OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 12, Nº. 2 (Novembro 2021-Abril 2022)
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INTERVENÇÕES EXTERNAS NO MALI E NAS SUAS TERRAS FRONTEIRIÇAS
UM CASO DE ESTABILIZAÇÃO
ANA CARINA S. FRANCO
anacarina.sfranco@gmail.com
Consultora independente e doutoranda em relações internacionais na Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa (Portugal). Mestre em Ciências Políticas e
Sociais-Relações Internacionais pela Université Catholique de Louvain. Presta atualmente
serviços independentes de avaliação e análise sobre paz e segurança a organizações
internacionais, incluindo no âmbito do Instrumento da União Europeia que contribui para a
estabilidade e paz, bem como do projeto CivilnExt, destinado a reforçar a consciência situacional,
a troca de informações e o controlo operacional em missões civis no âmbito da Política Comum
de Segurança e Defesa da UE.
Resumo
O artigo tem como principal objetivo contribuir para uma melhor compreensão do conceito
de estabilização, tanto em termos académicos como políticos, analisando os resultados da
contrainsurgência e do apoio às operações de paz no Sahel por intervenientes regionais,
continentais e extracontinentais.Aborda o problema associado ao chamado "engarrafamento
de intervenção", resultante de numerosas iniciativas externas no processo político e na
dinâmica de conflitos dos países sahelianos, com enfoque no centro e norte do Mali e nas
suas fronteiras.
As intervenções externas entraram numa nova fase do chamado projeto de paz liberal,
quando, na década de 2000, as modalidades de manutenção da paz evoluíram para missões
integradas ou multidimensionais, bem como para um quadro normativo para a construção
estatal. Além disso, as intervenções no Sahel refletem o regresso à estabilização no início
dos anos 2010 um conceito que surge como alternativa ao nexo construção da paz-do
estado, que dominou a década anterior.
Apesar dos inúmeros esforços de estabilização, há episódios recorrentes de extrema
violência no etnicamente diversificado centro do Mali, juntamente com o aumento da
insegurança nos vizinhos Burkina Faso e Níger. Os fenómenos de insurgência nas zonas
fronteiriças entre o Níger, o Mali e o Burkina Faso (Liptako-Gourma), estão muitas vezes
diretamente ligados à associação entre a expansão dos movimentos salafi-jihadistas e a
crise política maliana de 2012, mas também à fraca presença do estado nas grandes regiões
do Saara-Sahel e aos desafios colocados pelo pluralismo étnico. O artigo conclui sublinhando
a falta de integração das respostas de estabilização numa abordagem política, considerando
diferentes estratégias de governação. Salienta ainda a necessidade de dar prioridade à
restaurão da autoridade legítima do estado, apesar da conquista de um modus vivendi na
região norte do país.
Palavras-chave
Estabilização, apoio à paz, intervenção, construção do estado, Sahel
Como citar este artigo
Franco, Ana Carina S. (2021). Intervenções externas no Mali e nas suas terras fronteiriças-
um caso de estabilização. Janus.net, e-journal of international relations. Vol12, Nº. 2,
Novembro 2021-Abril 2022. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.6
Artigo recebido em 23 Julho 2021 e aceite para publicação em 7 Setembro 2021
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Intervenções externas no Mali e nas suas terras fronteiriças - um caso de estabilização
Ana Carina S. Franco
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INTERVENÇÕES EXTERNAS NO MALI E NAS SUAS TERRAS
FRONTEIRIÇAS UM CASO DE ESTABILIZAÇÃO
ANA CARINA S. FRANCO
Introdução
O artigo aborda a problemática associada ao chamado "engarrafamento de
intervenção"
1
, resultante de numerosas iniciativas externas, nomeadamente sob a
forma de intervenções militares e de apoio à paz, que estão a ser implementadas no
Sahel desde a crise político-militar maliana de 2012. O seu principal objetivo é
compreender e analisar os efeitos dessas operações, ou a "parceria de manutenção da
paz"
2
, no processo político e na dinâmica de conflitos dos países sahelianos, com
enfoque no centro e norte do Mali e nas suas fronteiras. Além disso, pretende contribuir
para uma melhor compreensão do conceito de estabilização, tanto em termos
académicos como políticos.
A natureza transfronteiriça das ameaças à segurança do estado no Sahel dificulta as
respostas de natureza exclusivamente militar lideradas e/ou apoiadas por atores de
intervenção (estado, organizações internacionais, coligações ad-hoc). Estes
intervenientes são regionais (G5 Sahel, Comunidade Económica dos Estados da África
Ocidental-CEDEAO), continental (União Africana-UA), ou extracontinental (França,
Organização das Nações Unidas-ONU, União Europeia-UE, Estados Unidos da América-
EUA). Este trabalho explica como, apesar da proliferação de iniciativas externas de
apoio à reforma do sector da segurança, a lógica crescente de contrainsurgência,
juntamente com a privatização a longo prazo de serviços públicos como a segurança,
desafiaram ainda mais a autoridade legítima mais do que legal do estado.
O presente estudo conclui sublinhando os limites da abordagem tecnocrática das
respostas de estabilização, bem como a falta da sua integração numa abordagem
política, considerando diferentes estratégias de governação. A perspetiva de uma
abordagemsistémica menos linear e baseada na sociedade pode ser exemplificada pelo
recente apoio internacional e nacional às abordagens de baixo para cima. Estes acordos
materializam-se frequentemente no estabelecimento de acordos de paz locais liderados
por intervenientes não estatais, no âmbito da dinâmica de conflitos mais policêntrica e
complexa na região central do Mali e nas fronteiras a sul.
1
A expressão "engarrafamento de intervenção" foi utilizada, por exemplo, na edição de julho de 2020
Assuntos Internacionais, c-editado por Jacobsen & Cold-Ravnkilde, para caracterizar a proliferação de
iniciativas de ajuda externa no Sahel.
2
Williams (2021: 24) refere a esta "parceria de manutenção da paz" como a norma atual em África,
implicando "colaboração em operações entre duas ou mais instituições multilaterais e/ou vários
intervenientes bilaterais".
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A investigação baseia-se numa análise da literatura, bem como em entrevistas
semiestruturadas e abertas, remotas e por comunicações pessoais com antigos e atuais
funcionários da ONU e da UE, bem como especialistas independentes, em 2020 e 2021.
Todas as entrevistas foram realizadas ao abrigo da Regra da Casa Chatham, pelo que
não são fornecidas referências diretas a indivíduos que participaram a título pessoal no
texto.
Conceptualização da estabilização
Os esforços de estabilização destinam-se a apoiar os estados em conflito em
diferentes fases e consistem frequentemente em processos em que os atores
militares apoiam processos liderados por civis, que podem ser traduzidos tanto em
operações de apoio à paz como em operações de contrainsurgência (Curran & Holtom,
2015: 3, Mac Ginty, 2012)
3
. As intervenções externas contemporâneas, incluindo no
Sahel, constituem progressivamente estabilização e/ou contrainsurgência combinadas
com operações de contraterrorismo, colocando um desafio ao paradigma clássico e
liberal da construção da paz, e resultando na sua retração tanto como conceito como
prática (Karlsrud, 2019a).
O conceito de estabilização surgiu no final dos anos 2000 como uma alternativa
pragmática ao nexo de construção da paz-construção do estado que dominou a década
anterior (Andersen, 2018). A primeira missão de estabilização da ONU data de 2014
(Haiti). Em 2015, o relatório do Painel Independente de Alto Nível sobre Operações de
Paz (PIANOP) confirmaria a ausência e necessidade de uma definição de estabilização
por parte da ONU (ONU, 2015; Andersen, 2018). OPIANOP refere-se a missões de
"gestão de crises" da ONU, que incluiriam a estabilização. Do mesmo modo, a UE utiliza
o conceito de "gestão de crises", e a UA (juntamente com a Organização do Tratado do
Atlântico Norte-OTAN) realiza operações de "apoio à paz". Na literatura, a estabilização
corresponde frequentemente à definição desenvolvida pelo governo britânico. Neste
sentido, aplica-se a situações em que não existe acordo político e consiste num
processo que visa estabelecer um quadro político e um assentimento para um estado
estável, não necessariamente um estado final concreto (Aoiet al, 2017: 4, 10-11).
A maioria das intervenções implica apoio ao processo de reforma do sector da
segurança (RSS), que constitui uma componente fundamental da construção estatal
promovida por atores externos, como a UE, a ONU e os EUA. A RSS consiste num
"conceito inteiramente orientado pela política" (Bleiker & Krupanski, 2012: 37), em
referência a processos que exigem um quadro civil de controlo democrático que
garanta responsabilidade e transparência no uso da força. Promove a legitimidade do
estado no monopólio do uso da força, garantindo que tem a capacidade de aumentar o
uso da mesma, mas também que a violência perpetrada por ordens políticas não
estatais é eliminada. Os processos daRSS centram-se principalmente na reforma das
instituições militares, incluindo, na maioria das vezes, programas de desmobilização
3
Contradizendo os princípios da manutenção da paz, as operações de contrainsurgência procuram
estabelecer a ordem combatendo a insurreição. Muitas vezes com base na doutrina britânica, a
"insurreição" é entendida como uma subversão organizada e violenta usada para afetar ou impedir o
controlo político, desafiando assim a autoridade estabelecida. Como as operações de contrainsurgência
também visam abordar as causas fundamentais da insurreição, exigem uma abordagem multifacetada
(Aoi et al, 2017: 9).
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embora, na última década, o conceito tenha sido reformulado para responder à agenda
de segurança humana
4
.
Críticas e avanços existentes para uma "viragem local"
Com o objetivo de abordar a chamada crise da construção da paz a partir do final dos
anos 90
5
, a abordagem institucionalista da "construção da paz como edificaçãodo
estado" tornou-se o principal objetivo de qualquer política internacional relacionada
com a segurança global no início dos anos 2000. Houve um novo consenso para uma
abordagem de "parceria" (entre países beneficiários e instituições internacionais) para a
construção da paz (Chandler, 2017: 4). O projeto de governação global ou a
hegemonia da paz liberal entraram numa nova fase de intervenção externa com o
desenvolvimento de modalidades de manutenção da paz que evoluíram para missões
integradas ou multidimensionais.
No entanto, a ausência de paz no contexto dos conflitos no próprio estado resulta em
cenários complexos para a operacionalização das missões de manutenção da paz, que
tendem a implementar mandatos robustos. Os seus mandatos espelham a
complexidade inerente aos conflitos intraestatais, ao contrário das chamadas missões
tradicionais de manutenção da paz que operam no contexto do inter-conflito, incluindo
o acompanhamento dos processos de desmobilização e cessar-fogo (Howard 2019a: 5).
Vários autores alertam para os riscos que tais desenvolvimentos implicam para a
manutenção da paz como instrumento de paz, bem como para a necessidade de
reafirmar o caráter político de qualquer doutrina de estabilização da ONU (Howard,
2019b; Charbonneau, 2019: 311; Karlsrud, 2017: 1222-1225; Boutellis, 2015: 4).
A identificação das falhas no projeto de paz liberal levou ao surgimento de novas
conceptualizações da paz (pós-liberal). As críticas existentes à construção da paz
devem-se essencialmente à incapacidade do modelo liberal de assegurar a
sustentabilidade da mesma, em grande parte devido à imposição de instituições
estatais tecnocráticas. Chandler (2017: 4) refere-se à construção da paz como
"construção de soberania" e à "soberania" como "responsabilidade", no sentido de que
os estados pós-coloniais e não ocidentais se incorporam em quadros institucionais
internacionais. Neste contexto, uma mudança progressiva das intervenções que são
baseadas em fins ou orientadas para objetivos, centradas em instituições formais do
estado, para uma abordagem social sistémica menos linear, incluindo formas híbridas
de paz e práticas quotidianas (Chandler, 2017: 143-210; Mac Ginty, 2010, 2011).
Apesar do papel preeminente dado ao "local" na estratégia da maioria das intervenções
externas, os atores nacionais ou regionais que não cumprem as normas burocráticas e
tecnocráticas internacionais, são muitas vezes marginalizados de iniciativas
patrocinadas internacionalmente (Mac Ginty, 2012b). A construção estatal ainda é vista
como o "remédio tecnocrático" para, por exemplo, estados "frágeis"(Ibid.). Por
4
O conceito de segurança humana reflete a mudança de paradigma, da guerra para a lei, num contexto
internacional em que a lei se aplica mais ao indivíduo do que ao estado (Kaldor, 2014: 74).
5
Em reflexão sobre esta crise, as intervenções de paz resultaram frequentemente no estabelecimento de
proteções internacionais da paz, por exemplo, nos Balcãs e em Timor-Leste, que contestaram o quadro da
Carta da ONU de soberania e não intervenção (Chandler, 2017: 4).
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conseguinte, a ênfase no local não resulta automaticamente na propriedade e na
sustentabilidade pela população global de um país ou região beneficiário/a.
O debate reflete igualmente as opiniões atuais sobre o apoio estrangeiro à RSS. Este
conceito tende a passar de um paradigma de assistência externa à segurança realista
e centrado no estado durante a Guerra Fria para uma abordagem liberal e mais
holística. Assim, embora aplicada ao sector da segurança, a RSS tem respondido
principalmente à agenda da (boa) governação (Chappuis & Hänggi, 2013: 170). Dito
isto, encontra-se atualmente num impasse entre dois quadros contraditórios, ou seja,
entre o compromisso com o estado de direito como principal princípio da RSS
abordagem liberal e a sua inserção na atual "viragem local" nos estudos de paz e
conflitos como condição para uma paz sustentável abordagem pós-liberal (Donais &
Barbak, 2021: 3-5). Por exemplo, ao adotarem um modelo híbrido de natureza liberal
6
,
os prestadores locais de segurança não estatais também integram o processo deRSS,
tendo em conta o objetivo final de garantir a segurança humana. Assim, apesar do
investimento significativo no sector, do ponto de vista de uma escola híbrida, a
abordagem ortodoxa (liberal) é bastante centrada no estado, ignorando as dinâmicas
locais (Sedra, 2013: 2019-222).
Provas do Mali e das suas terras fronteiriças
O período de análise começa com a crise político-militar maliana de 2012, no contexto
de umpós-golpe de estado e da rebelião Tuareg, e posterior intervenção da França
(Operação Serval) em apoio ao governo maliano contra grupos ligados à Al-Qaeda no
Magrebe Islâmico (AQMI). As iniciativas levadas a cabo por entidades
regionais/continentais, nomeadamente a UA e a CEDEAO através da
MissãoInternacional Africana de Apoio ao Mali (MIAAM), liderada por africanos, foram
rapidamente substituídas por e/ou integradas na missão de manutenção da paz da
ONU, Mission Multidimensional Integrée des Nations Unies pour la Stabilization au Mali
(MINUSMA) em 2013. Nesse mesmo ano, a UE estabeleceu a sua missão militar de
Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), a Missão de Formação da UE no Mali
(MFUEM), seguida mais tarde pela Missão civil de Capacitação da UE (EUCAP) Sahel
Mali (2015). AMFUEM e o EUCAP são ambas missões não executivas, principalmente de
apoio à reforma do sector da segurança maliana. Desde 2017, a UE lançou o processo
de regionalização da sua PCSD no Sahel, combinando civis e militares e estabelecendo
uma rede de especialistas em segurança e defesa nas delegações da UE. Ao mesmo
tempo, entre 2013 e 2014, foram lançadas missões militares regionais com mandatos
de contraterrorismo no Sahel, incluindo no Mali, como as operações JuniperShield
(EUA) e Barkhane (França). Em 2017, a UA autorizou a força conjunta G5 Sahel (Mali,
Burkina Faso, Níger, Chade, Mauritânia). Desde 2020, a França lidera a criação do
grupo de trabalho Takuba com contribuições de vários estados-membros da UE
7
.
6
Sedra (2013: 211-223) distingue entre três escolas para explicar as deficiências do modelo RSS
(monopólio, "bom, suficiente", ou híbrido), com base em semelhanças e diferenças em relação ao papel
desempenhado pelo estado.
7
A força de intervenção Takuba está atualmente focada no Liptako-Gourma região tri-fronteiriça (Rio Mali,
Burkina Faso, Rio Níger)adjacente ao rio Níger, entre a cidade de Gao no Mali e a capital do Níger,
Niamey. Visava reforçar a Operação Barkhane, cujo fim foi recentemente (junho de 2021) anunciado pelo
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As respostas externas tendem a ser integradas numa abordagem política ou no nexo de
desenvolvimento de segurança. Está também no centro do grupomultidoador 'Alliance
Sahel' (2017) e iniciativas subsequentes, nomeadamente a Parceria para a Segurança e
Estabilidade no Sahel-P3S (2019) e a Coligação para o Sahel (2020). No entanto, estas
abordagens o prioridade à governação do estado em detrimento de formas
alternativas de governação e de contratos sociais informais, cujo entendimento é
gradualmente visto como essencial para enfrentar as causas fundamentais dos conflitos
violentos. De facto, a região continua a enfrentar desafios da presença a longo prazo
de elementos dos diferentes movimentos salafi-jihadistas
8
, juntamente com o regresso
contestado da administração estatal ao centro e norte do Mali.
Uma tendência fundamental do período pós-intervenção no Mali é a proliferação de
milícias e movimentos políticos ou grupos político-militares muito diversificados. Lecocq
& Klute (2019: 49-53) colocam o governo maliano entre os numerosos grupos que
"lutam militarmente e politicamente muitas vezes em alianças de mudança rápida entre
eles ou com grupos de poder externos para diferentes objetivos, que também podem
mudar rapidamente". Os mais notórios têm sido os movimentos salafi-jihadistas. Com
efeito, a rego do Sahel em geral, e a região de Liptako-Gourma, em particular,
sofreram com a vasta expansão embora em processos muito fragmentados das
filiais locais da Al-Qaeda e do Daesh das décadas de 2000 e 2010, respetivamente. Em
menor grau, a fronteira Mali-Burkina Faso-Costa do Marfim também tem sido objeto da
expansão dos movimentos Salafi-Jihadi. Os programas de segurança transfronteiriça no
âmbito da Iniciativa Accra (não reconhecidos pela UA) destinavam-se a combater a
insurreição, nomeadamente liderada pelo Grupo de Apoio ao Islão e aos muçulmanos
(Jamā‘atnurat al-islāmwal-muslimīn - JNIM), através da operação Koudanlgou II em
2018
9
.
Apesar de inicialmente ter um papel de mediação (monitorização do processo de paz),
o mandato da MINUSMA tem enfrentado desde então desafios na implementação de um
mandato robusto num contexto de conflito intraestatal, na medida em que a
operacionalização da missão tem desafiado os princípios das operações de manutenção
da paz, não se enquadrando no espectro de operações previstas na Doutrina Capstone.
Karlsrud (2019b) sugere colocar a missão de manutenção da paz da ONU MINUSMA sob
uma espécie de "capítulo VII e meio" de operação no seio da Carta das Nações Unidas
tomando como exemplo a conceptualização da manutenção da paz pelo ex-
secretário-geral Hammarskjöld como uma operação de "Capítulo VI e meio", ou seja,
entre a "Resolução de Litígios do Pacífico" (Capítulo VI) e o uso da força (Capítulo VII).
Neste sentido, "Capítulo VII e meio" são operações de paz do Capítulo VII "destacadas
em estreita cooperação com os atores regionais ou sub-regionais, quer no âmbito da
operação de paz da ONU, quer em estreita cooperação com ele", nomeadamente os
presidente francês Macron. A equipa de trabalho tem dois grupos sediados no maliano cidades de Gao e
Menaka.
8
O artigo adota a expressão "movimento Salafi-Jihadi" usada por Maher (2016). Da mesma forma,
Dalacoura (2001: 235-248) e Dias (2010) adotam o conceito de movimento militante islâmico, que reflete
o caráter transnacional do que são vulgarmente designados como grupos jihadistas. O jihadismo refere-se
aos movimentos que emergiram a partir da década de 1980, caracterizados por um afastamento da
tradição sunita em termos de como a jihad deve ser conduzida, por exemplo, rejeitando ordens políticas
baseadas na constituição e cometendo violência contra civis (Thurston, 2020:1-2).
9
A operação foi levada a cabo pelo Burkina Faso, Costa do Marfim, e Gana, com o Mali como observador.
Mais recentemente (março de 2021), foram perpetrados ataques contra posições da gendarmeria e do
exército na Costa do Marfim, na zona fronteiriça com o Burkina Faso.
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estados-membros africanos que fornecem tropas a missões com uma aplicação da paz,
ou pelo menos com um mandato mais robusto (Ibid.: 496).
Enquanto a força conjunta do G5 Sahel continua a desenvolver a sua própria
capacidade, a MINUSMA é mandatada para lhe fornecer apoio operacional e logístico,
em particular para realizar operações de contrainsurgência em todo o Sahel
10
.
Enfrentando um risco reputacional, a missão da ONU colabora, direta ou indiretamente,
também com a Operação Barkhane (que substituiu Serval em 2014)
11
nos seus
esforços de contrainsurgência e contraterrorismo (Boutellis, 2021: 28-30, Charbonneau
2019). No entanto, este grau de participação da MINUSMA na contrainsurgência
permanece incerto. Com efeito, por um lado, a Barkhane, liderada pela França,
colaboraria com a MINUSMA a um nível limitado, por exemplo, partilhando informações
sobre os riscos de segurança relacionados com as operações previstas em áreas onde a
missão da ONU também opera. Por outro lado, a cooperação entre a MINUSMA e o
governo maliano centrou-se progressivamente na contrainsurgência, principalmente
para neutralizar os grupos armados
12
.
Em relação ao governo maliano, a missão é de facto parcial, resultando em ataques
retaliatórios por grupos insurgentes e numa lógica crescente de contrainsurgência.
Também não se rege pelo princípio da não utilização da força. O uso da força é
permitido, embora exclusivamente com o propósito de proteger as forças de paz e a
população civil, portanto, também não a qualificando como uma missão de aplicação da
paz (Kjeksrud & Vermeij, 2017: 227-245). De facto, desde 2014, a MINUSMA viu o seu
mandato alargado para incluir, por exemplo, a proteção dos civis e o apoio ao
restabelecimento da autoridade pelo estado central. Desde 2018, enquanto a proteção
dos civis continuava a ser o foco, o âmbito geográfico foi alargado ao centro do Mali.
Este objetivo visava especificamente restaurar a autoridade do estado nas áreas
comunitárias infligidas pela violência de Mopti e Segou, onde o pluralismo étnico é mais
proeminente em comparação com a região norte do Mali (van der Lijnet al 2019: 39-
43).
A ONU demonstrou relutância em reposicionar recursos para a proteção dos civis para o
que viria a ser a maior crise no Mali em resultado do aumento da violência
intercomunitária e intracomunitária na região central do país. Quando colocada numa
situação complexa, por exemplo, criada para lidar com um conflito (no Norte) e mais
tarde tendo outro para tratar (no centro), a ONU revelou-se imprópria para uma rápida
reconcentração. No Norte, foi alcançado um modus vivendi entre as duas coligações
rivais após a assinatura do Acordo de Paz e Reconciliação de 2015 e apesar da sua
lenta implementação (Boutellis 2021: 18)
13
.
A sustentabilidade das intervenções externas e o seu objetivo de estabilização são
questionados especialmente dada a intensificação da violência no centro do país. Por
10
Com base em entrevistas realizadas remotamente em 2021, a ação da Força Conjunta é pouco percetível
dada a falta de implementação da operação.
11
De acordo com Harmon (2015), a substituição de Serval por Barkhane ocorreu não devido à
necessidade da França de intervir no Sahel para além do Mali, mas também devido a preocupações em
relação à liderança políticamaliana e insuficiência das forças de segurançanacional, especialmente para a
guerra no deserto.
12
Entrevistas com atuais e ex-funcionários da ONU, remotas, fevereiro, abril, maio e junho de 2021.
13
Parafraseando um entrevistado, "MINUSMA estabeleceu-se para o “Opção Darfur.”. Entrevista com o atual
membro do pessoal da ONU, remoto, abril de 2021.
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exemplo, o conflito entre dois grupos étnicos na região - os pastores Fulani e os
pastores Dogon - juntamente com o conflito intracomunitário, pode ser visto como um
produto da insurgência e da contrainsurgência. A combinação da retaliação por parte
das forças de segurança do estado com os atos violentos dos diferentes movimentos
levou à proliferação de grupos de autodefesa. Isto contribuiu para um ciclo contínuo de
violênciasinter e intracomunitárias, incluindo a criação de um contramovimentoDogon
agindo contra a milícia Dogone favorecendo o diálogo com Fulani aliado aos
movimentos Salafi-Jihadistas, ou disputas sobre o acesso a pastagens entre os Fulani
que apoiama Al-Qaeda e os do mesmo grupo étnico que apoiam o Daesh (Benjaminsen
& Ba 2021; ICG: 2020-3-4; van der Lijnet al, 2018: 42).
No entanto, tanto os atores estatais internacionais como os nacionais têm prestado
atenção à região central. Considerando que o Plano de SécurizationIntégréedesRégions
du Centre (PSIRC) de 2018 do Governo do Mali sublinhou os aspetos de segurança
(juntamente com o retorno global do estado e do desenvolvimento), o Stratégie de
Stabilizationpourle Centredu Mali 2019 teve um foco mais claro nos aspetos políticos,
como parte de uma estratégia de saída de crise (ICG 2020: 20-22). Abordagens de
baixo para cima, muitas vezes apoiadas por atores internacionais, incluindo a
MINUSMA, organizações não-governamentais internacionais, mas também por atores
nacionais como oHautConseilIslamiquedu Mali,resultaram no estabelecimento de
acordos de paz locais na região centro. No entanto, outros acordos de paz foram
também liderados por elementos dos movimentos salafi-jihadistas, permitindo assim
formas alternativas de autoridade e governação (Boutellis 2021: 22-24, ICG 2020: 26-
28).
Juntamente com esses movimentos, a formação de grupos de autodefesa apresentou-
se como uma forma de privatização informal de um serviço público/estado: a
segurança. Por exemplo, Benjaminsen & Ba (2021: 5) afirmam que a milícia Dogon
consiste principalmente de caçadores tradicionais treinados e armados pelo estado
maliano para substituir de facto o exército nacional na tentativa de controlar a região
central. Fundada em 2016, Dana Ambassagou é o principal grupo de autodefesa
implicado na escalada da violência na região, e essencialmente aliado ao estado
maliano. Apesar de ser formado principalmente por dozo ou caçadores locais,
tradicionalmente vistos como protetores da comunidade, também integra outras
milícias dogon e elementos criminosos originários de países da África Ocidental,
nomeadamente a Costa do Marfim. Além disso, nos últimos anos, um número crescente
de relatórios aponta para o facto de a crescente lógica de contrainsurgência ter levado
também os exércitos nacionais a cometerem uma ação de violência contra os civis
14
.
No âmbito do apoio às forças de segurança governamentais, a assistência à RSS tende
a seguir a "viragem tecnocrática" das intervenções de paz patrocinadas
internacionalmente (Mac Ginty, 2012b). Além disso, parece existir um desequilíbrio
entre as esferas normativa e funcional, com ênfase nos aspetos funcionais do sector da
segurança (voltando a uma gica de "comboio e equipa", em detrimento da promoção
de normas e regulamentos, nomeadamente pela UE. De facto, a assistência às forças
14
Veja-se, por exemplo, os seguintes recursos online disponibilizados pelo Projeto de Dados de Conflitos
Armados & Dados de Eventos - ACLED (https://acleddata.com/blog/2020/05/20/state-atrocities-in-the-
sahel-the-impetus-for-counter-insurgency-results-is-fueling-government-attacks-on-civilians) e Orient XXI
(https://orientxxi.info/magazine/au-sahel-les-massacres-s-amplifient-malgre-le-covid-19,3830)
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estatais é impulsionada pelo fornecimento (de formação, equipamento e
aconselhamento), com peritos e académicos a censurarem a ausência de apropriação
devida por parte dos atores nacionais (Tull, 2020, 2019). Jayasundara-Smits (2018;
Ehrhartet al, 2014). Além disso, os atores externos não têm acesso às dinâmicas de
poder existentes, muitos impulsionados pelo neopatrimonialismo com foco nas
personalidades e o nas instituições
15
. As dinâmicas inerentes à agência local,
incluindo a "RSS local"
16
, são ilustradas por golpes militares no Mali em agosto de 2020
e maio de 2021.
Além disso, a assistência da RSS baseada no estado de direito é vista como demasiado
rígida para se ajustar aos contextos locais (Cravo, 2016; Donais & Barbak, 2021: 5-6).
Em vez disso, pode-se defender a passagem da legalidade para a legitimidade no
âmbito da disposição de segurança híbrida existente. Neste contexto, privilegiar-se-ia o
que a Donais & Barbak (2021: 9-15) define como "redes de prestação de contas
policêntricas" dentro de uma estratégia de RSS para além do estado. Permitiria
promover a cogovernação entre os prestadores de segurança estatais e não estatais,
incluindo as ligações exigidas com a prestação de justiça.
Este artigo explica ainda como a abordagem centrada no estado que informa as
intervenções externas - não resultou numa solução para o colapso (parcial) do estado
maliano, em particular no norte do país e nas suas fronteiras.
Da recessão do estado maliano ao seu colapso parcial
Fruto de uma seleção limitada do trabalho de Weber, a abordagem institucionalista à
construção estatal é criticada pela perspetiva essencialmente tecnocrática centrada nas
capacidades e instituições ou aparelhos do estado subjacentes ao seu monopólio da
violência (Lottholz & Lemay-Hébert, 2016). Esta abordagem neo-weberiana não explica
a natureza mais diversa e complexa do estado, nomeadamente a relação estabelecida
entre o mesmo e a sociedade. Pelo contrário, a adoção de uma linha pós-Weberian
permitiria analisar a legitimidade nas suas dimensões históricas e culturais, incluindo
fontes alternativas de legitimidade de ordens sociais, como as tradicionais, e como se
sobrepõem ou o objeto de interferências dos processos globais (nomeadamente a
intervenção).
A maioria dos estudos mostra que o governo maliano negligenciou a procura de
soluções duradouras para as causas da insurreição local que estão relacionadas com
um défice de governação política em áreas marginalizadas e que estão remotamente
relacionadas com o fenómeno do jihadismo (Schmidt, 2018: 294, 2013: 2017;
Charbonneau, 2019: 312). Como dizia Guichaoua (2020: 911), "a soberania pós-
colonial no Mali nunca esteve em grande forma", e a intervenção externa na crise pós-
2012 precipitou o colapso (parcial) do estado
17
. Antes de 2012, os atores externos,
15
Entrevistas com ex-EUTM e atuais funcionários da ONU, remotos, abril e maio de 2021
16
"SSR de propriedade local" é explicado por Donais & Barbak (2021:2), como a apropriação do processo
pelo governo anfitrião, caracterizada por um compromisso dos ideais da RSS face às lutas de poder e à
resistência às medidas de responsabilização.
17
Erdmann (2014: 220) explica colapso parcial do estado como a "perda de soberania dentro de um
território limitado, implicando uma perda total do monopólio sobre o uso da força e um desafio simultâneo
à integridade do estado", que consiste numa caracterização relevante do estado no Mali na crise político-
militar pós-2012.
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bem como os atores nacionais não estatais, estavam a cumprir a oferta de bens
públicos, incluindo a segurança na região norte através de milícias leais. O Mali cairia
na categoria de "desintegração do estado", de acordo com a tipologia de Erdmann: o
estatuto de para-estado ou a para-soberania foram exercidas por instituições não
estatais "sem suplantar completamente o estado ou desafiá-lo explicitamente",
resultando assim numa "descentralização ou privatização informal" (Erdmann, 2014:
2019). No entanto, o artigo privilegia o conceito de "recessão do estado", que se refere
a um processo gradual "pelo qual o mesmo recuou em termos de controlo político e
territorial, de autoridade jurídica efetiva e de prestação de serviços e de segurança,
incluindo o acesso a bens e mercados e à concomitante informatização ou
privatização da economia e de outras funções estatais, incluindo segurança" (Bøås &
Jennings, 2005: 390).
Neste contexto, é importante destacar o contributo das fronteiras e periferias dos
estados pós-coloniais para o surgimento de formas de poder não estatais, cuja
vitalidade não é controlada por regimes nacionais ou internacionais. Asencomendas o
muitas vezes um exemplo de espaços que "desempenham um papel essencial na
calibração das relações de poder entre o estado e os seus cidadãos", e "geram recursos
importantes que têm um impacto decisivo na construção do estado e da paz fora do
seu meio envolvente imediato" (Korf & Raeymaekers, 2013: 9). A ausência de controlo
estatal sobre a sua fronteira é ilustrada pela experiência do programa de segurança
fronteiriça da MINUSMA. Nos primeiros anos da sua criação no Mali, a missão de
manutenção da paz da ONU conduziu a um mapeamento de todos os postos
fronteiriços do país que, de facto, só existiam nas fronteiras meridionais; nas zonas
norte, os postos funcionais eram inexistentes e não foram realizadas patrulhas
fronteiriças entre eles. Em suma, a gestão fronteiriça no Mali refletiu o seu complexo, e
muitas vezes descoordenado, sector de segurança nacional
18
.
Ao mesmo tempo, o mandato da MINUSMA continua a ser rigoroso para o Mali, com
informações limitadas a serem partilhadas pelos países vizinhos, com exceção do apoio
dos países contribuintes das tropas da região, nomeadamente o Burkina Faso
19
. As
agências da ONU associar-se-iam a intervenientes estatais locais na fronteira sul,
nomeadamente a organização regional Autorité de développement integde la region
du Liptako-Gourma (ALG) para a cooperação transfronteiriça apoiada pelo Programa da
ONU para o Desenvolvimento. Criada em 1970 com um mandado de desenvolvimento
para as áreas fronteiriças, a ALG tornou-se ativa no setor da segurança a partir de
2017 e formalizou a sua cooperação com o G5 Sahel em 2018
20
.
De facto, a gestão das fronteiras tornou-se apenas uma prioridade para a maioria dos
intervenientes externos, em particular para a UE, no rescaldo da chamada crise dos
refugiados de 2015. A UE proporcionou investimentos significativos na área, quer
através do seu Fundo fiduciário de Emergência (FFE) para África, quer através das
missões do CSDP no terreno, incluindo a EUCAP. O EUCAP Sahel Mali também acabaria
por começar a apoiar o controlo fronteiriço a partir de 2017, como parte da estratégia
18
Entrevista com corrente Membro do pessoal da ONU, remoto, abril de 2021.
19
Entrevista com ex-membro do pessoal da ONU, remoto, junho de 2021.
20
www.liptakogourma.org/signature-dun-accord-de-cooperation-entre-lalg-et-le-g5sahel
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global da UE para combater a migração irregular e a atividade insurgente
21
. A
abordagem integrada da UE para a gestão das fronteiras e a estabilização global é mais
bem exemplificada pelo seu Programme d'appui au renforcement de la sécurité dans la
région de Moptiet à la gestion des zones frontalières (PARSEC), implementado desde
2017. O PARSEC combina recursos da EUTF, EUCAP e EUTM para o restabelecimento da
autoridade estatal em Mopti (centro do Mali), com foco na estabilização de terras
fronteiriças na área de Liptako-Gourma ao longo das fronteiras malianas com o Níger e
Burkina Faso
22
.
A evolução das intervenções de estabilização no Mali desde 2012 demonstra que, em
vez de promover o restabelecimento da autoridade (legal) do estado, seria necessário
restaurar a sua autoridade legítima. Neste contexto, uma perspetiva crítica implicaria a
necessidade de destacar aspetos do pós-colonialismo ou do eurocentrismo, e da
agência local. Esta mudança significa combinar uma perspetiva de fundo de dinâmica
institucional com uma perspetiva de baixo para baixo, permitindo uma melhor conta da
agência da multiplicidade de atores, estado e não-estado.
Conclusão
O caso Saheliano ilustra um sistema intervencionista ou ordem onde a soberania é a
narrativa dominante. Constitui um caso notável para o desenvolvimento da doutrina e
políticas de estabilização lideradas internacionalmente e regionais. Aquiparece ter
havido uma evolução das intervenções externas centradas tanto no apoio ao processo
de paz política, principalmente no Mali, como parte de qualquer processo de
estabilização, e de contrainsurgência a curto prazo para esforços de estabilização em
larga escala centrados na contra insurgência a longo prazo e no apoio ao sector da
segurança, na linha do nexo de desenvolvimento da segurança.
Apesar do investimento significativo em iniciativas de estabilização na região,
justamente ilustradas pela expressão "engarrafamento de intervenção", essas
iniciativas não foram, em grande medida, capazes de ultrapassar a viragem
tecnocrática que caracteriza as intervenções contemporâneas patrocinadas
internacionalmente. Com algum nível de coordenação, as respostas o implementadas
num contexto de maior complexidade resultante da evolução dos conflitos e
intervenções do norte do Mali para a região central e das suas zonas fronteiriças onde o
pluralismo étnico tende a desempenhar um papel mais importante.
Os esforços de estabilização no Mali revelaram-se eficazes se visassem especialmente
normalizar as relações políticas entre Bamako e as elites políticas do Norte. Por
conseguinte, corrobora a definição de estabilização descrita no início do artigo como
medida provisória, parte de um processo destinado a estabelecer um quadro político e
um acordo para um estado estável embora não definitivo. No entanto, hoje em dia, é
também necessário um quadro político e um acordo para fazer face aos processos mais
21
Entrevistas com ex-membro do staff da EUCAP, analista independente e antigos e atuais funcionários da
ONU, remotos, maio de 2020, fevereiro-maio de 2021. Além da crise dos refugiados na Europa, os
ataques em Bamako liderados por elementos do movimento Salafi-jihadista em 2015 também
contribuíram para a decisão de alargar o mandato da EUCAP.
22
https://ec.europa.eu/trustfundforafrica/region/sahel-lake-chad/mali/programme-dappui-au-renforcement-
de-la-securite-dans-les-regions-de_en
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complexos, fragmentados e policêntricos no centro e nas fronteiras meridionais, com
subsequente derrame de instabilidade para os países vizinhos.
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