revolta, dentro de um contexto de racionalização da lógica jurídica e do revisionismo da
ação punitiva do Estado, cada vez menos atrelado à ideia de uma justiça “pessoal” do
monarca e mais próxima de procedimentos claros, detalhados e realizados dentro de
contornos institucionais propriamente delimitados e trâmites jurídicos sob os auspícios
da Boa Razão. Nas palavras da autora, a dessacralização do direito divino hereditário
acaba por gerar uma nova economia política do poder punitivo do rei. De facto, a análise
dos autos da devassa expõe o alcance dos ideais de liberdade e igualdade no final do
Antigo Regime, especialmente as contradições dos magistrados envolvidos em práticas
ilícitas, os meandros da justiça e do poder monárquico bem como os rearranjos políticos
na sociedade soteropolitana. Apesar da negociação entre a coroa e as elites locais para
reprimir a “projetada revolução” e a “República Bahinense”, a pena de suplício recaiu
sobre quatro homens livres, pobres, pardos e ocupantes de postos de baixa patente
militar. Essas figuras justiçadas, os “Entes da Liberdade”, não são tratadas como
“mártires”; ao contrário, o ritual público do suplício traduz o absolutismo despótico da
época, a submissão dos súditos à sumptuosidade da coroa, o peso das hierarquias sociais
sustentadas pela escravidão, o controlo político e os limites dos ideais republicanos.
No contexto da Lei da Boa Razão (1769), o artigo de Cláudia Atallah (Universidade
Federal Fluminense) descreve este mesmo cenário jurídico em transformação, ao analisar
a aplicabilidade do direito comum após a instituição da referida lei que demarcaria muito
bem o racionalismo político-jurídico almejado pelas reformas de Sebastião José de
Carvalho e Melo. O fortalecimento do Estado deveria passar, obrigatoriamente, pela
especialização do campo jurídico e profissionalismo de seus agentes. Num primeiro
momento, a autora realiza um balanço da historiografia sobre o chamado ministério
pombalino, problematizando as discussões acerca do caráter de rutura (ou não) atribuído
ao período em questão. Na sequência de sua análise, apresenta-nos um estudo de caso
sobre os impactos da referida lei sobre o universo jurídico da América portuguesa,
apresentando um parecer de Dom Rodrigo José de Menezes e Castro, governador da
capitania de Minas Gerais, escrito a Martinho de Melo e Castro, Secretário de Estado da
Marinha e do Ultramar do Reino de Portugal (1783). No documento, Menezes e Castro
relata as dificuldades em se fazer cumprir a lei régia e as peculiaridades de governar os
sertões coloniais. A autora analisa, tambémm, o aumento dos pedidos de prova do direito
comum que chegaram ao Conselho Ultramarino nos trinta anos após a Lei da Boa Razão.
O texto de Maria do Socorro Ferraz (Universidade Federal de Pernambuco) analisa as
contendas político-administrativas de Pernambuco no que diz respeito ao trato da
capitania, considerando suas relações com dois importantes centros de poder, Rio de
Janeiro e Lisboa. Ambas as cidades passavam por momentos de grande tensão política
e social, com a Insurreição Pernambucana de 1817 e a criação do Sinédrio, em Portugal,
em 1818. Descreve ainda o impacto da presença da Corte Portuguesa e das decisões
tomadas sobre as questões políticas e económicas que diziam respeito à Pernambuco,
clarificando as posições entre liberais «monarquistas» e liberais «republicanos». Entre os
fatores que fizeram eclodir a Revolução Pernambucana estava o descontentamento da
classe proprietária com a administração fazendária do governador português Caetano
Pinto de Miranda Montenegro, o excesso de tributação e a transferência da renda colonial.
Também é sintomático a circulação de um novo vocabulário político influenciado pela
literatura americana e francesa liberal: termos como “tirania real”, “manifesta injustiça”,
“opressão”, “nação”, “bravos patriotas”, “direito sociais” e “leis orgânicas”, utilizadas