OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
VOL12 N2, DT1
Dossiê temático 200 anos depois da Revolução (1820-2020)
Dezembro 2021
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O SUBSÍDIO LITERÁRIO. CONTINUIDADE OU RUTURA?
TELMA DE MATTOS RUAS
telmaruas@grupoceu.pt
Licenciada em História pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) em 1987. Mestre em
História Cultural e Política pela Universidade Nova de Lisboa em 1995. Frequentou o curso de
doutoramento em Comunicación Institucional e Empresarial da Universidad Complutense de
Madrid, tendo obtido o Diploma de Estudos Avançados em 2002. Participou em Novembro de
2007 na Universidade da Virgínia Darden Bussinesss School & Curry School of Education- no
curso para Leaders in Education School Turnaround Leadership Program,” Starting Fresh:
Establishing Leadership, Building a Vision and Creating the Conditions for Student Success”.
Frequentou o Programa Interuniversitário de Doutoramento em “História: mudança e
continuidade num mundo global” e encontra-se a preparar a tese de doutoramento, publicando
no âmbito do mesmo doutoramento diversos artigos avaliados por revisores. Assessora
pedagógica do Conselho de Administração da UAL (Portugal), coordena os processos de
submissão de novos ciclos de estudos e supervisiona os guiões para os ciclos de estudos em
funcionamento
Resumo
Este texto insere-se no estudo que temos vindo a realizar sobre a educação no período liberal
a partir das atas das sessões das Cortes. A análise da atividade parlamentar - o debate político
e a consequente ação legislativa conferiram relevo aos assuntos da Instrução e da Educação
com o desígnio de satisfazer as necessidades do Estado Liberal. Sustentando-se na
contribuição tributária do “subsídio literário,” imposto criado pelo Marquês de Pombal, em 10
de novembro de 1772, a sociedade Oitocentista reivindicou o direito de promover a instrução
primária fundamentando a sua pretensão no cumprimento dos deveres ficais. A continuidade
da ação política pombalina corporizou os interesses e a vontade da Nação liberal. Contudo a
exigência ideológica do liberalismo reclamou no debate parlamentar a sua extinção. A
oscilação entre continuidade ou rutura marcou a apreciação político-económica do “subsídio
literário” em Oitocentos.
Palavras chave
Educação, Instrução, Subsídio Literário, Discurso Parlamenta, Orçamento de Estado
Como citar este artigo
Ruas, Telma de Mattos (2021). O Subsídio Literário. Continuidade ou rutura? Janus.net, e-
journal of international relations. Dossiê temático 200 anos depois da Revolução (1820-2020),
VOL12 N2, DT1, Dezembro de 2021. Consultado [em linha] em data da última
consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.DT0121.4
Artigo recebido em 29 de Setembro de 2021 e aceite para publicação em 2 de Novembro
de 2021
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O subsídio literário. Continuidade ou rutura?
Telma de Mattos Ruas
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O SUBSÍDIO LITERÁRIO. CONTINUIDADE OU RUTURA?
TELMA DE MATTOS RUAS
Introdução
A revolução de 1820 afirmou inequivocamente na sociedade portuguesa os ideais
filosóficos iluministas, amplamente difundidos no final do culo das luzes e nos primeiros
anos do novo século. Os ecos revolucionários sustentados em novos valores e em
renovados poderes institucionais, colocando nas os dos homens, dotados de direitos
individuais, o dever de reorganizar a nova ordem moral e política consubstanciada na
liberdade e no consentimento popular, foram responsáveis pela reconstrução social. A
sociedade reformada, modernizada convocou todos à participação, solicitou a partilha e
a colaboração individual e coletiva para o seu desenvolvimento, requereu a
disponibilidade de todos, para em conjunto, contribuírem para o progresso nacional.
Contributos que implicavam necessariamente a aquisição de saberes e competências
escolares, reconhecendo, desse modo, a importância da sua transmissão pela via formal.
Competências que se adquiriam pela educação e pela instrução de todos - crianças,
jovens e adultos -. Aquisições que privilegiaram o direito paternal, a esfera privada na
definição dos objetivos para a educação moral virtudes e talentos - determinando, em
função do estrato social, as habilitações escolares e as aptidões sociais a desenvolver.
Simultaneamente atribuiu-se à esfera pública, a maior missão: a formação dos cidadãos
a instrução.
Sob a alçada do Estado dotava-se a mocidade de aprendizagens elementares,
fundamentais, para o exercício da participação cívica, e proporcionavam-se
ensinamentos cnico-profissionais, permitindo tornar a sociedade mais ilustrada, mais
civilizada. Encargo político que o Estado reconheceu como direito individual e como dever
e responsabilidade, função que partilhou com a esfera privada a família, - consagrando
na lei suprema do Estado as diferentes ações. Reconhecemos, portanto, que as palavras,
Educação e Instrução, assumiram, apesar da identidade no seu significado,
representações e ações distintas na época contemporânea.
Importa sublinhar que a utilização dos vocábulos educação e instrução sinónimos na
consulta a um dicionário, - não foram empregues como palavras para reforçar o sentido
do discurso político, ou para identificar ideologias. A sua utilização assumiu protagonismo
na comunicação, pelo que o conhecimento do seu significado, o seu uso linguístico e
semântico revelou-se fundamental para compreender o discurso e a ação política
oitocentista. Situação comum à que se tinha verificado no Antigo Regime, revelando,
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portanto, continuidade na utilização, identificação e representação das palavras na
comunicação. Reconhecemos, todavia, que após a revolução de 1820, o discurso tornou-
se mais moderno, referenciador das ideias revolucionárias, sustentadas nos direitos
individuais e na liberdade, revelando-se uma comunicação mais atrativa aos sinais de
mudança, às propostas de investimento na alfabetização e na formação. Os argumentos
de desenvolvimento da instrução e da educação sustentaram-se em ações políticas
reveladoras de incentivo à ilustração e de preocupação em responder às necessidades
sociais.
Os Projetos Educativos no Antigo Regime
Recordemos a ação política de apoio à educação e instrução no Antigo Regime.
A criação do imposto do subsídio literário em 1772, pelo Marquês de Pombal, destinado
a promover a instrução pública revelou-se um marco importante para o desenvolvimento
da formação. A disposição jurídica regulamentou os procedimentos para a arrecadação
fiscal extinguindo anteriores consignações de apoio financeiro à instrução pública e
instituiu um órgão responsável pela administração dos fundos Junta -, apontando para
a atenta fiscalização do Estado na formação da mocidade. Importa sublinhar que a
regulamentação da criação de escolas menores, promulgada anteriormente, com a
pequena diferença de quatro dias, sustentou a sua ação política, na tributação
financeira
1
.
No ano seguinte, em 1773, três outras regulamentações, o alvará de 15 de fevereiro, as
Instruções de 4 de setembro, e o diploma de 16 de dezembro clarificaram a importância
do imposto para o desenvolvimento da instrução pública, permitindo avaliar a extensão
da rede escolar. Desse modo, sublinhamos que a ordenação legislativa colocou na
questão fiscal, na distribuição financeira do tributo, a essência do projeto reformista do
sistema de ensino, que pretendeu, em primeiro lugar, promover o desenvolvimento da
instrução pública, e em particular, a aprendizagem das primeiras letras sob a tutela do
Estado. Face a estas ações colocam-se-nos duas questões: A reestruturação do sistema
de ensino conduziu a uma política de promoção da aprendizagem elementar? Estamos
perante a proposta de generalização do sistema de ensino elementar?
Reconhecemos que a intenção do Marquês de Pombal foi o desenvolvimento da ilustração
e da civilização, promovendo através da formação, em todos os níveis de ensino, a
disseminação das ideias das luzes, valorizando os saberes e a preparação técnica e
científica, contribuindo desse modo para a modernização de um Estado forte tendo em
consideração os seus interesses políticos, económicos e sociais, os benefícios e a utilidade
do Reino. Reconhecemos igualmente que a sua ação se orientou para o progresso
político, favorecendo uma elite social que se revelou empenhada e dedicada no
crescimento económico do Estado centralizado. Assim sendo, e apesar do passo
significativo no sentido de promover a formação elementar, temos que admitir que o
projeto reformista do ensino das primeiras letras não conseguiu estimular e fomentar o
1
A Carta de Lei de 6 de novembro de 1772, determinou a organização administrativa dos estabelecimentos
escolares, por forma a permitir que todos pudessem aprender, e reorganizou, modernizando, os planos
curriculares de estudos. Definiu igualmente as regras de concurso para a prática docente, as funções a
exercer, e estatuiu os meios de “subsistência” a atribuir aos “mestres e professores “de modo a assegurar
e a preservar o sistema de ensino em todo o Reino e nas províncias.
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alargamento da rede escolar, popularizando a instrução. Todavia, sublinhamos,
relembrando a importância da disposição jurídica que determinou a criação do imposto
do subsídio literário como instrumento financeiro fundamental para a promoção da
aprendizagem.
Prosseguindo uma ação política de continuidade, no que à instrução e educação diz
respeito, o reinado de D. Maria I, ainda que se possa discutir a opção régia de favorecer
de novo a Igreja entregando às Ursulinas a direção da formação escolar, apostou na
criação do ensino feminino gratuito, no estabelecimento de aulas especializadas em áreas
cientificas e técnicas - matemática, línguas estrangeiras (francês e inglês) filosofia
racional e moral, comércio e agricultura- nomeadamente na cidade do Porto, e apoiou
igualmente a formação qualificada no sector dos lanifícios. Estas medidas revelaram-se
essenciais ao incentivo e ao desenvolvimento continuado da educação e da instrução
2
.
Importa ainda sublinhar a distinção legislativa concedida aos mais desfavorecidos e à
instrução feminina.
Começamos pelos diplomas de 24 e 31 de outubro de 1814. O primeiro providenciou
medidas de proteção e benefícios às crianças órfãs e desvalidas, o segundo concedeu a
três requerentes. Margarida de Jesus, Teresa Rosa de Jesus e Maria Procópia, autorização
para continuarem a exercer atividade letiva “nas casas das suas atuais residências “a
formação a 20 meninas -em cada casa- promovendo a educação moral e a instrução
elementar “ler, escrever, contar,” às quais se acrescentaram outras competências
consideradas essenciais “costurar e fazer vestidos na forma que se oferecem,“ recebendo
cada mestra uma gratificação de 6.000 réis mensais, “pagos pelo subsídio literário”,
ficando, a atividade docente subordinada à fiscalização da Junta da Diretoria Geral dos
Estudos (RDHE, Legislação, 1814: 334). O Edital de 15 de maio de 1815, em
conformidade com a anterior resolução gia de 31 de outubro de 1814, confirmou a
determinação de estabelecimento de 18 escolas para meninas na cidade de Lisboa
promovendo a instrução de saberes elementares, valores morais de “doutrina cristã” e a
aprendizagem de lavores” fiar, fazer meia, cozer, bordar e cortar,” (Legislação Régia,
1815: 57).
Face a estas ões políticas constatamos continuidade nas propostas públicas de
educação e instrução, evidenciando, claramente, três perspetivas de atuação: a
preocupação cultural, a intervenção social e igualmente a abordagem económico-
financeira, convergindo todas para um único propósito: desenvolvimento do sistema de
instrução promovendo a utilidade dos saberes escolares, científicos e cnicos colocando-
os ao serviço do Reino. Benefício, naturalmente, sustentado na lei fiscal “subsidio
literário”.
2
O alvará de 31 de julho de 1788 concedeu privilégios e isenções por um período de dez anos à fábrica de
lanifícios e tinturaria da Vila de Covilhã e à Escola de fiação em Celorico da Beira considerando a sua
“utilidade”. Os diplomas de 24 e 31 de outubro de 1814 evidenciaram preocupação pelo desenvolvimento
da instrução. O primeiro providenciou medidas de proteção e benefícios às crianças órfãos e desvalidas e o
segundo concedeu a Margarida de Jesus, Teresa Rosa de Jesus e Maria Procópia autorização para
continuarem a exercer atividade letiva “nas casas das suas atuais residências “a formação a 20 meninas
(em cada uma) recebendo uma gratificação de 6.000 réis mensais, “pagos pelo subsídio literário”
(Repositório Digital da História da Educação, Legislação, Resolução Régia 31-10-1814: 334). O Edital de 15
de maio de 1815 determinou o estabelecimento de 18 escolas para meninas na cidade de Lisboa com o
intuito de “ensinar, doutrina cristã, ler, escrever, contar, fiar, fazer meia, cozer, bordar e cortar” (Legislação
Régia, Edital, 15-5-1815: 57).
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Um outro olhar sobre a Instrução e a Educação no período liberal
Se pode aperceber-se um outro olhar no período liberal sobre a instrução e a educação,
o desígnio mantém-se: o progresso da Nação. A sociedade portuguesa a partir de 1820
promove e incentiva a formação escolar de todos os cidadãos como forma de sustentar
o seu desenvolvimento.
A reforma do sistema ensino, nos diferentes níveis de aprendizagem, revelou-se
essencial, sublinhando e evidenciando as principais áreas de intervenção. A coroar a
pirâmide de aperfeiçoamento escolar a premente necessidade de promover o ensino das
primeiras letras, permitindo à mocidade a aprendizagem dos saberes elementares, a
educação moral, a instrução dos ideais liberais, necessários à exigente participação
cívica, o esquecendo a inclusão nos planos de formação das atividades de educação
física, indispensáveis ao salutar desenvolvimento físico de crianças e jovens. A par, a
modernização dos planos curriculares de formação de nível secundário e superior,
introduzindo novas áreas científicas de cariz académico, como também de nível técnico
especializado, promovendo desse modo o enriquecimento sociocultural e o
desenvolvimento de competências profissionais. Destacamos deste contexto o debate
parlamentar dedicado à introdução do estudo da economia política e de novas disciplinas
na área do direito.
Num segundo patamar e para responder às necessidades de investimento na instrução
das primeiras letras, as preocupações sociais reuniram-se nas seguintes prioridades:
estabelecimento de instituições de ensino básico, possibilitando o alargamento da
rede escolar;
diversificação de metodologias de ensino, adoção de material didático atualizado e
adequado aos diversos níveis de ensino e idades escolares;
modernização ou edificação de espaços escolares destinados à prática do ensino-
aprendizagem, incluindo projetos para a fundação e dotação de bibliotecas
despertando o gosto pela aprendizagem e pela leitura;
verificação de competências pedagógicas e administrativas pelos órgãos de gestão
sob a tutela do ministério do Reino a Junta da Diretoria- Geral dos Estudos, o
Conselho Superior de Instrução blica e a Direção Geral da Instrução Pública e
consequentemente o debate sobre a necessidade da formação pedagógica de
professores que se revelou de grande importância para a melhoria do sistema.
Seguiram-se os temas de organização administrativa que convocaram o envolvimento
de outras entidades responsáveis pela gestão política e territorial, suscitando e
convocando, mais frequentemente, a intervenção do poder municipal quer na
responsabilidade da administração escolar regional, quer na supervisão pedagógica.
Começamos por destacar os concursos de admissão de professores à carreira docente,
os procedimentos para provimento das disciplinas, que permitiam a regularização da
carreira profissional. A estes assuntos somaram-se a inspeção pedagógica, referida,
permitindo assegurar boas práticas académicas e didáticas, e por último, a questão que
se revelou ser a mais importante: a atribuição da remuneração devida aos professores e
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auxiliares. As dificuldades de remunerar atempadamente os professores em atividade ou
jubilados, representaram um número muito significativo de petições que deram entrada
nas Cortes durante o séc. XIX, identificando-o como um verdadeiro problema de natureza
política e social.
As representações recorrentes e persistentes, em nome individual e coletivo, incidiram
principalmente sobre as dificuldades financeiras que os professores e as suas famílias
atravessavam. O principal fundamento das petições recaiu sobre o atraso no pagamento
das remunerações. A este argumento adicionou-se outra fundamentação que denunciou
a irregular e controversa gestão da arrecadação e distribuição das verbas resultantes do
imposto do subsídio literário que foi por vezes desviado para atender a outras
necessidades da ilustração nacional.
A ação pombalina de apoio à instrução pública foi referenciada com agrado pela maioria
dos representantes da Nação ainda que a administração e utilização dos fundos
financeiros tenha sido objeto de comentários e opiniões parlamentares depreciativas.
Ainda assim não podemos esquecer que a criação e a manutenção do subsídio literário
contribuíram de forma relevante para o incentivo à formação de nível elementar. A
receita proveniente dessa taxa permitiu dar resposta a evidentes carências do sistema
educativo, para além de ter contribuído para uma melhor definição das orientações
estratégicas tendo em vista o desenvolvimento de todos os níveis de ensino.
Estes temas foram debatidos e analisados diligentemente nas sessões das Cortes,
participando amiudamente na discussão os responsáveis políticos pelas pastas do Reino
e da Fazenda. Nenhuma petição ficou por ler na Câmara dos representantes, todas foram
depois de apresentadas, cuidadosamente encaminhadas para uma segunda leitura, para
uma apreciação mais detalhada nas distintas comissões parlamentares ou seguiram para
outros serviços ministeriais. A preocupação e a urgência política em dar respostas às
súplicas assim o exigiam. A celeridade que se impôs em atender a todos pedidos
sobrepôs-se a uma outra necessidade: o cuidado social e a atenção que todas as
solicitações mereciam. Assim a ação política procurou encontrar respostas adequadas
aos requerimentos tendo também em atenção as possibilidades financeiras da Nação. Foi
um trabalho espinhoso, mas foi igualmente, reconhecemos, um período intenso e
estimulante de debate político-social.
As petições enviadas às Cortes revelaram diferentes perspetivas, misturando
sentimentos distintos que oscilaram entre o entusiasmo da participação vica,
consagrada na Constituição, o estímulo social em atender às necessidades de reforma
contribuindo para a modernização cultural e a constatação das debilidades económico-
financeiras que o País atravessou
3
. A maior dificuldade política foi a impossibilidade de
3
É interessante recordar que os textos constitucionais promulgados em 1822, 1826 e 1838 e as reformas
administrativas que o País foi adotando ao longo do séc. XIX. A consagração dos direitos e deveres
individuais do cidadão assegurando a todos o direito à instrução a atribuição de competências específicas
aos poderes municipais foi sendo ajustada ao momento político. Sob a bandeira da descentralização do
poder político a centralização política exercida pelo executivo reestruturou o mapa administrativo e
consequentemente as suas competências. Sublinhamos na perspetiva mais liberal o artigo 223ª da
Constituição de 1822 (titulo VI Do Governo Administrativo e Economico, capítulo II- Das Câmaras)
entregou aos Concelhos a obrigação de “Cuidar das escolas de primeiras letras, e de outros
estabelecimentos de educação que forem pagos pelos rendimentos públicos, e bem assim dos hospitais,
casas de expostos, e outros estabelecimentos de beneficência, com as exceções e pela forma que as leis
determinarem” (Assembleia da República, Constituições Portuguesas, 1992: 93). os textos
constitucionais de 1826 e 1838 remeteram essas prerrogativas para a lei regulamentar garantindo o direito
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dar resposta aos problemas recorrentes de natureza económica e financeira que
afetavam persistentemente os profissionais da educação. As dificuldades do executivo
em resolver os atrasos no pagamento das remunerações devidas aos professores,
particularmente aos mestres de primeiras letras, apesar da cobrança do imposto do
subsídio literário ser a principal fonte de receita para o desenvolvimento da instrução
pública elementar, foi então um dos principais temas do debate político, a par da reforma
do sistema de ensino que foi insistentemente reivindicada.
As justas reclamações da aplicação do Subsídio Literário
Conforme já referimos foram muitas as petições que deram entrada nas Cortes ao longo
do séc. XIX solicitando a aplicação da contribuição fiscal do subsídio literário na instrução
pública. O primeiro requerimento foi apresentado no parlamento em 14 de abril de 1821.
Tratou-se de uma carta de felicitação dirigida pelo Município de Torres Novas aos
representantes da Nação. À mensagem de congratulação pelo sucesso político
revolucionário, seguiram-se as solicitações de intervenção tendo em vista a regularização
da instrução primária e secundária na comarca. A falta de provimentos das disciplinas de
ensino primário e secundário revelou-se incompreensível para os munícipes face ao
cumprimento regular dos seus impostos.
Os habitantes da sobredita Vila não podem ser espectadores indiferentes de
semelhante falta, quando recordam a considerável colecta que lhe importa
sobre seus vinhos, e que persolvem todos os anos, cuja colecta por isso que
destinada pela lei da sua criação á sustentação dos Mestres, e Professores de
semelhantes cacholas, não transcende com tudo na sua aplicação aquela Vila
em proporção do seu computo.” (DP-MCCGE, sessão 58, 14/04/1821:
578).
O município de Torres Novas determinado a implementar a instrução primária enviou às
Cortes nova súplica em 24 de abril do mesmo ano. Apesar do despacho da Junta da
Diretoria Geral dos Estudos ratificar a pretensão da comarca, a decisão política recaiu
sobre a Comissão da Fazenda. Cremos, no entanto, que a deliberação terá satisfeito os
interesses do município, considerando o teor de outros requerimentos apresentados que
evocaram como exemplo o sucesso da comarca de Torres Novas nas suas solicitações.
à instrução primária gratuita (Carta Constitucional, título VIII “Das Disposições Gerais e Garantias dos
Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Portugueses” - artigo 145º, §30; Constituição de 1838, Título III-
“Dos direitos e garantais dos Portugueses, artigos 28º e 29º). Das reformas administrativas destacamos: a
Carta de lei de 20 de julho de 1822 publicada em 1 de agosto do mesmo ano. O decreto de 16 de maio de
1832 precedido do extenso relatório sobre os poderes da administração pública, da justiça e da fazenda
destacou as medidas da “organização e administração da Fazenda”, segundo o modelo napoleónico. O do
Código administrativo de 1836 que reestruturou o novo mapa de administração concelhia. As alterações
sob o governo de António Bernardo da Costa Cabral digo Administrativo de 1842-. Na segunda metade
do séc. XIX as reorganizações administrativas e territoriais que foram promulgadas em 1867, 1870, 1878,
1886 e 1895-1896 revelaram a principal preocupação do Estado liberal, a redefinição política do mapa dos
poderes autárquicos, a supressão dos concelhos, a duração dos mandatos e as competências atribuídas aos
órgãos e aos membros nomeados.
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Situação semelhante repetiu-se, uns anos mais tarde, nas sessões de 23 e 27 de janeiro
de 1835, tendo vários municípios da Província do Minho reclamado a aplicação dos fundos
tributários no desenvolvimento da instrução pública na região.
Recordamos igualmente no mesmo ano parlamentar duas intervenções do deputado José
Ferreira de Castro. A primeira proferida em 14 de março sublinhando o cumprimento
legislativo que instituiu o liceu de Lisboa (Decreto de 17 de novembro de 1836) para em
seguida chamar a atenção para a relevância da cobrança fiscal do subsídio literário,
essencial à promoção da instrução pública sugerindo rigorosa utilização das verbas no
incentivo à formação. Na segunda requereu a aprovação de “algumas pequenas, e
provisorias medidas” (DP- MCCDN, sessão 54, 28/03/1835: 696) que permitissem
fundar escolas de instrução primária nas freguesias rurais e criar nas cabeças de comarca
cadeiras de formação complementar lógica, metafísica, filosofia e ética- com o intuito
de desenvolver a educação da mocidade, fundamentando a materialização das propostas
na boa administração do subsídio literário.
Em 1837 os seis requerimentos relativos à instrução primária reivindicaram o pagamento
atempado dos professores e referiram-se aos diversos procedimentos de utilização do
subsídio literário em localidades distintas, sublinhando arbitrariedades na sua aplicação.
Aliás, o deputado Barão da Ribeira de Sabrosa na sessão de 13 de março apontou essas
mesmas discricionariedades. Tenhamos em consideração a sua afirmação:
Na vila de Canelas, tria do mui nobre amigo, o Sr. Deputado João de
Lacerda, pagam-se setecentos mil réis de subsídio literário, mas nunca ali
houve um mestre de primeiras letras, nem hoje o há ainda: pelo contrário,
na Beira Baixa, vilas que não pagam mais de 20$000 réis de subsídio literário,
tiveram sempre mestres de primeiras letras. O pior é que estes mesmos
poucos professores, que existem, andam sempre mal pagos. Eu creio que o
Sr. Passos já mandou pagar a alguns destes desgraçados; mas é certo que o
mestre de primeiras letras da minha própria aldeia, não havia recebido, ainda
pouco, um vintém, depois que se restabelecera o Governo da Rainha.
(DP-MCCGE, sessão nº 43, 13/03/1837: 16).
Circunstâncias análogas foram evidenciadas em 1839 e em 1840. As solicitações
coletivas dos professores primários dos concelhos de Torres Novas, S. Pedro do Sul,
Alcobaça, Alpedrinha, Évora, Aveiro e Porto Santo reivindicaram os pagamentos das suas
remunerações. O argumento comum apresentado para o pagamento dos seus
vencimentos sustentou-se no rendimento do subsídio literário, rejeitando as alterações
administrativas aprovadas em 1836, que colocavam maior pressão financeira nos
municípios.
4
4
Sobre a reforma territorial e administrativa os seus reflexos nas estruturas e procedimentos político-
financeiros, destacamos as seguintes referencias: SÁ, Victor de A reforma administrativa liberal que
precedeu a de Mouzinho da Silveira. Revista da Faculdade de Letras. 2 (1985), p. 202. Sublinhamos
outros estudos sobre a administração local e regional. Destacamos a obra coordenada pelos Professores
Monteiro, Nuno Gonçalo; Oliveira, César História dos municípios e do poder local: dos finais da Idade
Média à União Europeia. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996, de Silveira, Luís Espinha da Território e poder:
nas origens do Estado contemporâneo em Portugal. Cascais: Patrimonia Histórica, 1997, de Manique,
António Pedro Mouzinho da Silveira, liberalismo e administração pública. Lisboa: Livros Horizonte, 1989,
e ao artigo Liberalismo e Finanças Municipais da Extinção das Sisas à Proliferação dos Tributos concelhios,
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O representante da Nação Alberto Carlos Cerqueira de Faria juntou a sua voz aos
protestos defendendo a preservação do imposto admitindo, no entanto, que as
importâncias arrecadadas se revelavam insuficientes para o desenvolvimento da
instrução. Opinião controversa. Muitos outros deputados consideraram suficientes as
verbas recebidas para a sustentação da instrução no Reino estendendo a sua ação política
e administrativa às províncias ultramarinas
5
.
Sublinhamos ainda um outro caso. O do município da Ilha do Porto Santo que decidiu
aplicar os proveitos fiscais no pagamento dos vencimentos aos professores, no aluguer
do edifício escolar e também na aquisição de material didático. Foi sem dúvida um
exemplo ímpar, revelando uma administração escrupulosa da tributação fiscal.
Em 1842 registamos um pedido de informação sobre os rendimentos do imposto do
subsídio literário referentes aos distritos de Lisboa, Santarém e Leiria nos dois últimos
anos. Foi uma solicitação invulgar? Não. O pedido foi apresentado pelo deputado
Bartolomeu dos Mártires Dias e Sousa na sessão de 24 de agosto. Foi sua intenção obter
conhecimento pormenorizado das movimentações da barra de Lisboa em particular a
quantidade do vinho exportado
6
. Foram, portanto, razões de natureza económica que
motivaram o seu requerimento. Contudo, porque o valor das exportações influenciava os
assuntos da instrução e da educação e ainda porque em 1841 tinham sido aprovadas
Penélope, Fazer e Desfazer História, nº3 junho 1989, de Fernandes, Paulo Jorge Azevedo As faces de
Proteu-elites urbanas e o poder municipal de finais do século XVIII a 1851. Lisboa: Câmara Municipal, 1999,
de Catroga, Fernando Natureza e História na fundamentação do municipalismo da Revolução Liberal ao
Estado Novo (uma síntese). In Silva A, Francisco Ribeiro da... [et.al.], org. Estudos em homenagem a
Luís António de Oliveira Ramos. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004 e A república
una e indivisível: no princípio era a província. Revista de História das Ideias. Coimbra. V. 27 (2006), de
Silva, Carlos Manique da, Da vontade unificadora do Estado à adaptação da escola às realidades locais: o
papel dos governadores civis e dos comissários de estudos (anos de 1840-1860) Revista da Faculdade de
Letras, História, Porto, III série, vol. 10, 2009, pp 151-160, de Tomás, Ana; Valério, Nuno Autarquias
locais e divisões administrativas em Portugal 1836-2013. Lisboa: Instituto Superior de Economia e Gestão
da Universidade de Lisboa, 2019 e ainda a referência ao artigo de Langhans, Franz Paul de Almeida
Organização administrativa e local. In Serrão, Joel, dir. Dicionário de História Portugal. Porto: Livraria
Figueirinhas, 1984. vol. IV.
5
A disposição legislativa publicada em 24 de julho de 1851 pelo Ministério da Marinha reconheceu a
importância financeira da tributação do subsídio literário em todas as ilhas da província de Cabo Verde,
assinalando o seu contributo para o desenvolvimento da educação na província ultramarina. A este propósito
apontamos também o decreto de 1 de setembro de 1881 no qual se promulgou a manutenção de cobrança
do imposto no Estado da Índia.
6
Os estudos do Professor Fernando de Sousa sobre a Real Companhia Velha permitem-nos um novo olhar
sobre a empresa e as suas relações comerciais. Em o Arquivo Real da Companhia Velha, revela a
complexidade da cobrança de impostos na região norte. No artigo conjunto -Fernando de Sousa, Francisco
Vieira e Joana Dias - A cobrança de impostos régios pela Companhia Geral da Agricultura e das Vinhas do
Alto Douro (1872-1832) -nos conhecer alguns dados sobre a relevância dos impostos, o montante de
arrecadação e o seu efeito na estrutura do Estado. Sobre o imposto do subsídio literário Companhia
arrecadava em “produção e comercialização” cerca de “315 reis em pipa de vinho maduro (…) 120 réis em
pipa de vinho verde, (…) 210 réis em exportação para o Ultramar; 105 reis em pipa de vinho para o Brasil”
importâncias que foram sendo reduzidas a partir de 1825. Seguem-se ainda discriminados os montantes
do rendimento do imposto na região Norte no “Porto seu termo e concelhos” pela Companhia e por
particulares, registando-se no ano em análise,1802, a importância total de 25.710$206. Na obra A real
Companhia Velha. Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro(2006) num dos seus capítulos
A Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, Empresa Majestática (1756-1834) ( Fernando
de Sousa, Diogo Ferreira, Francisco Vieira e Ricardo Rocha) dão continuidade à analise dos dados
financeiros confirmando a importância dos impostos subsídio literário e militar - como “responsáveis por
em todos os anos por mais de 62% do montante global” (229) assinalando a duplicação das receitas entre
1802e 1814. Informação mais pormenorizada sobre a cobrança dos impostos diretos e indiretos a partir da
década de 1830 do século XIX encontra-se nos documentos dos orçamentos de estado, em consulta livre
em repositório da Secretaria geral do ministério das finanças.
http://purl.sgmf.pt/repositorio/orcamentos/index.html
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duas disposições jurídicas sobre a arrematação do imposto nos distritos do continente
23 outubro e 2 de novembro- tivemos em consideração os documentos relativos ao
orçamento de Estado previsto para o ano económico 1839-1840. Assim, nesse sentido,
e para melhor interpretação, analisámos às seguintes rúbricas: rendimentos e encargos
do Estado e outros documentos específicos. A partir de documentos relativos ao
Ministério do Reino foi possível apreciar o estado da educação tendo como ponto de
partida a solicitação do parlamentar eleito pelo círculo da Madeira
7
. Aproveitamos
também para sublinhar a opinião do deputado Alberto Carlos Cerqueira de Faria,
apresentada anteriormente, defendendo que os rendimentos do subsídio literário eram
insuficientes para atender às necessidades da instrução pública.
Atentemos aos documentos apresentados nas Cortes relativos às contas públicas para o
exercício do ano económico de 1839-1840. Começamos pelo relatório do titular da pasta
chamando a atenção para as dificuldades do Estado, tendo em conta as dívidas e
encargos dos ministérios. A questão da dívida pública, problema maior e de resolução
complexa, foi retratado nos diversos mapas que foram entregues na Assembleia para
devida análise. Para um deficit estimado em 1.413.896$137 a dívida ativa atingiu o
montante de 2.588.171$219 apesar de apontarem medidas para a sua atenuação. Assim
após serem “atendidas a alteração” foi necessário levar a cabo um complexo trabalho
financeiro.
Relativamente ao rendimento direto do “subsídio literário” estimou-se a sua cobrança em
120.61$828. O aumento de imposto estava contemplado no relatório do responsável pela
pasta da Fazenda, assim sendo a lei determinou um aumento em 600 reis por cada pipa
de vinte seis almudes sem distinção do tipo de vinho, nos impostos que se cobravam na
alfândega das Sete Casas, estimando-se um rendimento de 200.000$000, o que elevou
a receita total em 320.616$828. Se tivermos em consideração a proposta orçamental
para a rúbrica da Instrução Pública primária e secundária o valor estimado foi de
209.871$254, menos 55.183$334 que no ano anterior. No entanto, a estimativa em 31
de julho de 1840 calculou os encargos na ordem dos 266.048$561, valor muito superior
ao apresentado. É também interessante e relevante observarmos os seguintes mapas:
recurso do Estado em 30 de junho de 1839, a tabela dos impostos cobrados em 1837-
7
Chamamos a atenção para as disposições legislativas que solicitaram informações detalhadas sobre os
rendimentos do imposto do subsídio literário. A Portaria de 18 de novembro de 1837 requereu discriminação
sobre a arrecadação fiscal nos anos de 1834,1835 e 1836 em todo o Reino, situação idêntica foi publicada
em 28 de junho de 1851, reclamando a apreciação para o biénio de julho de 1851 a junho de 1853. As leis
de 20 de maio, 29 de agosto, 16 e 10 de outubro, 11 de novembro de 1837 solicitou dados sobre a cobrança
nos concelhos de Guarda, Santarém, Coimbra, Vila Real, Lisboa e Aveiro; os despachos de 15 março e 7
junho de 1838 defiram procedimentos de cobrança do imposto em todo o Reino. Em 12 de Julho do mesmo
ano foi publicada tabela de arrematação do rendimento para o período de 1 de julho de 1838 até 30 de
junho de 1842. Seguiram-se projetos-lei promulgados no mesmo ano e referentes ao distrito de Leiria. A
portaria de 12 de julho de 1839 solicitou as certidões de remessa do imposto relativo ao distrito de Coimbra.
As duas portarias em 22 de outubro e 2 de novembro de 1841 definiram os procedimentos de cobrança no
Reino. Solicitações requeridas igualmente em 10 de dezembro de 1844, 12 janeiro e 18 de março de 1850
e em 24 de dezembro de 1852. Em 19 de Fevereiro de 1853 foi adicionada nova condição ao processo de
arrematação para o distrito de Aveiro em cumprimento com o Regulamento de e a Lei de 15 de abril de
1857extinguindo o imposto no Continente e substituindo-o pela taxa fiscal da contribuição predial,
mantendo-se a sua cobrança nas ilhas. A portaria determinou ainda que o rendimento médio dos últimos
10 anos económicos- 1846-1856 fixado em 115.904$780 era colocado diretamente na receita total da
contribuição predial, sendo posteriormente repartida pelos distritos administrativos. Mais fez saber que a
importância cobrada no ano de 1857 1.328:752$000 era distribuída pelos 17 distrito, segundo a
reordenação administrativa e territorial- 24 de outubro de 1855- e em cumprimento com as condições
estipuladas em 17 de julho de 1855 pondo em prática princípios de equidade fiscal.
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1838 e em 1838-1839 em todos os distritos administrativos e, por último a demonstração
por distritos, para que possamos melhor compreender a solicitação do deputado.
No primeiro documento registamos as importâncias apuradas por cobrar no Continente -
193.743$783- e no distrito do Funchal 10.45$462 - relativas ao subsídio literário, no
segundo discriminamos em três colunas: a regularização da cobrança na sua totalidade
nos anos económicos de 1837-1838 e 1838-1839, os valores em falta relativamente aos
impostos diretos, onde se inclui o rendimento do mencionado imposto e o valor total das
cobranças em falta rendimentos próprios, impostos diretos e indiretos, diversos
rendimentos e relaxado ao contencioso -, referindo-nos somente às três regiões
apontadas na solicitação do deputado Dias e Sousa. Apesar de reconhecermos o esforço
político empreendido pelo Estado os valores totais em cobrança em 30 de junho de 1839
eram ainda muito significativos.
Quadro 1 - Tabela da Contadoria da Fazenda relativa à cobrança e arrecadação do imposto do
subsídio literário
Distritos
Contadoria da Fazenda
Valores totais cobrados nos
anos económicos 1837-38 e
1838-39
Impostos diretos
Valores totais
em cobrança
Leiria
85.414$318
24.071$081
54.318$216
Lisboa
404.233$435
851.997$928
567.748$926
Santarém
95.293$213
102.139$815
55.518$411
Fonte: Ministério das Finanças, Secretaria Geral - Repositório, Orçamentos de Estado 1839
No que diz respeito ao “subsídio literário” podemos confirmar a partir da mesma tabela
que a regularização do pagamento do imposto no ano económico de 1837-1838 elevou-
se em 56.492$973 e no ano seguinte em 53.215$178. Poderemos considerar auspiciosa
em especial para a instrução a recuperação económica empreendida pelo Governo? Para
o Estado sim. Não temos dúvidas. Para o sector da educação, designadamente para o
corpo docente, o estamos em crer. A interpretação imediata permite-nos constatar e
compreender, a perseverante estratégia política do executivo, no sentido de tentar
equilibrar os rendimentos e as despesas do Estado, procurando atenuar as fragilidades
económico-financeiras. Mas, por outro não podemos deixar de confirmar as profundas
dificuldades económicas e sociais dos professores exemplarmente retratadas nas
petições entregues nas Cortes.
Apesar dos dados pormenorizados nos documentos referentes ao Ministério do Reino, a
ausência da indicação do mero de professores afetos a cada região administrativa e
respetivas remunerações, não nos permitiram elaborar um mapa da rede escolar. Assim
sendo, entendemos ser conveniente recuar e avançar um ano económico para que seja
possível construir o mapa da rede escolar. Constatámos que o corpo docente nomeado
em 1838 era precisamente o mesmo em 1840 no que diz respeito ao nível de ensino
elementar nos distritos de Leiria, Lisboa e Santarém. No caso da instrução secundária,
registamos pontual diminuição na região de Lisboa, mantendo-se nas outras duas regiões
o mesmo número de contratações.
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Quadro 2 - Mapa da Rede escolar para os distritos de Leiria, Lisboa e Santarém nos anos de 1838
e 1840
Instrução primária
Instrução Secundária
1838
1840
1838
1840
38 Professores
1 Mestra
1 Prof. ensino
mútuo + 1 Ajudante
38 Professores
1 Mestra
1 Prof. ensino
mútuo e 1
Ajudante
5 Prof. Latim
1 Prof. Retórica
1 Prof. Lógica
5 Prof. Latim
1 Prof. Retórica
1 Prof. Lógica
117 Professores
18 Mestras
1 Prof. ensino
mútuo + 1 Ajudante
(Lisboa)
1 Prof. ensino
mútuo (Belém
Casa Pia)
117 Professores
18 Mestras
1 Prof. ensino
mútuo + 1
Ajudante
(Lisboa)
1 Prof. ensino
mútuo (Belém
Casa Pia)
1 Prof. Língua
Árabe
3 Prof. Filosofia
6 Prof. Latim
3 Prof. Grego
2 Prof. Retórica
3 Prof. substitutos
1 Prof. Língua
Árabe
1 Prof. História
Natural
6 Prof. Latim
3 Prof. Grego
2 Prof. Retórica
1 Prof. substituto
44 Professores
1 Mestra
1 Prof. ensino
mútuo + 1 Ajudante
44 Professores
1 Mestra
1 Prof. de ensino
mútuo + 1
Ajudante
7 Prof. Latim
1 Prof. Retórica
1 Prof. Lógica
7 Prof. Latim
1 Prof. Retórica
1 Prof. Lógica
Fonte: Ministério das Finanças, Secretaria Geral - Repositório, Orçamentos de Estado de 1838 e
1840
Da observação do mapa da rede podemos concluir que, os dados relativos a 1839 não
devem diferir muitos dos que se apresentaram para 1838 e 1840.
Entendemos igualmente importante analisar o orçamento de estado para o ano
económico de 1840-1841, procurando encontrar mais evidências que permitam
comprovar melhorias na administração das contas públicas e na gestão escolar. O
rendimento direto da cobrança do “subsídio literário” para o referido ano económico
estimou-se em 114.809$000, proveniente da alfândega das Sete Casas, refletindo uma
diminuição face ao ano anterior em cerca de 56$000. A arrecadação por distrito
apresentou as seguintes importâncias: Leiria 4.640$000; Lisboa 16.787$000 e
Santarém 10.330$000.
O orçamento de Estado para a instrução primária e secundária estimou-se em
209.871$254, menos 1.413$346 que no ano anterior. Se tivermos em consideração o
valor total da taxa fiscal (114.809$000) e a proposta orçamental para os assuntos do
ensino elementar e complementar (209.871$254) apercebemo-nos claramente da
insuficiência de meios financeiros para fazer face a todas as despesas com a educação.
8
Se tivermos em consideração o rendimento da taxa fiscal e a proposta orçamental para
o ano económico de 1840-1841, compreendemos o desafio que o governo enfrentou.
8
Considerámos interessante aqui apontar a intervenção do deputado João Baptista da Silva Leitão de Almeida
Garrett na sessão de 9 de julho de 1841 no decorrer da discussão do projeto, apresentado pelo governo
para o lançamento da décima. O parlamentar chamou a atenção para as propostas de aumento do imposto
“subsídio literário”, que tinham por objetivo de colmatar as diferenças financeiras na instrução,
proporcionando desse modo o seu necessário desenvolvimento, recusando aceitá-las manifestando-se
contra as iniciativas que promoviam o aumento de impostos.
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Quadro 3 - Registo dos rendimentos do imposto do subsídio literário pela Alfandega das Sete Casas
e orçamento para a instrução pública primária e secundária
Distrito
Imposto “Subsídio Literário”
Orçamento
Leiria
4.640$000
5.456$666
Lisboa
16.787$000
22.400$000
Santarém
10.330$000
6.456$666
Fonte: Ministério das Finanças, Secretaria Geral - Repositório, Orçamentos de Estado de 1840
Os valores evidenciados nos distritos de Leiria e Lisboa revelaram óbvias dificuldades no
que diz respeito à sustentação financeira do corpo docente. Ainda que tenhamos que ter
em conta que a informação detalhada sobre o número de professores por disciplinas nem
sempre tenha correspondido á sua efetiva colocação, relembramos as repetidas petições
que reclamavam a nomeação de docentes. É também interessante realçar que a
aquisição de materiais didáticos e a renovação dos espaços escolares não se encontrava
contemplada no orçamento, criando desse modo uma interpretação imprecisa das
despesas com a instrução. Todavia, não podemos deixar de sublinhar o esforço dos
poderes blicos Câmara dos Representantes e Governo- no incentivo à formação de
crianças e jovens, ainda que o retrato da rede escolar não evidencie essa atuação, no
quadro que apresentámos relativo aos distritos de Leiria e Lisboa. O principal motivo
impeditivo de uma ação mais robusta, e reiteradamente o evocamos, encontra-se na
exigência de controle orçamental que se manifestou de forma expressiva na redução da
contratação de professores ao longo da década de 40 do século XIX.
No ano de 1849 duas representações deram entrada na Assembleia pelas mãos do
representante da Estremadura Francisco António da Fonseca. A primeira requereu a
criação de uma escola de instrução primária sob a administração da junta de paróquia
da freguesia do Carvalhal - concelho do Cadaval - tendo sido enviada a solicitação para
a comissão de instrução. A segunda petição subscrita pelos proprietários agrícolas do
mesmo concelho solicitou melhorias na agricultura vinhateira, tendo seguido o respetivo
requerimento para a comissão especial dos vinhos. A apresentação conjunta dos pedidos,
não é indicativa de uma ação política concertada tendo em conta a interpretação que
suscitam. Estamos em crer que foi uma oportuna coincidência, como muitas outras que
encontramos na leitura das atas parlamentares. No entanto, não podemos deixar de
aqui registar a sua pertinência e conveniência. Ao requerimento do concelho do Cadaval
juntar-se-ão outros da mesma região do Oeste (Aldeia Galega, Merceana, Alenquer,
Lourinhã, Óbidos, Alcoentre) e do concelho de Leiria, da zona da Península de Setúbal e
Alentejo, reclamando controle e proteção nas pautas comerciais e reconhecimento de
prémios de produção. Obviamente que não poderíamos deixar de referir que as
reivindicações da principal região de produção vinícola nacional, o Alto Douro, se refletiu
em outros assuntos de natureza económica e social, centrados também na produção
agrícola e nos encargos financeiros. Porém sublinhamos na apreciação a estas
reivindicações, a intenção do município de Leiria em requerer a aprovação de medidas
especializadas na agricultura e a “total abolição” ou diminuição da sua contribuição no
imposto do “subsídio literário”. (DP-MCCDN, sessão n.º 77, 11/04/1849: 87). O
cumprimento e a exigência dos compromissos financeiros revelavam-se cada vez mais
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pesados contribuindo sucessivamente para a debilidade económica. A resistência política,
o apego ás características da sociedade de Antigo Regime eram ainda muito marcantes,
ainda que reconheçamos a vontade política em promover a(s) reforma(s).
O parecer da comissão de instrução em relação ao requerimento de Francisco António da
Fonseca não se fez tardar. A resposta foi concordante com a fundamentação dos
moradores da freguesia alegando o pagamento do imposto em 400$000 na proporção de
a freguesia contar “mais de trezentos fogos”. Perante o argumento que fundamentou o
pedido no exemplar cumprimento fiscal a pronta deliberação da comissão foi aprovada
sem discussão parlamentar, seguindo-se a tramitação para o executivo. Procedimentos
que terão sido muito morosos, considerando nova representação da Junta de paróquia
apresentada pelo deputado Paulo Romeiro da Fonseca em 16 de março de 1857,
sublinhando na sua intervenção as “grossas colectas” efetuadas pelos munícipes tendo
em conta as características vinícolas da região, sugerindo desse modo o dever de
restituição” (DP-MCCDN, sessão n 57, 16/03/1857: 140) para apoio do
desenvolvimento da instrução primária no concelho.
Em 1849 a comissão de instrução pública não teve dúvidas em aprovar o justo pedido
dos moradores da freguesia do Carvalhal relativo à fundação de uma escola de instrução
primária. No ano seguinte o deputado Agostinho Albano apresentou uma interpelação
ao ministro da Fazenda sobre a evolução do imposto nos últimos anos face ao aumento
da produção vinícola e os respetivos arrolamentos, arrematação e fiscalização da
cobrança, revelando desproporcionalidades na produção e inventariação dos preços,
identificando irregularidades na arrecadação do imposto, em prejuízo do erário publico.
A resposta ministerial de António José de Ávila, foi breve e sucinta apontando
decisivamente para a extinção do imposto, ainda que não tenha apresentado qualquer
proposta nesse sentido.
A proposta legislativa chegou pelas os do deputado por Viseu José Isidoro Guedes,
nomeando o projeto–lei como “salvador da nossa lavoura dos vinhos” (DP-MCCDN,
sessão n88, 7/05/1850: 62). Nele regulamentou a atividade produtora e respetiva
exportação, propondo a abolição do imposto do “subsídio literário” permitindo a rescisão
dos contratos e a arrecadação dos rendimentos calculados, expressando vontade política
e ambição social na condução à alteração do sistema fiscal.
A contestação política à manutenção da contribuição fiscal do “subsídio literário” era cada
vez mais ruidosa. As inconsistências na definição da cobrança e as irregularidades na
administração dos rendimentos eram os principais focos de objeção. No entanto, não
podemos deixar de assinalar as incertezas políticas que a eliminação do imposto provocou
no debate parlamentar e na reapreciação das diferentes rúbricas das contas blicas.
Assim como também não podemos deixar de relevar a contínua importância do contributo
fiscal na promoção da instrução elementar.
O subsídio literário sob o movimento da “Regeneração”. Continuidade
ou Rutura
Os requerimentos lidos e analisados nas sessões das Cortes a partir de 1851 não
evidenciaram arbitrariedades e excessos na administração dos rendimentos do “subsídio
literário” destinados à formação elementar. Nenhuma solicitação convocou o imposto
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como motivo principal para o atraso na remuneração dos professores de instrução
primária.
A questão económica e financeira continuou a ser a principal razão que mobilizou os
professores dos diversos níveis de ensino. Os argumentos que sustentaram as
reclamações prosseguiram os mesmos desígnios: o pagamento das remunerações,
providenciando o sustento da família, e o respeito pela dignidade da carreira docente.
Seguiram-se outras exigências, mencionadas e reconhecidas anteriormente: a fundação
de escolas de instrução primária e secundária, a promoção do ensino feminino, que
sublinhamos tendo em conta a maior atenção que foi lhe foi dedicada, o restabelecimento
de cadeiras complementares, o apoio e incentivo às aprendizagens elementares para os
trabalhadores, vulgarizando o ensino noturno e a formação de adultos. Outras
convocações foram também analisadas nas Cortes, expondo outras necessidades,
apresentando outras apreciações e perspetivas sobre a instrução pública. Destacamos, a
solicitação regular de relatórios institucionais aos órgãos de administração política sobre
o sistema de ensino, sobre a fiscalização de práticas pedagógicas, sobre a avaliação de
metodologias de aprendizagem, nomeadamente sobre o método repentino, ou
português, sobre o incentivo e o apoio à produção científica de obras académicas e
materiais didáticos, e ainda sobre a organização dos procedimentos administrativos na
gestão escolar. Estes requerimentos não foram somente apresentados pela sociedade
civil, foram igualmente exigidos pelos representantes da Nação. De facto, podemos
assegurar que decorridos estes primeiros anos de experiência e afirmação liberal, a
década de 50 assomou-se na defesa e confirmação dos princípios políticos que
enformavam o movimento liberal.
Prosseguindo a afirmação ideológica e preservando os princípios de liberdade política, os
representantes da Nação continuaram solicitamente a atender a todos os requerimentos
que deram entrada na Assembleia, e a todos eles celeremente responderam. A diligência
parlamentar das décadas anteriores manter-se-ia. Assim como a decisão política, a
derradeira deliberação, permanecia nas os no governo que procurou decidir com
rapidez embora a execução tenha sido amiudadamente morosa.
As dificuldades financeiras que o País continuou a atravessar na segunda metade do séc.
XIX exigiram a maior disciplina na realização de despesas. Assim não surpreende a opção
de continuidade na atividade política, apesar da aprovação de algumas reformas.
Sublinhamos as consequências das alterações administrativas- territoriais que
prolongaram o controverso debate relevando as divisões socioeconómicas que se
manifestaram nas Cortes. Destacamos igualmente a continuidade do sistema tributário
assegurando, de certo modo, estabilidade à ação do executivo. No entanto, não podemos
deixar de realçar o estimulante debate parlamentar sobre a sua modernização conferindo
à discussão, sobretudo a partir da segunda metade do séc. XIX, um certo fascínio pela
mudança e, simultaneamente, dúvidas e interrogações que caracterizaram o cenário
político. As dificuldades de cobrança de impostos, conforme já verificamos, a
possibilidade de aumento das contribuições, dificilmente bem acolhidas, ou a extinção de
tributos obrigavam à alteração de procedimentos institucionais e administrativos, ou
seja, impeliam à reforma do Estado. E tal renovação impunha aos principais atores, a
decisão, de modernizar, de atualizar as instituições políticas com custos para o Estado.
(Freire, Lains, Miranda, 2011: 347).
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A reclamada modernização fiscal colocou, rapidamente em 1821,- Cortes Gerais e
Extraordinárias da Nação- sob análise a crítica aplicação dos rendimentos do imposto do
“subsídio literário”. Regulamentado para prover à educação de meninos e jovens
assegurando a criação dos “meios necessário para a perpétua conservação” (L.R, 1772:
642) dos mestres e professores, determinou os procedimentos administrativos de
cobrança e definiu os órgãos de jurisdição, também remunerados pela determinação
régia. Nos primeiros anos de administração fiscal os rendimentos provenientes do
subsídio literário foram efetivamente superiores pelo que foi possível providenciar as
remunerações dos professores de instrução pública -primeiras letras e menor-,
proporcionando ainda atribuição de verbas para as regulares necessidades do Colégio
dos Nobres e para o ensino superior. O desvio de verbas do “subsídio literário para
outras finalidades que não as que presidiram à sua criação foi fortemente criticado nas
primeiras assembleias legislativas Oitocentistas, reclamando-se veementemente o
imediato desenvolvimento da instrução das primeiras letras. Estas Opiniões foram sendo
proferidas de forma cada vez mais vigorosa exigindo aos governos o respeito institucional
e o cumprimento rigoroso do regulamento.
A possibilidade de extinção do imposto do subsidio literário” foi assinalada pelo ministro
da fazenda António José de Ávila na sessão de 16 de fevereiro de 1850 no decorrer da
nota de interpelação feita pelo deputado Agostinho Albano, a que já fizemos referência,
sobre a desconformidade entre os cálculos da produção vinícola e a real cobrança de
impostos expressa no Orçamento do Estado, situação que se traduziu em prejuízo
financeiro do Tesouro, face aos benefícios económicos que os arrematantes alcançavam.
A crítica parlamentar sobre as receitas do imposto deixou de se cingir à aplicação dos
rendimentos fiscais no desenvolvimento da instrução primária e secundária em
conformidade com a disposição jurídica tomando um outro rumo: a defesa da justiça
fiscal.
As irregularidades na cobrança tributária, acentuaram sistematicamente, os prejuízos
financeiros do Estado e o seu reflexo evidenciou-se explicitamente na apreciação global
das receitas públicas. Desse modo, o discurso político privilegiou e priorizou “na oratória
dos seus ministros e parlamentares, a eficiência da liquidação e arrecadação” (Mata,
2006; 70) como bandeira de combate às desigualdades sociais.
Considerando que o nosso estudo é dedicado à promoção da instrução pública e sua
concretização, direcionámos a nossa análise para uma linha diferente: a da apreciação
dos Orçamentos de Estado entre 1851-1861 nas rúbricas: -receitas impostos diretos
“subsídio literário” - e despesas com a instrução pública primária e secundária.
Ao analisarmos o quadro construído a partir dos documentos: orçamento do rendimento
e cálculo de despesas para o capítulo da instrução pública e para as bricas do ensino
primário e secundário nos diferentes anos económicos, constatamos ser impossível
satisfazer as necessidades da alfabetização e da formação complementar nas receitas do
imposto.
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Quadro 4 Tabela comparativa por anos económicos relativa a receitas e despesas com a instrução
pública na sua totalidade e por níveis de ensino
Ano Económico
Receitas
Impostos Diretos- “Subsídio
Literário”
Despesas
Instrução Pública
Despesas
Instrução Primária e
Secundária
Continente
Ilhas
1851-1852
127:695$560
5:393$378
368:257$710
198:279$900
1852-1853
127:717$900
6:221$000
387:775$710
198:169$900
1853-1854
127:376$434
7:777$469
378:516$610
203:630$300
1854-1855
123:643$000
3:289$207
408:774$090
212:922$100
1855-1856
123:643$382
2:086$382
411:914$510
215:337$200
1856-1857
123:643$382
2:086$665
425:809$145
221:361$823
1857-1858
123:643$000
3:832$635
413:826$820
237:109$640
1858-1859
-----------
3:033$507
463:123$790
241.181$775
1859-1860
-----------
2:017$378
474:142$115
250:543$600
1860-1861
-----------
609$531
527:388$220
258:045$970
1861-1862
-----------
370$826
559:949$720
270:226$095
Fonte: Ministério das Finanças, Secretaria Geral - Repositório, Orçamentos de Estado de 1851 a
1861
A leitura dos documentos permite-nos igualmente comprovar um aumento regular dos
encargos com a instrução pública na sua generalidade, ainda que as medidas de controle
orçamental discutidas nas Cortes e exigidas pelos sucessivos atores políticos tenham
estado sempre presentes na agenda política. À primeira vista, e tendo em conta o que
afirmámos, assistimos a um aumento das despesas para a Instrução Pública na ordem
dos 10%-15%, à exceção dos anos económicos de 1853-1854 e de 1857-1858, em que
verificamos uma quebra percentual aproximadamente dos mesmos valores. Se
observarmos a coluna das verbas destinadas à instrução primária e secundária a
oscilação ainda que pequena expressou uma aposta no desenvolvimento desse ensino.
Relevamos também, apesar de não se encontrar indicado no quadro, as retificações
financeiras registadas ao longo dos anos económicos elevando os montantes inicialmente
previstos para as despesas com a instrução pública em cerca de 5%. É, sem dúvida, mais
um sinal que devemos ter em atenção e que pode explicar a ação política de
desenvolvimento da instrução pública, independentemente do nível de formação.
Mas tenhamos em conta outros elementos relativos aos primeiros níveis de instrução.
Começamos pelas verbas atribuídas às escolas de formação pedagógica de Professores,
ainda que possam ser consideradas verbas residuais. A institucionalização das escolas de
formação de professores foi concretizada para o sexo masculino em 1862 e para o
sexo feminino em 1866.
9
No entanto, a indicação das quantias destinadas à formação e
9
Desde 1852 que os documentos sobre as estimativas de despesas para o ministério do Reino referente à
instrução pública primária apresentavam valores financeiros a atribuir á formação pedagógica dos
professores, ainda que a atividade tenha sido inexistente. Será apenas a partir de 1857 até 1869 e em
conformidade com o artigo 5º do regulamento de 20 de fevereiro de 1856 que a indicação das verbas para
as escolas normais sediadas em Lisboa e em Santarém correspondem à sua efetiva realização. A partir da
década de 70 do século XIX assistimos a propostas de alargamento da rede de formação de professores
(Lisboa, Porto, Coimbra, Évora e Viseu). Foi durante a governação de António Bernardo da Costa Cabral
Ministério do Reino- que se publicou O regulamento da Escola Normal Primária do Distrito de Lisboa (1845)
instituindo a formação pedagógica de professores. Todavia, a sua implementação ocorreu anos mais tarde
em 1862 em Marvila, dedicando-se a instituição à formação didática de professores para o sexo masculino.
No caso da educação feminina a escola situada no Recolhimento do Santíssimo Sacramento, no calvário
iniciou a sua atividade formal em 1866. Os estudos de Joaquim Pintassilgo e Lurdes Serrazina, A escola
Normal de Lisboa e a Formação de Professores _ arquivo, História e Memória (2009), de Joaquim Pintassilgo
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habilitação da careira docente foi continuadamente apontada desde 1852 nos orçamentos
do Estado.
Assinalamos igualmente a indicação oficial por distritos administrativos do número de
professores por níveis de instrução designados para a prática escolar, ainda que muitas
disciplinas estivessem por prover e permanecessem inativas. Poder-se novamente
considerar que se tratava de valores muito reduzidos. Sem dúvida, mas não despicientes.
Por último, apontamos a insignificante, e por vezes, inexistente atribuição de verbas para
a aquisição de material didático, para a renovação dos espaços escolares e para a dotação
de mobiliário adequado à prática de ensino
10
. A promoção de instrumentos didáticos
adequados à idade e nível de aprendizagem, a adoção de novas metodologias de ensino,
que aliassem a instrução elementar aos valores morais permitindo alfabetizar e
desenvolver competências, bem como a definição adequada dos espaços para a prática
letiva incluindo espaços específicos para a prática da atividade física, foram temas que
suscitaram atenção académica e apreciação política.
Ainda que possamos ter muitas dúvidas sobre aplicação do imposto do subsídio literário”
no desenvolvimento da instrução primária e da formação complementar pública temos
que reconhecer que os valores financeiros arrecadados durante o período da
“Regeneração” eram insuficientes para sustentar a instrução nos dois níveis de ensino. E
desse modo, melhor compreendemos os pedidos reivindicando a sua extinção.
O debate parlamentar sobre o projeto de lei proposto pelo Governo para extinguir o
“subsídio literário “teve lugar nas sessões de 21 e de 23 de março de 1857. O preâmbulo
da proposta apresentada pela Comissão da Fazenda acentuou as desiguais
contribuições”, o “excessivo” peso fiscal que recaia “sobre algumas classes de
contribuintes”, aludindo de seguida aos procedimentos administrativos “dispendiosos” e
aos benefícios dos “contratadores” reconhecendo, desse modo a injustiça social,
colocando em perigo os princípios da sociedade liberal.
11
O “subsídio literário” era
substituído pelo aumento “da contribuição predial na importância do termo medio do
produto deste imposto nos dez últimos anos de arrematação”, ou seja, o valor médio
apurado, calculado em 115:904$780 réis, entrava diretamente nas contas da
contribuição predial, sendo repartida equitativamente pelos distritos administrativos do
território continental. (DP-MCCDN, sessão nº 62, 21/03/1857: 196).
e Maria João Mogarro, Das escolas normais às escolas do magistério primário: percurso histórico das escolas
de formação de professores do ensino primário (2014) e de Nuno Martins Ferreira, A escola normal primária
de Lisboa em Benfica -1916-1930- (2018) contribuem para um melhor conhecimento da formação de
professores no seus primórdios.
10
O estímulo à leitura e ao desenvolvimento cultural, a vulgarização da instrução e da formação enformam a
sociedade Oitocentista e neste contexto a promoção das bibliotecas publicas na segunda metade do século
XIX, a partir da década de 70 assumiram um papel mobilizador que deve ser recordado. Sublinhamos os
estudos de Maria Manuela Tavares Ribeiro, (1999) Livros e Leituras no Século XIX, o artigo de Eduardo
Arriada, Gabriela Medeiros Nogueira e Mônica Maciel Vahl (2012) A sala de aula no século XIX: disciplina,
controle, organização, a tese de Doutoramento Maria de Fátima Machado Martins Pinto,(2017) Bibliotecas
Populares em Portugal: práticas e representações esboçar de uma missão (1870-193), de Carlos Manique
da Silva, (2013) Escolas , Higiene e Pedagogia: Espaços desenhados para o ensino em Portugal (1860-
1920), (2016) Práticas Pedagógico-didáticas e a sua influência na configuração do espaço escolar. A
materialidade das escolas de ensino mútuo em Portugal. À luz dos diretórios do Método (1835-1844).
11
Para uma perspetiva ideológica ver os capítulos obra de José Luis Cardoso História do Pensamento
Económico, Temas e Problemas, (2001) referentes à Ética e Economia: a dimensão moral na análise
económica; Economia e Direito: enquadramento normativo da ação económica; Mercado e Estado: papeis
e funções dos agentes económicos; Economia aberta ou fechada? A falsa opção entre livre-cambismo e
protecionismo, as referências ao período liberal.
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Atentemos ao debate. A primeira intervenção política revelando “apreensão “foi proferida
pelo deputado Francisco de Azeredo Teixeira de Aguilar, Conde de Samodães. A
argumentação distinguiu duas posições. Sustentando-se nos mesmos princípios -
“injustiça” e “desigualdade” - o deputado defendeu simultaneamente quer a sua
supressão, quer a sua manutenção. As justificações apresentadas para a manutenção do
imposto apoiavam-se na defesa dos interesses económicos dos grandes proprietários,
em particular dos agricultores vinhateiros da região do Douro, duvidando da distribuição
equitativa dos rendimentos pelos distritos administrativos que o executivo apresentava
na proposta.
12
Para o deputado a aprovação ou rejeição da proposta obrigava os
representantes da Nação a assumir uma posição que os dividia entre proteger os
interesses de natureza económica, ou amparar a sociedade, que para o Conde de
Samodães permanecia na “miséria”. O peso financeiro provocado pela falta de produção
vinícola, a dificuldade de controle do deficit, a defesa dos interesses económicos dos
proprietários e sobretudo o risco de sobrecarregar a sociedade com mais impostos
deveriam ser equacionadas pela Câmara no momento da votação. Estava dado o mote
para o debate.
Seguiu-se a intervenção do deputado eleito pelo círculo da Lousã José de Morais Pinto de
Almeida. Apesar da inicial declaração de voto a favor do projeto, a sua intervenção
acompanhou as preocupações levantadas pelo Conde de Samodães, em torno das
questões económicas e socias sublinhando a falta de fiscalização do executivo na
concessão de moratórias aos mais devedores, prejudicando toda a sociedade.
António Rodrigues Sampaio, Maximiano Xavier Osório de Figueiredo, António de Serpa
Pimentel, Paulo Romeiro, José Ferreira de Macedo Pinto e António Xavier Rodrigues
Cordeiro expressaram o seu apoio ao executivo, ainda que se tenham feito sentir algumas
inconsistências na comunicação, evidenciando dúvidas, contradições e crispações
políticas relativas aos procedimentos a adotar na cobrança do imposto e na sua respetiva
distribuição por regiões administrativas. As questões de natureza económico-financeira
dominaram claramente o debate político na primeira sessão de discussão pública. E sobre
a relevância política do imposto no desenvolvimento da instrução nem uma única palavra.
Foi na sessão seguinte que o deputado Rodrigues Cordeiro convocou a atenção da
Câmara para o momento da criação do “subsídio literário” aludindo à sua maior relevância
na “sustentação das escolas” para de imediato enveredar pela análise económica
referindo-se à importância das taxas fiscais, á sua proporcionalidade nas regiões
vinhateiras e às “moléstias” que atingiam as vinhas. A apreciação do projeto, na segunda
sessão parlamentar encaminhou-se de novo para as dúvidas de natureza política, social,
económica que a extinção do imposto necessariamente suscitava. As controversas
posições políticas, oscilando entre a aprovação e a impugnação à alteração fiscal a que
tínhamos assistido na sessão de 21 de março, mantiveram-se nos discursos dos
12
A nota que adicionamos à intervenção do deputado é alusiva à referência que o próprio fez durante a sua
intervenção política justificando que as demonstrações estatísticas que apresentou relativas aos níveis de
produção vinícola, aos rendimentos da atividade e às dificuldades dos seus proprietários não advém
exclusivamente do facto de ser um representante do circulo eleitoral do Douro mas porque concorda com
os “princípios de justiça e equidade , princípios que a Comissão ( da Fazenda) inculca no seu parecer” esta
foi a única razão que o deputado manteve ao longo da sua comunicação. (DP-MCCDN, sessão 62,
21/03/1857: 200).
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representantes da Nação: José Jácome Correia, António Luís de Seabra, António de
Serpa Pimentel, Roque Joaquim Fernandes Thomaz, Faustino da Gama e Paulo Romeiro.
A importância de salvaguardar os interesses da Nação da “injustiça” e da “desigualdade”
que assinalou a análise à obrigação tributária marcou todas as intervenções
parlamentares. A garantia da igualdade fiscal, evitando o aumento de impostos e a
cobrança desproporcional quer do ponto de vista social, quer em função das regiões
administrativas distinguiram continuadamente o discurso político.
Ainda assim, a importância que o “subsídio literário” tinha na promoção da instrução
pública, apesar da referência inicial feita pelo parlamentar Rodrigues Cordeiro, na sessão
de 23 de março, só voltou a ser mencionado, e muito brevemente, pelo deputado Paulo
Romeiro na mesma reunião. Atentemos ao excerto da sua intervenção onde se refere à
instrução pública:
O subsidio literário, como muito bem disse o meu ilustre amigo e colega por
Leiria, que abriu hoje este debate, foi criado para subsidiar e desenvolver a
instrução publica no país. o entrarei na apreciação da maneira por que o
seu rendimento se aplicou constantemente em relação ao fim para que foi
instituído. Mas o que é verdade, é que nem esse fim, tão santo e justo como
é, pode justificar hoje a sua ressurreição. Pois que! A instrução publica não é
um beneficio comum a toda a sociedade, não deve toda ela contribuir para a
sua retribuição? As portas da ciência estão porventura, ou devem estar
vedadas a qualquer classe ou a qualquer individuo que as procura? Não é um
dever da sociedade moderna, não só abri-las de par em par para todos, mas
chamar e atrair todos para ela? A classe agrícola foi nunca mais favorecida do
que. as outras n'esta partilha da civilização? Por que se de dizer a essa
classe, a quem, se olhou sempre com mais desfavor do que a nenhuma outra
- paga tu só, para beneficio de todos? - Por que não hão de ser extensivos a
todos os encargos, como o são os benefícios que devem resultar d'eles? (DP-
MCCDN, sessão nº63, 23/03/1857: 22)
Terminada a discussão parlamentar a proposta foi aprovada pela Câmara. Quanto ás
tabelas relativas ao pagamento do imposto em função da proporcionalidade populacional
(fogos) nos diferentes distritos (contribuição total) a votação foi nominal evidenciando-
se claramente a divisão política na Cortes (76 a favor, 41 contra). Tendo sido promulgada
a lei em 15 de abril de 1857.
Na sessão de 27 de agosto de 1861 discutiu-se a extinção do imposto nas ilhas
adjacentes. A experiência política de 1857 refletiu-se na apreciação do projeto-lei 103,
propondo a extinção dos “dízimos, décima predial, quinto, subsídio literário, finto na ilha
da Madeira, e quartos de maquias na ilha de S. Miguel, “(DP-MCCDN, sessão nº142,
27/08/1861: 2434). Apresentados pedidos de aditamento ao projeto a discussão foi feita
na especialidade e os artigos foram sendo sucessivamente analisados e aprovados,
consoante as particularidades das ilhas
13
. Assim sendo, e em conformidade com os
13
O primeiro suplemento foi apresentado pelo deputado José Maria Sieuve de Menezes (círculo de Vila Praia
da Vitória). Seguiram-se propostas muito específicas dos deputados das Ilhas de Francisco Manuel Raposo
Bicudo Correia (Ribeira Grande) António Vicente Peixoto de Mendonça e Costa (Horta)e António Gonçalves
de Freita (Ponta do Sol) juntando-se ao debate os representantes: Joaquim Tomás Lobo de Ávila
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procedimentos administrativos, respeitando a Carta constitucional, a sua publicação foi
registada em 11 de Setembro do mesmo ano, passando a ser aplicada a partir de 1 de
janeiro de 1863 na Madeira e desde 30 de junho do mesmo ano nas ilhas açorianas
assegurando “a organização das respetivas matrizes” para que a lei de acordo com os
prazos estabelecidos “possa ter execução” (L.R. 1861: 367)
Conclusão
O estudo que temos vindo a realizar sobre as políticas públicas de instrução a partir da
leitura das atas das sessões parlamentares permite-nos ter uma imagem, em diversas
perspetivas, da sociedade portuguesa revelando os seus contrastes. A experiência do
liberalismo político, iniciado em 1820 e entrecortado pela reação absolutista em 1823,
foi oscilando entre os processos de regeneração política e os movimentos
contrarrevolucionários. Esta ação pendular na atividade política teve naturalmente os
mesmos efeitos na estrutura social, refletindo-se igualmente nas questões de natureza
económica.
A situação económica caracterizada pelo deputado Manuel Fernandes Tomás em 5 de
fevereiro de 1821 revelou as grandes fragilidades do país. Debilidades que provocaram
a agitação política, comprometendo o grande desígnio da Nação: o progresso. Palavra
determinante na comunicação política, vocábulo mobilizador da sociedade liberal.
A exigência ideológica dos ideais liberais reclamando a rutura com o passado foi, ao longo
do século XIX, chocando com uma mentalidade mais conservadora que procurava
assegurar continuidade nos processos políticos. Pensamentos e ões percorreram
caminhos distintos entre a modernidade suscitando a mudança e, a tradição preservando
o costume e a memória. Percursos que se entrelaçaram de forma contínua, confirmando
a renovação pretendida, apesar das frequentes oposições à mudança.
As manifestações ideológicas divergentes, na apreciação dos assuntos da instrução e da
educação, não devem ser apreciadas de forma depreciativa, pelo contrário devem ser
tidas em consideração, tendo presente a vontade e a aspiração da Nação no progresso.
o espectro das dificuldades financeiras que ensombrou o Estado, e que se foram
fazendo sentir nos diversos sectores de forma constante, apesar do ânimo que a
sociedade portuguesa foi acalentando, foram determinantes para compreender as ações
prudentes tomadas pelos governos muitas vezes escolhendo uma opção de continuidade
política, ainda que tenhamos que reconhecer e enaltecer as intervenções invocando a
necessidade reformista.
Tenhamos em conta as leis supremas do Estado. As Constituições políticas da Nação
promulgadas em 1822, 1826 e 1838, sob o auspício da liberdade, consagraram o direito
à instrução. Não obstante as diferenças significativas na redação dos artigos que
confirmaram o direito individual à formação escolar, a gratuitidade da aprendizagem das
primeiras letras, adjudicando ao Estado, ao Tesouro Público, a sua preservação financeira
revelou de forma clara uma importante opção política. A manutenção do imposto do
(Santarém), Francisco Manuel da Costa (Minho) e Joaquim José da Costa Simas (Bragança). O Ministro da
Fazenda António José de Avila que acompanhou o debate esclarecendo as dúvidas dos representantes da
Nação sobre pormenores processuais tendo em vista a aplicação da lei nas diferentes regiões
administrativas assegurando sempre o princípio da equidade fiscal.
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subsídio literário, criado por Pombal, permitiu em larga medida a prossecução das linhas
de orientação política para o desenvolvimento do sistema de ensino.
Apesar da muita contestação parlamentar, especialmente ideológica e em particular
durante a vigência das Cortes Extraordinárias 1821-1822, a sua subsistência tributária
foi determinante para a apreciação generalizada do sistema de ensino. Os indícios de
desvio dos rendimentos do imposto “subsídio literário” para remunerar os professores do
Colégio dos Nobres- também instituído por Pombal e para suprir outras dificuldades do
tesouro satisfazendo outras instituições e graus de ensino sublinharam a importância
financeira da contribuição, evidenciando o valor económico dos rendimentos.
As petições em nome individual ou coletivo lidas e analisadas nas Cortes fundamentaram
as reivindicações de criação de escolas de primeiras letras e de cadeiras de ensino
secundário apelando ao cumprimento das normas relativas à contribuição fiscal. O devido
pagamento do imposto do “subsídio literário” permitiu à sociedade civil e aos poderes
municipais reclamar a sua correta aplicação na instrução elementar, na educação moral
e na aprendizagem dos valores cívicos, a par a formação e aquisição de competências
técnicas que proporcionavam o desenvolvimento do Estado e o seu crescimento
económico.
Aprendizagens que proporcionavam o exercício e a participação cívica que se exigiu, e
que se contínua a exigir ao cidadão. Valores essenciais no passado, e no presente, para
o desenvolvimento sociocultural para o crescimento económico, para o progresso da
Nação. Princípios que o Estado pretendeu e ambiciona preservar consolidando nas ideias
de liberdade, igualdade e justiça, a construção social. Ideias primordiais que
fundamentaram a debate sobre a extinção do imposto do subsídio literário.
Referências
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