunicações móveis, desenvolvidos no LabCom da Faculdade de Artes e
Letras da Universidade da Beira Interior. É investigador do OberCom.
Daniel Innerarity em “Política para Perplexos” continuidade à reflexão encetada no
rescaldo da Grande Recessão (Innerarity, 2016) sobre os atuais desafios que se colocam
às democracias contemporâneas, ensaiando as bases éticas e culturais para a
possibilidade de um novo contrato social. Um contrato social aliceado na confiança
entre cidadãos, mas também entre estes e as diversas instituições que sustentam a
democracia liberal. Para tal, proem-nos a substituição de uma democracia de maioria,
por uma democracia de negociação, dando prossecução a um “velho” ensejo teórico do
autor (Innerarity, 2012). Enquanto desiderato das sociedades contemporâneas, a
democracia de negociação corresponde em primeira linha, a um objetivo e correto
diagnóstico das patologias e disfuncionalidades das democracias ocidentais hodiernas.
Para quem percorre as 214 páginas que compõem a obra, fica com a clara sensação que
o autor basco é dotado de uma ímpar argucia observacional da realidade, o que lhe
permite verter em texto simples e claro, acessível àquele leitor não especialista, mas
ávido de conhecimento da vida em comunidade, toda uma reflexão da condição política
atual. A leitura da obra em análise é relevante tanto para especialistas em comunicação
política ou ciência política, mas também para aqueles curiosos, que indagam as
representações que no dia-a-dia são construídas em contexto de copresença (por
exemplo, interação em contexto de café ou familiar), mas sobretudo aquelas, com as
quais contactamos diariamente, através dos diferentes meios de comunicação
tradicionais e/ou digitais. A obra encontra-se estruturada em seis partes, sendo que cada
uma destas se desdobra em diversos capítulos.
I O Fim das Certezas - A condição perplexa resulta da abertura sem limites dos horizontes
do possível. Perante alterações estruturais, existem aqueles que têm certezas absolutas
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acabando fanatizados. Por outro lado, ganha expressão pública o chamado “politicamente
correto”. A incerteza dissemina-se pelos diversos domínios da atividade social. A política
em tempos de perplexidade expressa-se em: incapacidade preditiva das sondagens que
monitorizam o comportamento político; a primazia da subjetividade na análise do
fenómeno político; e conceitos antiquados face às exigências atuais. Neste contexto,
existem duas formas de reação por parte dos atores políticos: por um lado, o apelo
conservador à autenticidade e não intervenção na realidade (conformados); por outro
lado, a crítica radical que resulta num não-entendimento da realidade, como são
exemplificativas as propostas populistas um pouco por todo o mundo. O autor basco
defende que a esquerda contemponea deve centrar-se na redistribuição e na mitigação
das iniquidades criadas pelo processo de globalização económica e capitalista. A direita
foca-se na ação do Estado no combate à criminalidade, dando prioridade às questões da
segurança.
Tanto as esquerdas como as direitas tradicionais legam a sua incapacidade e inércia, no
domínio político, no papel desregulado da globalização financeira. Assim, a direita
assume a globalização e a ineficácia da ação do Estado como uma “realidade indiscutível”.
A esquerda, por seu lado, assumindo uma clara postura de resistência ao processo de
globalização económica, insiste, segundo Innerarity, em não compreender os
emergentes marcos norteadores da ação política contemponea. Na esfera pública as
“velhas” esquerdas e direitas distinguem-se discursivamente. A direita recorrer a factos
e dados com capa de objetividade, tendendo a limitar os horizontes aspiracionais do
próprio debate. Por seu lado, na esquerda sucedem-se a ritmo vertiginoso os apelos à
imaginação e crítica. Num espaço público crescentemente espetacularizado, em que o
estatuto de cidadão foi progressivamente substituído pelo de consumidor, o jornalismo
-se abraços com a concorrência oriunda de um cada vez maior número de especialistas
participantes no debate público.
II A Desregulação Emocional Innerarity inicia a segunda parte do ensaio postulando
que as emoções têm pautado crescentemente a atividade em esferas o diversas como
a economia, a guerra e mais vincadamente a política. Estruturas sociais onde se
exprimem estados de ansiedade, de ira, de confiança, constituem-se como eixos de
transformação social. Neste quadro circunstancial os media desempenham um papel
charneira. Num primeiro plano, o autor coloca os media tradicionais como definidores do
agendamento que emanam estados emocionais. A jusante, encontram-se os media
sociais que fomentam a existência de bolhas emocionais em torno de casos particulares.
Com efeito, multiplicam-se os atores que se diferenciam e vingam no espaço público pela
sua agressividade discursiva e inconsistente sinceridade: “quem é mais ofensivo ganha
maior atenção na esfera pública” (2019: 66).
Innerarity (2019: 66-67) questiona “(...) e se os meios de comunicação estivessem a
potenciar e a alimentar a impotência democrática, isto é, a inflamar as nossas
expectativas, enfatizando as incapacidades coletivas, amplificando os nossos medos e
oferecendo uma atenção maior aos provocadores?”
III A Política numa Zona de Sinalização Escassa O autor parte para a reflexão relativa
ao populismo a partir da distinção conceptual da autoria de Chantal Mouffe entre
populismo de radicalização democrático e populismo autoritário, associando-os
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respetivamente à esquerda e direita política. Contudo, alega que esta distinção não toma
em linha de conta a pluralidade democrática. Ambos os populismos excluem mais, do
que integram. Afinal de contas, todos os populismos adotam uma retórica assente na
exclusão: povo vs elite; eles vs nós; casta vs povo etc.. Sendo o populismo a mais
marcante expressão política contemporânea, as tradicionais esquerdas e direitas
reiteram o seu anti populismo. Para a esquerda, o populismo é ainda pouco atrativo na
medida em que este é insensível às desigualdades e iniquidades produzidas em processos
sociais e políticos que evoquem a reconstrução das estruturas sociais; por outro lado, as
direitas obstinadas com a estabilidade veem na pulsão reformadora ao nível institucional
dos populistas, uma ameaça à almejada estabilidade. O Brexit, enquanto fenómeno
político, constitui-se como o evento político típico. Para o autor resulta de uma “fuga para
a frente” por parte dos britânicos e em particular das suas elites políticas, dispensando
qualquer método da democracia representativa, assumindo contornos plebiscitários.
Deste modo, este processo deve ser encarado como um duplo paradoxo: o primeiro é de
que ao contrário do alegado pelos apoiantes do Brexit, o Reino Unido não estará
completamente fora da União Europeia, como é o caso da legislação da União Europeia;
o segundo revela-se na crescente tensão entre os impulsos plebiscitários e os tramites
da democracia representativa. A democracia direta traduzida na realização de um
referendo tem o condão de trespassar a sensação de empoderamento do cidadão,
embora no final de contas estejam sempre dependentes da aplicação e execução por
parte das diversas instituições da democracia.
IV A Democracia na Era de Trump As últimas eleições presidências norte americanas
foram sobretudo norteadas pelo eixo republicanismo cívico vs elitismo liberal-
conservador. O primeiro tinha em Trump e Sanders os seus primordiais representantes,
ao passo que o segundo tinha nos partidos Republicano e Democrata as suas forças mais
representativas. No caso de Trump ao centrar-se no capitalismo de proprietário face à
globalização financeira, reafirma o esgotamento do paradigma multicultural, ainda que
sem coerência e objetividade, traduzindo o descontentamento do povo. Alia a esta
estratégia, o simplismo comunicacional e telenico, tirando proveito da decadência da
própria cultura cívica. Esta nova clivagem é balizada por um lado, pelo capitalismo
clássico e por outro lado, pelo capitalismo financeiro criativo. Neste eixo, confrontam-se
as ideias de um desenvolvimento industrial essencialmente nacional e que tem como
grande interlocutor o Estado-nação. Nos antípodas está a economia financeirizada dos
mercados globais que têm como epicentros Silicon Valley e Wall Street. O alvo do
movimento populista é sobretudo o multiculturalismo impregnado na globalização
económica. O autor propõe uma nova conceção de justiça que deverá passaro só pela
redistribuição, mas também pelo reconhecimento.
V Configurar Sistemas Inteligentes A política, nas últimas décadas, viu de forma radical
ser alterada a sua função. Esta metamorfose é comparável àquela que ocorreu há
quatro séculos aquando da emergência dos Estado-nação. As transformações ocorreram
ao nível estrutural, isto é, ao nível das coordenadas globais: globalização da atividade
económica, emergência da sociedade do conhecimento, individualização dos estilos de
vida e ocidentalização das sociedades. As implicações concorrem para três grandes tipo
de disfuncionalidades políticas: primeiro, ineficácia da ação política no âmbito do que
seria expectável; segundo, inoperacionalidade perante problemas inéditos e novos
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formatos; terceiro, incapacidade de identificar novos problemas. Estamos perante um
défice de inteligência política que se confronta quotidianamente com a versatilidade e
dinamismo de outras esferas: euforia tecnológica vs analfabetismo cívico; inovação
tecnológica vs redundância social; cultura científica e económica críticas vs espaço
político anacrónico. No final de linha, o autor defende que se deve melhorar os sistemas
que nos defendem contra as próprias pessoas, contra os erros produzidos de forma
deliberada ou inadvertida, porque no final “o próprio medo é um instinto que nos defende
de nós mesmo” (2019: 191).
VI O Que Nos Espera O diagnóstico, enquanto ofício do intelectual público, é uma
responsabilidade deste agente relativamente aos seus concidadãos e demais comunidade
envolvente. Ainda que sem conseguir prever o futuro, o bom diagnóstico é essencial para
enfrentar de forma razoável a incerteza e imprevisibilidade atuais. Três pistas com
potencial prospetivo: primeira, crescente incerteza; segunda, intensa volatilidade dos
padrões sociais e políticos; terceira, necessidade de aperfeiçoamento dos conceitos que
norteiam a reflexão e definição de estratégias. A obra termina em tom de otimismo,
embora não se deva branquear os hercúleos desafios que se põem às sociedades em
geral e às instituições e atores políticos em particular. Com efeito, o otimismo em
detrimento do pessimismo enquanto regra básica de reflexão social é peça basilar na
montagem do complexo puzzle sociopolítico. Existem duas boas razões para preterir o
pessimismo e dar prioridade ao otimismo: a narrativa da história da humanidade pode
não caminhar para pior; a conclusão é sempre inimiga da reflexão e da interpolação
prospetiva do social e do político.
Notas a reter e a desenvolver
Na obra que suporta a presente reflexão o autor basco, assume, ainda de forma implícita,
o papel de intelectual público. Ao abrigo deste ensaia um novo contrato social
cosmopolita, que tem as bases em princípios de tolerância, diálogo entre diferentes
estados e entre diferentes nações dentro dos próprios estados. Embora ao longo da obra
sejam alguns indícios de crítica aos passos dados pelas democracias ocidentais e em
particular às titubeantes repostas destas aos diferentes movimentos populistas,
Innerarity no final esboça um moderado otimismo, em concreto na resposta ao maior
desafio político das primeiras décadas do século XXI o recrudescimento dos populismos
e os nacionalismos que lhe dão guarida com uma ambiciosa proposta cosmopolita que
sirva de diálogo intercultural e político.
Tanto as esquerdas como as direitas tradicionais legam a sua incapacidade no campo
político, tendo a globalização como pano de fundo argumentativo. No caso particular da
direita o recurso à “realidade indiscutível” tem como caso mais paradigmático o
“consenso ordoliberalque se impregnou em algumas instituições da União Europeia e
Estados-membros, para além do domínio patenteado na esfera pública e mediática um
pouco por todo o continente europeu.
A questão levantada na segunda parte por Innerarity, acerca do papel dos media na
atualidade, impele-nos a considerar os seguintes aspetos: primeiro, passa por abordar
todas as transformações dos media tradicionais nas últimas décadas, como por exemplo
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a mercantilização (Cardoso, 2016); o segundo ponto versa sobre a relação entre estes
media e os media sociais, em particular o Facebook e o Twitter; o terceiro ponto assenta
na forte desintermediação da comunicação de massas (Bruns & Humphreys, 2007); uma
quarta questão e em consequência da desintermediação comunicacional, atores políticos,
mormente populistas, têm tirado intenso proveito do estabelecimento da ligação direta,
com uma vasta audiência e seguidores, descartando a mediação jornalística. Este é aliás,
um possível ponto para o facto de os media tradicionais serem um alvo frequente da ira
discursiva de deres e movimentos populistas num vasto conjunto de democracias.
É nesta linha de raciocínio, que Innerarity nos fala de “desregulação emocional”. O estado
de ebulição emocional exprime-se na crescente ansiedade e desconfiança, que
transpassam no quotidiano, constituindo-se como vetores de mudança social e política.
O facto de um autor, como Innerarity, sinalizar estas transformações associadas às
emoções na esfera pública e em particular na política, é um indício importante, de que
este será um campo de estudo emergente e que nas próximas décadas promete
consolidar-se, em particular nos domínios do comportamento eleitoral e comunicação
política em rede.
Referências
Bruns, A. & Humphreys, S. (2007). Building collaborative capacities in learners: The
M/cyclopedia project revisited. Proceedings of the Conference on Object-Oriented
Programming Systems, Languages, and Applications, OOPSLA: 110.
Cardoso, G., Santos, S. e Telo, D. (2016). Jornalismo em Tempo de Crise. Lisboa: Mundos
Sociais.
Innerarity, D. (2011). O Futuro e os seus Inimigos. Lisboa: Editorial Teorema.
Innerarity, D. (2016). A Política em Tempos de indignação. Lisboa: Dom Quixote.
Innerarity, D. (2019). Política para Perplexos. Lisboa: Porto Editora.
Como citar esta recensão crítica
Sousa, João Carlos (2022). Recensão crítica de Innerarity, Daniel (2019). Política para
Perplexos. Lisboa: Porto Editora, ISBN 978-972-0-45-03232-4, 214 pp. In Janus.net, e-
journal of international relations. Vol. 13, 1, Maio-Outubro 2022. Consultado [em
linha] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.13.01.2