OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
VOL12 N2, DT1
Dossiê temático 200 anos depois da Revolução (1820-2020)
Dezembro 2021
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OS “CONTOS LOUCOS” E AS “FANTÁSTICAS CARRANCAS”:
O VINTISMO VISTO DE PERNAMBUCO
MARIA DO SOCORRO FERRAZ
slinsferraz@uol.com.br
Professora Associada do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE, Brasil), com estudos doutorais na Universidade de Bielefeld, de 1974 a 1980 sob
orientação do Professor Johannes Helweg. Doutorou-se em História em 1992 na Universidade de
São Paulo, sob orientação do prof. José Jobson Arruda. Professora Visitante na Faculdade de
História e Geografia da Universidade de Salamanca/Espanha, durante o primeiro semestre de
2002. Entre suas publicações, destacam-se: Sertão Fronteira do Medo (Ed. UFPE, 2015);
República Brasileira em Debate (Ed. UFPE, 2010); Fontes Repatriadas, anotações de História
Colonial (Ed. UFPE, 2006); Sertão um Espaço Construído (Ed. Universitária Salamanca, 2005);
Caneca, Acusação e Defesa (Ed. UFPE, 2000); Liberais & Liberais (Ed. da UFPE, 1996).
Resumo
Este artigo trata de questões relacionadas aos conflitos entre liberais monarquistas e liberais
republicanos, na província de Pernambuco, no período que antecede a Revolução do Porto
1820 até o momento da Independência do Brasil. Salienta as dificuldades da elite colonial em
tratar administrativamente e politicamente com os dois centros de poder: Rio de Janeiro
versus Lisboa, Pedro versus D. João VI.
Palavras chave
Liberalismo, Constitucionalismo, Elite, Pernambuco, Conflitos
Como citar este artigo
Ferraz, Maria do Socorro (2021). Os “Contos Loucos” e as “Fantásticas Carrancas”: O Vintismo
visto de Pernambuco. Janus.net, e-journal of international relations. Dossiê temático 200 anos
depois da Revolução (1820-2020), VOL12 N2, DT1, Dezembro de 2021. Consultado [em linha]
em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.DT0121.3
Artigo recebido em 28 de Julho de 2021 e aceite para publicação em 30 de Setembro de
2021
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Os “contos loucos” e as “fantásticas carrancas”: o vintismo visto de Pernambuco
Maria do Socorro Ferraz
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OS “CONTOS LOUCOS” E AS “FANTÁSTICAS CARRANCAS”:
O VINTISMO VISTO DE PERNAMBUCO
MARIA DO SOCORRO FERRAZ
O historiador Carlos Guilherme Mota definiu o momento marcado pelos movimentos
insurrecionais, que se alastraram pelo país nas primeiras décadas do século XIX, como
um “segundo descobrimento do Brasil” e destaca entre esses movimentos a Revolução
de 18l7, como o ápice de um processo de descobrimento (Mota, 2016: 252). Nesse
sentido, se o Sul se descobre nos projetos de inconfidência dos árcades, dos mineiros,
paulistas e cariocas, na verdade, é no Nordeste que vamos ter a insurreição mais forte,
quando no Brasil se inicia a discussão sobre a forma de governo que teremos, com a
possível independência do Reino unido a Portugal. A elite pernambucana apresentará,
através dos escritos do Frei Caneca (Caneca 1875 e 1976) o modelo de nação mais
radical. A influência das ideias ilustradas vinha de longe.
Em 1798, D. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro da Marinha e Ultramar apresentou, um
programa de reformas
1
à Junta de Ministros de Portugal pautado nas idéias moderadas
do Abade Raynal, no liberalismo de Adam Smith, nas ideias do Bispo Azeredo Coutinho
experimentadas durante o período em que exerceu o cargo em Pernambuco e em Elvas,
Portugal. Nesse programa foram realçados alguns pontos: a crise do sistema colonial
articulada à conjuntura mundial e, à inquietação na colônia. Azeredo Coutinho havia
indicado que a integração da metrópole com o Brasil se impunha, sendo uma iniciativa
que reforçaria os laços entre a colônia e a metrópole. A perda de uma colônia da categoria
do Brasil abalaria a existência não apenas da metrópole, mas sobretudo da monarquia
portuguesa e provavelmente da autonomia da nação portuguesa.
Na opinião dos reformistas, Portugal deveria criar dois centros de força política no Brasil:
um no norte e outro no sul, de forma que os dois pudessem representar o poder
português e se auxiliar mutuamente; mudanças na taxação improdutiva deveriam
acontecer, pois, muitas queixas dos colonos se relacionavam com impostos cobrados
confundidos com extorsão, prática de funcionários autoritários e eticamente duvidosos;
expedições científicas para desbravar o Brasil e conhecê-lo melhor em suas riquezas
estavam previstas. A exploração dos recursos existentes e o experimento de novas
culturas, no Brasil, faziam parte da nova política, que tentava inserção nas mudanças
produzidas pela revolução industrial.
1
Discurso pronunciado perante a Junta de Ministros e outras pessoas sobre assuntos referentes ao
desenvolvimento econômico e financeiro de Portugal e Domínios Ultramarinos, principalmente o Brasil (Lyra,
1994: 245).
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Em 1788, Portugal recebia amostras de café produzido no Brasil. Em 1795 se iniciava
a exploração de minério de ferro em Bonito, na capitania de Pernambuco. Em 1798, o
governo português procurava informações sobre a cochinilha
2
e recomendava a criação
de um Jardim Botânico para o cultivo e reconhecimento de plantas para os mais diversos
destinos. Em 1801, se enviava, de Pernambuco para Portugal, mudas e sementes da
árvore do sândalo. E, com a presença do Príncipe Regente, no Brasil, em novembro de
1812, um Aviso Régio ordenava ao Governador da Capitania de Pernambuco que
remetesse varas de parreira às quintas reais em Lisboa, por todos os navios que se
destinassem àquele porto. Em 1813, do Jardim Botânico de Olinda foram remetidas 100
varas de parreira
3
.
Dentro desse projeto de descobrir riquezas no Brasil e melhorar os métodos e as técnicas
de exploração estaria a formação de nacionais como José Bonifácio, que estudou
mineralogia na Alemanha e de Manuel de Arruda Câmara, considerado pelo historiador
José Antonio Gonsalves de Mello, o “representante modular da geração ilustrada do final
do século XVIII” (Mello, 1982: 58). Manuel de Arruda Câmara, doutorou-se em medicina
pela Universidade de Montpelier e fez importantes estudos na área de botânica. Pertence
a uma geração que se debruçou sobre ciência, política e economia do Brasil, consciente
de sua contribuição para a nova sociedade que surgia. Arruda Câmara aplicou resultados
de pesquisas de ponta, da sua época, realizadas na França, desmistificando a crença que,
o aumento da colheita poderia se dar pela fermentação de qualquer qualidade de grão.
A mentalidade portuguesa ilustrada da época compreendia que o debilitado império
colonial poderia se transformar no novo império articulando-se com sua colônia
americana visando sustentar a monarquia e outros domínios ultramarinos.
No rol das reformas propostas pelo Ministro Rodrigo Coutinho indicava-se a fundação do
Seminário de Olinda, em 1796, proposto mais como Colégio para jovens do que um
seminário formador de religiosos; dois anos depois, para dirigi-lo o Governo português
designou um homem ilustrado, nascido na vila de São Salvador dos Campos dos
Goitacazes, em 1742, na capitania da Paraíba do Sul, e educado em Portugal, o bispo
José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho. Em Pernambuco, o bispo Azeredo Coutinho
exerceu rias funções e em todas se destacou como um ilustrado português de sua
época, defensor da monarquia e de reformas limitadas ao despotismo esclarecido. Os
trabalhos do Seminário foram iniciados no ano de 1800.
O bispo Azeredo Coutinho
4
escreve ao Príncipe Regente, sobre o seu desempenho na
capitania de Pernambuco não apenas para expor suas atividades religiosas, mas como
diretor geral de estudos no Seminário de Olinda, como governador interino da capitania
de Pernambuco e presidente da Junta da Fazenda em Pernambuco. Na prestação de
contas ao seu Príncipe ele descreve suas ações e realizações coerentes com o
pensamento ilustrado da época: providenciou a redução de curatos à igrejas matrizes;
fez um estatuto para instruir a mocidade portuguesa, em todos os principais ramos da
literatura, destinado não apenas para os eclesiásticos, mas para todo cidadão que se
propunha a servir ao Estado; estabeleceu um seminário para jovens do sexo feminino
2
Vegetal utilizado na tintura de tecidos.
3
Estas informações sobre o trânsito de culturas recém-descobertas ou recém-exploradas no Brasil são dadas
por F. A. Pereira da Costa (1951) In Anais Pernambucanos. Recife: Imprensa Oficial.
4
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Carta de 20 de janeiro de 1816. Cartas que o excmo. bispo d'Elvas,
don José Joaquim da Cunha d'Azeredo Coutinho, escreveu aos excmos. generaes inglezes que mais
concorrerão para a restauração de Portugal. Por Coutinho, José Joaquim da Cunha de Azeredo, 1742-1821.
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com estatuto destinado principalmente àquelas que queriam ser mães de família;
reconciliou quatro nações de índios rebeldes com o Estado e a Igreja; informou
claramente, em sua carta que, como governador não consentiu que os ricos oprimissem
os pobres; comenta sobre a escassez e a carestia da carne verde no Recife e Olinda, e,
a abundância dessa mercadoria nos sertões. Para solucionar esta disparidade propõe a
abertura de uma estrada geral de comunicação entre Olinda e os Sertões, para que o
gado pudesse chegar ao litoral, encontrar bons mercados e supri-los. Preocupou-se em
demonstrar a D. João a necessidade do funcionamento de uma boa alfândega para se
evitar furtos e roubos; comprou uma fragata pequena e armou-a para enfrentar os
piratas que infestavam as costas de Pernambuco; pôs telégrafo e sentinelas por toda a
costa para vigiarem navios inimigos; combateu a fome nos sertões. Como Presidente da
Junta da Fazenda de PE arrematou as rendas da Fazenda Real por produtos e por
freguesias.
As investidas da metrópole em modernizar a Colônia atingiam, também, uma esfera não
muito privilegiada na época o lazer. Para espanto da população, um aviso ao Governo
de Pernambuco comunicava a concessão que foi dada a Francisco Antonio Todi,
empresário do teatro São Carlos, em Lisboa, para estabelecer uma Casa de Sortes na
cidade de Olinda. A concessão, que recomendava cautela e inspeção pública, traduzia a
nova mentalidade, que se queria introduzir na Colônia
5
.
Enquanto Portugal conduzia o soerguimento do Império a partir de uma política de
integração com sua colônia americana, por entender a sua fragilidade diante de nações
mais poderosas como França e Inglaterra, os conflitos entre estes dois impérios
acabaram por impor ao governo português uma decisão, que há muito tempo havia sido
pensada, entre seus dirigentes, mas protelada.
A vinda da família real e o deslocamento do aparelho de estado português para o Brasil
podem ser avaliados como uma ão positiva de longo alcance para o futuro próximo
brasileiro; enquanto para a nação portuguesa esta mesma ação a colocou diante da
tragédia de ter o seu território ocupado por franceses, por ingleses, por espanhóis, enfim,
pela guerra, penúria... O próprio Ministro Souza Coutinho já havia comentado, em 1803,
sobre a possibilidade da criação no Brasil de um poderoso império. A opinião do Marquês
de Belas
6
sobre esta conjuntura é bastante esclarecedora: “Fechadas as portas do
continente pelos franceses por dentro e, pelos ingleses por fora”, não havia alternativa
para a monarquia portuguesa, naquela conjuntura, a não ser migrar para o Brasil.
No jogo político e econômico, entre a França e a Inglaterra, o Regente D. João VI ao
chegar ao Brasil tomou decisões favoráveis a Inglaterra, que seriam também do interesse
brasileiro em curto tempo. Independentemente do esforço para manter as forças que
sustentavam o Império, o bloco do poder dava sinais de desagregação; eles o surgiram
tão explicitamente do aparelho do estado, apareceram com mais vigor da sociedade civil.
(Valentim, 1993: 392).
As decisões tomadas na Colônia pelo Príncipe Regente, como a Abertura dos Portos, a
assinatura do Tratado de Navegação e Comércio de 1810 e a elevação do Brasil à
categoria de Reino Unido, possibilitaram a ruptura do bloco do poder. Os ofícios dos
5
Costa, F.A.P. da (1983). Anais Pernambucanos, vol.X. Recife, FUNDARPE.
6
“Memória do Marquês de Belas”, sem data, citada por Ângelo Pereira (1953). D. João VI Príncipe e Rei, vol.
III, p. 40, Lisboa, Editora Empresa Nacional de Publicidade.
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Governadores do Reino são as melhores denúncias desta desagregação, que trouxe
diferentes resultados aos seus sustentadores: positivos para a burguesia
senhorial/colonial e, negativos à burguesia e aristocracia metropolitanas.
Mesmo sendo positivos os resultados relacionados ao Brasil, a distribuição dos mesmos
não se deu de forma homogênea. Na desagregação do bloco do poder, a Capitania de
Pernambuco jogou um papel diferente das outras capitanias, que se dividiram entre o
poder do Rio de Janeiro e o poder de Lisboa.
Chega a Pernambuco, em 1804, Caetano Pinto de Miranda Montenegro. Era Governador
em Cuiabá e fez este deslocamento por terra, cobrindo uma distância de 670 léguas. Em
1805, foi nomeado governador de Angola. Um abaixo-assinado de moradores da
capitania de Pernambuco pede ao Príncipe Regente a sua permanência, no que é
atendido. Até a chegada da família imperial no Brasil o Governador Caetano Pinto de
Miranda Montenegro, é visto como homem probo, bom administrador, seu caráter era
elogiável; durante dez anos governou com prudência; não arriscou grandes inovações,
mas permitiu alguns melhoramentos; ouviu queixas dos pobres e dos ricos. Era
considerado um “homem justo”.
Ajudava à administração do Caetano Pinto de Miranda Montenegro as mudanças
realizadas pelo governo do Príncipe Regente. Por exemplo, as franquias comerciais
outorgadas por D. João começavam a mudar hábitos e costumes da sociedade colonial.
O escrivão da Mesa Grande Caetano Francisco Lumachi de Melo comenta, no seu
relatório, que antes de 1799 os rendimentos da alfândega eram muito mais baixos. De
1799 a 1810 esses rendimentos quase que triplicaram e até 1823 montam mais de um
milhão
7
.
No início do século XIX, Pernambuco disputava com a Bahia ora o segundo ora o terceiro
lugar nas importações e exportações; o Rio Janeiro continuava preponderante.
Em 10 de março de 1808, Caetano Pinto de Miranda Montenegro é chamado ao Rio de
Janeiro, por seu soberano e permaneceu até setembro do mesmo ano. Na sua volta
trouxe para si uma comenda da Ordem do Cristo e outra regalia a de Cavaleiro de Capa
e Espada do Conselho da Fazenda, mas para o povo pernambucano uma bagagem pesada
de impostos: o imposto da décima das casas, o imposto das heranças e legados, a
administração do dízimo do açúcar e o projeto de D. João, o Príncipe Regente, para
invadir Caiena na Guiana Francesa e, outros vexames para garantir o fausto da Corte,
despesas que gravavam o tesouro nacional.
Apesar da boa arrematação das rendas de Pernambuco, do ponto de vista de alguns
produtos, principalmente o açúcar, pode-se falar em decréscimo das rendas, diante das
despesas, inclusive as despendidas pela ocupação de Caiena pelas tropas. A situação
social era de opressão por causa dos impostos. Portugal declara guerra a França,
prepara-se para ocupar Caiena e exige dos pernambucanos 1000 homens para esta
expedição militar. O Governador compartilha com esta nova política tributária. O padre
Dias Martins observou que ele voltou do Rio de Janeiro com a incumbência de enviar a
Corte todo o dinheiro da Província, sem pensar nas obrigações com os credores. Aliás,
estes impostos foram gerais a todo país. Contudo, o governador Caetano Pinto oficiou ao
7
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Relatório do escrivão da Mesa Grande Francisco Lumachi de Melo
apresentado ao Governo do Rio de Janeiro. Registro de Correspondência 1808/1833, CGPP 9, 50.
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Príncipe Regente sobre a inconveniência de ao mesmo tempo cobrar mais impostos e
arrancar das famílias os seus sustentadores ou entes queridos. Apesar da reação dos
pernambucanos, foram enviados 300 homens para a ocupação de Caiena, em 1809.
A situação do Brasil era de déficit contínuo e a de Portugal de completa degradação:
pilhado, com o seu comércio interrompido e os campos desertos. Em julho de 1811, o
Príncipe Regente mandou levantar um empréstimo no Reino, dando como garantia de
pagamento as rendas das províncias da Bahia, Pernambuco e Maranhão, com o intuito
de restaurar a indústria e a lavoura de Portugal. Na opinião de Hipólito da Costa este
empréstimo contraído no Reino o empobrecia, pois o dinheiro conseguido em metal
escoaria para o bolso dos americanos e outros comerciantes. (Costa, 2001).
Em 1812, a situação econômico-financeira e sociopolítica em Portugal era muito difícil.
Em Lisboa, o desconto do papel moeda era de 25%, dada a evasão da moeda metálica,
trocada por mercadorias estrangeiras, principalmente as dos Estados Unidos. Até as
remessas de libras de Londres para pagamento das tropas inglesas e das nacionais
terminaram por também caírem no bolso dos negociantes americanos. Uma lei proibia a
saída do ouro e da prata. Inútil. Segundo as opiniões da época, incentivar o comércio
com o Brasil seria a única chance de Portugal ter sua moeda de volta.
No final de 1812, o déficit de Portugal era de 12 milhões de cruzados. Além da compra
de alimentos, a despesa com gastos militares pesava sobre as finanças. D. João tenta
um empréstimo com a Inglaterra, mas não consegue. Restou-lhe a venda dos bens livres
da Coroa.
8
Havia uma desordem nas finanças. A marinha tinha mais oficiais que vasos de guerra.
No Brasil, não se pagava mais em dia as letras de câmbio, os juros dos empréstimos e
nem ao funcionalismo, apesar de rasparem todos os cofres, incluindo defuntos e
ausentes, na linguagem de Hipólito da Costa (2001). Fazia as contas do que se apurava
nas Capitanias, e sugeria o seguinte: recolher os saldos das Capitanias, calculado em
1530 contos ao Erário, pagando-se suas despesas através do Banco do Brasil; as
despesas do Brasil deveriam ser diminuídas e a receita aumentada. A velha fórmula. Rio
de Janeiro, Bahia e Pernambuco tinham as melhores receitas, portanto estas deveriam
ser gravadas. O Governo deveria taxar pesadamente as importações.
E o Tratado de 1810, permitiria? Como reagiriam os governos de além e aquém mar?
A regência de Lisboa proibiu a saída dos metais; o governo do Rio de Janeiro fez o mesmo
para as outras províncias do Brasil. Os pagamentos seriam feitos em letras sobre o Banco
do Brasil ou negociantes, resgatáveis nas respectivas praças.
As mudanças nas taxas de importação foram bem mais tarde e muito tímidas. Tendo o
Rio de Janeiro se transformado no centro das atividades mercantis estaria mais implicado
num processo de dependência com a Inglaterra do que Pernambuco, que nesta
conjuntura optou por se preparar para sair do Império. Os negociantes do Rio de Janeiro,
em fins do culo XVIII, constituíram-se em um grupo de pressão, independente dos
homens da aristocracia rural os grandes proprietários de terras. Pelo volume de
8
Pela Carta Régia de 13 de dezembro de 1812, D. João autoriza a venda de bens livres da Coroa para socorrer
despesas, que estavam insolventes. Índice das Cartas de Leis, Alvarás, Decretos e Cartas Régias de 1812.
Disponível em
http://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/18322/colleccao_leis_1812_parte1.pdf?sequence
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negócios que faziam, puderam acumular capital e fornecer crédito ao Rei e aos
proprietários rurais.
A posição dos comerciantes do Rio de Janeiro é bem superior à dos comerciantes de
Pernambuco. Mais abastados que os pernambucanos e com maior prestígio social, eram
até agraciados com a ordem de Cristo, que lhes conferia status aristocrático. os
negociantes de Pernambuco, massacrados pela Companhia de Comércio da Paraíba e de
Pernambuco, somente se enobreciam, caso se tornassem proprietários de terras e não
estavam familiarizados com o sistema de créditos e juros.
A Revolução Pernambucana de 1817 é fruto desses novos padrões instituídos pelo projeto
de reformas de Souza Coutinho e pela conjuntura da época. Liderada pelos
pernambucanos, mas com importantes apoios na Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte
é um bom exemplo dessas fissuras, que aos poucos foram minando o Império. Para se
ter uma ideia dessas rachaduras, em uma Proclamação de Caetano Pinto de M.
Montenegro aos pernambucanos, em 05 de março de 1817, portanto às vésperas da
Revolução, reafirma a intenção do rei em reunir os reinos e denuncia os infiéis, conforme
podemos conferir:
Pernambucanos: tranquilizai vossos ânimos, não deis ouvidos a vozes e
rumores encarecidos: algumas palavras inconsideradas proferidas em
excesso de alegria, não decidem do caráter dos homens nem os fazem infiéis
e traidores. Sua majestade acaba de unir em um todos os seus reinos:
esta feliz união deve difundir-se do seu real com os nossos. Que fundamento
pois poderia ter esses partidos em que alguns malvados vos pretendem
dividir? Todos somos portugueses, todos somos vassalos do mesmo
Soberano, todos somos concidadãos do mesmo Reyno Unido: nem os homens
se distinguem pelo lugar do nascimento, porém pelo amor e fidelidade ao seu
Rey, e a sua Pátria, sendo esta a honrosa divisa dos portugueses pelos seus
talentos, virtudes e exatidão com que cumprem seus deveres
9
.
Em resposta às inúmeras proclamações dos governantes leais ao Rei, os revolucionários
fazem publicar também proclamações Veremos uma, já no final da Revolução a de 15
de abril de 1817:
Quem quer que vos sois
Vieram-nos a mão as vossas proclamações dignas de quem as faz e digna de
quem as espalha. E admiramos a graduação das vossas ameaças: em a
primeira, em 21 de março, vos contentáveis de nos tratar de indignos; nas
duas de 29 de março passam a tratar-nos de infames, desprezíveis e outros
epítetos que de certo mais vos pertencem que a nós. Requereis nosso
assassino e prometeis passar tudo a espada se não instaurarem as Leys do
vosso bom Rey, vede quão diferentes somos nós, não vos aborrecemos, não
vos odiamos, mas daremos assassino por assassino, fogo por fogo e guerra
por guerra. Não vos tememos, vinde, desembarcareis e experimentareis o
que são homens livres. Em paga das vossas três proclamações vos
9
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Documentos Históricos: Revolução de 1817(1954) v. CVI
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remetemos outras três e adverti que se algum dos nossos jangadeiros sofrer
algum insulto temos em nossas os vossos Marechais, Brigadeiros, e oficiais
que pagarão cabeça por cabeça.
Casa do Governo Provisório em Pernambuco, 15 de abril de 1817.
Assinam: Padre João Ribeiro Pessoa, Domingos José Martins, José Luiz de
Mendonça, Manoel Correia de Araújo, Manoel José Pereira Caldas, Antonio
Carlos Ribeiro de Andrade, Miguel João de Almeida e Castro
10
.
Ao saber da eclosão da revolta D. João determinou a partida da frota destinada a bloquear
o porto do Recife sob o comando do almirante Rodrigo José Ferreira Lobo. Um exército
com oito batalhões, artilharia e cavalaria saiu do Rio em 04 de maio em 10 veleiros. O
comando geral foi confiado ao general Luís do Rego Barreto, que considerava as ideias
liberais e revolucionárias dos pernambucanos atos insanos. Pela influência da literatura
dos liberais franceses e americanos, introduzida na Colônia por diversas formas, inclusive
por Arruda Câmara, parecia a Luís do Rego “contos loucos” estes sonhos de
independência; e, aos batalhões formados e dirigidos pelos nativos, o General
pejorativamente denominava-os de “fantásticas carrancas”
11
.
A situação dos revolucionários tornou-se insustentável. As tentativas de apoio das
províncias vizinhas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará foram bem-sucedidas, mas as
tentativas de apoio militar dos Estados Unidos não chegaram a contento, como os
revolucionários desejavam, por mais esforço que os irmãos maçons tenham feito. A troca
de proclamações entre os chefes militares das partes em contenda também não surtiram
efeito. A Corte do Rio de Janeiro enviou uma alçada presidida pelo General Luís do Rego
Barreto, que por anos consecutivos submeteu os pernambucanos a muitos vexames. Os
principais deres da Revolução foram condenados à morte, ao esquartejamento e à
exposição dos seus restos mortais em praças públicas.
Não satisfeito, o Governador Luís do Rego Barreto prendeu a torto e a direito cidadãos
pernambucanos; castigou uns, com desterro para a África, outros para vários presídios
do Brasil e quarenta e dois pernambucanos para serem julgados por tribunais de Lisboa,
sob a acusação de serem partidários da independência. Na sequência, o Ministro da
Justiça, em Portugal, ordenou ao corregedor de Belém que conduzisse os presos ao
Castelo, ao Regedor das Justiças e, que os processasse imediatamente.
Hipólito José da Costa, nos informa, ainda, que os presos foram em procissão pelas ruas
de Lisboa, expostos aos olhares horrorizados dos Lisboetas, escoltados pela cavalaria e
infantaria com rufar de tambores e mais pompas, com o aparato de um triunfo. E, como
suas roupas haviam ficado presas em seus baús, na Alfândega, não estavam vestidos
com dignidade. Os quarenta e dois presos conheceram o peso do absolutismo das Cortes
portuguesas, na humilhação deste desfile e no triunfo do Governador Luís do Rego.
O general Luís do Rego Barreto acreditou que havia derrotado os “contos loucos” e “as
fantásticas carrancas”. Entretanto, os “contos loucos” voltaram de onde vieram,
atravessaram o Atlântico e foram povoar a cabeça de constitucionalistas portugueses,
10
Idem.
11
Uma alusão às cabeças de monstros que se colocavam na proa dos barcos do Rio o Francisco,
representando animais ferozes, supostamente para afugentar maus espíritos.
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vitoriosos com a Revolução Vintista Constitucionalista em Portugal, que obrigou ao Rei
D. João VI voltar para Portugal e assinar uma constituição liberal, aprovada por
deputados eleitos de várias partes do Reino, liderados pelas Cortes. Simpáticas aos
liberais constitucionalistas pernambucanos, as Cortes de Lisboa participantes da
Revolução de 1820, mandaram libertar os sobreviventes revolucionários de 1817
12
e
criaram Juntas Governativas em todas as províncias numa atitude de desrespeito aos
governadores absolutistas, como Luís do Rego Barreto.
Assim como em Pernambuco de 1817, militares e magistrados da cidade do Porto
preparavam a revolução constitucionalista alguns anos antes de agosto de 1820. O
bacharel José Ferreira Borges, participante do Conselho da Revolução do Porto de 1820
foi membro do Sinédrio, associação fundada no Porto, em 1817, por Manuel Fernandes
Tomás, cuja finalidade era preparar uma revolução liberal em Portugal.
A conjuntura portuguesa à época trouxe insatisfação tanto para a burguesia, como para
os agricultores e para os militares: o fechamento de fábricas, o abandono da agricultura,
atraso no pagamento dos ordenados e soldos aos militares, a tutela britânica, a primazia
brasileira e as invasões que Portugal sofreu da França e da Espanha. Com a abertura dos
portos brasileiros ‘às nações amigas’, leia-se Inglaterra, a concorrência inglesa arrasou
a economia portuguesa.
A Revolução do Porto de 1820 ainda enfrentava outros problemas: os monarquistas
absolutistas portugueses, que seguiam D. João VI, não optavam pela volta do Rei; o
Brasil e os brasileiros divididos, tomaram posições diferentes; alguns preferiam o
constitucionalismo das Cortes ao governo do regente Pedro; o ministro inglês Thornton
e o Conde de Palmela pressionavam o Rei a enviar seu filho Pedro ou voltar para Lisboa,
sustando, assim, o lado democrático do movimento de 1820; e os austríacos, embora
ilustrados, não apoiaram o movimento vintista, continuaram absolutistas
13
.
As argumentações políticas dos liberais constitucionalistas e dos mais conservadores
portugueses se originavam nas duas tendências dentro da monarquia portuguesa: o
absolutismo e o constitucionalismo. Os portugueses constitucionalistas apresentavam a
Constituição como o remédio para todos os males que afligiam Portugal, acenando
inclusive com a recolonização do Brasil. Prometiam à burguesia da cidade do Porto
indústrias que poderiam transformar em manufaturas as matérias primas brasileiras o
algodão em têxteis, o açúcar bruto em açúcar refinado e sua distribuição no mercado
europeu.
E o Tratado de 1810 com a Inglaterra, seria desrespeitado, reformulado?
A burguesia necessitava da relação de D. João VI com a Inglaterra na construção de
outra revolução, a industrial, incluindo as novas negociações com os britânicos. Os
constitucionalistas, na tentativa de acalmar o Rei tentam naturalizar o liberalismo o
vinculando à tradição, recordando as imaginárias Cortes de Lamego (Lima, 1997: 16).
12
Após o julgamento dos processos dos 42 presos de Pernambuco pela Casa da Suplicação eles foram
libertados e recebidos em Pernambuco com grandes festividades. O julgamento final se deu em 27 de
outubro de 1821 (Costa, 2001: 325).
13
Ainda não se fez um estudo mais detalhado sobre os interesses do Imperador Francisco I, do Sacro Império
Romano Germânico em casar sua filha Maria Leopoldina com Pedro de Alcântara provavelmente esta casa
real via no Brasil alguma importância para sua política, principalmente em relação aos ingleses ou poderiam
jogar mais longe investindo em algo no continente americano.
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O que muda no Brasil com a vitória do Vintismo?
Portugueses radicados no Brasil, tanto os comerciantes como os burocratas do aparelho
de Estado e, brasileiros bem situados com a presença do Rei não queriam perder as
vantagens obtidas com a vinda da Corte pois estavam conscientes, de que a volta do Rei
lhes traria inconvenientes: o Brasil perdia sua condição de Reino Unido e
consequentemente o status de sede do Governo Português.
D. João VI viajou a Portugal, para atender as Cortes Constitucionalistas em abril de 1821.
O seu filho Pedro se tornou o Príncipe Regente. Ao contrário dos liberais
constitucionalistas portugueses, Silvestre Pinheiro Ferreira
14
previu que a volta do Rei
traria danos irreparáveis ao Império português. Os fatos comprovaram esta assertiva. O
poder de Pedro era muito menos acatado do que o poder de D. João VI. Os brasileiros
viram-se, de repente, sujeitos à obediência de leis, mandados e decretos vindos de dois
centros de poder: o das Cortes Constitucionalistas, instaladas em Lisboa e o da Regência
de Pedro, instalado no Rio de Janeiro, medindo forças com aquele. Os portugueses
radicados no Brasil, a maioria comerciantes, e militares pressionavam para que ele
aceitasse as ordens vindas de Lisboa. As manifestações, neste sentido, tornaram-se
constantes nas principais cidades brasileiras.
O decreto, de 1º de outubro de 1821, das Cortes de Lisboa criava Juntas Provisórias nas
Províncias, o que reduzia o poder de Pedro, pois a administração alfandegária e o
Comando Militar ficavam sob a responsabilidade de Lisboa, o que possibilitou lutas entre
facções adversárias.
As províncias do Pará, do Maranhão e da Bahia passaram a obedecer às Cortes de Lisboa;
no Rio de Janeiro a guarnição portuguesa se insubordinou e obrigou o Príncipe a formar
uma Junta Provisória dependente de Lisboa. As províncias do Rio de Janeiro, São Paulo
e Minas Gerais eram diretamente regidas pelo Príncipe Regente.
Na discussão das Cortes Constitucionalistas de Lisboa sobre a administração do ultramar,
entrou em pauta o problema da uniformidade administrativa entre Portugal e Brasil. O
cargo de Governador das Províncias, com o seu ranço absolutista, não encontrava
correspondente em Portugal, após a Revolução de 1820; logo foi substituído pela eleição
das Juntas Provisórias. As Juntas recém-eleitas dentro do espírito do movimento
constitucionalista foram formadas geralmente por brasileiros, que se sentiam vigiados
institucionalmente por militares portugueses e reduzidos a simples fiscais dos tributos
alfandegários portugueses. Sem definição clara do limite de poder do Príncipe, as Juntas
eram na verdade, entidades desamparadas e utilizadas pelos dois centros de poder: o
Rio de Janeiro e Lisboa.
Os acontecimentos em Pernambuco podem ser, em relação a esse período, sui generis
e, portanto, merece análise especial.
A notícia do êxito do movimento constitucionalista na cidade do Porto, chega ao Rio de
Janeiro e cinco dias depois se sabia em Pernambuco. O Governador Luís do Rego,
somente foi organizar e presidir o Conselho Constitucional Governativo da Província de
14
Silvestre Pinheiro Ferreira esteve no Brasil como ministro do exterior e da guerra, entre os anos de 1810 a
1821 e, também, como seu conselheiro; entre os anos de 1814 e 1815, escreveu por ordem do Príncipe
Regente “Memórias Políticas sobre os Abusos Gerais e o Modo de os Reformar e Prevenir a Revolução
Popular” (Silvestre Ferreira, 2012).
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Pernambuco, em 30 de agosto de 1821. Havia interesse em não divulgar oficialmente
esta notícia; durante um ano queria esconder de todos a vitória constitucionalista, o que
era impossível, pois periódicos, panfletos, notícias avulsas chegavam à Província dando
conta das novidades. Sobre este assunto comenta Denis Bernardes,
“Ao contrário do que ocorreu na Bahia e no Rio de Janeiro, a tropa portuguesa
em Pernambuco não apoiou o movimento constitucionalista, mantendo-se fiel
às ordens do Governador. Isto explica, entre outras razões, o fato de que se
passou cerca de um ano entre a chegada das primeiras notícias da revolução
do Porto e a eleição de uma Junta, dentro das novas regras adotadas pelas
Cortes e a capacidade de Luís do Rego de permanecer à frente do Governo.”
(Bernardes, 2001: 368).
A comarca de Goiana
15
, por não querer se sujeitar ao mando de Luís do Rego, não
reconheceu como legítimo este Conselho. Uma grande parte das Comarcas de
Pernambuco a apoiam. Algumas outras do sul da Província se declararam obedientes a
Luís do Rego. Aos liberais pernambucanos com a amarga experiência da repressão à
Revolução de 1817, como foi comentado antes, seria mais cauteloso ganhar tempo,
assumir a reorganização da Província, esperar os acontecimentos entre Lisboa e Rio de
Janeiro, entre a defesa do constitucionalismo português e uma independência mesclada
de autoritarismo liderada pelo regente Pedro. Na avaliação desses liberais
pernambucanos a proximidade da guerra no Brasil era iminente; poderia ser longa,
exaurindo os dois centros de poder. A república, para esta região, poderia deixar de ser
um sonho.
Luís do Rego Barreto recebeu denúncia sobre o movimento constitucionalista de Goiana
e tomou as primeiras providências mandando prender rios oficiais militares e civis.
Imediatamente envia ofício ao Rei D. João VI, dando conta dos últimos acontecimentos
em Pernambuco. Em seu comunicado confirma que Pernambuco é revolucionário e que
partidos que queriam mesmo a independência absoluta da metrópole e que no
momento se regem pela Constituição da América. O governador Luís do Rego ainda
contava com a tropa portuguesa do Batalhão de Algarves. Em 21 de agosto de 1821, o
Regente enviou um ofício autorizando a criação de uma Junta Provisória de Governo, em
Pernambuco. Luís do Rego Barreto, em 17 de setembro deste mesmo ano remete o à
Câmara do Recife, para as providências necessárias. Entretanto, a esta altura, a praça
do Recife estava em plena revolução. Este ofício foi vulgarizado pela imprensa da época.
A Câmara de Olinda tentou uma conciliação, mas os de Goiana não aceitaram.
A revolta de Goiana se intitulou Governo Constitucional Temporário e apoiou
publicamente à Revolução do Porto. Em 10 de outubro de 1821, a Junta de Goiana enviou
um ofício ao Rei historiando os recentes acontecimentos políticos em Pernambuco,
15
A fundação de Goiana data de época anterior a 1570, primitivamente habitada por índios caetés e
potiguares. Foi elevada à categoria de freguesia em 1568. Nessa época pertencia à capitania de Itamaracá.
Pelo incremento que teve, foi elevada à categoria de vila acolhendo então a Câmara e Justiça e se tornando
a cabeça da Capitania de Itamaracá. Parte da capitania de Itamaracá foi incorporada à Capitania de
Pernambuco em 1763. Foi Goiana o primeiro município de Pernambuco a declarar extinto o elemento servil,
antes da lei de 13 de maio de 1888. Ver Galvão (2006).
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Os “contos loucos” e as “fantásticas carrancas”: o vintismo visto de Pernambuco
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justificando sua instalação e denunciando os desmandos de Luís do Rego Barreto
16
. Na
sequência, enviou um emissário ao Rei e às Cortes Manoel Clemente Cavalcanti de
Albuquerque numa demonstração que não era adepta do movimento de independência.
A instalação da Junta foi convocada pelo Juiz de Fora, com representantes do clero,
nobreza, militares e povo, em 29 de agosto de 1821. Em 21 se setembro, do mesmo
ano, houve uma batalha sangrenta em Olinda, entre as forças de Goiana e as do General
Luís do Rego.
As forças de Goiana marcharam sobre o Recife, na verdade, contra as tropas comandadas
pelo General e, na povoação de Beberibe fizeram seu acampamento. O cerco do Recife
pelos goianenses ia desde o Rio Doce, ao norte, até os Afogados, ao sul. Com receio de
ser esmagado pelas forças militares de outras comarcas de Pernambuco, que aderiram
aos batalhões de Goiana, o Governador Luís do Rego enviou emissários solicitando um
armistício.
Seu grande opositor o foi outro general e sim o comerciante Gervásio Pires Ferreira.
Homem de negócios, foi o avaliador do sistema fiscal da República de 1817, propondo
reformas e melhoramentos. Libertado da prisão, em Lisboa, em 22 de fevereiro de 1821,
voltou à Província com prestígio maior que antes. Dirige-se a Beberibe e num acordo
assinado entre as forças revolucionárias e o General ficou decidido o embarque imediato
deste para Lisboa com todos os batalhões portugueses. Este acordo tomou a
denominação de Convenção de Beberibe.
Em 15 de outubro de 1821 chega o ofício de Lisboa ordenando a instalação do novo
governo constitucional e no dia 26 de outubro é eleita a Junta Governativa Provisória,
presidida por Gervásio Pires Ferreira
17
. Nesse mesmo dia, Luís do Rego embarca para
Lisboa, juntamente com parte da tropa portuguesa. Um novo governador de armas
estava chegando de Portugal para substituir o Marechal Salazar. Uma tarefa difícil e
delicada para a Junta foi a de comunicar ao Príncipe Regente, no Rio de Janeiro e a sua
Alteza Real em Portugal as mudanças ocorridas em Pernambuco, porque a nova Junta
não era aliada incondicional de nenhum dos dois poderes, mesmo que não se
pronunciasse explicitamente sobre o assunto.
A guerra pela independência que se desencadeou no Brasil, desarticulou o trabalho
rotineiro entre as províncias e o poder central, do Rio de Janeiro. Muitas questões
administrativas na Província se colocavam no cotidiano e o Governo Provisório não tinha
respostas imediatas. Resolveu-se convocar um Grande Conselho, uma espécie de
Assembleia numa tentativa de administrar a heterogeneidade e de experimentar
momentos de democracia expandindo participações e responsabilidades. Dele faziam
16
O governador de Pernambuco determinou mudanças, que prejudicaram a economia de Goiana. Esta vila
fornecia carnes verdes para o abastecimento do Recife e de outras localidades; o imposto por este serviço
era alto. O governador proibiu este comércio e privilegiou outra vila, Vitória de Santo Antão. O imposto
continuou alto e isto abalou a economia, de Goiana. Outro episódio que pode parecer simples, mas foi
desmoralizante para os goianenses: o Governador ocupou a Vila à noite e com sua tropa arrancou todas as
urupemas das janelas da Vila, que eram os anteparos contra o sol e, depois fez com elas uma grande
fogueira. Este ato despótico obrigava a população a comprar grade de ferro e vidros, que eram produtos
ingleses. Comparar a Ferraz (1996:145).
17
A Junta Governativa Provisória era constituída dos seguintes membros: Gervásio Pires Ferreira presidente,
Pe. Laurentino Antonio Moreira de Carvalho secretário e, pelos membros: Manuel Ignácio de Carvalho,
Antonio José Vitorino Borges da Fonseca, Filipe Neri Ferreira, Joaquim José de Miranda e Bento José da
Costa.
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parte senhores proprietários, padres, deputados, desembargadores, juízes, inspetores e
militares.
As primeiras providências tomadas pela nova Junta Governativa foram no sentido do
restabelecimento da ordem na Província. Alguns batalhões portugueses ainda não
haviam embarcado, por falta de espaço nos navios, o que provocava temores na
população.
Esvaziado o poder militar na Província, cuidou o poder constituído de organizar uma força
militar com raízes nativas e nas questões sócio raciais. Foram criadas duas companhias
de pretos e duas de pardos, que recebiam soldo por este serviço e eram comandadas por
sargentos-mores da mesma raça e classe, respectivamente. Eram as fantásticas
carrancas” de volta.
As relações entre a Junta presidida por Gervásio Pires e o governo do Rio de Janeiro
foram, desde o começo, tensas. O poder do Rio de Janeiro não confiava numa Junta
presidida por um ex-revolucionário de 1817. O jogo de equilíbrio entre os dois pontos
fora sempre perigoso para Pernambuco. Entre os dois centros de poder, a Junta presidida
por Gervásio, prestigiou em todos os seus atos, as Cortes, o Rei, Lisboa como o centro
do poder; entretanto, sentia-se desamparada na sua política contrária ao poder do Rio
de Janeiro. Da Província saíam tributos para pagamentos da iluminação e da polícia do
Rio de Janeiro. Por mais que Pernambuco solicitasse diminuição dos impostos, não
recebia nenhuma compreensão da parte dos dois poderes. Os pequenos e médios
produtores de aguardente, uma elite secundária, não foram atendidos por Lisboa,
enquanto os grandes proprietários não foram gravados em suas fortunas. Em represália
aqueles passaram a apoiar o Príncipe Regente, no Rio de Janeiro. Chegava até a corte
do Rio denúncias de que Gervásio Pires não apoiaria a independência proposta por Pedro
e pelo ministério dos Andrada.
Em de junho de 1822, o recinto, onde estavam reunidos os membros da Junta de
Pernambuco, foi invadido por emissários do ministro José Bonifácio de Andrada,
representantes dos quatro corpos militares, obrigando Gervásio Pires Ferreira a assinar
um documento de fidelidade e adesão à regência de Sua Alteza Real, D. Pedro. Reagindo
contra aquele motim, Gervásio respondeu que aquela atitude não era um ato regular do
povo e por isto se demitia da Presidência
18
; um dos emissários do Rio de Janeiro, João
Pedro Estanislau respondeu que “o povo tem assumido os seus direitos, o povo quer é
preciso obedecer.” À deposição de Gervásio Pires Ferreira seguiu-se sua prisão na Bahia
e posteriormente o envio para outra prisão, em Lisboa
19
.
Em um período confuso, em que se misturavam independência nacional e liberalismo, a
ideia de democracia aparecia associada à anarquia popular. A população esteve revoltada
por qualquer boato. Esse estado de rebelião tem causas mais profundas; aparece sob
várias formas, ora nos conflitos entre as frações da classe dominante ora na formação
dos batalhões militares da Colônia. Esta insubmissão recorrente da região norte
20
em
18
Ata da Junta de 1º de junho de 1822 in Atas do Conselho do Governo de Pernambuco, vol. I, 1821 a 1824.
(1997). Recife: CEPE Editora, p. 104.
19
Idem, p. 105.
20
Por região norte deve-se entender o conjunto de províncias, que se localizavam acima da Bahia. E por
região sul, além das províncias do sul do Brasil, o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
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relação à região sul é sinal de que o modelo de nação que esta região impôs, explicitado
nos escritos de José Bonifácio, prejudicaria a região norte na visão dos revolucionários.
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1808/1833, CGPP 9, 50.
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