OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 12, Nº. 2 (Novembro 2021-Abril 2022)
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O FUNDO DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA DA UNIÃO EUROPEIA, NO
CONTEXTO DO PROJETO DE INTEGRAÇÃO EUROPEU
E AS SUAS PERSPETIVAS FUTURAS
FILIPE GUERRA
Filipe.guerra@ua.pt
Jurista. Mestrando no Departamento de Cincias Sociais, Polticas e do Territrio da Universidade
de Aveiro no curso de Administração e Gestão Pública(Portugal). Pós-Graduado em Direito do
Trabalho pelo Instituto do Direito do Trabalho e das Empresas da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra e ainda Licenciado em Direito pela Universidade Lusíada do Porto.
Resumo
O processo de integração europeu foi projetado ao longo da sua História com a sobreposição
de sucssivas etapas de transferências de competências e poderes dos Estados-Membros para
a União Europeia e as suas instituições. Simultaneamente, e com períodos de latência
progressivamente mais curtos, diversos momentos de crises do processo de integração foram-
se registando. Destes momentos de crise, a crise financeira que se iniciou em 2008 assumiu
particular relevo, demonstrando dificuldades na obtenção de consensos e fragmentação de
interesses no interior do processo de integração europeu.
Este artigo pretende fazer uma revisitação histórica sobre vários momentos de crise do
processo de integração europeu, com especial atenção sobre as pretéritas crises das dívidas
soberanas e da denominada Zona Euro. A partir dessa exposição, argumenta-se sobre a
suscetibilidade de fragmentação de interesses no interior da União Europeia, quais as causas
e consequências dessa fragmentação e como esta se reproduziu ao longo do ano de 2020 na
construção do Fundo de Recuperação e Resiliência, laado pela União Europeia em resposta
à crise despoletada pela pandemia Covid-19. Adicionalmente apresenta-se um conjunto
diverso de perspetivas sobre Fundo de Recuperação e Resiliência e a sua relevância no quadro
de continuidade do processo de integração europeu.
Por fim, conclui-se que o processo de integração europeu é novamente marcado pelo reforço
da sua agenda política e pelos recentes sinais de adaptação das instituições da União Europeia
à gestão de constantes ciclos de crise, permitindo ao processo de integração prosseguir.
Palavras-chave
União Europeia, Fundo de Recuperação e Resiliência, Integração, Crise, COVID-19
Como citar este artigo
Guerra, Filipe (2021). O Fundo de Recuperação e Resiliência da União Europeia, no contexto
do projeto de integração Europeu e as suas perspetivas futuras. In Janus.net, e-journal of
international relations. Vol. 12, Nº 2, Novembro 2021-Abril 2022. Consultado [em linha] em
data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.10
Artigo recebido em 31 Março 2021 e aceite para publicação em 7 Setembro 2021
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O Fundo de Recuperação e Resiliência da União Europeia, no contexto do projeto de integração europeu
e as suas perspetivas futuras
Filipe Guerra
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O FUNDO DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA DA UNIÃO
EUROPEIA, NO CONTEXTO DO PROJETO DE INTEGRAÇÃO
EUROPEU E AS SUAS PERSPETIVAS FUTURAS
FILIPE GUERRA
Introdução
O processo de integração europeu é composto do ponto de vista geográfico por
sucessivos alargamentos, a novos Estados-membros, incorporando assim uma crescente
diversificação de realidades nacionais e de novas escalas sub-regionais com diferentes
níveis de desenvolvimento.
Ao longo da sua História o processo de integração tem enfrentado diversos momentos
de crise, expondo crescentes assimetrias e divergências de interesses, com destaque
para o processo de Brexit, que levou ao abandono do Reino Unido da União Europeia
(UE), um precedente nunca experimentado.
A crise sanitária gerada pela pandemia Covid-19, a partir do início de 2020, em poucas
semanas atingiu todos os países da UE. Contudo, os impactos desta crise, não foram
iguais em todos os Estados-membros, não do ponto de vista sanitário, mas também
quanto aos seus efeitos nas economias nacionais. Neste quadro, as condições económicas
pré-pandemia dos Estados-membros e as suas resiliências às diversas tipologias de
crises, constituíam-se como alguns elementos criadores de diferenças relevantes.
Perante o quadro político-jurídico da UE, ao qual os Estados-membros se entregaram
livremente, e perante uma crise que, mesmo com escalas e dimensões diferentes, a
todos atingiu, as instituições europeias iniciaram a construção de um plano económico
para a rápida recuperação das economias nacionais. Contudo, desde cedo, nas diversas
arenas negociais, se encontraram diversas divergências de fundo quanto à sua
constituição, emergindo a repetição de desencontros anteriormente expressos em
crises anteriores, nomeadamente a partir de 2008.
Ao longo do ano de 2020, a UE transpareceu sinais de fragmentação, incluindo a
constituição e solidificação política de blocos nacionais com interesses divergentes dentro
das suas instituições. Não obstante a emergência sanitária e económica, apenas no final
de 2020 a UE conseguiu um acordo final entre as suas instituições e os Estados-membros,
através de uma negociação com solução conjunta entre o Fundo de Recuperação e
Resiliência e o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027.
Neste artigo apresenta-se inicialmente os aspetos fundadores das crises políticas e
financeiras anteriores, quais as suas consequências económicas e políticas e como estas
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se projetaram nas negociações do Fundo de Recuperação e Resiliência. De seguida,
observam-se as principais divergências negociais e os momentos-chave, ao longo de
2020, quais as características e expectativas sobre o futuro do Fundo de Recuperação e
Resiliência. E por fim, assinalam-se as alterações e diferenças políticas adotadas pela
UE, na resolução das crises, quais os sinais de transformação que se permitem observar
no presente e a sua relevância no contexto de continuidade do processo de integração
europeu.
Enquadramento teórico: as lições da crise da Eurozona e a sua projeção
em 2020
A par dos sucessivos alargamentos a novos Estados-membros e do reforço das
competências das suas instituições, o processo de integração europeu, em torno da UE,
foi simultaneamente marcado por diversos momentos de divergência e tensão entre
Estados-membros. Ao longo das décadas essas tensões foram frequentes, mas tem-se
vindo a registar que períodos de latência entre crises são progressivamente menores.
Desde 2008, assinalam-se quatro momentos de crise particularmente visíveis,
nomeadamente a crise da Zona Euro, a crise migratória, o processo de brexit, e o
denominado iliberalismo (Hooghe & Marks, 2019).
A crise em torno da pandemia Covid-19, ao longo de 2020, na UE, produziu
consequências em vários níveis, destacando-se os seus impactos sanitários, económicos
e sociais. A capacidade das instituições da UE resolverem o conjunto de problemas
despoletados pela crise pandémica, seria um novo teste à resiliência das suas
instituições, à sua capacidade de construir consensos e soluções comuns, no sentido da
prossecução do processo de integração. Do ponto de vista económico, político e social, a
denominada crise da Zona Euro, em 2008, tinha deixado relevantes sequelas e aberto
desagradáveis precedentes políticos. Importaria agora reconhecer, se a UE conseguiria
desenvolver uma resolução da crise económica diferente.
A crise da Zona Euro, em 2008 foi despoletada após os sucessivos colapsos de diversas
instituições financeiras nos EUA, desde logo, pelo notório caso da Lehman Brothers. A
partir destes colapsos, no outro lado do Atlântico, e da exposição a esta crise pelos
bancos europeus, constituiu-se uma crise das vidas soberanas, na medida em que
alguns Estados-membros da UE não possuíam a liquidez necessária para salvar os seus
sistemas bancários, necessitando assim de assistência externa (Glencross, 2014).
Perante este quadro, no designado mercado das dívidas soberanas, alguns Estados do
Sul como a Grécia, Espanha, Portugal (e ainda a Irlanda), tornaram-se devedores, ao
passo que os Estados do Centro, se tornaram credores, na medida em que permitiram a
continuidade do financiamento dos Estados devedores, no mercado das dívidas
soberanas (Grauwe, 2016). No entanto, os Estados credores impuseram como
contrapartida para a sua assistência financeira, a imposição de medidas de austeridade
domésticas nos Estados devedores, como garantia do ressarcimento dos valores
emprestados. (Grauwe, 2016).
Neste processo, a Comissão Europeia não permaneceu equidistante, aceitando tornar-se
agente de pressão política em defesa dos países credores, pressionando os países
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devedores para a tomada de medidas de austeridade e das denominadas reformas
estruturais (Grauwe, 2016). A solução encontrada e a sua construção política, com
diferentes níveis institucionais, constituiu uma combinação de coordenação
intergovernamental e hierarquia supranacional (Börzel, 2016).
Os impactos das medidas de austeridade, como o aumento de desemprego ou os cortes
nos sistemas de pensões, nos países devedores, originaram uma forte contestação das
suas opiniões públicas, o que produziu imediatos efeitos políticos, nomeadamente
eleitorais, com a subida dos movimentos populistas, de eurocéticos, entre outros partidos
extremistas. Relevantes sectores dos eleitorados dos países devedores culpabilizavam a
UE pelas medidas de austeridade e os seus efeitos (Ceballos, 2015). Em suma, a crise
de 2008, demonstrava uma correspondência, entre os efeitos das políticas prosseguidas
a partir das instituições da UE, a sua natureza e o seu impacto na vida dos cidadãos, e
as provas de solidariedade entre Estados-membros, com a aceitação do processo de
integração europeu.
As crises económicas a partir de 2008 e em 2020, ainda que na sua origem tenham
naturezas completamente diferentes, relativamente às matérias e aos blocos negociais
formados, de que resultaram divergências negociais, encontram algumas similitudes
relevantes, ainda que na projeção da sua conclusão haja diferenças significativas.
No âmbito das similitudes entre crises, a que se aludiu, destaca-se, a forma como estes
períodos de crise expuseram profundas assimetria existentes entre as economias dos
Estados-membros, e os respetivos interesses políticos, por um lado, e por outro, pela
visível suscetibilidade à divisão entre Estados-membros nas instituições da UE,
verificando-se uma tendência para a formação de blocos negociais defendo interesses
díspares e com propostas diferentes. A UE aparenta conjugar na sua atualidade
divergências estruturais, que não obstante, revelam uma forte interdependência entre
Estados-membros.
A crise de 2008, e as soluções encontradas, nomeadamente com a imposição de medidas
de austeridade sobre os países devedores, abrira precedentes quanto à forma e
conteúdos da sua resolução, de que resultou sintomatologia de grave crise política, com
sinais de descontentamento na continuidade do processo de integração. O risco de
eventual repetição em 2020 das soluções e formulas pretéritas colocava-se perante a
crise da pandemia Covid-19. Neste quadro, pairava a questão se se assistiría à repetição
de políticas ou se a UE tinha compreendido as potenciais consequências disruptivas das
suas soluções no aprofundamento do seu processo de integração. Sendo que importantes
personalidades políticas em 2020, também estiveram presentes nas definições políticas
de 2008, como Christine Lagarde, atual Presidente do Banco Central Europeu, ou Angela
Merkel, Chanceler da Alemanha.
Metodologia
Este artigo foi realizado através da atenção dedicada a uma multiplicidade de fontes,
procurando assegurar a sua multidisciplinaridade, diversidade analítica e a sua
fidedignidade. Nesse sentido foi realizado um levantamento de dados a partir de
declarações e publicações de representantes da UE, e dos seus Estados-Membros,
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recolhidos através dos websites certificados e oficiais das instituições da UE. Noutros
casos, a recolha foi realizada a partir de reproduções publicadas em vários órgãos de
comunicação social e agencias noticiosas de referencia internacional, preferencialmente
especializadas em matérias de Política, Economia e da UE. Esta recolha foi realizada ao
longo dos anos de 2020 e 2021.
A pesquisa por literatura académica, para a revio de literatura, procurou concentrar-
se em publicações cuja análise incidisse sobre as matérias relacionadas com o processo
de integração europeu, as crises de integração europeia, a crise Zona Euro e das dívidas
soberanas, o Fundo de Recuperação e Resiliência e a crise pandémica Covid-19. Nesse
sentido, selecionou-se uma conjunto de publicações que apresentassem perspetivas
variadas, procurando-se maior amplitude e variedade analítica e multidisciplinar, no que
também se encontrou casos de complementaridade analítica. A maioria das fontes
selecionadas, quanto aos autores e local de publicação, é de origem europeia. Neste
exercício de pesquisa e seleção, procurou-se ainda incluir as publicações mais recentes,
sendo a sua seleção final, representativa do período entre 2014 e 2021.
O Plano de Recuperação e Resiliência: caracterização
Ao longo do ano de 2020, as instituições europeias enfrentaram a necessidade de suster
as graves consequências económicas da pandemia Covid-19. A crise de 2020, estava a
concretizar o maior choque na Economia Europeia desde a 2ª Guerra Mundial, segundo
as palavras de Christine Lagarde (2020). A UE deveria estar à altura dos acontecimentos,
e a resposta que a UE seria capaz de dar à grave crise, seria uma responsabilidade, cujo
insucesso poderia representar uma potencial crise existencial (Ladi & Tsarouhas, 2020).
Perante a conjuntura de centralidade política da crise sanitária, e nos sistemas de saúde
nacionais, as instituições da UE iniciaram logo no primeiro trimestre os primeiros passos
para contrariar a crise crescente, que se vertia sobre a economia dos Estados-
membros. Assim, em 26 de março de 2020, um envelope de 37 mil milhões de euros, foi
aprovado no Parlamento Europeu, a partir de valores realocados de dotações para fundos
estruturais e outros cofinanciamentos em que não foram gastos (Parlamento Europeu,
2020a). Mas perante a dimensão da crise seria necessário muito mais e as negociações
começavam ao mais alto nível para a formação de um grande plano de recuperação pós-
crise.
No final da cimeira extraordinária de chefes de Estado, de 26 de Março, as perspetivas
não eram animadoras. Os Estados-membros estavam divididos sobre o lançamento de
ttulos de dvida europeia (os denominados coronabonds”) e a natureza de outros
eventuais instrumentos financeiros (Siza & Aníbal, 2020). O clima político apresentava
uma grande tensão e potencial de discórdia, como se comprova pelas declarações do
Primeiro-Ministro Português, António Costa, ante a proposta dos Países Baixos de uma
investigação às condições orçamentais dos países do Sul, não hesitando em considerar
que “essa declaração é repugnante no quadro de uma União Europeia. E a expressão é
mesmo essa: repugnante (...) ninguém quer voltar a ouvir ministros das finanças
holandeses, como ouvimos em 2008, 2009, 2010” (O’Leary, 2020). A referncia à crise
de 2008 e às suas divisões era evidente.
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Dias depois desta cimeira, Pedro Sanchez, Primeiro-Ministro de Espanha, país duramente
atingido pela crise pandémica, fazia publicar em vários jornais europeus, um artigo claro
sobre a magnitude da crise e a relevância do que estava em causa, ligando a
solidariedade europeia com a necessidade de coesão, arguindo que sem essa coesão a
credibilidade do projeto europeu estaria comprometida (Sanchez, 2020). A UE precisava
de encontrar soluções que assegurassem os seus laços de solidariedade.
Em 18 de maio, Angela Merkel e Emmanuel Macron, líderes do denominado eixo franco-
alemão, realizaram um importante encontro visando a futura resposta da UE à crise.
Desse momento saiu a proposta de constituição de um fundo composto por 500 mil
milhões de euros, a distribuir pelos Estados-membros, e a reembolsar no futuro (Boffey,
2020). Este encontro e as respetivas conclusões, foi particularmente relevante porque
revela uma estratégia de governação económica diferente da seguida na crise de 2008,
através de uma saída financeira comum a todos os Estados-membros, com recurso a um
“Fundo de Recuperação (Bundesregierung, 2020).
A proposta da Comissão Europeia para o Fundo de Recuperação, apresentada a 27 de
maio, reproduzia o essencial do ideário da proposta franco-alemã, mas aumentando os
seus valores, para 750 mil milhões, divididos entre subvenções e empréstimos,
concretizáveis através de um empréstimo da UE, junto dos mercados financeiros, e
tornado possível através de um novo limite máximo dos recursos próprios, a título
temporário, de 2,00% do rendimento nacional bruto da UE (Comissão Europeia, 2020a).
A UE parecia ter compreendido que, ao contrário da solução adotada para a crise da zona
Euro, os empréstimos não são suficientes para estabilizar situações de crise,
comportando um significativo potencial de divergência entre nações, paralelo às suas
assimetrias.
Ainda assim, vários países não se encontravam satisfeitos com esta proposta da
Comissão Europeia, nomeadamente os denominados “frugais” Países Baixos, Áustria,
Suécia e Dinamarca - que o se coibiram de publicamente apresentarem nos dias e
semanas seguintes rias declarações públicas de desacordo. Entre os seus principais
motivos encontrava-se o peso considerado excessivo das suas contribuições (Euroactiv,
2020), a pressa nas negociações (Reuters, 2020), a desproporção excessiva das
subvenções sobre os empréstimos (Lovfen, 2020), ou a ausência de necessárias reformas
estruturais nos países assistidos (Politico, 2020). A sua postura discordante impunha a
continuidade de negociações e recordava algumas exigências dos países credores
durante a crise da Zona Euro.
Após intensas negociações, em 21 de Julho, o Presidente do Conselho, Charles Mitchell
anunciava “we did it” (Herszenhorn & Bayer, 2020). Haveria acordo sobre o Fundo de
Recuperação e Resiliência, negociado em paralelo com o Quadro Financeiro Plurianual
2021-2027, apresentando-se prevendo a sua dotação em 750 mil milhões de euros,
distribuídos entre 390 mil milhões em subvenções e 360 mil milhões em empréstimos,
integrado num pacote global de 1824,3 mil milhões de euros, batizado de ‘Next
Generation EU’. O resultado deste programa, permitia a leitura de que os denominados
frugais também conseguiram algumas vitórias da sua agenda, como a redução do
montante previsto inicialmente de subvenções ou o alargamento para si do mecanismo
de rebate (que permite a diminuição de contribuições para o Orçamento comunitário),
entre outros aspetos (Conselho Europeu, 2020a).
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Os meses seguintes conheceram novas rondas negociais sobre o Fundo de Recuperação
e Resiliência e o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, verificando-se dificuldades de
acordo entre o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu, nomeadamente em torno de
novas fontes de receitas e de financiamento, sobre o pagamento dos juros (se seriam
alocados dentro ou fora do Orçamento Comunitário) ou sobre as verbas atribuídas a
diversos programas comunitários. Dificuldades apenas ultrapassadas em 10 de novembro
(Conselho Europeu, 2020b).
O processo de aprovação do Fundo de Recuperação e Resiliência e do Quadro Financeiro
Plurianual 2021-2027 (a sua negociação conjunta criara uma dependência reciproca)
ainda conheceria novas dificuldades no final do ano, com os Estados-membros,
denominados iliberais (Hungria e Polónia) obstaculizando a sua aprovação final devido
ao mecanismo de defesa do Estado de Direito (Struczewski, 2020). Este, um mecanismo
que condicionava o acesso às verbas comunitárias à verificação da proteção do Estado
de Direito, em matérias como a independência dos sistemas judiciais. Após semanas de
negociações, que incluíram acusações públicas pouco abonatórias para Hungria e Polónia
(Hall, 2020) e até referencias à exclusão destes países no processo em curso (Baume &
Burchard, 2020), foi possível chegar a um acordo através de recurso a um atraso na
implementação desse mecanismo. Assim, as ambas as partes pareciam satisfeitas
(Bayer, 2020).
O eventual insucesso final das negociações, e a incapacidade de ação em unidade da UE,
num momento de grave crise, poderia ter um alto custo na continuidade do processo de
integração, a UE poderia colocar-se numa bifurcação entre a sua reforma e até dissolução
(Celi et al., 2020).
Ao longo de meses, as sucessivas negociações, em diversas arenas, revelavam, a
suscetibilidade da UE à constituição de blocos de países no interior das suas instituições,
de acordo com os respetivos interesses e que em larga medida refletem as tensões
anteriores e as diferentes agendas, já conhecidas de 2008. Em 2020, registou-se ainda
a afirmação de uma nova tipologia de bloco, nomeadamente o grupo dos denominados
iliberais. Por outro lado, e significativamente, registava-se uma diferente tipologia de
abordagem da UE à crise, aparentemente impulsionada a partir do eixo franco-alemão.
Plano de Recuperação e Resiliência: uma reação à crise em projeto
estrutural
A crise económica, desencadeada pela pandemia COVID-19, não obstante ter atingido os
diversos Estados-membros, não os atingiu a todos de igual forma, registando-se
diferenças de impacto significativas. Entre vários fatores contributivos para esta
assimetrias, podem destacar-se os diferentes níveis de confinamento e de restrições
económicas e sociais impostas pelos países; as maiores perdas em economias mais
dependentes de serviços e turismo; o maior impacto em países com maior nível de
endividamento e por conseguinte com menor capacidade de tomar medidas fiscais ou de
endividamento junto dos mercados; ou ainda a diferente qualidade e eficácia da resposta
dos governos nacionais (Sapir, 2020). Pode-se ainda referir que os diferentes impactos
da pandemia nos sistemas de saúde é outro um fator relevante.
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Segundo dados apresentados por André Sapir (2020), o impacto da pandemia no PIB dos
Estados-Membros foi particularmente significativo na Croácia (-13,4%), Espanha (-
12,5%), Irlanda (-12,1%), França (-11,7%) e Itália (-11,5%). Enquanto países como
Suécia, Dinamarca, Alemanha, Finlândia e Polónia foram os menos atingidos. Pelo que,
a partir destes dados, se antevê diferentes necessidades de auxílio.
O Mecanismo de Recuperação e Resiliência apresentado como eixo central do Programa
‘Next Generation EU’, dispõe de 672,5 mil milhões de euros, dos quais 360 mil milhões
são empréstimos e 312,5 mil milhões em subvenções, de acordo com as conclusões do
Conselho Europeu de 21 de Julho de 2020 (Conselho Europeu, 2020c). Segundo
diferentes análises, os principais beneficiários do Programa ‘Next Generation EUserão
os países do Sul e do Leste da Europa (Alcidi & Gros, 2020), podendo este Mecanismo,
assim contribuir, para a diminuição de assimetrias económicas entre Estados-membros
(Watzka & Watt, 2020).
De acordo com Watzka e Watt (2020), se o destino dos fundos servir para financiar
investimento público (como está planeado), várias consequências são expectáveis, entre
as quais se destacam: o aumento dos stocks de capital público em todo o espaço da UE,
em especial nos países do Sul e de Leste; diminuição das assimetrias económicas; como
consequência do aumento do PIB, os rácios de dívida pública tenderão a baixar; e por
último, nos países mais atingidos pela crise, o plano poderá compensar as perdas
produtivas na pandemia. Ou seja, deteta-se um caráter redistributivo deste projeto, no
sentido de benefício dos países menos desenvolvidos. Sendo que este aspeto, também
beneficia indiretamente as economias mais fortes, como a da Alemanha, que também
precisam de estabilidade económica dos Estados-membros para os seus mercados de
exportações.
A política seguida de redistribuição entre países, na base de conjugação entre subsídios
e empréstimos, além de combater as assimetrias entre Estados-membros (o que não
acontecera anteriormente), reforça a legitimidade da UE e das suas instituições, através
desta contribuição para uma maior coesão económica e social.
O acesso aos fundos alocados ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência, pelos Estados-
membros, está condicionado à apresentação dos seus planos de recuperação nacionais,
que deverão corresponder aos diversos critérios apresentados pela Comissão Europeia,
e à qual deverão ser submetidos, por norma aao final de Abril de 2021, dependendo
de posterior aprovação final pelo Conselho Europeu (Conselho Europeu, 2021). Os
respetivos pagamentos serão realizados consoante o cumprimento de diversos objetivos,
podendo ser interrompidos em caso de desvio destes objetivos. De resto, este
condicionamento e possibilidade de interrupção nos pagamentos foi uma das vitórias
obtidas nas rondas negociais, protagonizada em larga medida pelo denominado grupo de
frugais (Pses Baixos, Áustria, Dinamarca e Suécia).
Contudo, a disponibilidade financeira deste estímulo, e a sua execução prática, não se
afiguram lineares, comportando alguns riscos de insucesso, destacando-se pelo menos
duas dificuldades. Por um lado, estando a atribuição de fundos prevista durante o período
entre 2021 e 2023, e o seu desembolso até 2026, é ainda desconhecido como será
realizada a sua distribuição ao longo do tempo (Watzka & Watt, 2020), e por outro,
devem ser considerados, os diferentes níveis de capacidade de absorção de fundos
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europeus pelos Estados-membros, como na disparidade observável entre a Estónia com
95% e a Croácia com apenas 48%, de taxas de absorção. Verificando-se assim, também
aqui, assimetrias significativas que perigam a utilidade do plano (Darvas, 2020).
Assim, há dois tipos de riscos que se podem colocar, o primeiro relacionado com a
tradicional lentidão de absorção dos fundos estruturais e de investimento pelos Estados,
e o segundo pelos próprios limites na capacidade dos governos nacionais em canalizarem
largas somas de dinheiros públicos (Alcidi & Gros, 2020). Será um desafio para muitos
Estados-membros atender em simultâneo a uma rápida implementação de quantias tão
significativas, e ainda, pela perspetiva comunitária, um significativo risco de perda de
oportunidade de afirmação do seu projeto.
A operacionalização tradicional dos programas comunitários carece sempre de
procedimentos de definição, aprovação e implementação, tendencialmente demorados e
prolongados no tempo (Darvas, 2020), e este mecanismo não se apresenta de exceção.
Esta será uma dificuldade, cuja celeridade na ultrapassagem, será crucial para a sua
eficácia perante um momento de crise que exigirá respostas eficazes e igualmente
céleres, sob pena de frustração e descontentamento nas economias mais necessitadas e
em opiniões públicas expectantes após anúncios mediatizados e esperançosos.
Por outro lado, sempre se poderá arguir que os mercados financeiros poderão ajudar a
resolver este problema de celeridade através de empréstimos imediatos aos países,
assim ainda evitando, ou diminuindo, o recurso a empréstimos posteriormente. Contudo,
esta possibilidade não ilude a necessidade de procedimentos e pagamentos rápidos ante
a magnitude da crise económica nos Estados-membros (Darvas, 2020)
O acesso aos fundos deste novo instrumento esainda condicionado a um conjunto de
opções e objetivos predefinidos pela Comissão Europeia (Comissão Europeia, 2020b), de
sinal, bem mais ambiciosos que uma resposta estritamente direcionada para os desafios
colocados pela pandemia, correspondendo na sua discrição a um conjunto de objetivos
de importância estratégica para a estabilidade política e económica da UE (Alcidi & Gros,
2020). Dificilmente se observa uma relação direta entre a “luta contra as alterações
climáticas” ou a “transição digital” como respostas imediatas perante o aumento do
desemprego relacionado com as ondas de choque económicas despoletadas pela
pandemia. A partir desta aparente dualidade de objetivos, torna-se mais complexa uma
definição clara das reais possibilidades e critérios de direção dos fundos.
Segundo Iain Begg (2021), verifica-se na UE uma reafirmação das suas políticas
industriais e uma mudança de paradigma em torno da liberalização dos mercados, de
acordo com um passado mais recente. Entre outros elementos potencialmente
explicativos para esta mudança de paradigma encontram-se preocupações sobre as
baixas taxas de crescimento na UE, o crescente papel da China e a perda de influência
da Europa, ou ainda as mudanças tecnológicas e produtivas em campos como a
automatização ou digitalização. O Plano de Recuperação e Resiliência procura dar
respostas a estes e a outros problemas contemporâneos, como as mudanças climáticas.
Como reflexo destas preocupações, verifica-se a crescente visibilidade do termo
“autonomia estratégica” no discurso europeu.
O programa ‘Next Generation EU’ é ainda alvo de desconfiança, por centrar a atribuição
das suas verbas nos programas nacionais de recuperação e na sua infraestruturação,
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carecendo de uma perspetiva de longo prazo de investimentos a uma escala europeia,
mais panorâmica sobre o conjunto dos Estados-membros e não apenas às sucessivas
escalas nacionais (Watzka & Watt, 2020).
O Plano e o Futuro da integração na Uno Europeia
Segundo Charles Michel, Presidente do Conselho Europeu, na apresentação da sua
proposta para o Quadro Financeiro Plurianual e pacote de recuperação, “os objetivos da
nossa recuperação podem resumir-se em três palavras: convergência, resiliência e
transformação. Mais concretamente isto significa: sanar os danos causados pela Covid-
19, reformar as nossas economias e remodelar as nossas sociedades” (Conselho
Europeu, 2020d).
As declarações de Charles Michel transmitem a ideia de que a sua proposta não visa
apenas o saneamento dos danos causados pela Covid-19, existindo objetivos muito
superiores com implicações futuras, económicas e sociais. Assim, pela dimensão dos
pacotes financeiros e pela caracterização dos seus objetivos, o seu sucesso poderá
contribuir para esbater assimetrias existentes e criar uma maior interdependência entre
Estados-membros, reforçando a sua vinculação à UE e às suas instituições, aprofundando
o processo de integração e augurando soluções para uma nova fase de construção
institucional (Braun, 2015).
De acordo com Jean Pisany-Ferry (2020a), o Plano de Recuperação e Resiliência é uma
aposta arriscada da UE e das suas instituições. Caso este Plano consiga atingir, ou até
superar, os seus objetivos, poderá abrir caminho para novos passos no processo de
integração europeu, recuperando as expetativas que criou, alargando-se a novas áreas
como na unificação fiscal a par da unidade monetária (recordemos que a unidade
monetária não comportou também unidade de sistema bancário). Contudo, em caso de
insucesso, tal poderá transformar o Plano num duro golpe quanto à credibilidade, eficácia
e qualidade das repostas que a UE pode dar em situações de emergência e crise,
frustrando as aspirações federalistas ou outras que apontem no sentido do
aprofundamento da integração europeia.
Para evitar eventuais frustrações e descontentamentos, a UE poderia ter sido mais clara
no papel transformador e estrutural do seu Plano de Recuperação e Resiliência, por
melhor impacto imediato que este possa ter nas economias menos avançadas e mais
duramente atingidas (Pisany-Ferry, 2020b). Para a recuperação económica dos Estados-
membros será ainda relevante a ultrapassagem da crise sanitária, uma eficiente
massificação da distribuição das vacinas disponíveis (assunto em que a UE e a sua
Comissão têm sido alvo de críticas) e o fim dos sucessivos confinamentos da população
com a libertação de atividades económicas relevantes e em constrangimento.
Conclusão
Apresenta-se complexa a conjugação entre a necessidade de uma resposta rápida à crise
económica, e os processos políticos, tendencialmente lentos de decisão e execução das
instituições da UE. Perante uma urgência com a gravidade da crise económica atual,
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seriam necessárias respostas céleres e eficazes sobre as enormes perdas que os Estados-
membros enfrentam. E a arquitetura do Plano de Recuperação não parece preencher
este requisito. De resto, mesmo no contexto da sua aprovação, terão de ser ponderadas
as tradicionais dificuldades e a lentidão de vários Estados-membros na absorção de
fundos comunitários.
A UE deu sinais de compreeno sobre eventuais custos da sua inação perante uma crise
sem precedentes desde a sua fundação, e iniciou a construção da sua reação. Desta
forma, revelou uma capacidade reativa mais célere que em crises anteriores,
demonstrando também, capacidade de aprendizagem e de melhor gestão de crise,
provavelmente ganhas através da sua experiência acumulada (Wolf & Ladi, 2020). Ainda
assim, o período de negociações para a constituição do Fundo de Recuperação e
Resiliência, como se referiu, não escondeu a existência de diversas tipologias de
assimetrias entre Estados-membros, e consequentemente a existência de divergências
internas na UE, confirmando uma tenncia ainda persistente.
Ao contrário da crise de 2008, em que apenas após a falência de bancos e a instalação
do caos económico, a UE se sentiu forçada a intervir e a encetar diligências, em 2020 a
intervenção iniciou-se mais cedo, com premissas políticas e objetivos diferentes, e a
salvo da desconfiança de favorecimento dos países mais desenvolvidos. Pelo contrário, a
UE procurou uma resposta concertada e participada pelos Estados-membros, de perfil
redistributivo, em favor das economias mais débeis e duramente atingidas pela
pandemia, construindo um Plano de Recuperação e Resiliência que, entre outros aspetos,
privilegia as subvenções sobre os empréstimos.
O facto da UE ter conseguido o acordo em matérias tão relevantes, sobre a resposta à
crise atual mas também projetando um conjunto de políticas estruturais e objetivos de
desenvolvimento económico sobre o seu futuro, tendenciais à sua coesão económica e
correção de assimetrias, revela novas ambições e a renovação do compromisso entre os
Estados-membros, com novos elementos de natureza política e económica, no sentido
do reforço da sua interdependência e cooperação. Em suma, de continuidade do processo
de integração.
Nos momentos mais duros da crise da Zona Euro, a UE foi acusada de despolitizar os
programas de ajustamento económico nos Estados devedores, momento caraterizado
por Schmidt como de ‘poltica sem polticas’ (2020) com consequncias na perceção das
populações sobre o seu papel, subalternizado perante a imagem pública de instituições
de cariz tecnocrático como a denominada Troika”. Em 2020, por contraste, as principais
personalidades políticas nacionais e institucionais deram visibilidade ao seu papel político,
bom como das suas instituições europeias. A linha política da tecnocracia submergia
novamente, verificando-se um regresso da denominada politização (Wolf & Ladi, 2020).
Personalidades como Merkel, Macron, von der Leyen ou Mark Rutte foram presenças
constantes nos espaços mediáticos e decisivas no desenrolar das negociações.
Em suma, na confluência destes elementos, pode-se ainda referir que o papel da UE e
das suas instituições, na crise de 2020, como se apresentou neste artigo, revela uma
crescente capacidade política de adaptação às crises. A sucessão de crises num curto
espaço de tempo terá construído essa capacidade, através da adaptação a um
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permanente estado de adversidade e divergência, moldando o interior das instituições e
capacitando-as para as respostas necessárias.
Contudo, persistem diversos desafios e riscos. Ao construir uma solução conjunta entre
o programa ‘Next Generation EU’ e o Quadro Financeiro Multianual 2021-2027, e
assumindo simultaneidade negocial e interdependência entre os programas, e que estes
não se limitam apenas a solucionar a crise presente, mas também a remodelar as
economias dos Estados-membros, a UE e os seus dirigentes estão a assumir
responsabilidades e encargos que não estão isentos de riscos em caso de insucesso.
No presente, como se referiu, se colocam sérias reservas sobre a eficácia destes
fundos, a propósito da adequação dos seus montantes e a celeridade da sua execução,
perante a dimensão da crise atual (Celi et al., 2020), assim como sobre a capacidade dos
Estados-membros os absorverem. Confirmando-se a sua ineficácia, e num contexto de
assimetrias e divergências políticas, por enquanto novamente discretas, novas formas
de crise do processo de integração podem emergir, quer ao nível das lideranças políticas
quer nas opiniões públicas nacionais, como se verificou no passado. A título de exemplo,
sobre as várias fragilidades que continuam a percorrer a UE, registam-se as reações
negativas de vários atores políticos a propósito dos problemas na contratação e
distribuição das vacinas para a pandemia Covid-19.
Em conclusão, a UE corrigiu alguns erros cometidos no passado, e prossegue uma
aparente linha de crescente politização e responsabilização das suas instituições.
Perante as expetativas criadas junto das opiniões públicas nacionais, o sucesso do
programaNext Generation EU’, será relevante no desenvolvimento presente e futuro do
processo de integração europeu, mas também, na definição da relevância da UE no
contexto internacional.
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