interdependência com os vassalos, relações que pairavam no campo simbólico e
costumeiro (Hespanha, 1994).
O autor chamou a atenção também para a precariedade de aplicabilidade de mecanismos
de controle sobre as instituições de poder, tanto no reino quanto no mundo colonial
português. Funcionários régios, nomeados para fiscalizar as posturas camarárias e
exercer a justiça em nome do rei, quase sempre se envolviam nas tramas de poderes
locais, fato que tornava ainda mais complexo a administração e fiscalização à distância.
De qualquer forma, a governabilidade era, cotidianamente, exercida pelas instâncias
locais de poder, responsáveis pela seleção de seus representantes e pelo ônus municipal.
As leis estatutárias eram limitadas e ineficientes, mormente quando alargadas para fora
dos limites territoriais do reino. As relações administrativas e jurídicas cediam espaço a
moralidades e costumes, que demarcavam há tempos as relações sociais e políticas e
envolviam os agentes régios no cotidiano administrativo local (Hespanha, 1994;
Hespanha, 2010).
Segundo Nuno Gonçalo Monteiro os anos que precederam ao reinado de D. José teriam
sido marcados por uma “mutação silenciosa”. Sob D. João V, os rituais e práticas de
sociabilidades foram redefinidos, reconfigurando novos simbolismos e nichos de
representações, reorganizando, assim, as formas de exercício de poder e das redes de
interdependência. Nesse aspecto, a monarquia assumiu posição central. E, segundo o
autor, um dos grandes focos dessa mutação a qual se refere é a reforma das Secretarias
de Estado em 1736. Essa nova configuração seria mantida até o reinado de D. José,
quando as secretarias alcançariam o status de ministérios, tal como as monarquias
vizinhas a Portugal. Nesse período de quase vinte anos (1736-1750), as relações entre
o centro administrativo e as conquistas tornariam a administração ainda mais complexa,
reforçando a importância dos agentes reinóis que exerciam seus cargos no ultramar.
Entretanto, em que pese todos esses argumentos, o autor afirmou que “as reformas mais
sistemáticas estavam por vir” e seria durante o secretariado do marquês de Pombal que
as esferas de intervenção da monarquia se alargariam consideravelmente (Monteiro,
2006: 36 e 37).
Em “O terramoto político”, José Manuel Subtil recorreu a uma metáfora, numa analogia
entre o sismo que assolou Lisboa em 1755 e a ascensão de Sebastião José de Carvalho
e Melo, o futuro Marquês de Pombal, à Secretaria de Negócios do Reino, em 1756. Após
examinar minuciosamente a composição das Secretarias de Estado, antes e após a
reforma de 1736, o autor chegou a uma conclusão bastante peculiar: as práticas que
demarcaram a política dos secretários ainda suscitavam os costumes políticos matizados
às relações pessoais tão caros à política de Antigo Regime. “Quer isto dizer que em
nenhum momento do reinado de D. João V houve uma remodelação política do governo
e que mesmo o início do reinado de D. José não foi aproveitado para formar um novo
governo” (Subtil, 2006: 39).
A despeito dessa “mutação silenciosa”, Subtil (2006: 45) afirma que, no reinado de D.
João V, as relações sociais, tal como as estruturas políticas, eram ainda alicerçadas por
“ordens simbólicas” que tão bem representavam o patrimônio simbólico de Antigo
Regime. Na sua opinião, a centralidade régia que Lisboa passou a representar, nessa
época, possuía maior relação com a capacidade de ordenar a administração e suas
complexidades que emanavam das localidades continentais e do além-mar.