aniquilar a vontade nacional expressa através do voto; e como nos conflitos travados
entre a Câmara dos Deputados e os governos eram sempre estes os vencedores, o direito
de dissolução transformara-se numa “simples arma de que se servia o poder executivo
para dominar a câmara dos deputados e com ela a nação” (Idem, 16-17).
Diferente foi a posição assumida por José Tavares, lente de Direito nos últimos anos da
monarquia. Analisando o direito de dissolução em vários países europeus, bem como no
caso português, aproxima-se, doutrinariamente, de Benjamim Constant ao considerar
que tal prerrogativa constituía “uma garantia eficaz contra o abuso ou a incompetência
do mais forte dos poderes – o poder legislativo – sendo, por isso, como que uma das
sanções indispensáveis ao princípio da divisão de poderes” (Tavares, 1909: 132-133). Ao
permitir a resolução de conflitos entre os poderes legislativo e executivo, garantindo a
convocação do corpo eleitoral chamado a pronunciar-se sobre os problemas mais graves
da administração, o direito de dissolução era “a consagração mais perfeita do regime
representativo”, constituindo “uma das afirmações mais concretas do princípio da
soberania nacional” (Idem).
Quanto aos agentes políticos, naturalmente que os seus juízos dependiam das posições
em que se encontravam face ao exercício do poder. Nogueira Soares notou, com
perspicácia, as variações de opinião em função das circunstâncias. “Quando (os partidos)
estão no gozo do poder, o rei reina e não governa. Como chefe do poder executivo, o rei
deve limitar-se a assinar, sem observações nem reflexões, todos os despachos que os
ministros lhe apresentam, por mais escandalosos ou mais contrários à moral pública (…).
Como poder moderador, o rei deve limitar-se a decretar, sem exame nem discussão,
todas as dissoluções da câmara dos deputados, todas as fornadas na câmara dos pares,
todos os adiamentos das Cortes que os ministros julgarem convenientes. Quando lidam
na oposição (…), esses partidos sustentam que o rei deve recusar-se a assinar todos os
despachos que eles julgam injustos ou escandalosos; que deve negar aos ministros
quaisquer dissoluções, fornadas, adiamentos, recomposições ministeriais; que deve opor
o veto às leis aprovadas por ambas as casas do Parlamento” (Soares, 1883: 152-153).
Na verdade, as posições adotadas pelas figuras partidárias não dependiam da defesa de
princípios doutrinários, mas tão-só do pragmatismo político ditado pelas conjunturas. As
dissoluções justificavam-se ou não conforme as circunstâncias em que ocorriam e,
naturalmente, eram sempre legítimas para as forças políticas que as decretavam, da
mesma forma que eram invariavelmente condenáveis para as que se encontravam na
oposição. No entanto, as críticas feitas ao mecanismo da dissolução incidiam, não tanto
sobre a prerrogativa em si mesma, mas sobretudo no mau uso que dela se fazia, ao ser
utilizada para “forjar” maiorias parlamentares através de eleições fraudulentas.
Alguns debates travados na imprensa sintetizam com clareza as ideias dominantes na
segunda metade do século XIX acerca da problemática da dissolução da câmara dos
deputados. É significativo um artigo de Rodrigues Sampaio, figura proeminente do
jornalismo e da política, que abordava frequentemente a questão. Considerava Sampaio
que as restrições impostas pela Carta ao direito de dissolução não podiam ser encaradas
na mesma ótica do legislador de 1826, pois, entendido na sua conceção original, tal
direito de pouco servia e melhor fora tê-lo negado à Coroa. “O direito de dissolver não é
o direito da Carta como ela o concebia, nem pode, por consequência, ser restringido a
esses gravíssimos e arriscadíssimos apuros. O direito de dissolver é o direito de aferir a