OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 11, Nº. 2 (Novembro 2021-Abril 2022)
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ESTREITO DE BAB EL-MANDEB:
PALCO DE DISPUTAS GEOPOLÍTICAS
ANTÓNIO GONÇALVES ALEXANDRE
amgalexandre527@hotmail.com
Investigador colaborador no Centro de Investigação e Desenvolvimento,
Instituto Universitário Militar (Portugal).
Resumo
Situado entre o Iémen, a Nordeste, e o Djibuti e a Eritreia, a Sudoeste, o Estreito de Bab el-
Mandeb é a área mais próxima entre a Península Arábica e o Corno de África e liga o Mar
Vermelho ao Golfo de Áden. Com trinta e dois quilómetros de largura, o valor estratégico do
Estreito de Bab El-Mandeb está associado ao facto de ser a rota marítima mais curta entre o
Mar Mediterrâneo e o Oceano Índico.
Segundo dados da US Energy Information Administration, de 2019, 6,2 milhões de barris de
petróleo bruto e refinado, fluíram por dia pelo Estreito de Bab el-Mandeb em direção à
Europa, Estados Unidos e Ásia, em 2018. Por outro lado, um relatório da Chatam House, de
2017, identificou 14 chokepoints que considerou críticos para a segurança alimentar global,
sendo o Estreito de Bab El-Mandeb um dos mais relevantes.
Pretende-se com este artigo analisar as disputas geopolíticas em curso nesta região,
particularmente entre os EUA, que mantêm uma estrutura forte, e as potências emergentes,
China e ssia, que estão a posicionar-se com o intuito de reforçarem a sua presença. Os
resultados mostram que essa competição, no nível global, existe e está mesmo num ciclo
ascendente.
Palavras-chave
Bab el-Mandeb, rotas marítimas, comércio marítimo internacional, disputas geopolíticas
Como citar este artigo
Alexandre, António Goalves (2021). Estreito de Bab el-Mandeb: palco de disputas
geopolíticas. Janus.net, e-journal of international relations. Vol12, Nº. 2, November 2021-
April 2022. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.5
Artigo recebido em 24 Maio 2021 e aceite para publicação em 27 Setembro 2021
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Estreito de Bab el-Mandeb: palco de disputas geopolíticas
António Gonçalves Alexandre
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ESTREITO DE BAB EL-MANDEB:
PALCO DE DISPUTAS GEOPOLÍTICAS
ANTÓNIO GONÇALVES ALEXANDRE
Introdução
O Estreito de Bab el-Mandeb (Figura 1) é atualmente considerado um dos quatro
chokepoints
1
críticos para o comércio internacional do petróleo (Cunningham, 2018).
Figura 1 Estreito de Bab el-Mandeb
Fonte: (Wood, 2018)
De acordo com Aljamra (2019), aproximadamente 57 superpetroleiros dos Estados do
Golfo Pérsico cruzam o estreito todos os dias, totalizando perto de 21.000 por ano. O
fluxo de petróleo através do Estreito de Bab el-Mandeb representou 9% do total do
petróleo transoceânico (petróleo bruto e produtos petrolíferos refinados) em 2017.
Cerca de 3,6 milhões de barris/dia (b/d) seguiram para Norte, em direção à Europa e
1
Pontos de estrangulamento no ambiente marinho de elevado valor geoestratégico e geoeconómico que
ligam importantes vias navegáveis e causam congestionamento natural ao tráfego marítimo (Popescu,
2016).
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América, e 2,6 milhões de b/d fluíram na direção oposta, principalmente para a China,
Índia e Singapura (EIA, 2019).
Este estreito e as águas circundantes, que Daly (2009)considerou “caóticas e
perigosas”, e que Mourad (2018) referiu serem “palco de uma luta pelo poder e
influência”, têm vindo a enfrentar ameaças que podem colocar em causa a liberdade de
navegação. O interminável conflito no Iémen entre os rebeldes houthis, apoiados pelo
Irão, e as forças do presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi, bem como os grupos
terroristas que ali atuam, o, porventura, as mais relevantes (Zaouaq, 2018).
Os Emirados Árabes Unidos (EAU), que em 2015 se juntaram à coligação saudita que
se opôs ao domínio houthi no Iémen, alcançaram o domínio da ilha de Perim (situada
no lado iemenita do estreito), tentando, a partir daí, expulsar as milícias houthi da
extensa costa oeste. Em meados de 2019, depois de um cessar fogo mediado pelas
Nações Unidas, obtiveram mesmo o controlo do importante porto de Hudaydah (Figura
2), relevante para assegurar a supremacia sobre o controlo do Estreito de Bab el-
Mandeb (Aljamra, 2019).
Figura 2 Áreas sob controlo do governo do Iémen e dos houthis
Fonte:(BBC, 2019)
A rivalidade pelo controlo do Estreito de Bab el-Mandeb faz parte de um conflito
regional entre o Irão e os seus aliados xiitas, por um lado, e a Arábia Saudita e os
aliados sunitas, por outro. O envolvimento de Teerão no conflito iemenita é considerado
por Zaouaq (2018) como parte de uma estratégia militar mais ampla, através da qual o
Irão pretende ser capaz de bloquear o tráfego da navegação mercante através dos dois
importantes chokepoints da região (Ormuz e Bab el-Mandeb) (Figura 3). Soage (2017)
apelidou mesmo este conflito de “nova Guerra Fria do Médio Oriente”.
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Figura 3 Chokepoints da Península Arábica
Fonte: (EIA, 2019)
A existência de organizações extremistas violentas com ligações à Al-Qaeda e ao
Estado Islâmico (EI) levanta preocupações adicionais sobre a segurança no Estreito de
Bab el-Mandeb e nos espaços marítimos adjacentes. O precedente histórico do ataque
ao contratorpedeiro USS
2
Cole, em 2000, no porto de Áden, no Iémen, e o ataque ao
petroleiro Limburg, em 2002, no Golfo de Áden, ambos reivindicados pela Al-Qaeda,
simbolizam a capacidade destes grupos de colocarem em causa a segurança marítima
na região. Tanto a Al Qaeda da Península Arábica (AQAP), que domina uma faixa
importante de território, quanto uma pequena organização do EI, estão ativos e o
motivo de preocupação acrescida (Mahmood, 2019).
Em termos metodológicos, dadas as limitações de espaço, foi necessário procedermos à
delimitação da investigação, tendo por base os critérios de conteúdo, de espaço e de
tempo. No atinente ao conteúdo, e não obstante a relevância que os atores o
estatais inegavelmente têm, pretendemos focar-nos apenas em atores estatais, e
dentro destes unicamente no nível global (EUA, China e Rússia). A opção por estes
atores prende-se com o facto de os EUA serem a superpotência que tem sido
hegemónica, mas que tem vindo a ser desafiada pela China, que pretende regressar a
um palco onde foi dominante rios séculos, e pelas pretensões revisionistas da
Rússia, que procura recuperar a sua influência em termos internacionais, perdida com a
implosão da União Soviética, em 1991. A análise centra-se no Estreito de Bab el-
Mandebe espaços marítimos adjacentes (Mar Vermelho e Golfo de Áden). Em termos
temporais, a investigação cinge-se aos anos mais recentes, sobretudo desde a eclosão
do conflito iemenita, em 2015, até final de 2019.
O nosso argumento consiste em demonstrar que o Estreito de Bab el-Mandeb e áreas
circundantes, pela relevância que têm para o comércio marítimo internacional,
sobretudo de energia, o um importante palco de competição geopolítica e de
2
Acrónimo que designa os navios da marinha norte-americana: United States Ship.
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afirmação e projeção de poder das potências globais, encontrando-se as disputas entre
elas em fase ascendente.
O presente artigo está dividido em três capítulos, para além da introdução e das
conclusões. O primeiro aborda o enquadramento histórico da relevância do Estreito. O
segundo evidencia os fatores geopolíticos conjunturais mais relevantes. O terceiro
apresenta uma visão prospetiva de interações geopolíticas entre os atores em causa.
Nas conclusões são elencadas as disputas geopolíticas em jogo.
1. Enquadramento histórico
Temos vindo a assistir, nos anos mais recentes, ao regresso a uma contenda
geopolítica muito vincada entre as potências globais na região da Península Arábica e
nos espaços marítimos envolventes. Os EUA, cuja presença tem sido regular e
hegemónica ao longo dos anos, olham agora, com apreeno, para a China, com
interesses (económicos e militares) crescentes na região, e para a Rússia, que procura
retomar a influência que a União Soviética alcançou outrora, sobretudo durante o
período da Guerra Fria (Aljamra, 2019).
Quando o Canal do Suez foi inaugurado, em 1869, a Europa e o Sudeste asiático
ficaram mais próximos e o Estreito de Bab El-Mandeb ganhou maior importância. Podia
navegar-se diretamente do Mar Vermelho para o Mar Mediterrâneo, pelo que a
distância dos portos asiáticos aos portos europeus foi reduzida em a dois terços. A
rota através do Bab El-Mandeb alcançou franca preponderância e tornou-se mesmo
uma das mais cruciais em todo o mundo (Wood, 2018).
Embora o Corno de África
3
tenha sido (mais) um palco de competição entre os EUA e a
União Soviética durante a Guerra Fria, após o seu final e, sobretudo, depois da Batalha
de Mogadíscio
4
, em 1993, a comunidade internacional pareceu ter-se desinteressado
quase completamente desta região, até muito recentemente em que se inverteu essa
tendência e passou a merecer uma renovada atenção generalizada. Este facto muito
ficou a dever-se ao incremento significativo do comércio marítimo internacional. Para
termos uma ideia, e de acordo com Pothecary (2016), quase todo o comércio marítimo
entre a Europa e a Ásia, incluindo o comércio de energia, aproximadamente 700 biliões
de dólares norte-americanos (USD), passou por aquele estreito em 2016.
Os principais desenvolvimentos de segurança ocorridos desde o início do culo XXI
(em particular o terrorismo e a pirataria marítima) e o elevado valor geoestratégico da
região, prenderam a atenção de várias potências, criando uma corrida desenfreada à
edificação de bases militares. No caso concreto do Djibuti, um Estado que se tornou
independente em 1977, além de uma base naval francesa (que existia), passou a
abrigar diversas bases militares estrangeiras, incluindo uma norte-americana
3
Geograficamente compreende o Djibuti, a Eritreia, a Etiópia e a Somália (Melvin, 2019).
4
Que se seguiu à queda do presidente Siad Barre, em 1991. O United Somali Congress (USC) determinou
que fosse Ali Mahadi Mahamed o seu sucessor. Fações dentro do USC opuseram-se, levando à sua divisão
em dois partidos: os que apoiavam Mohamed e os que apoiavam o general Farrah Aidid. O país envolveu-
se numa guerra civil sem cartel. A 3 de outubro de 1993, é levada a cabo mais uma tentativa (depois de
cinco anteriores fracassadas) para capturar o general Aidid, que supostamente estaria reunido com a
cadeia de comando do seu partido num edifício em Mogadíscio. Esta missão foi um enorme fracasso e
resultou na morte de inúmeros militares norte-americanos (Alvarenga, 2008).
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(estabelecida em 2002), uma japonesa (2011), uma italiana (2012) e uma chinesa
(2017), sendo esta a primeira infraestrutura militar de Pequim no exterior (Safak,
2019).
Na década passada, vários Estados investiram em diversos portos no Corno de África,
amiúde após a obtenção de acordos comerciais, com a abertura de bases militares
próximas (por exemplo, a China no Djibuti, os EAU em Berbera, na Somalilândia
5
, e a
Turquia em Mogadíscio, na Somália) (Berg & Meester, 2018).
O número crescente de bases militares estrangeiras (e as que estão projetadas)
(Figura 4), a par da presença assídua de elevados efetivos de diversas nacionalidades
em diferentes Estados do Corno de África, evidencia a inequívoca importância do
Estreito de Bab el-Mandeb, de toda a costa Sul do Mar Vermelho e do Golfo de Áden,
em termos de segurança, geoeconomia e geopolítica regional (Safak, 2019).
Figura 4 Bases militares e operadores portuários do Corno de África
Fonte: (Berg & Meester, 2018)
2. Identificação dos fatores geopolíticos conjunturais relevantes
De acordo com Nogueira (2011), os estudos geopolíticos podiam ser melhor
compreendidos de forma holística se fossem tidos em conta fatores não puramente
geográficos, identificando, a propósito, diversos fatores não geográficos. Todavia, para
além destes fatores geográficos e não geográficos, que agrupou como “fatores
estruturais”, identificou outros fatores, que designou “conjunturais”, onde incluiu, os
sociais, os económicos, os políticos e os militares (Nogueira, 2011, pp. 300-303).
5
Incorpora o território da antiga Somalilândia Britânica. Embora pertença oficialmente à Somália, declarou
unilateralmente a independência em 1991, que, todavia, não é reconhecida internacionalmente.
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Neste contexto, e por necessidade de delimitação da nossa pesquisa, o presente
capítulo procede apenas à identificação de fatores conjunturais, centrando-se nos
principais fatores políticos, ecomicos e militares que influenciam a situação
geopolítica e geoestratégica no Estreito de Bab el-Mandeb e espaços marítimos
adjacentes, e que têm maior impacto nas relações entre os atores em causa.
2.1. Estados Unidos da América
Os objetivos globais de Washington têm-se centrado invariavelmente, ao longo dos
anos, na contenção da potência que domina o “Heartland”. De facto, considera
Nogueira (2018)que durante a Guerra Fria o pensamento de Nicholas Spykman e de
George Kenan exerceu influência decisiva na política externa norte-americana, tanto na
constituição de alianças como na teoria da contenção do oponente assumido (URSS), e
que, mais recentemente, geógrafos e cientistas políticos, como Cohen e Brezinski, e
depois Kissinger, continuaram a centrar as suas análises na necessidade de controlo da
Eurásia.
Em linha com o argumento supramencionado, Washington não deixará de evitar
qualquer hegemonia na Eurásia por uma potência ou alianças de potências,
designadamente China-Rússia, pretendendo, ademais, manter uma ordem internacional
unipolar alcançada no pós-Guerra Fria e o command of the sea
6
, que o estatuto de
potência marítima de excelência há muito lhe vem conferindo.
Em termos políticos, desde os ataques terroristas em solo norte-americano, em 2001,
que os EUA têm vindo a desenvolver um ambicioso plano de ação contra grupos
extremistas islâmicos, em diversas regiões do Médio Oriente (MO)
7
. O combate a
organizações terroristas da região do Corno de África e da Península Arábica, a Al-
Shabaab, na Somália, e a AQPA e o EI, no Iémen, insere-se naquele plano. Para isso,
foi fundamental a instalação de uma base militar no Djibuti, a primeira no continente
africano, local de origem dos drones utilizados nos bombardeamentos aéreos, devido à
sua proximidade com ambas as áreas de operações (Braude, 2016).
A manutenção de um elevado número de bases militares e efetivos no Golfo rsico,
que a Figura 5 mostra, está, aparentemente, em contraciclo com a decisão da
administração norte-americana, iniciada ainda com o presidente Obama, de que depois
de anos de forte investimento estratégico em todo o MO, com resultados aquém do
esperado, precisavam de reduzir a sua presença na região. Este facto o deixa de
poder ser visto, todavia, como um aviso inequívoco de Washington, em particular a
Pequim, de que não abdica de garantir a hegemonia militar na região do Oceano Índico
Ocidental. Por outro lado, a tentativa frustrada de também a Rússia vir a possuir uma
base militar no Djibuti é sintomático do poder e influência que os EUA continuam a ter
6
Segundo Julian Corbett (1918), o objetivo da guerra naval deve ser sempre, direta ou indiretamente,
assegurar o command of the sea, ou evitar que o oponente o garanta.
7
Opapel que os Estados Unidos devem desempenhar no MO tem vindo, no entanto, a ser alvo de apurada
análise interna, depois de mais de uma década e meia de “guerras” que Edelman (2019)apelidou de
“caras, inconclusivas e intermináveis".
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na região, e um sinal claro para Moscovo de que não facilitarão relativamente às suas
pretensões revisionistas
8
.
Figura 5 Bases e efetivos militares dos EUA no Médio Oriente
Fonte: (South Front, 2019)
Em termos económicos, a Península Arábica deixou de ter a relevância que teve no
passado relativamente à necessidade de acesso a energia, uma vez que os EUA se
tornaram, por via da descoberta do gás de xisto, autossuficientes e o maior produtor
singular de crude, em 2019, ultrapassando mesmo a Arábia Saudita (BP, 2019). No
entanto, o MO, de per se, permanece como uma região de enorme importância global,
uma vez que está “sitiada” por diversos mares e golfos de inusitada relevância (Mar
Mediterrâneo Oriental, Mar Negro, Mar Cáspio, Golfo Pérsico, Golfo de Omã, Mar
Arábico, Golfo de Áden e Mar Vermelho) e por preponderantes estreitos e canais
(Ormuz, Bab el-Mandeb e Suez), o que o torna, simultaneamente, uma aldraba e uma
ponte entre três continentes (Europa, Ásia e África).
As preocupações de Washington centram-se agora em evitar que qualquer potência
possa, através do petróleo, perturbar a economia e a segurança energética. Essa será,
porventura, a razão para que, não obstante estar em plena fase de implementação a
retração militar na generalidade do MO determinada pela administração Trump, a
8
Pese embora o argumento oficial utilizado para a proibição da construção desta base militar tenha sido
que o Djibuti não queria "tornar-se o terreno para uma possível futura guerra por procuração" (Melvin,
2019).
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presença norte-americana na Península Arábica e espaços marítimos envolventes se
mantenha em níveis muito elevados.
Em termos militares, se as bases navais e aéreas do Golfo Pérsico
9
garantem a
capacidade de intervenção no Estreito de Ormuz e permitem uma oposição forte às
eventuais tentações do Irão em interferir com o livre comércio marítimo neste
chokepoint, a base do Djibuti
10
é fundamental para que isso aconteça relativamente ao
Estreito de Bab el-Mandeb. A presença norte-americana no Djibuti cumpre, ainda, um
outro duplo objetivo: apoiar a coligação árabe que combate os rebeldes houthis, no
Iémen, seja através de apoio logístico, seja através da disponibilização de intelligence;
isolar e enfraquecer o Irão de modo a garantir o aniquilamento das suas tentações
hegemónicas regionais.
2.2. China
Após séculos de isolacionismo e inúmeros conflitos internos, a China entrou num ciclo
de forte crescimento económico e tem vindo a empenhar-se, no corrente século,
sobretudo a partir de 2003, com a presidência de Hu Jintao, num processo de expano
global multidimensional, que veio a culminar, com Xi Jinping, na definição do seu
ambicioso “sonho chinês” da “grande revitalização da nação chinesa”. São esses, aliás,
segundo Tomé (2019), os grandes objetivos de Pequim, definidos ainda no final da
década de 1970 por Deng Xiaoping, mas que se mantêm válidos. Refere Tomé (2019,
p. 80) que a liderança de Xi Jinping veio apenas apresentar de forma simultaneamente
“mais concreta e ambiciosa” o suprarreferido “sonho chinês”, com a celebração de “dois
centenários” simbólicos para o regime: o da criação do partido comunista chinês, em
2021, e o da criação da República Popular da China, em 2049. Relativamente à “grande
estratégia” chinesa, considera To(2019, pp. 80-81) que assenta numa estratégia de
longo prazo, baseada na peacefull risee na lógica win-win”, com benefícios mútuos
para a China e para os seus parceiros, sem assumir qualquer postura confrontacional.
A opção de Pequim de ter bases regionais no Índico es alinhada com a mudança
estratégica de transitar de potência simplesmente continental para potência
concomitantemente continental e marítima
11
, corporizada no seu Livro Branco da
Defesa de 2015, em que é referido que “[a] mentalidade tradicional de que a terra
supera o mar deve ser abandonada, e deve ser atribuída grande importância à gestão
dos mares e oceanos e à proteção dos direitos marítimos e interesses” (The State
Council of the People's Republic of China, 2015), e decorre do facto da China se ter
tornado francamente aberta para o mundo, quer em termos de importações, quer de
exportações.
9
Em novembro de 2019 o número de efetivos norte-americanos ascendia a cerca de 37.000 militares,
divididos pelo Kuwait (15.000), Qatar (10.000), Bahrain (7.000) e EAU (5.000) (South Front, 2019).
10
Com um efetivo estimado em 4.000 militares em novembro passado, segundo a publicação (South Front,
2019).
11
Será a primeira vez na História que uma potência continental se transforma, cumulativamente, numa
potência marítima, pondo em causa teorias geopolíticas clássicas que colocam em confronto as
capacidades das potências marítimas face às potências continentais, em particular as que foram
desenvolvidas por Halford Mackinder (1904 e 1919) e por Nicholas Spykman (1942).
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Em termos políticos, a utilização da base militar no Djibuti
12
e a gestão do porto de
Gwadar, no Paquistão, asseguram à China a profundidade estratégica de que necessita
para não se manter confinada aos mares que a circundam: Mar Amarelo, Mar da China
Oriental e Mar da China Meridional
13
. Isso é muito relevante que lhe garante uma
possível vantagem tática em caso de conflito futuro, dado que ambas as infraestruturas
permitem maior apoio logístico à sua esquadra numa região afastada da China
Continental, e, em tempo de paz, contribui para aumentar a segurança marítima numa
região onde existem ameaças latentes, designadamente, conflitos entre fações
oponentes (como é o caso atual do Iémen e foi, no passado recente, a Somália)
terrorismo e pirataria marítima. A gestão do porto de Gwadar e a possível edificação de
uma nova base militar em Jiwani, permite, ainda, estreitar os laços com o aliado
tradicional de Pequim na região, o Paquistão.
Em termos económicos, a segurança das linhas de comunicação marítimas em todo o
Oceano Índico Ocidental é absolutamente fundamental para as importações de energia
de que a China necessita, em particular as que são provenientes dos países produtores
do Golfo Pérsico, mas também de África, uma vez que Pequim está claramente
apostado em diversificar o seu abastecimento. Mas essa segurança é vital para o
sucesso da Beltand Road Initiative (BRI) Figura 6).
Figura 6 Belt and Road Initiative
Fonte: (Kuo & Kommenda, 2018)
12
Com um contrato de arrendamento de nove anos, as facilidades existentes permitem acomodar até
10.000 militares (Saffee, 2017).
13
O estabelecimento das instalações militares chinesas no Djibuti é visto do lado ocidental como a
edificação de uma capacidade estratégica de implantação avançada, enquanto instrumento de uma
política de promoção do aumento gradual do poder marítimo de Pequim no Oceano Índico (Henry, 2016).
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A edificação da base militar no Djibuti é, pois, em rigor, o garante da segurança
energética de que a China necessita para importar energia e matérias-primas e da
segurança económica para exportar os seus produtos, que é crucial para o crescimento
económico e a estabilidade social da China, e que Tomé (2019, p. 75) considera
“[fatores] decisivos como fonte de legitimidade do regime chinês”.
Em termos militares, a base do Djibuti permite a Pequim grande projeção de poder e a
expansão franca das suas capacidades navais, rivalizar de perto com a potência que
tem sido dominante, os EUA, que têm instalações militares igualmente significativas a
escassos quilómetros das chinesas, e incrementar o estatuto de grande potência numa
região de enorme relevância geoestratégica
14
.
2.3. Rússia
Num discurso proferido na Conferência de Segurança de Munique, em 10 de fevereiro
de 2007, Putin criticou abertamente a expano da NATO a Leste e o posicionamento
dos EUA, designadamente, a sua demanda por um mundo unipolar e o uso sem
restrições da força, ao arrepio do Direito Internacional, deixando claro que a Rússia não
pretendia encaixar-se nesse tipo de ordem mundial (Putin, 2007).
A este propósito, refere Tomé (2018, p. 70) que a Rússia é “uma grande potência
ressurgente disposta a ocupar o seu lugar numa estrutura de poder multipolar”. Os
seus objetivos globais passam, assim, pela restauração da sua “esfera de influência”,
adotando comportamentos “expansionistas”, numa lógica de imposição de um “espaço
vital”, outrora perdido (2018, p. 92).
Neste enquadramento, a Rússia a estabilidade no Sul do Iémen como uma condição
essencial para o seu objetivo de desenvolver essa esfera de influência em todo o Golfo
de Áden e Mar Vermelho, e almejar alcançar a preponderância que teve no passado,
sobretudo durante o período da Guerra Fria, particularmente depois de ter visto gorada
a possibilidade de ter uma base militar no Djibuti. Por outro lado, as negociações para
o estabelecimento de um centro logístico para apoio das forças navais russas no Sudão
entraram numa fase de menor fulgor
15
. A opção iemenita surge, assim, com
naturalidade, como a via prioritária.
Como as partes oponentes no conflito iemenita mantêm o controlo sobre áreas distintas
com acesso às costas do Golfo de Áden e do Mar Vermelho - o governo reconhecido
pela ONU controla a ilha de Socotra, o Conselho de Transição do Sul
16
(STC) exerce a
autoridade, de facto, sobre a cidade portuária de Áden e os houthis ocupam portos na
14
Importa reter, a título de exemplo, o papel decisivo que as infraestruturas militares do Djibuti
desempenharam no processo de evacuação de 621 cidadãos chineses e 279 cidadãos estrangeiros, de 15
países, do Iémen, em 2015, na sequência do recrudescimento do conflito iemenita, o que
inequivocamente mostrou a relevância de Pequim dispor de uma base logística naquela região (Melvin,
2019).
15
Muito se devendo às hesitações dos responsáveis sudaneses que pese embora tenham iniciado uma
aproximação a Moscovo no final de 2017, não quererão hostilizar os EUA, depois de terem sido levantadas
sanções económicas que duraram duas décadas e permitiram um desanuviamento das relações entre
Washington e Cartum (McGregor, 2017).
16
Movimento armado que defende a independência do sul do Iémen. O propósito que persegue é a
refundação da República Popular do men, um Estado socialista que existiu desde a descolonização, em
1967, e que durante a Guerra Fria contou com o apoio da União Soviética (Ribeiro, 2018).
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costa Noroeste -, a Rússia vê a política de neutralidade estratégica
17
como o garante de
uma futura presença duradoura na região, ainda que amiúde se envolva com as
diversas fões rivais (Ramani, 2019).
É neste sentido que, em termos políticos, Moscovo tem optado por iniciativas que lhe
têm granjeado reconhecimento das diversas potências regionais. No conflito iemenita,
por exemplo, tem colocado em prática um arrojado plano de neutralidade entre os
diversos oponentes, o que lhe permite manter em aberto a possibilidade de assumir
preponderância, em sede das Nações Unidas, nas negociações de um plano de paz para
o país que sirva todos os (antagónicos) interesses em presença.
Noutro âmbito, tem apostado, com êxito, num ambicioso pacote de medidas de soft
power
18
que lhe tem permitido mudar, quase radicalmente, a perceção que os Estados
da região têm da Rússia.
Em termos económicos, o interesse de Moscovo em estabelecer um centro logístico na
Eritreia, a ser concretizado, visa expandir o volume do comércio de produtos agrícolas
e minerais em toda a região. Mas também as transações de produtos petrolíferos irão
prosseguir através a rota do Suez e do Bab el-Mandeb, sobretudo enquanto a rota do
Ártico não puder ser utilizada durante a totalidade do ano. Isso irá seguramente fazer
aumentar a presença russa em toda a região.
Figura 7 Localização geográfica da cidade portuária de Áden e da Ilha de Socotra
Fonte: Adaptado de Google Earth (2018)
17
Pode ser explicada, segundo Ramani (2019), por interesses materiais de Moscovo no Golfo de Áden, por
aspirações de promoção de soft power em todo o Médio Oriente e pelo desejo de equilibrar os interesses
divergentes das demais potências presentes na região.
18
A primeira, e porventura a mais relevante, está relacionada com a edificação da cadeia internacional de
televisão, a Russian Today (RT), que possui um serviço em árabe, a RT Arabic, e que é uma das três
maiores redes de TV da região, juntamente com a Al Arabiya e a Al Jazeera (Suchkov, 2015). Outra
iniciativa impulsionada por Moscovo é a utilização de compatriotas russos como potenciais "agentes de
mudança", em particular de cônjuges russos nativos que se mudaram para a região algum tempo. São
apoiados pela Agência Federal para o Desenvolvimento Internacional russa, e o seu papel centra-se,
sobretudo, na cultura, na cooperação científica, no estudo da língua russa e na promoção de laços com a
diáspora russa (Suchkov, 2015).
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Em termos militares, Moscovo está apostado em recuperar o estatuto de grande
potência que deteve na região, ainda no tempo da ex-União Soviética. Para tanto, é
necessário garantir o acesso a bases onde outrora esteve, como o porto de Áden, no
Sul do men, bem perto do Estreito de Bab el-Mandeb, e a Ilha de Socotra,
geograficamente situada em pleno Golfo de Áden, próxima do extremo Nordeste da
Somália, na região da Puntlândia (Figura 7).
Mas a Rússia possui objetivos ainda mais ambiciosos que passam pela tentativa de ligar
o Corno de África à Península Arábica. Com esse intuito, desenvolveu diversos contatos
com o Djibuti para edificar uma base militar, sem sucesso, porém. Depois disso
virou-se para a Somalilândia, projeto em desenvolvimento que, a concretizar-se, e uma
vez abertas as portas do porto de Áden, lhe garantirá uma substantiva vantagem
estratégica futura em redor do Estreito de Bab el-Mandeb.
3. Interações geopolíticas uma visão prospetiva
Procuraremos agora centrar o nossofoco nas potenciais relações entre os interesses
destes atores, em linha com os fatores geopolíticos conjunturais antes elencados. Da
análise efetuada podemos identificar áreas de acomodação, áreas de possível conflito e
áreas de conflito provável, significando, respetivamente, áreas em que é expectável
que não haja conflito no futuro próximo, áreas em que em função de desenvolvimentos
supervenientes poderão vir a ocorrer conflitos, e, finalmente, áreas em que o conflito
está latente. É ainda possível elencarmos relações de oposição (que o a
esmagadora maioria) e de convergência (apenas percecionadas ao nível da segurança
energética) entre os atores em causa.
3.1. Estados Unidos da América
No caso dos EUA, vencer a “guerra ao terror” não acarreta qualquer implicação para
nenhuma das demais potências. É um degnio de Washington desde os ataques
terroristas em solo norte-americano, em setembro de 2001, e tanto a China quanto a
Rússia se têm mantido à margem desta iniciativa norte-americana de levar a cabo
ataques sucessivos contra hot spots de grupos extremistas islâmicos, na Somália como
no Iémen. A garantia da segurança energética nos espaços marítimos parece, de igual
modo, o causar qualquer constrangimento nas outras potências. São ambas,
portanto, áreas de acomodação.
a iniciativa de procurar isolar o Irão e enfraquecer os rebeldes houthis, no Iémen,
está em clara oposição com a política de Moscovo de manter “pontes” com os atores
mais influentes no conflito iemenita, que, também por isso, não hostiliza abertamente o
Irão. A retração estratégica norte-americana em curso no MO não parece ter-se
estendido às diversas bases militares existentes nos diferentes espaços marítimos da
Península Arábica. Todavia, se a opção de reorientar o esforço de defesa para o Leste
asiático levar a um decréscimo significativo de efetivos no Oceano Índico Ocidental,
isso poderá acarretar um aumento considerável da influência das outras potências na
região, desde logo por ausência da potência dominante, e, no limite, a um possível
incremento de disputas entre elas. Mas se a opção norte-americana por uma maior
presença no Leste da Ásia não significar reduzir os efetivos nesta região, então
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certamente que os EUA tentarão assegurar a hegemonia que têm mantido, o que pode
entrar em conflito com os interesses crescentes tanto da China quanto da Rússia.
Estamos aqui em presença de áreas de conflito possível.
As ambições hegemónicas norte-americanas na região e a tentativa de obtenção de
vantagens militares num potencial conflito futuro com as demais potências, em
particular com a China, assumem-se como áreas de conflito provável.
3.2. China
No atinente à China, a área relativa à proteção das importações de energia não parece
colidir com nenhuma área das outras potências. Tanto os EUA como a Rússia o
exportadores de energia pelo que não é expectável que possam influenciar a aquisição
da energia de que a China necessita e que passa pelas rotas marítimas do Oceano
Índico Ocidental (a não ser por estratégia de contenção da parte dos EUA). Esta é, por
conseguinte, uma área de acomodação.
a proteção da BRI poderá, no futuro próximo, entrar em conflito com interesses das
outras potências, sobretudo se daí resultarem dividendos substantivos para Pequim que
lhe permita consolidar o papel cimeiro de potência económica e houver a tentação de
canalizar uma parte significativa dos proveitos obtidos para fortalecimento do seu
poder militar. Estamos aqui em presença de uma área de conflito possível.
Pretendendo assumir o estatuto de grande potência na região e equilibrar a tradicional
influência de Washington, Pequim entra claramente em rota de aproximação excessiva
com a potência que tem sido hegemónica na região, os EUA, e até mesmo com a
potência revisionista, a Rússia, que procura regressar a um plano de grande destaque e
relevância que a União Soviética teve no passado. A utilização da Base do Djibuti
para obtenção de proveitos futuros, com o intuito de alcançar vantagem tática em caso
de conflito, opõe-se ao interesse norte-americano de garantir superioridade militar no
topo do espetro do conflito. A transição da China de potência continental para potência
simultaneamente continental e marítima entra em clara oposição com os EUA que
detêm e pretendem manter a hegemonia militar no Oceano Índico Ocidental. São todas
áreas de conflito provável.
3.3. Rússia
Moscovo é vista como a última das grandes potências a procurar juntar-se às demais,
EUA e China, que estabeleceram posições próximas do Estreito de Bab el-Mandeb, e
a aumentar a sua influência política, militar e económica na região (Dahir, 2018).
No que diz respeito à expansão dos interesses económicos da Rússia, é pouco provável
que esse alargamento levante oposição extremada por parte dos EUA e mesmo da
China, desde que o grande projeto de implementação da BRI não seja colocado em
causa. Esta é uma área de acomodação.
A aposta inequívoca da Rússia em privilegiar uma política robusta de soft power na
região que lhe permita alterar a perceção que os países da região têm de si e granjear
dividendos futuros, não apenas na liderança de um eventual processo de paz no
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conflito iemenita, procurando isolar Washington que apoia abertamente um dos
contendores, como, sobretudo, no ambicioso projeto de regressar ao men e de se
instalar no Corno de África, pode vir a causar uma escalada da tensão na região, em
particular com os EUA, mas também com a China.Estamos em presença de áreas de
conflito possível.
Por outro lado, temos vindo a assistir a uma aposta firme de Moscovo em recuperar o
estatuto perdido nos espaços marítimos envolventes do Bab el-Mandeb, em linha, aliás,
com o que defende Grygiel (2019), que considera o regresso da Rússia ao MO como um
dos seus três eixos de expansão”. Neste sentido, Moscovo vem prosseguindo um
arrojado projeto que lhe permita obter acesso permanente a bases militares no Corno
de África e na Península Abica, e uma ulterior ligação entre ambos os espaços. A
acontecer, isso significaria a obtenção de uma posição extremamente relevante e
vantajosa no Golfo de Áden e no Estreito de Bab el-Mandeb, rivalizando claramente
com as duas outras potências. Trata-se de uma área de conflito provável.
Conclusão
O Estreito de Bab el-Mandeb é um chokepoint de elevado valor geoestratégico e
geoeconómico e tornou-senos últimos anos, em conjunto com os espaços marítimos
adjacentes, local de intensa competição entre as potências globais ali presentes, que
têm objetivos que pretendem atingir. O envolvimento destes atores e a plêiade
intrincada de interesses em jogo, raramente coincidentes, produzem, sem surpresa,
inúmeras relações de oposição entre eles e escassas relações de convergência, estas
particularmente centradas na segurança energética.
De um modo geral, as três potências globais têm procurado consolidar a sua presença
em Estados do Corno de África edo Golfo de Áden, não apenas para obterem acesso a
outras reges a partir daí, mas, também, para projetarem poder muito além das suas
fronteiras naturais.O estabelecimento de uma base militar dos EUAno Djibuti, em 2002,
a entrada posterior da China no Oceano Índico Ocidental, em 2017, igualmente através
do Djibuti, e a tentativa da Rússia em assegurar uma presença militar contínua
naqueles espaços marítimos, em particular no Iémen, são disso exemplo.
Washington quererá, decerto, manter o command of the sea no Corno de África que o
seu estatuto de potência marítima de excelência tem permitido ao longo do presente
século, não sendo expectável que a retração militar norte-americana em curso em todo
o MO venha a ser seguida naquela região e, consequentemente, nos espaços marítimos
que envolvem o Estreito de Bab el-Mandeb.Neste contexto, a base militar do Djibuti
assume preponderância acrescida não apenas para osEUA garantirem o controlo sobre
um estreito fundamental para o comércio marítimo internacional, em particular de
energia, como é o Bab el-Mandeb, mas igualmente como forma de conter qualquer
tentativa expansionista da China na região, sobretudo depois de Pequim ter logrado
estabelecer a sua primeira base militar fora de portas, precisamente em território do
Djibuti.
A opção da China pela edificação daquela infraestrutura militar suscitou alarmes nos
EUA. Por um lado, porque essa ação prejudica os interesses estratégicos norte-
americanos, pondo em causa o seu domínio de longa data na região, tanto económica
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quanto militarmente. Por outro lado, porque consideram que o papel até agora limitado
da China na região pode ser entendido como incentivo para uma presença militar futura
mais expressiva. Eé, de facto, expectável que tal venha a ocorrer, que umapresença
mais robusta da China no Corno de África servirá um propósito duplo: garantir a
segurança da rota marítima da BRI, que atravessa o Golfo de Áden, o Estreito de Bab
el-Mandeb e o Mar Vermelho; e equilibrar a tradicional influência de
Washingtonnaquela região.Neste sentido, as ações da China no Djibuti influenciarão,
certamente, as suas ambições de poder na região, sobretudo quando pretende
assumir-se como relevante potência marítima.
A Rússia procura, por seu lado, regressar a um patamar de influência significativa na
região que deteve no passado, enquanto União Soviética, sobretudo através do
estabelecimento de pelo menos uma base militar em Áden, no Iémen, muito próxima
do Estreito de Bab el-Mandeb. Esta postura revisionista colide, no entanto,com as
pretensões hegemónicas norte-americanas e com a ascensão clara da China.
Poderemos, pois, vir a ser confrontados, a prazo, com a coexistência de infraestruturas
militares das três potências globais, separadas apenas por escassas dezenas de milhas
marítimas. Será inevitável o aumento das tensões entre elas noEstreito de Bab el-
Mandeb e áreas envolventes.
Os espaços marítimos do Mar Vermelho, Corno de África e Golfo de Áden tornaram-se,
de facto, sucessivamente mais securitizados ao longo da última década, levando a uma
militarização da região sem precedentes, com osEUA,China, e Rússia a tomarem parte
muito ativa nesse processo. Todavia, o interesse destes atores em garantirem que o
comércio internacional marítimo, sobretudo de energia, não é ameaçado, leva a que se
possa pensar que a passagem segura no Estreito de Bab el-Mandeb não é colocada em
causa, sendo esta, porventura, a única relação de convergência entre eles. No entanto,
as demais relações que foi possível identificar entre as potências globais são de
oposição. E é mesmo expectável que se continue a trilhar um caminho centrado num
aparentemente interminável ciclo de crescimento acentuado das disputas geopolíticas
na região, no nível global.
Concluímos, referindo que foi possível provar que o Estreito de Bab el-Mandeb e
espaços marítimos adjacentes, em particular pela relevância que têm para o comércio
marítimo internacional e pela possibilidade de afirmação e projeção de poder dosatores
que estão presentes, são, nos dias de hoje, um importante palco de competição
geopolítica das potências globais (EUA, China e Rússia), e que as disputas entre elas se
encontram em fase ascendente.
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