OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
VOL12 N2, DT1
Dossiê temático 200 anos depois da Revolução (1820-2020)
Dezembro 2021
146
JUÍZES POPULARES E JUÍZES LETRADOS NO LIBERALISMO.
PORTUGAL (1820-1841)
JOSÉ SUBTIL
josesubtil@outlook.pt
Licenciado em História pela FL da UL, Mestre em História dos séculos XIX e XX pela FCSH da UNL,
Doutor em História Política e Institucional Moderna e Agregado no Grupo de História, pela mesma
Faculdade. Foi Professor Coordenador com Agregação do IPVC. É, actualmente, Professor
Catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa (Portugal) onde é Presidente eleito do Conselho
Científico. Exerceu vários cargos públicos, Secretário-Geral Adjunto do Ministério das Finanças
(1997-2000), vogal da Comissão de Reforma e Reinstalação do Arquivo Nacional da Torre do
Tombo e Director de Serviços do Instituto Português de Arquivos (1990-1992). Foi Coordenador
Nacional da Comissão de Acreditação e vogal da Direcção do Instituto Nacional de Acreditação da
Formação de Professores. Tem dezenas de publicações individuais e coletivas, livros, capítulos de
livros e artigos. Recebeu o Prémio de Mérito Académico da Fundação Fernão de Magalhães nos
anos de 1996 e 1997 e quatro louvores públicos.
Resumo
O tema da justiça foi muito discutido e considerado como o mais importante para o novo
regime liberal. O confronto político marcou as fronteiras entre a fação liberal mais radical, a
moderada, a conservadora e a reacionária. As opções oscilaram entre um modelo popular de
justiça e um modelo elitista, passando por escolhas híbridas. Os principais momentos destas
escolhas foram a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826, a Reforma de
Mouzinho da Silveira de 1832, a Nova Reforma de 1837 (setembrista), a Constituição de 1838
e a Novíssima Reforma de 1841 (cabralista). O presente texto analisa e passa em revista a
definição do modelo de justiça liberal.
Palavras chave
Justiça, Liberalismo, Juízes de Direito, Juízes Populares
Como citar este artigo
Subtil, José (2021). Juízes populares e juízes letrados no liberalismo. Portugal (1820-1841).
Janus.net, e-journal of international relations. Dossiê temático 200 anos depois da Revolução
(1820-2020), VOL12 N2, DT1, Dezembro de 2021. Consultado [em linha] em data da última
consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.DT0121.8
Artigo recebido em 24 de Maio de 2021 e aceite para publicação em 29 de Julho de 2021
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JUÍZES POPULARES E JUÍZES LETRADOS NO LIBERALISMO.
PORTUGAL (1820-1841)
JOSÉ SUBTIL
Introdução
O debate pela escolha entre juízes letrados e eletivos teve lugar num ambiente
parlamentar novo, ou seja, entre deputados recém-eleitos (Brochado, 2020).
Depois da revolução de 24 de agosto de 1820, o primeiro momento eleitoral que
assinalaria a emergência das eleições liberais ocorreu em dezembro de 1820 para a
escolha dos deputados que viriam a compor as Cortes Constituintes (Vieira, 1992). Esta
primeira experiência eleitoral foi regulada por duas instruções (31 de outubro e 22 de
novembro de 1820) forçadas, aliás, pelo golpe contrarrevolucionário da «Martinhada» em
11 de novembro (Costa, 2019).
O essencial do sufrágio assentava no poder legitimador das juntas eleitorais, presididas
pelo juiz de fora (vide Almeida, 2016; Almeida, 2010). Nas freguesias, estas juntas eram
compostas por todos os cidadãos domiciliados e residentes, sendo que, por cada 200
fogos, seria eleito um eleitor, cidadão maior de 25 anos e morador na freguesia. Estes
eleitores juntar-se-iam, na cabeça da comarca, para elegerem o eleitor ou eleitores da
comarca para que estes, depois, elegessem os deputados que deviam ter mais de 25
anos, terem nascido ou estarem domiciliados há mais de sete anos na província.
No computo geral, foram eleitos 100 deputados com a seguinte distribuição: província
Algarve (3), Alentejo (10), Estremadura (24), Beira (29), Minho (25) e Trás-os-Montes
(9).
O ano parlamentar das Cortes Constituintes iniciou-se a 24 de janeiro de 1821 e encerrou
a 31 de dezembro para recomeçar em 28 de janeiro de 1822 e terminar em 4 de
novembro. E, em 13 de outubro de 1822, realizar-se-iam as eleições para a Câmara
Municipal de Lisboa (vereadores e procuradores)
1
segundo a lei de 11 de julho de 1822
que passou a regular, também, a eleição para os deputados às Cortes Ordinárias. O
pacote desta legislação eleitoral foi completado com a Lei de 27 de julho de 1822 que
definiu as regras para a eleição dos juízes ordinários e os oficiais das câmaras,
1
Admitia-se a eleição de nove vereadores, um procurador e, como substitutos, três vereadores e um
procurador. Em cada freguesia existia um livro de matrículas no qual o pároco assentava os nomes e as
profissões de todos os moradores que tinham capacidade eleitoral. As assembleias eleitorais (59 para 74
freguesias) reuniam-se nas igrejas das freguesias. Cada eleitor entregava em duas urnas diferentes, duas
listas, uma com 12 vereadores e outra com dois procuradores. Depois de se proceder ao apuramento dos
votos, o vereador mais votado era eleito presidente da câmara constitucional.
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fundamental para dar seguimento às escolhas dos juízes populares
2
.
De acordo com ambas as leis, podiam votar os cidadãos maiores de 25 anos (ou casados
com, pelo menos, 20 anos) e podiam ser votados os eleitores com rendas suficientes
para se sustentarem, nascidos ou residentes há mais de cinco anos na província onde se
faziam as eleições
3
. O sufrágio era direto, secreto e censitário. Não podiam votar os
“filhos de família", ou seja, os que viviam na companhia dos pais, os criados, os vadios,
os membros das ordens monásticas e as mulheres (Antónia, 2000).
Entre o modelo eleitoral de 1820 e o de 1822, a principal diferença foi a passagem do
método de eleição indireto para o método direto e a atenuação do carácter censitário,
confirmando-se, porém, as dificuldades sentidas pelos liberais para acertaram num
modelo eleitoral para a escolha de deputados (Vargas, 1993).
Estas dificuldades repercutir-se-ão nas fórmulas para encontrar os juízes eleitos,
qualquer que tenha sido a opção política, mais radical ou moderada. O debate centrou-
se em três aspetos: na escolha dos juízes (letrados e eletivos), no modelo para selecionar
os juízes eletivos e na fórmula para responsabilizar e avaliar as suas funções e carreiras.
Se foi assim durante o debate nas Cortes Constituintes, o mesmo continuou a seguir à
aprovação da Constituição porque, nas Cortes Ordinárias, os diplomas relacionados com
a justiça, a regulação dos juízes e a organização dos tribunais foram dos primeiros a
serem aprovados.
E a fronteira que separou os deputados entre as Cortes Constituinte e as Cortes
Ordinárias, muito embora tenham ocorrido mudanças na composição das duas câmaras,
foi a escolha entre juízes letrados e juízes populares, uma opção que percorreria todo o
período liberal até à Novíssima Reforma (1841). Uma escolha que definiria as fronteiras
entre os liberais radicais, os moderados e os conservadores, apesar dos fatores inibidores
das escolhas eletivas que tinham a ver, sobretudo, com três problemas.
Em primeiro lugar, a enorme taxa de analfabetismo que tolhia a formação de contingentes
capazes de interagirem com os tribunais dominados pelos juízes letrados, uma situação
com consequências na própria autonomia e independência destes juízes populares e na
degradação dos procedimentos burocráticos.
Em segundo lugar, a desconformidade entre o espaço político do Antigo Regime com a
modelação de um sistema racionalizado, desejado pelos liberais, não facilitava a
constituição de assembleias de eleitores por causa da imensa rede com mais de 800
municípios, dos quais 228 tinham menos de 200 fogos e 177 ultrapassavam os mil
fogos. A reforma municipal, iniciada com Mouzinho da Silveira (1832) e concretizada com
Passos Manuel (Decreto de 6 de novembro de 1836), extinguiria perto de cinco centenas
de concelhos, reduzindo-os a 351. Em 1855 (Decreto de 24 de outubro) voltariam a
reduzir para 256, números próximos dos que chegariam até final da monarquia
constitucional (Manique, 2020 e 2018). Mas esta nova territorialidade se, por um lado,
2
Para as sessões das Cortes Ordinárias, ver Diário das Cortes iniciados a 15 de novembro de 1822,
disponibilizados em http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc.
3
Este quadro eleitoral seria interrompido com o golpe miguelista da Vila-Francada (27 de maio de 1823),
sendo as Cortes suspensas (2 de junho) e restaurado o modelo das velhas cortes (10 de junho e 19 de
junho de 1823) que se manterá até ao final da guerra civil (1832-34).
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se ajustava a um sistema eleitoral alargado, por outro lado levantava a resistências das
autonomias locais (Manique, 1996).
E, em terceiro lugar, a moldura política e cultural, dominada pelo jurisdicionalismo
pluralista, com uma longa tradição de autonomia e práticas sociais, estava em
contradição com uma cultura centralista e centralizadora.
Acresceu, ainda, a estes problemas o saber-se como os magistrados deviam ser
responsabilizados pelos seus atos, quais os critérios que deviam orientar as carreiras e a
imposição, ou não, de uma mobilidade obrigatória ou dependente, apenas, da vontade
de cada um.
Importa, por conseguinte, traçar as linhas gerais da herança da monarquia tradicional,
comparar as propostas liberais e identificar os momentos de reforma no período que
medeia entre a validade de textos constitucionais até à definitiva imposição da Carta
Constitucional, ou seja, entre o início da revolução (1820) e a Novíssima Reforma
(1841)
4
.
I. A organização da justiça no Antigo Regime
I.1. A justiça letrada
Segundo a generalidade dos deputados, alinhados pelo discurso político mais inflamado
ou moderado, a justiça era considerada central para mudar o regime, por isso, um dos
maiores emblemas da revolução. Os magistrados do Antigo Regime foram, por isso
mesmo, acusados de despotismo e de práticas protecionistas. Como as leis eram
consideradas abusivas e discricionárias por não terem fundamento popular e o
emergiram de um órgão eleito. E os tribunais eram vistos como um recurso elitista para
os que tinham cabedal, podiam pagar a advogados e suportar o peso financeiro dos
processos.
O alvo dos deputados liberais era, sem vida, a justiça letrada (juízes de fora,
corregedores, desembargadores e, também, provedores no quadro do controlo das
contas régias), que dominava os tribunais de primeira instância e segunda instância e
que julgavam, decidiam recursos, apelações e agravos (Hespanha, 1994; Subtil, 2011;
Camarinhas,2010)
5
. Mas, de certa forma, esta crítica era paradoxal na medida em que a
maioria dos membros do Congresso eram, justamente, diplomados em Direito, com
exercício ou não da prática do ofício e, os mais notáveis dirigentes liberais, foram quase
todos magistrados.
Os tribunais de primeira instância, sediados nas câmaras municipais, podiam ser
presididos por juízes de fora, em cerca de duas centenas de câmaras, ou por juízes
ordinários, em mais de seis centenas de municípios. A sala de audiência e a secretaria do
tribunal confinavam, quase sempre, com a sala de reunião da vereação onde tomavam
assento os vereadores, o procurador do concelho e o presidente da câmara que era, em
4
Ao utilizarmos a expressão "juízes populares" queremos identificar as categorias de juízes que não
obtiveram o curso de direito e eram eleitos, de diversas formas, pelos povos: juízes ordinários, juízes
pedâneos, juízes eleitos das freguesias, juízes de paz e jurados. Exceção para os juízes conciliatórios que
eram escolhidos pelas partes.
5
Sobre o quadro legal ver Ordenações Filipinas, Livro I, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
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simultâneo, presidente do tribunal. Podia, ainda, acontecer, nos concelhos com maior
população, que surgissem outros juízes letrados e/ou eletivos como juízes dos órfãos,
juízes dos defuntos e ausentes, que se encarregavam dos processos de administração e
tutoria dos menores, dos ausentes e defuntos, viúvas e órfãos.
Os tribunais de segunda instância eram, apenas, dois. O mais importante, com sede na
cidade de Lisboa, era a Casa da Suplicação com jurisdição para o território abaixo da
linha do Mondego. O outro tribunal, da Relação do Norte, ou Casa do Porto, com sede no
Porto, tinha jurisdição para as terras acima do Mondego. Estes dois tribunais superiores
eram governados por um Chanceler e compostos por desembargadores, magistrados
especiais que deixavam de estar dependentes de transferências de lugares e passavam
a um regime de nomeação definitiva como, também, deixavam de estar sujeitos aos
autos de residência.
Não havia um supremo tribunal de justiça, mas um tribunal superior de "graça", o
Desembargo do Paço (Subtil, 2011), que não apreciava as causas em justiça, mas podia
dispensar as leis e suprimir ou encurtar sentenças a pedido dos suplicantes. Os
desembargadores deste tribunal constituíam, portanto, a elite dos magistrados, e eram
considerados, na doutrina da época, como a extensão das mãos, dos ouvidos e dos olhos
do monarca, ou seja, extensões do corpo régio o que justificava que os crimes praticados
contra estes magistrados fossem considerados de «lesa-majestade».
Este tribunal tinha, também, a seu cargo a gestão da carreira dos magistrados letrados
e a aprovação das pautas eleitorais de cada município para a escolha dos vereadores,
procuradores e, se fosse o caso, dos juízes ordinários.
Sempre que a nomeação de um juiz letrado fosse feita pela primeira vez, o Desembargo
do Paço tinha em atenção a nota do curso na Universidade de Coimbra e a nota obtida
no exame da «Leitura de Bacharel» realizado no próprio tribunal, um exame fundamental
para a carreira, que era precedido de uma inquirição sobre a qualidade social e familiar
do candidato (uma certa «pureza» de sangue).
Se, porém, a nomeação fosse seguida de exercício de funções, entrava para a avaliação
da nova nomeação o resultado do «auto de residência» a cargo de um magistrado
sindicante de categoria superior ao sindicado. Nestes autos eram recolhidos pareceres e
testemunhos do desempenho do magistrado, por isso, marcavam um momento
importante na auscultação das elites locais e do povo em geral e registavam, em
audiência aberta pelo ministro sindicante, o que de mais relevante aconteceu durante o
triénio do ministro sindicado.
As nomeações para os lugares de primeira instância eram feitas por um período de três
anos findo o qual, em regra, o magistrado era transferido de lugar. Acontecia, por vezes,
que a pedido dos moradores e do próprio juiz, o mandato era prorrogado, podendo atingir
o sexénio ou mesmo mais.
A ambição destes juízes era conseguir ser nomeado para um lugar de corregedor ou de
provedor, lugares que abrangiam a jurisdição das comarcas e provedorias que agrupavam
vários concelhos. Nestas funções deviam fazer a correição, ou seja, percorrer durante o
ano, em audiência e fiscalização, todas as câmaras da comarca. Eram, portanto,
magistrados em trânsito, embora tivessem uma escrivaninha na sede da comarca (o
concelho mais importante) e um assento provisório nas secretarias das câmaras que os
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recebiam em regime de aposentadoria. Como a correspondência que mantinham com o
Desembargo do Paço e outros conselhos e tribunais da Coroa era feita em modo
ambulante, não há arquivos comarcais, apenas arquivos municipais e, naturalmente, da
administração central onde ficavam depositados os processos, relatórios e cartas.
No entanto, como foi dito, grande parte dos concelhos era governada por juízes
ordinários eleitos pelos moradores dos concelhos, na grande maioria analfabetos, pelo
que, nestas câmaras, o comportamento e a jurisdição dos corregedores era distinta. Se
não podiam apreciar reclamações ou pedidos de revisão de sentenças feitas pelos colegas
letrados, somente da competência dos tribunais de segunda instância, podiam, contudo,
rever e apreciar as queixas e reclamações dos juízes populares, os juízes ordinários.
Os provedores, no território das suas provedorias, geralmente coincidentes com o
território das comarcas (número que variou entre 50 e 70 comarcas/provedorias) ou
próximo dos seus limites, exerciam o mesmo poder de «correição», mas no âmbito
financeiro, ou seja, auditavam as contas das câmaras e demais corporações com
jurisdição régia como misericórdias, confrarias e irmandades.
Os corregedores e provedores eram, também, nomeados por períodos trienais, sujeitos
a autos de residência, e o lugar era um trampolim para acederem à categoria de
desembargador e ocuparem um lugar de nomeação definitiva nos tribunais de segunda
instância, começando no tribunal da Relação do Porto e terminando na Casa da
Suplicação.
No conjunto da rede municipal e comarcal e nos tribunais de Relação, o contingente global
dos magistrados letrados andaria à volta de quatro a cinco centenas de ministros, um
mercado de trabalho que, no final do século XVIII, foi insuficiente para absorver o
aumento de bacharéis saídos da universidade de Coimbra depois da reforma dos
Estatutos (1772). Em alternativa, estes letrados passaram a concorrer a lugares no
Ultramar, abraçaram outras profissões como advogados, solicitadores e procuradores das
partes, por exemplo, ou ingressaram na política como vereadores ou assessores das
câmaras.
Este desfasamento entre a oferta da Coroa e os candidatos aos lugares da magistratura
constituiu, sem dúvida, um fator de mal-estar que alimentou a insatisfação destes
bacharéis e motivou a adesão de muitos às doutrinas liberais e à cultura iluminista o que
explica, em certa medida, a grande participação dos magistrados na revolução de 1820.
I.2. A justiça popular
Os magistrados letrados de primeira instância eram, como foi anotado, uma minoria
no conjunto dos juízes e, consequentemente, no governo dos municípios. Das oito
centenas de municípios, apenas cerca de 20% tinham juízes de fora. O mais comum, que
cobria mais de 80% dos municípios, era o cargo de juiz de primeira instância ser exercido
por um juiz popular, o chamado juiz ordinário, que não tinha formação académica, muitas
das vezes nem sequer sabia ler e escrever, ficando dependente dos escrivães do juízo
para os procedimentos burocráticos. E, ainda, existiam juízes de vintena que atuavam
em aldeias com uma população muito reduzida (entre 20 e 50 fogos), também eleitos
pelos fregueses e confirmados no lugar pelo senado das câmaras.
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Vejamos o modelo de eleição destes juízes ordinários para termos uma noção do nível de
representação política e social e do envolvimento dos eleitores.
O processo eleitoral coincidia com o apuramento eleitoral dos vereadores, procuradores
e oficias das câmaras e o modelo irá inspirar, de certo modo, o adotado nas eleições do
regime liberal com a diferença quanto à base de recrutamento de eleitos e eleitores (vide
Subtil,1998).
O arranque das eleições começava com uma provisão do Desembargo do Paço para o
magistrado (corregedor, provedor ou um juiz de fora) que iria supervisionar as eleições,
apurar as pautas e os eleitos para o triénio em causa.
Chegado à câmara, o magistrado sindicante escolhia duas a três pessoas dos notáveis da
terra, conhecidos como «arruadores», para elaboravam um rol ou caderno da nobreza
com a relação das pessoas que consideravam capazes para desempenhar cargos de
governação. Os chamados a votar nestes róis, os homens nobres e bons, naturais da
terra, sem raça alguma e com zelo do bem comum, eram convocados por pregão para
comparecerem na câmara.
Os seis primeiros mais votados formavam o conjunto de eleitores, ou «pauteiros», e eram
agrupados aos pares, formando, portanto, três conjuntos de dois eleitores. Cada par
elaborava, então, uma pauta com nove vereadores (três por cada ano do triénio), três
procuradores, um para cada ano do triénio e, conforme a tradição, outros ofícios a eleger,
no caso que nos interessa, três juízes ordinários, um para cada ano do triénio. As três
pautas eram, depois, cruzadas para, de acordo com os votos somados, o magistrado
encarregue das eleições apurar a pauta final para o triénio.
Estas pautas eram, depois, enviadas ao Desembargo do Paço para o tribunal proceder às
nomeações, expurgando das pautas possíveis conflitualidades de parentesco,
incapacidades de comportamento ou de inconveniência política, podendo, inclusive,
retirar nomes e substituir outros, embora este procedimento tenha ocorrido raramente.
Para tomar estas decisões, o tribunal usava o arquivo próprio e as informações deixadas
à margem de cada eleito, obtidas, por indagação e ´ouvido`, pelo magistrado que
procedia aos autos das eleições. O processo era, portanto, constituído pelos autos, as
pautas, as informações «secretas» e, ainda, por um relatório que dava conta do ambiente
social em que decorreram as eleições.
Como se percebe pelo que foi dito, a escolha dos juízes ordinários era bastante
mediatizada e permitia que os homens notáveis da terra exercessem influência nas
nomeações, muito embora o magistrado que presidia às eleições pudesse condicionar,
também, a decisão do Desembargo do Paço. Seja como for, o povo era chamado à sede
do concelho para participar nas votações e, pelos testemunhos dos autos, representavam
vários ofícios e sensibilidades da vila. O próprio ritual inerente ao processo desencadeava
sociabilidades que tendiam a assegurar a ocupação dos lugares por linhagens oligárquicas
e familiares.
Do que foi dito, sobretudo pela pluralidade de jurisdições, territórios, nomeações e
eleições, podemos retirar algumas conclusões (Hespanha, 2019b).
Uma referente aos juízes letrados. A permanente avaliação das suas competências era
um facto, permitindo, em princípio, que a progressão nas carreiras fosse assegurada
pelos mais aptos, embora o conjunto destes juízes fosse diminuto.
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Quanto aos juízes populares (juízes ordinários), o que nos revelam as eleições indiretas
é que a representação popular era residual. As suas jurisdições estavam muito limitadas,
tanto para as causas cíveis e crime, o que permitia, em diferido, a intervenção ou o
recurso para os magistrados letrados. No entanto, as causas a cargo dos juízes ordinários
eram a maioria e cobriam o que de mais frequente acontecia nas comunidades, cujas
sentenças eram sem apelo nem agravo. Infelizmente não conhecemos, de forma
sistematizada, o sentido das suas ações e intervenções porque os arquivos municipais
não conservaram estes processos porque os autos e as sentenças foram pronunciados
oralmente.
Para além dos recursos, apelações e agravos a cargo da Relação do Porto ou da Casa da
Suplicação, o sistema permitia, ainda, um último recurso, chamado de "graça", através
do qual o Desembargo do Paço podia consultar o monarca para a dispensa da lei ou a
concessão de mercês e privilégios.
Nas ouvidorias, cuja jurisdição régia tinha sido transferida para o donatário, nobre ou
eclesiástico, competia aos senhores das terras dirigir o processo das eleições para os
juízes ordinários, muito semelhante ao modelo régio, mas com a supervisão do ouvidor
letrado nomeado pelo donatário.
II. A organização da justiça no primeiro liberalismo
II.1. O debate nas Cortes Constituintes e o texto constitucional de
1822
As Cortes aprovaram o texto constitucional no dia 23 de setembro de 1822 e o juramento
régio de D. João VI ocorreu no dia 1 de outubro, seguindo-se o das câmaras municipais
e outras entidades. Mas, mesmo nos defensores da Constituição, crescia, cada vez mais,
a ideia de que não havia condições para a sua aplicação e, nos primeiros debates das
Cortes Ordinárias, começou a falar-se na sua revisão.
E, pouco tempo depois, a Constituição seria suspensa, após o golpe da "Vila-Francada"
(maio de 1823), e as Cortes Ordinárias acabaram por ser encerradas (vide Hespanha,
2012a, 2009, 2004).
Para termos a noção da dimensão do debate sobre o poder judicial que os liberais
acreditavam ser a garantia para o cumprimento das leis, mas sobre o qual tinham uma
imagem muito crítica, corrupta e desgastada, comecemos por confrontar o projeto da
constituição com o texto constitucional (Moreira, 2018; Pereira, 2018).
Antes, porém, passemos, sumariamente, em revista as categorias de juízes referidos no
texto da Constituição de 1822 (Título V, "Do poder judicial").
A começar por uma das inovações do novo regime liberal, «os juízes de facto», para as
causas crime e cíveis e, também, para os delitos de abuso de liberdade de imprensa.
Estes juízes seriam eleitos, em cada distrito, através da constituição de listas de pessoas
com as qualidades legais para o efeito. Das decisões destes juízes se podia recorrer
para a Relação para tomar "conhecimento e decisão do mesmo ou em diverso conselho
de juízes de facto" nos casos em que a lei a determinar.
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Depois, os «juízes letrados», que exerceriam jurisdição em cada distrito, havendo um
juiz letrado de primeira instância em cada um para julgar de direito as causas em que
houvesse juízes de facto e, para julgar de facto e de direito, nas que não houvesse. A
alçada destes juízes, sem apelo nem agravo, tanto para as causas cíveis como crime,
seria determinada por lei e o recurso para a segunda instância cobriria os processos que
excedessem esses limites. Em Lisboa, no Porto e nas cidades mais populosas haveria
tantos juízes letrados quantos os necessários. Para se ser juiz letrado era necessário ser
cidadão português, ter 35 anos e ser bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra
que detinha o monopólio da formação dos juristas.
Ficou consagrado, também, que os juízes letrados seriam perpétuos, passíveis de
transferência de lugar no final de cada triénio e que a promoção seguiria a regra da
antiguidade.
Os «juízes eletivos», escolhidos para as subdivisões dos distritos, seriam eleitos pelos
cidadãos da mesma forma que os vereadores das câmaras. Estes magistrados julgariam
sem recurso as causas cíveis de pequena importância e as criminais de crimes leves,
limites a fixar em lei. O julgamento seria feito verbalmente, ouvindo as partes e
deduzindo a sentença em auto público. Podiam, ainda, exercitar os juízes de conciliação
e assumir a segurança e conservação da ordem pública.
Os «juízes árbitros», que podiam ser nomeados pelas partes para decidirem "nas causas
cíveis e nas penas civilmente intentadas", dependiam, portanto, do acerto dos envolvidos
em cada processo.
E, finalmente, «os juízes de conciliação» que podiam ser acionados pelos juízes eletivos
nas causas e pelo modo que a lei viesse a determinar
6
.
Esta tipologia de juízes elencada na Constituição não correspondia, de todo, ao texto do
projeto constitucional, apresentado às Cortes em 25 de junho de 1821, que entrou em
discussão no dia 9 de junho
7
, embora a parte referente ao poder judicial tenha começado
a ser debatida só no início de 1822 e demorado perto de dois meses para ser aprovada
(Subtil, 1986).
Ao contrário, o projeto constitucional defendia a escolha dos juízes letrados, referidos
como o modelo de juiz a seguir, na linha, aliás, da tradição dos juízes de fora. Esta opção
política foi assumida pelos deputados Sarmento, Borges Carneiro e Pinto de Magalhães
que justificaram a opção devido à complexidade das sociedades liberais garantirem a
liberdade, aumentar as leis e defender o pacto social, na linha do que disseram
justamente "para sermos livres, é indispensável que sejamos escravos da lei: nenhuma
Nação por consequência que mais leis deva ter que uma nação livre, e constitucional"
8
.
6
Os tribunais de Relação julgariam em segunda e última instância e um Supremo Tribunal da Justiça, com
sede em Lisboa, composto por juízes letrados nomeados pelo rei, conheceria os erros de ofício dos ministros,
das Relações, secretários de estado, diplomatas e regentes do reino, com competências para conceder
revistas ou negá-las, exceto dos juízes de facto.
7
Os subscritores do projeto constitucional foram os deputados José Joaquim Ferreiras de Moura (Beira), Luís,
Bispo de Beja (Beira), João Maria Soares de Castelo Branco (Estremadura), Francisco Soares Franco
(Estremadura), Bento Pereira do Carmo (Estremadura), António Pinheiro de Azevedo e Silva (Beira), Manoel
Fernandes Thomaz (Beira), Manuel Borges Carneiro (Estremadura) e Joaquim Pereira Annes de Carvalho
(Alentejo).
8
Intervenção de Pinto de Magalhães, 11 de janeiro de 1822, Diário das Cortes, tomo IV, p. 3.665.
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O projeto constitucional não previa, portanto, juízes ordinários e admitia juízes de facto
(conselho de jurados) apenas nas causas crime, sempre presididos por um juiz letrado.
Sobre os juízes conciliatórios, o projeto previa-os desde que exercitados pelos juízes
letrados.
Quanto às carreiras dos juízes letrados, afirmava-se o princípio da perpetuidade do ofício
e o princípio da antiguidade como critério de progressão. o foi previsto nenhum
mecanismo de controlo e fiscalização.
O projeto constitucional sobre o poder judicial era, por conseguinte, um texto tradicional
e conservador, de certo modo, pouco consentâneo com as críticas ao "maldito espírito de
corpo" da magistratura que, como diria o deputado Girão, "nas Cortes predominavão
sempre os magistrados, e por isso deixarão a Nação escrava delles".
A defesa do projeto constitucional coube, em grande parte, ao deputado subscritor José
de Moura e a dois dos seus colegas, Borges Carneiro e Castelo Branco, mas que
acabariam, durante o debate, por se afastarem do mesmo. O primeiro, opondo-se ao
critério da antiguidade para a progressão na carreira, defendendo um sistema de
supervisão para responsabilizar os juízes. O segundo, mais radical, defendendo a
prevalência dos juízes ordinários e a prática das eleições para legitimar o ofício de juiz.
Os outros subscritores da Comissão assumiram uma opção mais moderada como foi o
caso dos deputados Fernandes Thomaz, Pereira do Carmo e Pinheiro de Azevedo.
No campo oposto, o combate político ao projeto constitucional foi assumido pelo deputado
José Joaquim Rodrigues de Basto (Minho) que defendia, em exclusivo, os juízes
ordinários, escolhidos por sufrágio eleitoral, com cargos amovíveis e vigência de um ano.
Foi acompanhado, no essencial, pelos deputados Martins Ramos, Vilela, Barata e Barreto
Feio.
A estas duas posições, a opção pelos juízes letrados e a defesa pelos juízes
ordinários/eletivos, juntar-se-ia uma terceira tendência, de pendor conciliatório que,
defendendo a prevalência dos juízes letrados, aceitava rever o principio da antiguidade,
da inamovibilidade, da intervenção dos juízes de facto e a responsabilização do ofício
desde que enquadrada num código que abrangesse mais ofícios da administração blica
como viria a acontecer no célebre dia 13 de janeiro de 1823, para alguns o dia mais
importante depois da revolução (Subtil, 1988).
No final do debate, o texto constitucional alteraria, por completo, o texto do projeto
constitucional quanto aos jurados, juízes ordinários e conciliatórios. Os juízes de facto
(jurados) ficaram consagrados para as causas crime e cíveis, os juízes ordinários
julgariam pequenas causas crime e cíveis, sem apelo e recurso, e aos juízes conciliatórios
ficou reservado um lugar importante na filtragem de litígios para tribunais.
Sem dúvida que o figurino que acabou por prevalecer no texto constitucional, com a
consagração dos juízes de facto, dos juízes eletivos
9
e dos juízes conciliatórios, teve em
vista, por um lado, legitimar o novo regime no apoio popular e, por outro lado, diminuir
o fluxo das causas em tribunal e, por conseguinte, limitar o poder de intervenção dos
juízes letrados nos tribunais de primeira e segunda instância.
9
O modelo de eleição foi regulado pelos decretos de 20 de julho e 9 de agosto de 1822.
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Em conclusão, tratou-se de uma vitória da ala mais radical do Congresso, vitória bem
expressa nas palavras do moderado e prestigiado deputado Fernandes Tomás quando
afirmou, no final da aprovação do texto constitucional, que se quis "cortar as unhas tão
rentes" à magistratura
10
.
Seja como for, com este aceso debate político ficou lançado, para o futuro, o mote e os
argumentos para a discussão sobre os modelos liberais para justiça, a escolha por tipos
de juízes, o papel e a autonomia dos juízes letrados e a amplitude das eleições diretas
ou indiretas na escolha dos juízes populares.
É precisamente isto que iremos passar em revista, focando-nos, sobretudo, na Reforma
de Mouzinho da Silveira (1832), na Nova Reforma (1838) e na Novíssima Reforma
(1841).
II.2. A reforma de Mouzinho da Silveira (1832)
Com a revogação da Constituição de 1822, procurando limitar a ofensiva dos
"ultrarrealistas" e liberais radicais, D. João VI nomearia uma junta, formada por
personalidades moderadas e de grande prestígio político e académico, para propor uma
nova Constituição. Alguns projetos constitucionais de rios cidadãos foram, também,
enviados à junta para comporem o novo texto constitucional (Hespanha, 2004: 128-152).
Mas o certo é que seria a Carta Constitucional, influenciada pela teoria politico-
constitucional de Benjamin Constant, outorgada por D. Pedro IV, no Rio de Janeiro (29
de abril de 1826), que se tornaria na grande alternativa a uma Constituição, precisamente
por ir de encontro aos interesses de várias fações liberais, incluindo os mais tradicionais.
O primeiro período de vigência da Carta Constitucional foi na legislatura de 1826-1828 e,
depois da derrota miguelista na guerra civil, quando as Cortes voltaram a reunir em 15
de agosto de 1834.
No que aos juízes diz respeito, o mais emblemático da Carta Constitucional foi,
indiscutivelmente, a eliminação dos juízes eletivos no quadro da organização da justiça e
a identificação do poder judicial com os juízes de direito, tornados perpétuos, embora
passiveis de mudarem de lugar ou serem suspensos pelo rei, ouvido o Conselho de Estado
ou na sequência de suborno, peita, peculato ou concussão.
Apesar da adoção por este modelo, a Carta Constitucional concedia a intervenção dos
jurados nas causas cíveis e crime para apurarem os factos de acordo com o que os
códigos viessem a determinar
11
. E, de forma obrigatória, reconhecia os juízes de paz,
eleitos pelo mesmo modo dos vereadores, para tentarem a conciliação antes de qualquer
processo judicial. A Carta Constitucional admitia, também, juízes árbitros nas causas
cíveis e crime por nomeação das partes, podendo as sentenças revestirem caráter
definitivo, por acordo das mesmas.
Mas nem a Constituição, nem a Carta Constitucional, previram a regulação do sistema de
justiça, deixando para futuras leis essa organização. Deste modo, a primeira reforma da
10
Sessão de 5 de outubro de 1822, Diário das Cortes, tomo VII, p. 695.
11
A Constituição de 1822, no artigo 191.º, instituiu, em Lisboa, um Supremo Tribunal de Justiça. A Carta
Constitucional, no artigo 130.º, e a Constituição de 1838, no artigo 126.º confirmam o Supremo Tribunal
da Justiça.
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justiça, tendo por objetivo substituir o modelo do Antigo Regime que se ainda encontrava
em vigor, decorridos mais de dez anos depois da revolução, foi o Decreto de 16 de maio
de 1832 (decreto n23), integrado num vasto pacote legislativo, da autoria de Mouzinho
da Silveira (Manique, 1989; Pereira, 2009). Contudo, a reforma foi de tal forma complexa
e complicada que estava destinada ao fracasso como, efetivamente, aconteceria passado
o curto período entre o final da guerra civil entre liberais e absolutistas (1834) e a
revolução de setembro (1836)
12
.
O programa aprovado na Ilha Terceira adotava, para todo o Reino, juízes de primeira e
de segunda instância, perpétuos, letrados e nomeados pelo governo que aplicariam a lei
com inteira autonomia, exceto nas causas crime cujos factos eram apurados pelos
jurados e sobre os quais os juízes de direito aplicariam a lei
13
.
As restantes categorias de juízes representavam uma enorme panóplia, desde os juízes
de paz, juízes ordinários, juízes pedâneos, juízes árbitros até aos jurados (Subtil, 2021).
Os juízes de paz seriam eleitos pelos povos e as suas funções, exercidas sem
remuneração, consistiriam em conciliar as partes nas demandas, tal como já indiciavam
os textos constitucionais. A eleição, anual e por escrutínio secreto, decorria na assembleia
dos chefes de família de cada freguesia, reunidos na igreja matriz (assembleia paroquial)
no último domingo de junho de cada ano e presidida por um vereador. Seria eleito o que
obtivesse a maioria de votos e, em caso de empate, seria escolhido o mais velho
14
. A
indicação do secretário e dos escrutinadores era feita por aclamação na reunião.
Na mesma assembleia eram eleitos, ainda, três cidadãos para formarem a pauta dos
juízes pedâneos
15
e, também, eleitos dois deputados por freguesia para assegurarem
uma representação na municipalidade. O conjunto destes deputados (membros do
município e deputados das freguesias) elegiam, posteriormente, três pessoas para
formarem a pauta dos juízes ordinários.
Depois da feitura das pautas dos juízes ordinários, os autos eram remetidos ao juiz de
direito da comarca que os submetia ao presidente do tribunal de segunda instância para,
então, escolher um juiz ordinário e um juiz pedâneo e passar-lhes a respetiva carta de
nomeação por um ano.
Um modelo que, como foi referido, comungava de muitos elementos praticados na
monarquia corporativa com a diferença, neste caso, do universo de eleitores ser mais
alargado. Mas este modelo de Mouzinho de Silveira exigia um recrutamento desmesurado
12
O diploma de Mouzinho da Silveira tem 293 artigos e o aparelho judicial divide-se em círculos judiciais,
estes em comarcas, as comarcas em julgados e os julgados em freguesias. Por decreto de 28 de junho de
1833 a divisão do território ficou assim estabelecida: quatro distritos judiciais (Lisboa, Porto, Lamego e
Castelo Branco). O de Lisboa teria 15 comarcas e 200 concelhos; o de Castelo Branco quatro comarcas e
135 concelhos; o de Lamego oito comarcas e 232 concelhos; o Porto 13 comarcas e 230 concelhos. O total
contabilizava 40 comarcas e 796 concelhos e um contingente de 47 juízes de direito e quatro tribunais de
Relação.
13
Collecção de Decretos e Regulamentos mandados publicar por Sua Magestade Imperial o Regente do Reino
desde que assumiu a Regência em 3 de março de 1832 até á sua Entrada em Lisboa em 28 de julho de
1833, Lisboa, Imprensa Nacional, 1836 (segunda série), pp. 102-147.
14
As condições de elegibilidade dos juízes de paz eram ter a cidadania portuguesa, o pleno exercício dos
direitos políticos, morada obrigatória na freguesia e ter uma renda anual de 200 mil reis (nas cidades) e de
50 mil nas aldeias.
15
A elegibilidade obedecia aos mesmos critérios dos juízes de paz, mas com os limites de rendimento a
variarem entre 50 mil reis para as cidades e 20 mil reis nas vilas e aldeias.
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de cidadãos, ainda por cima eleitos por períodos curtos, obrigando, portanto, a repetidas
eleições, banalizando, por conseguinte, o exercício dos cargos (Domingues, 2018).
Vejamos, agora, a tipologia de juízes, funções e competências, algumas das quais eram
potencialmente conflituosas.
Os juízes ordinários podiam avocar as causas que não excedessem os 12 mil reis em bens
de raiz e 24 mil reis em bens móveis, enquanto os juízes pedâneos conheceriam as causas
por danos causados por pessoas ou gados em "searas, vinhas, hortas, pomares,
pastagens e arvoredos", cabendo-lhes uma intervenção especial no mundo rural onde a
multiplicação de conflitos era grande, com a vantagem destes juízes conhecerem o
território e a população (Domingues, 2018).
Os processos destes juízes pedâneos eram verbais e podiam determinar penhoras,
avaliação e venda em leilão, levantar autos por crimes, evitar rixas, tumultos e motins,
prender em flagrante delito e mandar apresentar os delinquentes ao juiz ordinário ou de
direito, ficando obrigados a satisfazer os pedidos destes juízes de primeira instância.
Como eram nomeados pelo juiz presidente do tribunal de segunda instância podiam,
também, ser suspensos por ele.
Quanto aos juízes-árbitros eram escolhidos pelas partes para exercitarem a arbitragem
e não podiam recusar a missão.
Finalmente, os jurados (aqueles que «juram para julgar») retirados de um livro de
matrícula pertencente aos arquivos das câmaras e atualizado no mês de maio de cada
ano. A matrícula era individual e pertencia a cada cidadão que estivesse nas condições
de inscrição e a não inscrição acarretava sanções, multas e perdas de direitos.
A composição anual dos jurados era apurada na câmara, no primeiro dia do mês de
janeiro de cada ano, numa reunião com o juiz de direito e o delegado do procurador régio
ou com o juiz ordinário e o subdelegado régio. Do livro de matrícula formavam-se três
pautas. Uma pauta de jurados para o primeiro trimestre, outra para jurados de pronúncia
para as causas crime e, ainda, uma outra para sentenças para causas cíveis e crime.
Constituídas as pautas, faziam-se bilhetes individuais para serem lançados numa urna de
onde eram tirados, por um mancebo com menos de 10 anos, os primeiros jurados e
depois, novamente, os bilhetes eram lançados numa outra urna para se fazerem as
pautas para os trimestres seguintes. Competia ao juiz de direito ou ao juiz ordinário,
depois do apuramento, notificar os jurados dos dias em que teriam de servir o tribunal
do júri.
Esta reforma de Mouzinho da Silveira, para além da variedade de jurisdições obrigava,
como foi dito, à constituição de um enorme contingente de jurados, de juízes
ordinários, de paz e pedâneos com uma rotatividade anual, implicando, repetidas
reuniões nas câmaras municipais, eleições e notificações que perturbariam o quotidiano
da vida política e social local para atos que o tinham como objetivo a verdadeira prática
da justiça.
Se esta reforma era, por si, impraticável, ficou, porém, como ilustração de uma intenção
panfletária no contexto da guerra civil e como um exemplo especulativo por ter sido
pensada sem ter em conta a realidade de um país analfabeto e incrustado por práticas
oligárquicas.
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II.3. A Nova Reforma (1836) e a Novíssima Reforma (1841)
Com o final da guerra civil e a vitória dos liberais (1834) regressaria o combate entre as
fações liberais cujo desfecho levaao poder o grupo identificado com as opções mais
radicais (revolução de 9 de setembro de 1836) e, naturalmente, à recuperação do texto
constitucional de 1822 para a adoção de uma nova que viria a ser aprovada em 1838
(Gomes, 2013; Hespanha, 2019a; 2018;2012a;2012b).
Contudo, uma das primeiras medidas do novo governo setembrista foi decretar a reforma
judiciária e organizar o sistema da justiça através do Decreto de 29 de novembro de
1836, da autoria do Visconde de da Bandeira, Manuel da Silva Passos e António Manuel
Lopes Vieira de Castro. Esta Nova Reforma enunciava, no relatório que a sustentava,
dois objetivos a atingir, ou seja, a proximidade da justiça aos cidadãos, daí a
concentração dos esforços numa nova territorialização administrativa e o objetivo da
clareza dos procedimentos devido à confusão legislativa.
A divisão do novo espaço político, que não tinha sido concretizado com a legislação de
Mouzinho da Silveira, ficou definida no Decreto de 13 de janeiro de 1837
16
com os mapas
das 48 comarcas e concelhos, 351 julgados e freguesias, os três tribunais de segunda
instância, o de Lisboa (com 21 juízes), do Porto (com 21 juízes) e de Ponta Delgada (com
sete). Ficava, também, prometido a reforma do processo civil, ordinário e sumário, e do
processo criminal.
Nesta nova orientação, muito próxima da legislação da Terceira, manteve-se,
praticamente, o mesmo modelo de justiça com simplificações notórias.
Os juízes de direito, de nomeação régia e com lugar vitalício, julgariam nos tribunais de
primeira instância em cada comarca e presidiriam aos tribunais de Polícia Correcional e
aos Conselhos de Família.
As comarcas dividiam-se, por sua vez, em julgados, sob jurisdição de um juiz ordinário,
eleito pelos povos, com exceção de Lisboa e Porto onde não haveria juiz ordinário
17
. Estes
juízes ordinários julgavam as causas de menor valor, conheciam o recurso dos juízes
eleitos das freguesias e preparavam os processos destinados ao juiz de Direito. Os
julgados dividiam-se em freguesias onde um juiz eleito julgaria as causas mínimas.
Tínhamos, ainda, um juiz de paz (eleito) que podia intervir numa freguesia ou mais,
dependendo da população, mas pelo menos haveria um juiz de paz por 200 fogos,
cabendo-lhe, com caráter obrigatório, tentar chegar a um entendimento entre as partes
antes de os processos entrarem nos tribunais
18
. E, finalmente, os jurados que seguiam
as orientações já definidas.
A Constituição de 1838
19
tratou da justiça num curtíssimo título (Título VII) onde
identificava, apenas, os juízes e jurados, tanto no cível como no crime. Os juízes de
16
Reforma judiciária approvada pelos Decretos de 29 de novembro de 1836 e 13 de janeiro de 1837, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1837. O Decreto-Lei de 13 de janeiro de 1837 viria a estabelecer as regras do processo
civil e criminal.
17
Eram eleitos pelo povo, por dois anos, podendo ser reeleitos. A eleição era feita por pautas apuradas pelo
juiz de direito.
18
Os juízes de paz, ordinários e juízes eleitos das freguesias não careciam de confirmação régia. A eleição era
igual à dos vereadores.
19
Dirio do Governo, de 24 de Abril de 1838, n.º 98.
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direito seriam nomeados pelo rei, os juízes ordinários eleitos pelo povo, acontecendo o
mesmo com os juízes de paz que intervinham sempre antes do juízo contencioso. Admitia
tribunais de Relação e um Supremo Tribunal de Justiça. Os juízes de direito mantinham
a inamovibilidade dos cargos, embora os de primeira instância pudessem ser mudados
de lugar de três em três anos.
A Novíssima Reforma, concretizada pelo Decreto de 21 de maio de 1841, durante o
governo do Conde do Bonfim com Costa Cabral como ministro da Justiça, antecedeu,
nalguns meses, a restauração definitiva da Carta Constitucional (1842) que estabeleceria
o regime da monarquia constitucional até à implantação da República (1910)
20
. As
novidades desta reforma foram, porém, muito poucas e não resolveram o intrincado
problema das jurisdições múltiplas, a complicada rede de juízes populares e o intenso
calendário das eleições.
No que toca à organização do território jurisdicional, os níveis de hierarquia passaram a
contemplar o distrito, a comarca, o julgado e a freguesia. Cada distrito teria direito à
supervisão de um tribunal de Relação que julgaria em segunda e última instância, o
distrito de Lisboa com 21 juízes, o distrito do Porto com igual quadro e o distrito de Ponta
Delgada com sete juízes.
O segundo nível era formado pela comarca, onde haveria um juiz de direito e, no terceiro
nível, o círculo de julgado, haveria um juiz ordinário e um ou mais juízes de paz que
exerceriam jurisdição de conciliação no próprio domicílio: "Nenhuma causa se começa
em juízo contencioso, sem que o seu objeto tenha sido previamente submetido ao Juízo
de Conciliação, ou seja por mandado do Juiz de Paz, ou por voluntário comparecimento
das partes (artigo 210.º). Finalmente, ao nível da freguesia, caberia a um juiz eleito
decidir verbalmente, depois de ouvir as testemunhas e apurar os factos.
E, na linha das anteriores reformas, as partes podiam nomear juízes árbitros cuja escolha
podia recair em qualquer cidadão.
Entre as poucas novidades da Novíssima Reforma podemos referir o novo recorte
institucional do jury. O conselho de jurados, que se pronunciava sobre os factos nas
causas cíveis e crime, passou a ser dispensado sempre que os factos pudessem ser
provados por documentos, inspeção, exame ou vistoria expressa, ou, então, quando uma
das partes não consentisse no julgamento por jurado. Estes juízes ficaram, ainda,
divididos entre jurados de pronúncia e jurados de sentença.
Outra novidade foi a criação de um tribunal de polícia correcional em cada comarca, a
intervenção do Ministério Público junto dos juízes ordinários e, como principal, a
indiscutível redução da participação popular na administração da justiça.
Conclusão
Se uma das bandeiras políticas dos primeiros anos do liberalismo (1820-1841) foi a
contundente crítica ao sistema de justiça do Antigo Regime, o certo é que o modelo
adotado pelo novo regime não pôde dispensar duas heranças: o sistema dos juízes
20
Decreto de 21 de Maio de 1841, que contém a Novíssima Reforma Judiciaria com os Mappas da Divisão do
Território, e as Tabellas dos Emolumentos Reformadas em virtude da Carta de Lei de 28 de julho de 1848,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1857.
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letrados, à semelhança do papel dos juízes de fora, e a replicação dos juízes ordinários
para afirmar o carácter popular da justiça como esteio para a independência do poder
judicial, da defesa da liberdade e do cumprimento da lei.
As várias reformas comungaram, por isso, de quatro princípios: o da independência dos
tribunais como garantia da aplicação das leis, a defesa da inamovibilidade dos cargos, o
julgamento com recurso aos jurados e a representatividade dos vários tipos de juízes
eletivos. Os dois últimos princípios foram considerados basilares da liberdade e da defesa
da divisão dos poderes.
O caso dos jurados (jury) atesta esta convicção e evidencia as mudanças políticas do
novo regime. Admitidos desde a Constituição de 1822 para certificarem o apuramento
dos factos, deixavam para os juízes letrados a simples aplicação da lei, remetendo-os,
portanto, para papéis meramente burocráticos. Contudo, esta intervenção dos jurados
irá variar, posteriormente, nas causas crime e nas causas cíveis, nos limites e nas
relações mantidas com os juízes letrados. Foram, aliás, estes os sinais que marcaram o
sentido político das reformas, a começar com a de 1836 em que o júri perdeu alguma
relevância nas causas cíveis, afinal, a matéria política e social mais substantiva para
apreciação nos tribunais. E com a Novíssima Reforma (1841) ficaram sujeitos ao acordo
de ambas as partes, retirando o carácter obrigatório que foi imposto desde a reforma de
Mouzinho da Silveira.
Quanto aos juízes ordinários, o regime liberal percebeu, desde muito cedo, que não podia
dispensar uma organização que atuava e intervinha em mais de 700 concelhos, com um
peso muito grande na vida das comunidades. E percebeu, também, que não os podia
dispensar para reforçar a natureza popular que queria emprestar ao sistema de justiça
liberal.
Mas esta escolha do regime liberal encontrou uma enorme contrariedade, precisamente
o facto dos juízes ordinários estarem marcados por práticas autonomistas associadas aos
micro poderes concelhios, contrárias à centralização desejada pelo Estado Liberal que
provaria, sem dúvida, essas intenções com a redução drástica dos municípios e a retirada
de regalias fiscais, numa clara ofensiva contra a municipalidade herdada do Antigo
Regime.
Sobre as formas não judiciais para resolver conflitos e litígios, com recurso aos juízes
eleitos das freguesias, juízes de paz, árbitros e juízes pedâneos, o regime liberal foi
amaciando a obrigatoriedade das suas intervenções a partir da Nova Reforma com o
apoio, evidentemente, dos juízes letrados para quem estes juízes populares eram
inconvenientes, política e socialmente, devido à radicalização popular, à insignificante
pratica jurídica e ao baixo nível cultural.
Mas, paradoxalmente, estas instituições populares representaram alternativas
contraditórias para a dogmática jurídica liberal, isto é, uma dupla face, positiva para a
afirmação popular do sistema, e negativa para a construção centralizadora do Estado.
A independência dos magistrados e o resguardo para a sua efetivação acabaram,
também, por originarem uma certa «governamentalização» dos tribunais e dos próprios
juízes que, progressivamente, se assumiram como atores importantes na construção do
Estado, misturando a esfera da justiça com a intervenção administrativa, mesmo depois
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da aprovação do código administrativo setembrista (6 de novembro de 1836) e do código
administrativo cabralista (16 de março de 1842).
O debate que acabamos de sistematizar em torno das escolhas entre juízes letrados e
juízes populares mostra, por outro lado, como a definição do sistema judicial foi central
para afirmar o domínio do Direito na doutrina política liberal, mesmo que as vicissitudes
das escolhas políticas tenham agudizado as resistências dos poderes locais, em especial
após a nova territorialidade jurisdicional e administrativa.
Em conclusão, entre as continuidades e as singularidades, poderíamos alinhar quatro
ideias estruturantes.
A primeira, de natureza institucional, refere-se à importância das «assembleias», desde
as reuniões comunitárias e municipais até às assembleias parlamentares. Tanto no Antigo
Regime como no liberalismo acreditava-se que as reuniões de cidadãos, mais ou menos
alargadas e legitimadas, tinham o poder de «criar poder» e o direito para ordenarem a
sociedade.
A segunda, associa o direito com a cultura do senso comum, para reajustar e conjugar
as normas, tanto as legislativas como as tradicionais, às realidades sociais e políticas. A
cultura moldou, de certo modo, a construção do direito, incluindo as práticas não escritas
assentes em formas comunitárias de justiça. Mais do que leis sobravam os «juízes para
fazer justiça» como, a propósito, invocou, de forma exemplar, Bartolomé Clavero
21
.
Como terceira ideia, realçaríamos a iustitia letrada, a rede de juízes e tribunais, os
chamados «conhecedores» do direito, para mostrar como o liberalismo, ultrapassada a
fase panfletária da revolução, começou a traçar o caminho de uma justiça
tendencialmente profissionalizante, a desenvolver a jurisprudência como corpus iuris,
contrapondo ao ius commune o ius proprium.
E, finalmente, realçar a absoluta necessidade, nesta nova sociedade liberal, de um direito
político, substantivamente um direito administrativo, próprio do poder executivo, nem
parlamentar nem judicial, na medida em que a legislação parlamentar, a intervenção dos
juízes letrados e populares, se mostrava insuficiente para apoiar o campo de intervenção
do governo.
Deste direito novo, um direito administrativo, passaria a encarregar-se, doravante, o
poder executivo, definindo as áreas do seu controlo, organizando uma jurisdição própria,
administrativa e não judicial, fechando, cada vez mais, o campo de intervenção dos juízes
populares nas matérias cíveis, remetendo-os à esfera do crime e, mesmo assim,
residualmente.
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