reconfiguração pelo que não há olhares unifocais ou definitivos; há sim aproximações
que, sendo interdisciplinares, transnacionais e intercomunitárias alavancam a
construção de uma política de património cultural responsável e atenta. Porque o
património pode ser um instrumento de resiliência das comunidades locais, sendo
elemento basilar na manutenção de uma identidade comum. Na verdade, ele tem
vindo a ser usado como força prospetiva capaz de promover o bem-estar e a coesão,
contribuindo para uma sociedade mais inclusiva e sustentável, dentro de uma
dinâmica geopolítica mais altruísta e solidária.
Nesse sentido, se se tiver em atenção o crescimento de um mercado turístico
sustentado com os recursos de Zanzibar, este poderá ser o catalisador para uma
melhoria da qualidade de vida da sua população e da sedimentação da sua identidade
cultural. Claro que o equilíbrio desta equação é desafiante e coloca uma série de
questões aos governantes. Sendo o turismo um fenómeno recente (anos 1970) no
arquipélago – impulsionado pelo declínio da cultura do cravinho a partir de 1975 –,
este foi visto como substituto da entrada de divisas na ilha, com base numa oferta que
alia não só lazer (vilegiatura) mas igualmente uma cultura própria árabe-suaíli.O
sucesso desta aposta traduz-se no facto de o turismo contribuir com mais de 27% do
produto interno bruto (Keshodkar, 2013:71) – dados de 2012 – o que não só mostra a
ascendência do setor na economia como equaciona novos reptos à preservação da
mesma (Zanzibar Mail, 2020:7).
No campo de uma filosofia, etnologia, antropologia ou historiografia da arte, a
compreensão da natureza de uma dada herança artística foi frequentemente ancorada
num pensamento de matriz ocidental (Palmeirim, 2006: 14) que os estudos pós-
coloniais vieram agitar. O que será, porventura, parece basilar neste âmbito é que,
independentemente de correntes, linhas de pensamento ou tomadas de posição
etnocêntricas, a herança cultural-artística cartografada num dado território integra
uma genealogia estética e simbólica que determina o tempo e a vivência presente.
Nesse sentido, a pesquisa visual de uma fenomenologia do lugar construído sob várias
camadas histórico-artísticas realiza-se plenamente em Zanzibar.
Seja como for, no palimpsesto diáfano e melífluo que é Zanzibar, a ilha-joia da
civilização islâmica e suaíli apresenta-se hoje como um foco turístico de eleição que
vai muito para além da oferta unívoca do destino praia. Porque a riqueza do
património e da memória resultante de uma narrativa fundamentada na miscigenação
das culturas árabe, africana, indiana e também lusitana, coloca o seu território como
um destino referencial da cultura do Índico. Tal circunstância constitui um desafio para
a tutela do arquipélago pois centra-se num equilíbrio de uma equação de grande
fragilidade e complexidade: conservação, desenvolvimento e sustentabilidade.
Um digno ponto de partida foi o reconhecimento de Stone Town como Património
Mundial pela UNESCO em 2000. Encontrar o equilíbrio certo entre a qualidade de vida
dos habitantes e a qualidade da experiência dos visitantes, garantindo – sobretudo –
que os valores patrimoniais não são postos em causa, é sempre um desafio, não
obstante o potencial dos recursos de Zanzibar não se esgotarem na Cidade de Pedra
indo muito para além dela. Resta crer que, sob a brisa do Índico, o legado de um
tempo em que a expansão portuguesa passava pela instalação de empórios e tratos
de comércio junto ao mar constitui uma memória e um património capaz de