OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 13, Nº. 1 (Maio-Outubro 2022)
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NOTAS E REFLEXÕES
A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÓNIO CULTURAL EUROPEU:
EXPERIÊNCIA E TENDÊNCIAS MODERNAS
1
ALEXANDRA BORISOVNA EGOREICHENKO
arsvitae133@gmail.com
Cand.Sc. (Ciência Política) e Assistente do Departamento de Relações Humanitárias
Internacionais da Faculdade de Relações Internacionais da Universidade Estatal de São
Petersburgo (Federação Russa). Os seus interesses científicos incluem temas como o patrinio
cultural internacional, a cultura europeia, a comunicação cultural, o multiculturalismo e os
estudos urbanos.
1. Introdução
O património cultural europeu é um mosaico rico e diversificado de manifestações
culturais e criativas, um legado de gerações passadas. Inclui sítios naturais, construções
e vestígios arqueológicos, museus, monumentos, obras de arte, cidades históricas, obras
literárias, musicais e audiovisuais, bem como os conhecimentos, práticas e tradições.
A política neste domínio depende principalmente dos Estados-Membros da União
Europeia (UE), das autoridades regionais e locais, das instituições supranacionais, bem
como das suas estratégias e programas. A UE procura popularizar os sítios de património
cultural e proporcionar-lhes um amplo acesso, formar especialistas neste domínio,
desenvolver métodos de conservação e restauro, além de coordenar os esforços dos
Estados europeus e dos intervenientes privados.
De acordo com o estudo Eurobarómetro de 2017 sobre património cultural, 73% dos
inquiridos vivem perto de locais de património cultural, 51% visitam-nos regularmente,
68% consideram que a existência de património cultural pode influenciar a escolha do
seu destino de férias, 68% gostariam de conhecer mais desse património, enquanto 84%
consideram-no importante pessoalmente e para a comunidade (Relatório Eurobarómetro
466, 2017).
1
Texto traduzido por Hugo Alves.
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Existem muitos locais ricos em património cultural mundial na Europa, que compõem
quase metade da lista dessa categoria tangível da UNESCO. Itália, Espanha, França e
Alemanha estão no topo como os países com maior número de sítios. A Itália é líder a
nível mundial.
O património cultural pré-histórico é representado na Europa por tios como a Gruta de
Lascaux, em França, os desenhos rochosos de Valcamonica, em Itália, a Gruta de
Altamira, em Espanha, os monumentos megalíticos de Stonehenge e Avebury, em
Inglaterra. O património cultural da Grécia Antiga inclui as ruínas da cidade de Delfos, o
conjunto da Acrópole de Atenas, os sítios arqueológicos de Delos, os mosteiros de
Meteora, ou a cidade de Rodes. O património cultural da Roma Antiga inclui a Villa
Adriana em Tivoli, a Villa Romana del Casale, as áreas arqueológicas de Pompeia e
Herculano, ou a antiga Siracusa.
O património cultural da Europa Medieval inclui a Catedral de Speyer, na Alemanha, ou
a Catedral de Chartres, em França. O património cultural do Renascimento inclui os
centros históricos de Florença, Veneza, Roma, Verona, Siena, Pisa, ou a Igreja de Santa
Maria delle Grazie com A Última Ceia, em Milão, todos em Itália. O património cultural
da era moderna inclui o conjunto do Palácio e parque de Versalhes, os palácios e parques
de Potsdam e Berlim, na Alemanha.
O património cultural da era contemporânea inclui a obra de Antoni Gaudi em Barcelona,
Espanha, Le Havre, França, a obra arquitetónica de Le Corbusier, a Ferrovia Rhaetiana
em Albula, Suiça, bem como o campo de concentração de Auschwitz, Polónia, que foi
acrescentado à Lista do Património Mundial não pela sua beleza arquitetónica, mas pela
memória de violência associada, a fim de sensibilizar as jovens gerações para os flagelos
do racismo e da discriminação (Lista de património, UNESCO).
Os locais culturais europeus também ocupam uma parte significativa (um quarto) da lista
de património cultural imaterial da UNESCO. Estes incluem, por exemplo, a dança do
flamenco (Espanha), a cozinha francesa (França), a cultura da cerveja (Bélgica), a
falcoaria (Áustria), entre outros. A lista de património imaterial visa contrariar a extinção
das culturas locais e reforçar o papel das tradições e costumes, porque, ao contrário de
monumentos tangíveis que podem ser restaurados, os intangíveis podem desaparecer
por natureza (lista de Património Mundial Imaterial, UNESCO).
A atividade humana tem frequentemente um impacto negativo nos sítios de património
cultural mundial. A lista desse património em perigo está a expandir-se devido a ações
humanas, como a atividade económica ou as condições ambientais. No que diz respeito
a este problema na Europa, em 2016 surgiu a questão de retirar a cidade de Viena da
Lista de Património Mundial da UNESCO devido à violação das restrições de altura, que
é hoje um problema comum entre muitas cidades com centros históricos. Foi também
exigido que as autoridades municipais de Praga, República Checa, reconsiderassem os
seus planos para a construção de edifícios altos, o que poderia perturbar o conjunto
arquitetónico do centro da cidade e comprometer a sua inclusão na lista. Em 2009, a
UNESCO excluiu a cidade de Dresden da Lista de Património Cultural Mundial devido ao
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facto de as autoridades municipais terem decidido construir uma ponte de transporte
sobre o rio Elba, perturbando assim a visualidade histórica da cidade
2
.
2. Legislação internacional e europeia no domínio da proteção do
património cultural
A legislação internacional no domínio da proteção dos monumentos do património
cultural desenvolve princípios éticos e legais para as atividades do Estado, invoca a
cooperação entre as suas estruturas e instituições da sociedade civil, além de incentivar
a proteção do património cultural para manter o desenvolvimento sustentável.
A Lista do Património Mundial da UNESCO é um registo de monumentos culturais, cada
um dos quais satisfaz um ou mais critérios. O estatuto de Património Mundial proporciona
as seguintes vantagens: elevação do vel cultural na região, servindo como garantia
adicional de preservação; aumento do prestígio do território; promoção da popularização
de objetos e asseguramento do afluxo de turistas e investimentos; prestação de
financiamento adequado; garantia de controlo sobre as condições dos locais.
A Convenção da UNESCO de 1972 relativa à proteção do Património Cultural e Natural
Mundial é de importância fundamental na proteção do património cultural tangível. A
Convenção define o património cultural como monumentos (obras arquitetónicas, obras
de escultura e pintura monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica,
inscrições, habitações de cavernas e combinações de características, que são de grande
valor universal do ponto de vista da história, da arte ou da ciência), grupos de edifícios
e sítios de grande valor universal histórico, dos pontos de vista estético, etnológico ou
antropológico (Convenção da UNESCO, 1972).
Um documento da UNESCO dedicado ao património cultural imaterial é a Convenção para
a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial de 2003. De acordo com a Convenção, o
"património cultural imaterial" engloba as práticas, representações, expressões,
conhecimentos, competências bem como os instrumentos, objetos, artefactos e
espaços culturais a elas associados que as comunidades, grupos e, nalguns casos, os
indivíduos, reconhecem como parte do seu património cultural. O património cultural
imaterial também inclui tradições e expressões orais, incluindo a linguagem, ou as artes
performativas. Nem todos os países europeus aderiram a esta convenção; o Reino Unido
continua a o a considerar uma prioridade (Convenção da UNESCO, 2003).
O quadro legislativo do Conselho da Europa começou com a Convenção Cultural Europeia
de 1954, que teve por objetivo desenvolver a compreeno mútua entre os povos da
Europa e a apreciação recíproca da sua diversidade cultural, salvaguardar a cultura
europeia e promover os contributos nacionais para o património cultural comum europeu
(Convenção Cultural Europeia, 1954).
Mais tarde em 1985 foi adotada em Granada, Espanha, a Convenção Europeia sobre
a Proteção do Património Arqueológico, que teve como principal objetivo reforçar e
promover a política de preservação do património europeu. O documento também
2
Dresden removido da Lista do Património Mundial da UNESCO (2009). Disponível em
https://www.bbc.com/russian/rolling_news/2009/06/090625_rn_dresden_unesco.
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reafirmou a necessidade de solidariedade europeia em matéria de preservação do
património e foi solicitado para facilitar a cooperação prática entre as partes. Em 1992,
o documento foi revisto, e uma nova "Convenção Europeia sobre a Proteção do
Património Arqueológico" foi assinada em La Valetta, Malta. Foi estabelecida uma nova
norma jurídica básica para a Europa, que deveria ser coerente com as políticas nacionais
de proteção dos bens arqueológicos como fontes de evidência científica e documental,
de acordo com os princípios da conservação integrada (Convenção Europeia, 1992).
O mais recente documento do Conselho da Europa sobre o património cultural é a
Convenção-Quadro de 2005 sobre o Valor do Património Cultural para a Sociedade,
assinada em Faro, Portugal. O objetivo da Convenção de Faro é chamar a atenção
internacional para o património cultural como um conceito amplo e interdisciplinar que
se centra nas pessoas e nos valores humanos, delinear os princípios básicos da
abordagem do património cultural e destacar "o valor e o potencial do património cultural
sapientemente utilizado como recurso ao desenvolvimento sustentável e à qualidade de
vida numa sociedade em constante evolução". A Convenção exorta-nos a reconhecer que
os sítios e os locais não são o que é importante no património cultural; eles são
importantes devido aos significados e utilizações que as pessoas lhes atribuem
(Convenção de Faro, 2005).
O papel da Comissão Europeia baseia-se no artigo 3.3 do Tratado de Lisboa, Portugal,
que estabelece que a União "respeitará a sua rica diversidade cultural e linguística e
assegurará que o património cultural da Europa seja salvaguardado e reforçado". O
Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia atribui à Comissão tarefas específicas
de contribuir para o florescimento das culturas nos Estados-Membros, respeitando
simultaneos a sua diversidade e colocando em primeiro lugar "o património cultural
comum" (artigo 167.º). O papel da UE é apoiar e complementar as ações dos Estados-
Membros na preservação e salvaguarda do património cultural da Europa. A Comissão
desenvolveu várias estratégias e programas relevantes e apoia e encoraja a cooperação
política entre os Estados-Membros e as partes interessadas do património (Tratado de
Lisboa, 2007).
Durante a recente Presidência da UE, alguns países têm discutido ativamente questões
de património cultural. Na conferência sobre o "Património Cultural e a Estratégia UE
2020 rumo a uma abordagem integrada" em 2013, a presidência lituana apresentou o
conceito de participação da sociedade local e civil em questões de património cultural e
a necessidade de incluir a opinião pública em todos os domínios da política cultural. No
primeiro semestre de 2014, a presidência grega organizou uma conferência que ligava o
património cultural ao desenvolvimento ecomico e social sustentável na UE. No
segundo semestre de 2015, a Presidência luxemburguesa reagiu à destruição de Sítios
de Património Mundial no Iraque e na Síria, incluindo a destruição do património cultural
e o tfico dos seus artefactos como forma de financiamento de atividades terroristas.
Em março de 2017, a UE aprovou a Declaração de Roma, que definiu a preservação do
património cultural, juntamente com a promoção da diversidade cultural, como elemento
de uma Europa social. No segundo semestre de 2017, a presidência estónia dedicou as
suas atividades ao património cultural na era digital.
Em maio de 2014, os ministros da cultura da UE apelaram à "integração e generalização
do património cultural nas políticas nacionais e europeias" e ao "desenvolvimento de uma
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abordagem estratégica do património cultural". Respondendo a este apelo, em julho de
2014, a Comissão Europeia adotou uma comunicação: "Rumo a uma Abordagem
Integrada do Património Cultural para a Europa" (Comunicação da Comissão, 2014).
3. Iniciativas contemporâneas da UE para a proteção e promoção do
património cultural
Atualmente, existem três programas da UE especificamente dedicados ao património
cultural: as Jornadas Europeias do Património, o Rótulo Europeu do Património e o Prémio
da UE para o Património Cultural.
As Jornadas Europeias do Património são o evento cultural mais celebrado da Europa,
que se realiza todos os anos em setembro. O Conselho da Europa começou a iniciativa
em 1985, que mais tarde se tornou uma ação comum organizada com a UE. Em ambas
as organizações, o programa é reconhecido como uma das principais iniciativas
emblemáticas e um exemplo de cooperação bem-sucedida a vel europeu, nacional,
regional e local (Jornadas Europeias do Património).
O Rótulo Europeu do Património é um protótipo da Lista do Património Mundial, mas a
nível europeu. Este rótulo distingue os locais do património cultural europeu, num
reconhecimento atribuído a edifícios, documentos, museus, arquivos, monumentos ou
eventos que são considerados marcos na criação da Europa moderna. O programa é
gerido pela Comissão Europeia.
O Prémio de Património Cultural da UE foi lançado em 2002 pela Comissão Europeia em
parceria com a organização Europe Nostra (uma federação pan-europeia criada para
promover e salvaguardar o património cultural da Europa). O prémio reconhece e
promove as melhores atividades de preservação do património cultural, gestão,
investigação, educação e comunicações nesta área. Destina-se a atrair a atenção do
público para as questões culturais e visa reconhecer o património cultural como recurso
estratégico da sociedade europeia.
Durante a sua existência, organizações e indivíduos de 39 países submeteram um total
de 2.883 candidaturas ao prémio. Quanto aomero de candidaturas por país, Espanha
ocupa o primeiro lugar, com 516 projetos, seguida da Itália, com 296 candidaturas, e do
Reino Unido, com 289 candidaturas.
A UE declarou oficialmente 2018 como o Ano Europeu do Património Cultural. O objetivo
desta iniciativa foi sensibilizar para as oportunidades que o património cultural traz às
comunidades europeias, principalmente em termos de diálogo intercultural, coesão social
e crescimento económico. De 18 a 24 de junho de 2018, realizou-se em Berlim a Cimeira
Europeia do Património Cultural, com o lema "Partilhar Património Partilhar Valores";
foi reconhecida pela UE como um dos principais eventos públicos do Ano Europeu do
Património Cultural. As principais iniciativas no âmbito do Ano assentaram em ideias
como o envolvimento, sustentabilidade, proteção e inovação.
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4. A teoria do "bem comum" e a governação participativa do património
cultural europeu
A grande importância da participação da comunidade na preservação do património
cultural é confirmada por um vasto leque de literatura, incluindo investigação científica
e convenções institucionais. No entanto,o existe uma definição abrangente para uma
"comunidade", uma vez que a interpretação desta palavra varia de acordo com diferentes
contextos. A comunidade pode ser definida como "um povo com interesses comuns que
vive numa determinada área" ou "um corpo de pessoas com uma história comum ou
interesses sociais, económicos e políticos comuns" (Governação participativa, 2015).
Na Convenção do Património Mundial, a palavra "comunidade" é usada
intercambiavelmente com "comunidade internacional", "governos locais e regionais",
"gerações presentes e futuras de toda a humanidade", "comunidades locais, organizações
não governamentais e outras partes interessadas", o público, a sociedade civil e a
população local.
A Convenção de Faro do Conselho da Europa sugeriu a noção de "comunidade
patrimonial" para se referir às pessoas "que valorizam aspetos específicos do patrinio
cultural que desejam, no âmbito da ação pública, sustentar e transmitir às gerações
futuras". Os membros de uma sociedade civil podem constituir uma "comunidade
patrimonial" se entenderem mutuamente o património cultural como uma plataforma
emocional e intelectual na qual se constroem valores individuais e comunitários. A
comunidade é essencialmente valiosa, uma vez que a coesão das pessoas gera um
interesse comum.
O património cultural europeu deve ser considerado do ponto de vista da teoria do bem
comum, uma vez que, em última análise, pertence à humanidade, à sociedade europeia,
e é gerido por instituições de património cultural para as gerações futuras.
Num sentido geral, o termo "bem comum" descreve um "bem" específico que é partilhado
e benéfico para todos. O bem comum não pertence a ninguém; é comum, mas benéfico
para todos (Starr, 2013).
Centros históricos de cidades, monumentos, museus locais, parques e paisagens
beneficiam a comunidade, podem ser fundamentais para o desenvolvimento local,
ajudando a melhorar a qualidade de vida desta comunidade e, em última análise,
proporcionar integração, coesão social e desenvolver um sentido de pertença.
O património cultural, que é um bem comum para toda a comunidade europeia, tem de
ser governado e, nesse sentido, é necessário referir-se ao termo "governação
participativa", ou como é habitualmente chamado na tradição russa, "parceria público-
privada", ou seja, o paradigma da participação dos cidadãos e das comunidades em
questões que os afetam.
A governação participativa fortalece as relações entre locais e profissionais do património
cultural, bem como todos os interessados. A governação participativa do património
cultural tangível, imaterial e digital é uma abordagem sustentável inovadora que
contribui de forma real para a governação e valorização do património cultural.
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O Conselho da UE, nas suas "Conclusões sobre a Governação Participativa do Património
Cultural", de novembro de 2014, apelou à participação dos sectores público e privado a
todos os níveis de tomada de decisão. Apelou ainda a uma "cooperação reforçada entre
os Estados-Membros da UE, a fim de identificar e divulgar as melhores práticas sobre
abordagens de baixo para cima para uma gestão conjunta inclusiva do património
cultural".
O documento convida os Estados-Membros a "desenvolverem quadros de governação
multinível e multi-partes interessadas que reconheçam o património cultural como
recurso partilhado, reforçando as ligações entre os níveis local, regional, nacional e
europeus de governação do património cultural, com o devido respeito pelo princípio da
subsidiariedade, de modo a que os benefícios para as pessoas sejam previstos a todos
os níveis; promoverem a participação das partes interessadas relevantes, garantindo que
a sua participação seja possível em todas as fases do processo de tomada de decisão;
diligenciarem quadros de governação que reconheçam a importância da interação entre
o património cultural tangível, imaterial e digital e que abordem, respeitem e reforcem
os seus valores sociais, culturais, simbólicos, económicos e ambientais; forcejarem
quadros de governação que facilitem a implementação de políticas transversais,
permitindo que o património cultural contribua para objetivos em diferentes áreas
políticas, incluindo o crescimento inteligente, sustentável e inclusivo..." (Conclusões
sobre a Participação, 2014).
Os Estados europeus reconhecem a importância de proteger os monumentos históricos
e culturais e prosseguir uma política ativa nesta área, baseada no conceito de governação
participativa.
A Itália, sendo der no número de monumentos do património cultural, confere à sua
proteção uma das prioridades da política cultural. O país criou um sistema de organismos
e institutos estatais para a proteção do património: o Ministério dos Bens Culturais e
Ambiente (transformado em Ministério do Património Cultural e atividades), o Ministério
das Obras Públicas de Restauro de Objetos, o Ministério do Turismo e o Ministério da
Proteção Civil.
A atração de investimento privado para a proteção do património é amplamente utilizada
no país. Cerca de 60% da propriedade da Itália é privada. Os patrocinadores são os
bancos, as empresas e companhias de seguros. A experiência bem sucedida da
cooperação levou as agências governamentais a criarem unidades estruturais de
governação como fundos mistos do Estado privado. Organizações públicas, como a Italia
Nostra, que opera desde 1955 para proteger monumentos culturais, desempenham um
papel importante no sistema governamental do património cultural (Mironova, 2009).
Um exemplo de uma parceria público-privada de sucesso em Itália é a proteção do
Património Mundial As Áreas Arqueológicas de Pompeia, Herculano e Torre Annunziata.
Estas áreas arqueológicas, enterradas pela erupção do Vesúvio, foram durante muito
tempo na propriedade e governação do Estado, reguladas por um sistema estatal
centralizado, e experimentaram subfinanciamento crónico. Durante a reforma, o
gabinete do património local recebeu autonomia financeira e administrativa do ministério,
que proporcionou um aumento do financiamento e redução da burocracia. Em 2001, foi
implementada uma parceria público-privada conhecida como O Projeto de Conservação
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do Herculano 79, que contribuiu para a conservação e governação da área arqueológica.
O sucesso desta iniciativa resultou de vários fatores, e o projeto baseou-se em ações
tomadas pelo gabinete do património local. O Projeto de Conservação do Herculano, que
é coordenado conjuntamente pelo Instituto de Humanidades de Packard, pela Escola
Britânica de Roma e pela Soprintendenza Archeologica di Pompei, está empenhado na
restauração, conservação de materiais orgânicos e documentação (Hammer, 2015).
O Reino Unido oferece uma abordagem original à proteção do património. Aqui, um papel
especial é desempenhado por uma organização de caridade, completamente
independente do Estado, fundada em 1895: The National Trust. Esta sustenta-se em
taxas de adesão, doações e rendimentos de vários eventos; o objetivo da organização é
salvaguardar áreas protegidas, terras agrícolas, restos arqueológicos, reservas naturais,
aldeias, casas históricas, jardins e até bares (Relatório anual do National Trust, 2017).
Na Alemanha, o Museu de Berlim, Património Mundial da UNESCO desde 1999, é um bom
exemplo da governação participativa de um património cultural. O museu é a instituição
mais importante do património cultural, tornando-se mais aberto e democrático, logo,
menos elitista. Berlim é uma cidade muito moderna e em rápido desenvolvimento, e o
Museumsinsel tornou-se um dos centros do seu desenvolvimento cultural e económico
através da captação de investimento. O museu tem colaborado com muitas empresas
internacionais para o seu desenvolvimento: Allianze Group, Bank of America, Merill
Lynch, Deutsche Bank. Os investimentos privados no desenvolvimento da facilidade
atingiram 2,8 milhões de euros em 2012 (Ioannou, 2013).
Quanto às iniciativas de preservação do património cultural europeu "a partir de baixo",
devemos referir o crowdfunding, o chamado "financiamento público", que é uma
associação voluntária de base para a cooperação coletiva e financiamento de quaisquer
projetos. No domínio do financiamento de projetos de património cultural através de
crowdfunding, a Europa tem feito um grande avanço nos últimos anos.
Por ordem da Comissão Europeia, para tornar a ferramenta de crowdfunding mais
acessível a projetos culturais e criativos, foi criada a plataforma pan-europeia na
Internet, Crowdfunding4Culture (www.crowdfunding4culture.eu). Em França, desde
2010, a plataforma Ulule tem vindo a funcionar, com base no qual foram implementados
mais de 4.000 projetos culturais. A Suécia lançou a CrowdCulture
(www.crowdculture.se), Espanha Goteo (www.goteo.org), Itália Derev
(www.derev.com), Suíça Wemakeit (www.wemakeit.com). Na Grécia, a plataforma
Act4Greece foi lançada em 2016 com o apoio do Banco Nacional da Grécia. No âmbito
desta plataforma, os fundos foram totalmente recolhidos para a restauração do Teatro
de Arte Karolos Koun.
Conclusão
Em conclusão, a cultura europeia e os seus valores continuam a ser a conquista mais
importante da humanidade, que deve ser simultaneamente protegida e desenvolvida. A
Europa tem sido e continua a ser líder mundial no número de sítios de património cultural,
que é um fator determinante para o desenvolvimento regional e continental.
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O património cultural da Europa é o que torna os seus habitantes europeus, uma vez que
reflete os seus diferentes e comuns valores, cultura e história. Esta é a verdadeira
personificação da "unidade na diversidade" europeia, que alimenta um sentimento de
pertença à comunidade local, bem como um sentimento de unidade e solidariedade. O
património cultural liga entre si gerações ao longo de muitos séculos de história comum,
sendo a base para um diálogo respeitoso de culturas e interação entre comunidades
europeias e outras culturas do mundo. O património cultural é também um factor-chave
no desenvolvimento sustentável e no reforço da coesão social; introduz beleza no
ambiente e, assim, melhora o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas e
comunidades.
É seguro dizer que o tema da salvaguarda do património cultural europeu é
extremamente relevante, uma vez que muitas iniciativas e programas neste domínio
foram implementados nos últimos anos.
O principal novo fenómeno é o conceito de governação participativa e uma mudança do
entendimento de que a proteção do património cultural é apenas uma prerrogativa do
Estado para a compreensão de que a sociedade deve e esinteressada em participar na
governação do património cultural. Assim, a base conceptual para o estudo do património
cultural europeu deve ser a "teoria do bem comum" e a "teoria das bases", uma vez que
os documentos jurídicos da UE se referem às categorias de "património comunitário".
À medida que o reconhecimento da ligação entre o património cultural e o bem-estar
social aumenta, o apelo a uma maior participação do blico nas práticas de conservação
está a ganhar força e dinamismo. Por conseguinte, a preservação dos objetos culturais
deve hoje estar mais centrada no serviço das pessoas e no papel dominante das
comunidades locais na influência das decisões.
A governação conjunta do património cultural oferece oportunidades para promover a
participação democrática, a sustentabilidade e a coesão social, bem como para resolver
os problemas sociais, políticos e demográficos. De igual modo, apoia a participação ativa
das partes interessadas relevantes (no âmbito das ações públicas), isto é, as agências
governamentais, os intervenientes privados, as organizações da sociedade civil, as
organizações não governamentais e os voluntários, na tomada de decisões,
planeamento, desenvolvimento, acompanhamento e avaliação das políticas e programas
do património cultural. Além disso, reforça a responsabilidade e a transparência do
investimento nos recursos públicos, bem como a confiança do público nas decisões
políticas; também promove a consciencialização dos valores do património cultural como
recurso partilhado.
Referências
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development. Environmental Planning Issues, 7. London: IIED.
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Como citar esta nota
Egoreichenko, Alexandra Borisovna (2022). A preservação do parimónio cultural europeu:
experiência e tendências modernas. In Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 13,
1, Maio-Outubro 2022. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.13.1.01