OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 12, Nº. 2 (Novembro 2020-Abril 2021)
Vol 12, Nº. 2 (Novembro 2021-Abril 2022)
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2
ARTIGOS
Um novo modelo de liderança alternativa para analisar o papel dos líderes na política externa Şuay
Nilhan Açikalin pp 1-18
Drones de guerra: preocupaciones jurídicas y bioéticas Cesar Oliveros-Aya pp 19-29
Los rumbos del Movimiento al Socialismo (mas) en Bolivia: el diálogo entre política exterior y
diplomacia Natalia Ceppi pp 30-48
Violencia bidireccional: aproximación crítica en la mujer centroamericana Cesar Niño, Camilo
González pp 49-60
Estreito de Bab el-Mandeb: palco de disputas geopolíticas António Gonçalves Alexandre pp 61-
79
Intervenções externas no Mali e nas suas terras fronteiriças-um caso de estabilização Ana Carina
Franco pp 80-93
Cabo Verde e Estados Unidos da América: uma ligação bicentenária João Paulo Madeira pp 94-
113
Cabo Verde e São Tomé e Príncipe: uma nova arquitetura de defesa brasileira no Golfo da Guiné?
Alexandre Rocha Violante pp 114-143
Modelo de negócio das Organizações Não Governamentais para o desenvolvimento do setor da
educação em Moçambique: Uma abordagem construtivista Pedro Cabrita, Renato Pereira,
Maomede Naguib Omar pp 144-166
O Fundo de Recuperação e Resiliência da União Europeia, no contexto do projeto de integração
Europeu e as suas perspetivas futuras Filipe Guerra pp 167-181
Uma abordagem adaptativa de Kuznets à Esperança de Vida à Nascença: Uma aplicação sobre
poderes crescentes Hüseyin Ünal, Hülya Kinik pp 182-196
Sob a Brisa do Índico português: turismo e património em Zanzibar Maria João Castro pp 197-
216
NOTAS
Nota sobre a distinção entre a proteção diplomática e a proteção consular Eduardo Pimentel de
Farias pp 217-223
OBSERVARE
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1
UM NOVO MODELO DE LIDERANÇA ALTERNATIVA PARA ANALISAR O PAPEL
DOS LÍDERES NA POLÍTICA EXTERNA
ŞUAY NILHAN AÇIKALIN
suaynilhan@gmail.com
Professora Assistente do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Ancara
Haci Bayram Veli (Turquia). Atualmente, investiga as lideranças políticas de Angela Merkel e
Recep Tayyip Erdoğan enquadradas nas relações turco-alemãs; os seus interesses de
investigação são as relações Turquia-União Europeia, a integração dos refugiados sírios na
Turquia e o trabalho juvenil. Além disso, tem trabalhado na aplicação da teoria do caos e da
complexidade nas relações internacionais, na gastrodiplomacia e na diplomacia da moda.
Resumo
O papel dos líderes na análise da política externa tem uma extensa literatura e compreende
subcampos. O código operacional e a análise de traços de liderança são métodos qualitativos
proeminentes utilizados no terreno. No entanto, a mudança de natureza das relações
internacionais incentivou a repensar o papel da liderança na política externa e a abordagem
de análise. A este respeito, este artigo pretende introduzir um novo modelo de liderança
alternativo, denominado Modelo de Liderança SNA, desenvolvido em quatro dimensões de; i)
contexto do país, ii) antecedentes pessoais do líder, iii) abordagens e comportamentos, e iv)
reflexos de fundo na elaboração da política externa. O modelo é desenvolvido como uma nova
perspetiva sobre o papel dos líderes na política externa através de uma abordagem eclética e
holística.
Palavras-chave
Liderança política, modelo, política externa, abordagens, comportamento
Como citar este artigo
Açikalin, Şuay Nilhan (2021). Um novo modelo de liderança alternativa para analisar o papel
dos líderes na política externa. In Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 12,
2, Novembro 2021-Abril 2022. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.1
Artigo recebido em 17 Março 2021 e aceite para publicação em 3 Setembro 2021
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Um novo modelo de liderança alternativa para analisar o papel dos líderes na política externa
Şuay Nilhan Açikalin
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UM NOVO MODELO DE LIDERANÇA ALTERNATIVA PARA
ANALISAR O PAPEL DOS LÍDERES NA POLÍTICA EXTERNA
1
ŞUAY NILHAN AÇIKALIN
Introdução
2
A política externa é um processo dinâmico e complexo, que compreende vários
intervenientes, o que dificulta a análise do processo. Entre os diversos intervenientes, os
deres políticos têm efeitos inegáveis na elaboração da política externa; no entanto, os
estudiosos atrasaram-se em compreender o papel dos líderes em vez de fatores
estruturais (Horowitz e Fuhrmann, 2018).
Do ponto de vista histórico, a Guerra Fria foi um período frutífero para estudar líderes
com perspetivas de psicologia e organização, para analisar a formulação da política
externa (Byman e Pollack, 2001). As origens dos estudos sobre o papel dos líderes na
análise da política externa encontram-se em dois trabalhos; 'Decision-Making as an
Approach to the Study of International Politics', de Richard C. Snyder, H. W. Bruck, e
Burton Sapin (1954) e 'ManMilieu Relationship Hypotheses in the Context of
International Politics', de Harold e Margaret Sprout (1965). O trabalho de Richard Snyder,
H.W. Bruck e Burton Sapin chamado Decision Making enfatizou a ação dos deres
políticos nas tomadas de decisão estatais e usaram isso na sua abordagem para estudar
as relações internacionais (1962). Um dos principais pressupostos do artigo centrava-se
nos líderes como uma unidade de decisão que prossegue um objetivo específico (1954;
2002). Como inevitavelmente refletido na literatura, a partir da Guerra Fria os políticos
e académicos americanos ganharam interesse nos traços psicológicos dos líderes
estrangeiros para prever futuros motivos das suas ações (Renshon e Renshon, 2008).
Desde então, a literatura que analisa o papel dos líderes na política externa tem vindo a
crescer. Duas abordagens distintas têm sido amplamente utilizadas como métodos
qualitativos, código operacional e todos qualitativos de características de liderança;
cada uma envolve as suas próprias limitações. O passado pessoal e as características do
país, em especial, foram ignorados nestas abordagens.
A modelação é uma forma única de desenvolvimento e construção de novas ideias.
Construir um modelo em ciências sociais é uma ferramenta popular para visualizar e
analisar fenómenos, o que também permite flexibilidade para os investigadores.
Neste caso, o artigo pretende introduzir uma nova abordagem para analisar o papel da
liderança na elaboração da política externa, intitulada Modelo de Liderança SNA,
denominada com base nas letras iniciais do nome da autora.
1
Artigo traduzido por Hugo Alves.
2
Este artigo foi concebido a partir da tese de doutoramento da autora, intitulada "Liderança e Política
Externa: Recep Tayyip Erdoğan e Angela Merkel".
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3
Visão geral das abordagens existentes para analisar líderes em análise
de política externa
Como referido na introdução, a literatura sobre o estudo dos papéis dos líderes na política
externa é dominada por duas abordagens de análise de código operacional e de traços
de liderança (Erhan e Akdemir, 2018). Em primeiro lugar, a análise do código operacional
foi originalmente desenvolvida por Nathan Leites para examinar as estratégias dos
membros soviéticos do Politburo em 1950. Alexander George desenvolveu o método de
"código operacional de análise" no seu trabalho intitulado "O Código Operacional: Uma
Abordagem Negligenciada ao Estudo dos Líderes Políticos e Tomada de Decio" (1969).
O procedimento do autor classifica e compara líderes individuais, dependendo de
convicções políticas que se presume influenciarem as suas perceções sobre o mundo e
como eles tomam decisões na política externa em duas dimensões: a filosófica e a
instrumental (George, 1969). Para identificar este processo, Alexandre designou
conjuntos de perguntas para ambas as dimensões. Nos últimos anos, este método foi
desenvolvido como um sistema de codificação de computadores por diferentes
estudiosos. Como exemplos, temos os trabalhos de Marfleet e Miller, "Fracasso depois
de 1441: Bush e Chirac no Conselho de Segurança das Nações Unidas" (2005); Malici e
Malici, "Os Códigos Operacionais de Fidel Castro e Kim Il Sung: The Last Cold Warriors"
(2005); bem como Renshon, "Estabilidade e mudança nos sistemas de crenças: O código
operacional de George Bush" (2008).
O segundo método proeminente usado para analisar o papel da liderança política na
política externa é a análise de traços de liderança (ATL). Este enquadramento foi
desenvolvido por Margaret Hermann e contribuiu com as características pessoais dos
deres que fazem política externa para a literatura (Hermann, 1980, 1983, 1984, 1987,
2003). Nesta abordagem, a personalidade é definida como uma combinação de sete
traços: convicção na sua capacidade de controlar eventos, complexidade conceptual,
necessidade de poder, desconfiança dos outros, preconceito em grupo, autoconfiança e
orientação de tarefa (2003). De acordo com Hermann (2003), os tais sete traços
desencadeiam o surgimento de comportamentos específicos em líderes. Por outras
palavras, espera-se que os líderes que acreditam muito na sua capacidade de controlar
os acontecimentos e precisam de poder, por exemplo, desafiem os constrangimentos;
no entanto, confia-se que os líderes com uma fraca crença da sua necessidade de poder
e/ou que não acreditem poderem controlar os acontecimentos, respeitem os
constrangimentos. Além disso, a dificuldade conceptual e a auto-confiança estão ligadas
à característica da abertura à informação. Assim, Hermann sugeriu que os líderes com
notas elevadas para traços e líderes que têm alta complexidade e baixa auto-confiança
deverão estar abertos à informação; no entanto, aqueles com pontuações baixas para
ambos os traços e os de elevada auto-confiança e baixa complexidade, deverão ser
fechados à informação. Ao longo dos anos, a ATL tornou-se um dos instrumentos
preferidos para analisar o papel dos líderes na política externa.
As duas abordagens dominantes apresentadas em pormenor centram-se na avaliação
psicológica dos líderes e na forma como esta afeta a política externa, principalmente
numa perspetiva de todo qualitativo. Por outro lado, Jerrold Post contribuiu com um
método quantitativo de análise da avaliação psicológica dos deres políticos na política
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externa com a abordagem da psicobiografia (1979). Nas cadas seguintes, Post criou
uma equipa de investigação composta por psiquiatras, internistas, psicólogos,
antropólogos, historiadores e analistas de inteligência para desenvolver perfis
classificados de liderança de vários líderes mundiais para a Comunidade de Inteligência
e elevadas instâncias de decisão política dos Estados Unidos da América (Dekleva, 2018).
No entanto, estas abordagens envolviam as suas próprias limitações. Levy sublinhou os
dois principais problemas de generalização das altas apostas e do mundo de alta tensão
da elite no processo da tomada de decisão (2013). Ademais, os modelos de avaliação
psicológica não fornecem explicações holísticas para a política externa e carecem de
elucidações sobre o papel das condições internas e internacionais, bem como sobre o
passado pessoal dos líderes. Por outras palavras, cada der e a sua elaboração de política
externa podem ser considerados sui generis devido a restrições internas e interpretação
do seu passado.
A construção de um modelo em Ciências Sociais
A literatura e as principais abordagens sobre os líderes políticos e a política externa foram
proferidas nas secções anteriores. A este respeito, é introduzida uma nova abordagem
com um modelo que pode ser utilizado por investigadores que não visam apenas
comparar as crenças e motivações dos deres, bem como os seus traços psicológicos e
as suas emoções entre si. Tanto mais que noções e termos de várias disciplinas são
conscientemente utilizados para iluminar a natureza interdisciplinar da liderança. Por
isso, a ideia de conceber um novo modelo de liderança que inclua estas noções pode ser
considerada interdisciplinar.
Embora a construção de paradigmas seja rara nas ciências sociais, o objetivo disso é
produzir modelos mais personalizados, sofisticados e artísticos (Little, 1993). A
modelação desempenha um papel vital na motivação dos cientistas para compreender o
mundo e os fenómenos (Toon, 2016). Hutten (1954) e Braithwaite (1953) sublinharam
a importância dos modelos na ciência dentro de diferentes aspetos:
- Introdução de ferramentas no pensamento e desenvolvimento da teoria;
- Fornecimento de vocabulário descritivo;
- Os modelos são naturalmente incompletos e "não literais" ou seja, deixam de fora
as coisas e são potencialmente enganadores.
Mais: os modelos úteis em diferentes áreas da ciência centram-se principalmente no
acordo geral entre filósofos da ciência, porque fornecem conhecimento que representa
alguns "sistemas-alvo" do mundo real (Frigg, 2002; Giere, 2004; Mäki, 2009; Ramadas,
2009; Coll & Lajium, 2011). Enquanto uma teoria tenta explicar um fenómeno, um
modelo tenta representar o mesmo (Bhattacherjee, 2012). Devem ser aqui destacados
vários entendimentos e explicações sobre a produção de modelos. Existem diferentes
significados envolvidos na noção de modelação, incluindo modelos estatísticos, análise
de decisão, procedimentos e algoritmos e teorias das ciências sociais (Checkland, 1981;
Little, 1993).
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Para esclarecer este mal-entendido, aqui a modelação é empregue como representação
de uma forma de pensar; os modelos são sempre interpretativos e não simplesmente
impulsionados pelos fenómenos (Bailer-Jones 2009). Eles são produtos de e ferramentas
para tipos de pensamento (Morrison & Morgan, 2000; Winsberg, 2001). Através da
modelação, o fenómeno complexo é simplificado (Heyck, 2015). Esta simplificação pode
ser feita de diferentes formas, como a escalada para baixo ou para cima, reduzindo o
número de variáveis ou componentes, idealizando ou abstraindo a partir de situações
concretas, tornando algo novo e estranho mais familiar através da analogia ou
representação de forma fácil, visualização e muito mais (Coll & Lajium, 2011; Heyck,
2015). Considerando isto, a edificação de modelos pode ser considerada tanto uma arte
como um ofício que inclui uma mistura de elementos de dentro e fora do campo de
investigação original (Moris & Morgan, 2000).
Existem diferentes ferramentas e modelos analíticos que podem ser utilizados para
análise de política externa, especialmente com a utilização intensiva de tecnologias da
informação, que têm três elementos comuns principais com diferentes graus de
profundidade de análise. Estes elementos são: (1) intervenientes individuais, que fazem
o que gostam através da colagem e da influência; (2) o processo cognitivo, quer
relacionado com a definição da ordem do dia quer com uma das fases do processo
político; e (3) o ambiente político e as condições em torno do decisor, incluindo fatores
também poticos, sociais ou económicos (Hamza & Mellouli, 2018).
Um novo modelo alternativo de análise de liderança
O novo modelo alternativo de análise de liderança foi desenvolvido como uma ferramenta
para entender os padrões de comportamento dos deres na elaboração da política
externa de forma limitada. Este modelo foi designado SNA, com base nas iniciais do nome
da autora. diferentes elementos que determinam a elaboração da política externa a
nível de liderança, como a estrutura institucional do estado, a história, a personalidade
e os elementos psicológicos do líder, etc. Este modelo apenas considera o pano de fundo
do país e o passado pessoal do líder e abordagens e comportamentos selecionados, que
são limitações paradigmáticas. Por outras palavras, esta projeção mundividente centra-
se apenas em abordagens e comportamentos de líderes que produzem padrões
específicos de política externa. Note-se que as ideias dentro destas quatro dimensões
não se limitam ao domínio das relações internacionais, mas também provêm de outras
disciplinas.
No modelo de liderança SNA, a primeira dimensão é o fundo contextual do país, que
inclui o modo de governação, o sistema político e as características políticas em geral.
Além disso, apresenta-se a perspetiva histórica do país para desenhar um retrato das
condições quando o líder selecionado chegou ao poder pela primeira vez. A segunda
dimensão é a biografia do líder, que fornece perspetivas da sua infância, juventude e
vida política precoce. Este prisma inspira-se no perfil de personalidade política integrada
de Post da seguinte forma: 1) discussão psicobiográfica; 2) personalidade; 3) visão de
mundo; 4) estilo de liderança; e 5) outlook (2014: 329). A terceira dimensão são as
abordagens e o comportamento do líder, que combina ideias com uma perspetiva
multidisciplinar. A quarta e última dimensão inclui seis padrões para a política externa
dos líderes desenvolvidos com base na terceira dimensão do Modelo de Liderança SNA.
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A visualização do Modelo de Liderança SNA é mostrada na Figura 2. Na Figura 2 cada
círculo representa uma dimensão do Modelo de Liderança SNA, que são denominados
D1, D2, D3 e D4. Além disso, os pontos de luz indicam legendas nas dimenes. Oito
pontos de luz representam um total de quatro abordagens e quatro comportamentos na
terceira dimensão. Por último, seis pontos de luz simbolizam seis padrões na quarta
dimensão do Modelo de Liderança SNA.
Figura 1: Visualização do Modelo de Liderança SNA desenvolvido pela autora
D1: Fundo Contextual do País em que o Líder Nasceu e Cresceu
Os contextos sociopolítico e cultural do país são fatores inegáveis e a liderança ganha
significado pelo fundo contextual do país, enquanto os líderes também acrescentam um
novo significado ao panorama nacional. Os contextos sociopolítico e cultural criam
condições sociológicas, políticas e psicológicas para a formação de liderança. Estes
elementoso determinantes fundamentais das perceções e julgamentos que fazem com
que uma pessoa seja adotada e aceite como líder numa sociedade. Aqueles contextos
nacionais dão sentido à liderança e determinam o tipo de liderança. Esta é uma realidade
inegável para influenciar e unificar as pessoas para ganhar poder e ação, ao mesmo
tempo que prossegue objetivos claros e cria um futuro comum; também atua na
mudança das conjunturas sociopolítica e cultural do país. Assim, o líder é alguém que
pode desempenhar o papel de avaliar e conhecer essas conjunturas, bem como os seus
elementos resultantes, sendo também capaz de reformular e recriar visões sociopolíticas
e culturais para o futuro. Desse modo, o líder é um elemento daqueles fundos
contextuais, que acrescenta novos significados aos mesmos.
D 2. Antecedentes do Líder
Os primeiros anos e experiências dos líderes podem ser usados como um guia para
entender as suas motivações e processo de elaboração de políticas (Breuning, 2007). A
este respeito, o Modelo de Liderança SNA analisa a conjuntura do líder com base em
duas sub-categorias de fundo pessoal e vida política, do passado ao presente. Na primeira
subcategoria, são dadas as famílias do líder, os processos de socialização, os anos de
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estudante, o sucesso e os fracassos, bem como os acontecimentos críticos na vida. Além
disso, a sua aparência física, vida e estilo de trabalho estão incluídos para avaliar também
a sua sensibilidade estética. A segunda subcategoria inclui o desenvolvimento da carreira
política do líder e a sua orientação em diferentes disposições políticas.
D 3. Abordagens e Comportamentos na Liderança Política
A terceira dimeno pode ser considerada uma das secções mais originais do Modelo de
Liderança SNA, que compreende as abordagens e os comportamentos dos deres
políticos. "A abordagem pode ser definida como a filosofia ou convicção básica sobre o
assunto que está a ser considerado" (Höfler, 2005). Ela é o conjunto de pressupostos,
ou perspetivas, detidos por indivíduos relacionados com o seu campo. A este respeito, o
modelo SNA é holístico e multidimensional, fornecendo novas perspetivas para a forma
como se compreende, percebe e analisa a noção de liderança. Chowdury define a noção
de holística assim: "Ser holístico significa desenvolver sistemas de 'estado de espírito', o
que permite ao praticante traçar interrelações, reconhecer a emergência e trabalhar com
e desafiar diferentes modelos mentais que reflitam julgamentos alternativos de fronteira"
(2019). As construções são descritas como multidimensionais quando os seus indicadores
são, por si só, edificações latentes (Edwards, 2001:145). Assim, uma edificação
multidimensional representa uma abstração teoricamente significativa e global, que
relaciona as várias construções latentes entre si (Lei et al., 1998). Espera-se,
naturalmente, que os líderes políticos que adotam esta abordagem, tratem os factos de
uma forma multidimensional holística. Nesse sentido, os líderes tentarão perceber o
panorama geral e não ignorar os detalhes ao mesmo tempo, o que leva à natureza
multidimensional e dinâmica da abordagem holística que os líderes adotam no seu
comportamento. Neste sentido, a perspetiva multidimensional e holística desempenha
um papel fundamental na determinação das quatro abordagens e comportamentos
selecionados no modelo.
Abordagens
- Consciência da natureza caótica do sistema: Os sistemas sociais são
naturalmente complexos, que incluem vários atores com interações incomensuveis
num sistema internacional (Geyer e Rihani, 2010). Nestes sistemas, os líderes
estarão cientes de que devem tomar decisões dentro de um sistema complexo, onde
as suas ões possam ter efeitos imprevistos, abordar indiretamente os seus
objetivos através de múltiplos caminhos para reduzir o risco de insucesso, bem como
adotar políticas cuidadosas e cautelosas, enquanto esperam consequências não
lineares perigosas (Jervis, 1997). A abordagem esperada de um líder inclui a
consciência da estrutura do sistema, a exploração dos elementos básicos que afetam
o mesmo, bem como a relação destes fatores que afetam periodicamente o conjunto
das partes relacionadas entre si e consideram o poder da rede na tomada de
decisões. Estas realidades enfatizam a importância de ter um perfil de liderança
multidimensional para além dos traços de liderança habituais (Erçetin et al., 2013;
Erçetin et al., 2014).
- Pensar em formas caleidoscópicas e catalíticas é importante para os líderes. O
pensamento catalítico e caleidoscópico significa um elevado nível de consciência e
sensibilidade no que diz respeito à fluidez e intensidade da mudança contínua no
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sistema internacional. Este modo de pensamento torna os líderes sensíveis a eventos
onde o fenómeno pode sempre ter diferentes perspetivas, que permitem aos mesmos
obter níveis mais elevados de compromisso e desempenho das pessoas. Além disso,
Petrini considerou uma metáfora para a criatividade do caleidoscópio: "reorganizar
diferentes partes que criam uma nova realidade" (1991:27). Da mesma forma, Harris
(2009: 78) enfatizou que o pensamento catalítico e caleidoscópico é um evento
emergente que pode desencadear novas possibilidades devido à mudança de
perspetiva. Na verdade, Harris definiu o pensamento catalítico e caleidospico como
um planeamento para o futuro que "ainda não existe". No mundo complexo e incerto
de hoje, a liderança e as características da mesma alteram-se rápida e intensamente
de acordo com o tempo e a situação (Bennet, 2016).
- Ser glocal: A palavra glocal vem da palavra japonesa 'dochakaku' (Tulloch, 1992).
Nos últimos anos, Roland Robertson definiu a noção de glocal e glocalização como o
duplo caráter do processo de globalização: sendo a "globalização" e a "localização"
simultaneamente (1992). No contexto global, os líderes demonstram um elevado
nível de consciência e sensibilidade sobre o que está a acontecer. Concretamente, o
desenvolvimento de políticas face à evolução dos seus próprios países. Ao mesmo
tempo, o poder e a esfera dos líderes têm vindo a aumentar pela globalização dos
valores sociais, culturais, económicos, mas também políticos, locais. Como Erçetin e
os outros sugerem, a liderança glocal requer uma estratégia glocal onde todas as
partes interessadas devem pensar globalmente e agir localmente (2017: 76). Da
mesma forma, os deres exigem uma estratégia glocal única para promover os seus
próprios valores locais à escala global.
- Tendo valores únicos para a humanidade: Allport e Vernon definiram valores
como convicções sicas ou filosofia de um indivíduo sobre o que é e não é
importante na vida (1931). A sua definição de valor também representa objetivos
desejáveis na vida das pessoas. Por outras palavras, os valores são um elemento
vital que é determinante das atitudes e comportamentos pessoais (Rokeach, 1973).
Isto levou à questão: são os valores que adotam, o que torna os líderes únicos em
comparação com os outros? Líderes com valores definem um conjunto de critérios.
Estes critérios são geralmente partilhados na sociedade dentro de diferentes aspetos,
tais como eventos, factos, objetos e pessoas. Os valores apresentados pelo líder são
produtos do passado histórico e cultural do país, do contexto atual e do futuro. Os
valores do líder também refletem objetivos a atingir na sociedade através da visão.
Os deres que vêem o seu país como uma potência global ou que pretendem ser
deres mundiais, tentam criar valores únicos para a humanidade que possam ser
universalmente aceites. Stückelberger sugeriu que os contextos tempo e espaço são
influentes na formação de valores, incluindo condições geográficas, identidades
étnicas, convicções religiosas, diversidade de género, transformações geracionais,
inovações tecnológicas e formas de organização em comunidades que podem ser
coletivamente chamadas de valores contextuais (2016). Estas diferenças contextuais
podem inevitavelmente entrar em conflito entre si. Por isso, é difícil definir valores
únicos para a humanidade e convertê-los em valores que serão adotados por grandes
massas, tanto no seu próprio país como externamente, onde os seres humanos
fazem naturalmente parte de um mundo interligado (Raines, 2013). Por último,
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quando a aceitação de valor é elevada em todo o mundo, o poder e influência do
der também aumenta no contexto internacional.
Comportamentos
O comportamento é definido como um conjunto de ações dentro de uma teia de
relacionamentos onde a interação dinâmica desempenha um papel fundamental (1991).
Além disso, o comportamento é uma atividade observável dos seres humanos que é
proveniente da acumulação de respostas a estímulos internos e externos (Flexner et al.,
1987). Assim, "o contexto do país do der" e seu "o pano de fundo" desempenham papéis
influentes neste novo modelo.
- A produção de soluções emaranhadas é definida como uma característica
importante do universo, como revelado por Alain Aspect e o seu grupo em 1982. Este
aspeto provou experimentalmente que o universo tem ligações invisíveis e que os
objetos estão ligados uns aos outros. Se as micropartículas podem estabelecer
contacto imediato entre si, a razão para isso não é que enviem sinais uns aos outros,
mas sim que atuem como uma única unidade, o que significa que a separação é uma
ilusão. 'Emaranhado', por outras palavras, significa uma relação tão intensa e
densamente interligada que mostra a existência irrealista de fenómenos separados.
Estes fenómenos devem ser considerados como formando um sistema unificado mais
amplo, ou mesmo uma espécie de 'todo não-dualista' (Elbe e Buckland-Merret, 2019).
Assim, revela problemas crónicos na produção de soluções simulneas para
potenciais problemas e soluções que afetarão todo o sistema internacional e os seus
atores. É muito importante para um der político produzir políticas com esta
consciência. As políticas que ele produz com valores humanos, morais e legais
assegurarão que, mesmo que não seja imediatamente, serão bem-sucedidas devido
ao nível mais profundo da realidade.
- Determinantes das incertezas: Determinantes das incertezas significa ser
fleveis e prontos para fazer uma transformão oportuna com base nestas
incertezas. É um dos comportamentos mais importantes que os deres políticos
devem ter para capturar a temporalidade e reagir a situações em tempo útil
(Eetin, 2016). Isto é particularmente importante em tempos de crise, em que a
imprevisibilidade está no seu auge e a sobrevivência dentro das plataformas
nacionais e internacionais é a prioridade máxima e crítica para os deres. Como
Petzinger mencionou, a emergência de uma "tensão dimica" durante o período
de crise envolve um potencial multidimensional e vantagens para todos os
intervenientes (1999). É por isso que ser oportuno e flexível são características
importantes para ser determinante das incertezas. Kesselring afirma que a vida
moderna envolve constante mudança, movimento e trânsito (2008). Nestes
sistemas sociais, a flexibilidade é uma liquidez onde a mudança e a transformação
são normais (Bauman & Haugaard, 2008). Nesta perspetiva, espera-se que os
líderes sejam flexíveis para tomar decies oportunas. Caso contrário, as suas
decies criarão consequências irreversíveis para os seus pses e para o sistema
internacional. Assim sendo, pode dizer-se que os líderes ganham influência e poder
no sistema internacional, moldando as tendências e interações que ocorrem, em
vez de controlar o comportamento desse sistema. Por isso, os líderes devem ser
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determinantes das incertezas como é normal através de vários cenários e
desenhos, juntamente com a prioridade e os interesses do seu ps. Os líderes
devem definir novas políticas e agendas baseadas em novas circunstâncias sobre
incertezas.
- “Simplexidade”: A noção é emprestada do livro de Kluger (2008), chamado
Simplexity: Why Simple Things Become Complex (e How Complex Things Can Be Made
Simple). Kluger definiu a simplexidade como "um novo conceito inovador que revela
as formas ocultas como o mundo realmente funciona. Do micro ao macro, a
simplexidade é uma surpreendente reavaliação dos blocos de construção da vida e
como nos afetam a todos". Gribbin definiu o conceito como uma ideia localizada entre
a complexidade e a simplicidade. Além disso, Berthoz (2012) explicou o neologismo
como mais do que uma combinação de complexidade e simplicidade da seguinte
forma:
Dada a complexidade dos processos naturais, o cérebro em desenvolvimento
e crescimento deve encontrar soluções baseadas em princípios
simplificadores. Estas soluções possibilitam a transformação de situações
complexas muito rapidamente, elegante e eficientemente, tendo em conta a
experiência e antecipando o futuro.
No que diz respeito à simplexidade no contexto da liderança, o conceito pode ser definido
como um conjunto de comportamentos que garantem a análise, sincronizando eventos
à escala nacional, regional e global, ao mesmo tempo que incluem soluções holísticas e
multidimensionais. Tal como Berthoz definiu o neologismo, espera-se que os deres
políticos sejam dinâmicos, criativos e inesperados na expressão dos seus estilos de
liderança, visão e intelincia únicos, em oposição às abordagens convencionais de
outros líderes. Os decisores políticos devem ser capazes de pensar de forma complexa,
mas também podem transformar a complexidade num trunfo. Tal tem de ser feito de
forma simples, clara e orientada para os objetivos, de modo a abranger a complexidade.
Além disso, a simplexidade também pode ser encontrada na sua retórica. Lassiter afirma
que o uso da linguagem é um processo complexo, que seria amadurecido pelo processo
de simplexidade, mas que deveria ser simples, apesar de rico em termos de significados
e conteúdo para energizar as massas (2019). Por outras palavras, os líderes devem usar
a linguagem simples para explicar fenómenos complexos às pessoas.
- Criar o campo de atração é saber que a influência e o poder da liderança dependem
da interação com os outros e da natureza destas interações. As interações
multidimensionais trazem sempre sérios riscos para os deres políticos devido à
imprevisibilidade das mesmas, que podem desenvolver-se e ao tipo de efeitos que
irão ocorrer. Os líderes políticos estão conscientes desta realidade e não temem
interações intensas. Aos líderes políticos que são criadores de sorte, que criam um
campo de atração que se expande a cada interação. Dito de outra forma, aumentam
as suas redes sociais através de interações, fazendo com que as pessoas sintam a sua
presença e dever a qualquer momento ao longo de interações instantâneas; avaliam
sabiamente as suas interações a fim de aumentar o poder do seu capital político, que
consiste em pessoas, experiências e fenómenos. Podem utilizar eficazmente a mais
recente tecnologia para este fim.
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D 4: Reflexões de origens na elaboração de políticas externas
A terceira dimensão do Modelo de Liderança SNA compreende abordagens e
comportamentos que são moldados pelo fundo contextual do país do líder e pela sua
herança pessoal. A quarta dimensão do Modelo de Liderança do SNA é reflexo das três
dimensões anteriores na elaboração da política externa. Seis reflexões de política externa
foram escolhidas como ideias dinâmicas, que são produtos da literatura multidisciplinar
de liderança e relações internacionais.
Negociação: A negociação é uma das funções básicas da diplomacia. As definições
de negociação têm variado ao longo dos anos, mas ela refere-se geralmente a um
processo formalizado baseado na comunicação verbal, incluindo uma sub-classe de
negociação com o objetivo de chegar a um acordo entre os atores (Jönsson, 2002).
Karns e outros sublinharam a relação entre diplomacia e negociações da seguinte
forma: "a diplomacia é um instrumento na governação internacional, enquanto a
negociação é um instrumento de diplomacia" (2010: 3-4). Previsivelmente, espera-se
que os líderes sejam um ator influente nas negociações, enquanto a negociação é uma
componente vital da liderança (Rubin, 2002; Zohar, 2015). Comportamentos
diferentes fazem dos deres grandes negociadores. A mudança de ambientes
internacionais criou ambientes mais complexos, o que também reformulou a
capacidade de negociação dos líderes, bem como a forma como os mesmos devem
determinar novos conjuntos de estratégias. Em primeiro lugar, a flexibilidade, pois os
deres devem adotar diferentes cenários e possibilidades para chegar a um acordo.
Em segundo, a criatividade que também está relacionada com a estratégia de
flexibilidade, que se centra na produção de diferentes cenários. Depois, eles devem
reforçar as suas relações pessoais com outros líderes para aprender as pistas sociais
do outro negociador. Finalmente, devem ser pacientes e não desistir das negociações,
bem como ser tenazes nas negociações, processo em que a persistência é importante
(Rubin, 2002; Mastenbroek, 2002).
Conectividade: Como o sistema internacional é altamente caótico, a
interdependência é a nova normalidade que se multiplicou com o número crescente
de atores. O mesmo é dizer que as fronteiras entre o global e o local se tornam
invisíveis (To& Açıkalın, 2018). A estrutura aninhada e mais conectada do sistema
internacional obriga os deres a reconsiderar a forma como percebem o mesmo. A
este respeito, Gelb definiu a conectividade como "a arte da conexão criar e manter
uma relação genuína com os outros como a chave para construir relões, resolver
conflitos e tornar realidade as possibilidades criativas" (2017: 26). Dde resto, a Olson
& Singer discutiu como a conectividade esrelacionada com o fenómeno da liderança
da seguinte maneira: uma das três ações de liderança fundamentais, juntamente
com a contribuição e colaboração, que se encaixam com o nosso mundo complexo e
altamente dinâmico" (2004: 45-48). Assim, os líderes devem anatomizar a dinâmica
dos acontecimentos regionais e globais através da noção de conectividade, que pode
ser realizada em três níveis de transacional, relacional e social. A conectividade
inevitável entre diferentes atores que fomentam a interdependência entre fenómenos
deve ser entendida pelos deres. Ou seja, mesmo micro eventos entre dois
intervenientes podem afetar o sistema internacional. Por essa razão, os líderes podem
usar a conectividade para o poder nas decisões de política externa para produzir
políticas de longo prazo.
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Diplomacia pessoal: Os líderes políticos tornaram-se mais visíveis e centrais na
política externa na última cada (Nuswantoro, 2010; Hinnebusch, 2018). Neste
ambiente internacional, a noção de "diplomacia pessoal" traz mais significado à
elaboração de políticas. A diplomacia pessoal pode ser definida como um esforço
diplomático "quando um determinado líder nacional tenta resolver um problema
internacional com base nas suas próprias relações pessoais com e pela compreeno
de outros deres nacionais" (Robertson, 2002:147). Não dúvida: os líderes
políticos vivem num ambiente social composto por outros deres políticos de
diferentes países (Dumbrell, 2013). Nesse sentido, as interações pessoais entre líderes
políticos devem ser tidas em conta nas relações internacionais em determinadas
condições estruturais, burocráticas e psicológicas (Ülgül, 2019). Dessa forma, as
ligações pessoais dos líderes e as comunicações com os seus pares desempenham um
papel importante na composição da política externa. Como referido, as ligações e
intensidade entre líderes do sistema internacional são vitais e podem ser intensificadas
através de reuniões presenciais e telefonemas (Hall & Yarhi-Milo, 2012). Esta pode
ser uma força motriz importante para a esfera do poder, em termos do sistema
internacional e da política interna no país do líder.
Empreendedorismo: De acordo com Schumpeter, um empreendedor é uma pessoa
disposta e capaz de converter uma nova ideia ou invenção numa inovação de sucesso
(1942). Trata-se de uma característica emergente para os líderes políticos. Como foi
abordado, o sistema internacional atribuiu um papel mais multidimensional aos atores
individuais, especialmente aos líderes. Há um interesse crescente em empresários
políticos, indivíduos que mudam a direção e o fluxo da política internacional (Klein et
al., 2010). Consequentemente, espera-se que os líderes empreendedores procurem
políticas inovadoras no sistema internacional. Tendo isto em conta, o
empreendedorismo é uma característica indispensável dos líderes. Existem diferentes
qualidades empresariais, que incluem uma visão, sendo extravertidas, focadas e
decisivas, oportunistas, agradáveis, persistentes, tendo uma perspetiva
caleidoscópica e confiança (Harper, 2006; Obschonka & Fisch, 2018). Os líderes
empreendedores que têm estas qualidades devem liderar o processo de afranquia das
capacidades das sociedades e permitir-lhes identificar e tomar posse de ideias, além
de as perseguir fazendo algo extraordinário e com uma visão comum (Praszkier &
Nowak, 2011). Num mundo em mudança, os deres devem ter uma estratégia que
contenha componentes empresariais que devam incorporar algumas ideias ou
perspetivas em novas combinações de recursos para lidar com riscos e oportunidades
ao mesmo tempo (Schneider & Teske, 1992).
Procura de Soluções: As crises são uma parte natural do sistema internacional. No
século XXI, as crises internacionais tornaram-se multifacetadas e interligadas (Ahmed,
2011; Avenell & Dunn, 2016). Devido à natureza das mesmas, elas implicam uma
maior influência do que o esperado, uma vez que os líderes estão no centro da
diplomacia de crise como decisores. Bjola sublinhou que fontes de entropia nas crises
internacionais exigem uma liderança forte (2015). Nesta perspetiva, os líderes,
primeiro, devem definir e analisar a crise desde diferentes aspetos, depois criar um
ambiente viável, criando equipas para se concentrarem em soluções. Isto é, eles
devem vir à mesa com uma solução que procure resoluções capazes de resolver
problemas comuns do panorama geral e procurar soluções de longo prazo no melhor
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interesse de todas as partes (Farrell, 2013). Os líderes podem ser candidatos a
soluções através de uma abordagem profunda e multidimensional com diferentes
conjuntos de recursos. Por outras palavras, os deres que procuram soluções têm
simultaneamente uma solução à procura de uma abordagem e uma mentalidade
focada na solução.
Orientação para a paz: Como mencionado na solução que procura uma parte, as
crises o uma fração natural do sistema internacional. Além delas, a paz é também
uma ideia que foi identificada nas relações internacionais de diferentes ângulos. No
entanto, o Modelo de Liderança SNA utiliza as definições de pazes positiva e negativa
de Galtung (1996). A paz positiva é a que se baseia nas relações positivas e nas
interações da sociedade humana; o estabelecimento de condições estruturais que
facilitem um ambiente associou-se a interações positivas e aos compromissos entre
atores, o que é vital para a paz. A negativa, por outro lado, centra-se na redução da
violência, ou nos esforços para resolver os atuais problemas de conflito e discórdia
(Galtung, 1996). A paz não é uma exceção que deve ser redefinida no século XXI
através do alargamento e aprofundamento face às novas ameaças à segurança (Beyer
2018). Com base na definição de Galtung, os líderes o importantes de duas
maneiras, tanto em proporcionar um ambiente, como em ser criadores de agendas.
Em grande parte, eles devem fornecer ambientes nacionais e internacionais com
organizações internacionais e outras nações para garantir uma paz sustentável. Além
disso, podem ser produtores de agendas, que incluem soluções para novos tipos de
desafios de segurança, como a imigração, guerras bridas, radicalização, degradação
ambiental e segurança digital como prioridades principais no século XXI (Bachmann,
2012). Por conseguinte, os líderes devem ser orientados para a paz, tanto para a
política externa como para a interna.
Conclusão
O Modelo de Liderança da SNA apresenta o pano de fundo do país, a herança pessoal, as
abordagens e comportamentos dos líderes e as suas reflexões nos líderes que fazem
política externa. Embora este modelo tenha elementos semelhantes aos trabalhos
anteriores sobre liderança na política externa, introduz uma nova estrutura com quatro
dimensões principais do contexto do país em que nasceu o líder, o pano de fundo do
mesmo, as abordagens e comportamentos dele e reflexos do seu passado na política
externa. A criação do modelo foi o resultado de esforços a longo prazo para trazer uma
nova e fresca perspetiva à literatura. Em comparação com as abordagens atuais para
analisar o papel da liderança na política externa, a Liderança SNA inclui elementos
nacionais e pessoais com ideias multidisciplinares. Este modelo foi usado para analisar a
liderança do Presidente Recep Tayyip Erdoğan e Angela Merkel através de estudos de
caso selecionados. Além disso, um importante contributo deste modelo é que outros
estudiosos podem analisar várias questões de investigação com diferentes abordagens,
comportamentos e reflexões. Em consequência, o Modelo de Liderança SNA pode ser
modificado para diferentes questões de investigação, é dinâmico e flexível como a
natureza da liderança.
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OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
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DRONES DE GUERRA:
PREOCUPACIONES JURÍDICAS Y BIOÉTICAS
CÉSAR OLIVEROS-AYA
coliveros@ucatolica.edu.co
Abogado. Doctor en Bioética. Magister en Derecho Administrativo y en Docencia e Investigación
Universitaria. Docente Investigador de la Universidad Católica de Colombia,
Bogotá, Cundinamarca (Colombia).
Resumen
El presente artículo tiene como objetivo identificar los puntos de tensión que presenta el uso
de drones en actividades militares y/o bélicas, desde el enfoque del derecho internacional,
en consonancia con la perspectiva bioética. Desde el análisis documental en fuentes
secundarias, ha podido elaborarse una caracterización de los principales aspectos de
controversia, para concluir que el riesgo de daño en el empleo de dichos artefactos debe
estar sujeto a disminuir las bajas humanas y, para ello, es necesario profundizar en la
armonización de los principios bioéticos respecto al tema.
Palabras clave
Bioética, Derecho Internacional Humanitario, Arma, Guerra, Inteligencia artificial.
Cómo citar este artículo
Oliveros-Aya, César (2021). Drones de guerra: preocupaciones jurídicas y bioéticas.
Janus.net, e-journal of international relations. Vol12, Nº.2, Noviembre-Abril de 2021.
Consultado [en línea] en la fecha de la última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-
7251.12.2.2
Artículo recibido el 8 de Junio de 2021 y aceptado para su publicación el 20 de Agosto
de 2021
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Vol. 12, Nº. 2 (Noviembre 2022-Abril 2022), pp. 19-29
Drones de guerra: preocupaciones jurídicas y bioéticas
César Oliveros-Aya
20
DRONES DE GUERRA:
PREOCUPACIONES JURÍDICAS Y BIOÉTICAS
CÉSAR OLIVEROS-AYA
Introducción
En las primeras civilizaciones la guerra tenía una connotación de arte, de honor y honra
para la defensa de los pueblos, de las naciones, y la protección de esos principios
insignia que los convoca. Desde la antigüedad asumel carácter de arte y, para ello,
se basó en principios que, remotamente, fueron el trasluz del ius ad bellum. Sociedades
más antiguas que Grecia y Roma, estimaron que no toda persona podía convertirse en
soldado, y para ello debían elegirse los mejores, los más hábiles, los que asumieran la
formación tendiente a combatir con el respeto, la dignidad y la entrega que ameritaba
su organización política.
Pero llegaron las guerras mundiales y esa práctica dio un giro radical. La tecnología
hizo posible que la guerra se fuera despersonalizando y pudiera hablarse de ejércitos
en masa, soldados reemplazables, los generales ya no enfrentaban el combate en los
campos de batalla sino ocultos en grandes castillos, direccionando las estrategias
militares como si se tratase de un juego de mesa. Todo ello hizo más ostensible la
brecha que separa a jerarcas de subordinados.
Consecuencia de lo anterior fue formalizar un derecho sobre cómo hacer la guerra,
descubriendo que es menester proteger la vida en calidad de derecho esencial del
individuo y, a partir de ahí, erigir una compilación de derechos universales para que la
idea de humanidad tuviese de nuevo un sentido trascendente.
Plausible pero no admirable, el mundo occidental dio origen a una nueva línea de
estudio jurídico basada en los derechos humanos como si hubiese descubierto algo no
pensado con anterioridad. En realidad, con base en retórica rayana en el eufemismo,
sin una aceptación directa, lo que hizo fue admitir el fracaso del derecho como ciencia
social. Aún, hoy en a, se insiste en ello sin agachar la cabeza ante los desafueros
cometidos.
No obstante, tal como actúa un niño a quien se le advierte, se le recomienda y
prohíben ciertos comportamientos que resultan nocivos para su seguridad, su salud e
integridad física, el ser humano continúa pasando por alto esas normas mínimas de
convivencia planetaria; sigue tentando la suerte de su existencia e inventando nuevos
artefactos para demostrar cuán creativo es para causar la muerte y destrucción de sus
semejantes. En eso, la humanidad ha brillado con creces.
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Se ha pasado del combate cuerpo a cuerpo, a las armas cortopunzantes de corto,
mediano y largo alcance, a las armas de fuego en todas las categorías, formas, calidad,
tamaño y material, cada vez evitando el contacto directo con el otro. Las bombas
atómicas quedaron fuera de concurso para dejar de pensar en tópicos como defensa y
neutralización y así lucir la gran capacidad creativa en hacer evidente las habilidades de
destrucción, eliminación y aniquilación en todo su esplendor.
Curiosa tendencia la de evitar al individuo, pues la idea de combate termina
reduciéndose a su mínima expresión. De alguna manera equivale a cosificar al otro, a
ignorar el menor detalle que pueda establecer algún sentido emotivo para ese que
apenas es considerado, más que un adversario o enemigo, un estorbo; una ficha que
debe sacarse del tablero de maniobras.
Con ese propósito, la creatividad no ha cejado en su camino por patentar nuevos
mecanismos, artefactos, adminículos, etc. que logren mayor seguridad para quien los
activa y, a la vez, mayor letalidad para el objetivo (porque en este sentido, si se trata
de individuos es mejor no aludir a ellos como seres humanos).
Hoy en día, la problemática está orientada a la aplicación de la inteligencia artificial en
la contienda armada y, en ese contexto, el uso de drones para lograr un
distanciamiento mucho más eficaz al momento de atacar y destruir un objetivo.
Mucho se ha hablado de regular, limitar e incluso prohibir aquellas armas que no
resultan equilibradas y proporcionadas para el desarrollo de la guerra… humanizar” la
guerra, como si a punta de eufemismos se disminuyera el impacto del actuar bélico.
Así, en el marco del derecho internacional, el trasunto del hardlaw ha permitido que
surjan a la luz instrumentos normativos como el Convenio sobre Prohibiciones o
Restricciones en el Empleo de Ciertas Armas Convencionales que Pueden Considerarse
Excesivamente Nocivas o de Efectos Indiscriminados (CCA o CCAC), suscrito en la
ciudad de Ginebra (Suiza), el 10 de octubre de 1980, entendido como anexo a los
Convenios de Ginebra del 12 de agosto de 1949.
Desde esa perspectiva, surgen preguntas ligadas a la prudencia para el uso de esas
armas no tripuladas, ¿son lícitas? ¿garantizan el cuidado de la población civil? ¿cómo se
maneja la responsabilidad en caso de vulnerar la ley? Si el derecho no se pronuncia
expresamente sobre los drones, ¿cuál es su tratamiento? Si no se emplean en
conflictos ¿cuál es el alcance del derecho interno?
En ese orden de ideas, el presente artículo indaga sobre la problemática que entraña el
uso de drones como arma y, en especial, cuál es la principal preocupación para que
sean admitidos desde un punto de vista bioético. Así, traza como objetivo académico
identificar el alcance del problema biojurídico que entraña el uso de drones, su rol como
armas convencionales y los efectos que pueden causar al individuo, las naciones y el
mundo en general.
Por ende, parte de la definición del concepto de dron, los cuestionamientos que la
doctrina ha hecho alrededor de ella, para luego exponer las disquisiciones en torno a
sus caractesticas e inserción en escenarios bélicos, culminando con reflexiones
tomadas de narraciones fílmicas que aportan al debate en el sentido de las
preocupaciones futuras sobre las implicaciones y vacíos derivados del uso aceptable en
cuanto a pertinencia y eficacia.
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Los drones como artefactos militares: más que un problema de
autonomía
El ejército estadounidense ha definido el dron bajo la categoa de un vehículo que
puede desplazarse por tierra, mar o aire, pero controlado de manera remota o,
inclusive, automática. Preocupa que puede tomar caracterizaciones armamentísticas y,
en síntesis, una vez suprimida la tripulación humana, cualquier vehículo puede
dronizarse. Es posible que estén sometidos a telecomando o a pilotaje automático;
recibir nombres como “vehículo aéreo no tripulado - VANT” UnmannedAerialVehicle,
UAV- o “vehículo de combate no tripulado UnmannedCombat Air Vehicle, UCAV-,
dependiendo si porta armas o no. En este caso, han recibido apelativos como
“artefactos de vigilancia aérea transformados en máquinas de matar”, o “cámaras
voladoras, de alta resolución, armadas con misiles” (Chamayou 2016: 18).
La utilización de aviones sin tripulantes para el combate tiene su antecedente en el año
1849, cuanto el ejército austriaco atacó la ciudad de Venecia con una flota de globos
aerostáticos no tripulados (Rushby 2017: 23); también es menester considerar los
trabajos de George Cayley en 1909, de los hermanos Wright, incluso el concepto de
avión sin piloto, así como el de target drone, y, a partir de los años sesenta la asunción
militar del invento bajo la sigla RPV (RemotelyPilotedVehicle), modificada en los
noventas por UAV (UnmannedAerialVehicle), pasando luego a UAS
(UnmannedAircraftSystem) (Gertler, 2014).
Desde un punto de vista técnico, los drones son robots en cuanto a que pueden tener
cierto nivel de autonoa en sus movimientos, siendo este aspecto lo que advierte de
nuevos problemas éticos para su manejo e inserción en diferentes actividades. Si la
tecnología puede acrecentar dicha capacidad, a la vez habrá de cuestionarse el alcance
de la toma de decisiones que debería insertarse en su software. Piénsese, por ejemplo,
en el riesgo de acoplar la tecnología de un juego virtual a un arma cuyo riesgo de
salirse de control pueda ser inminente (Rossini y Gerbino: 8-9).
En lo atinente a aspectos jurídicos, el tema se involucra con el llamado Derecho de la
Guerra Aérea, que forma parte del derecho de los conflictos armados o Derecho de La
Haya, así como con el Derecho de Ginebra o Derecho Internacional Humanitario. El
primero, se originó en la Primera Conferencia Internacional de Paz de La Haya (1899),
donde las potencias mundiales acercaron su mirada a las posibilidades funestas de la
guerra rea, apreciación extendida hasta el segundo evento celebrado en 1907
(Villamizar 2015: 93-94).
Los primeros aviones a control remoto surgieron justo antes de la Primera Guerra
Mundial (Grossman 2018: 5), acontecimiento que intentó evitarse por parte de los
aliados al suscribir la Declaración de 1907, mientras las potencias principales omitieron
hacerlo. Ello ocasionó que la aviación fuera utilizada por los dos bandos con el fin de
bombardearse mutuamente ya que la normatividad mencionada era obligatoria para los
Estados parte si se enfrentaban entre ellos (Villamizar 2015: 94).
En 1922 se celebró la Conferencia de Washington para la Limitación de Armamentos
Navales en la cual se encargó a una comisión de abogados un Reglamento sobre la
Guerra Aérea que nunca entró en vigor. Pero fue en el fragor de la Segunda Guerra
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cuando los bandos en confrontación intentaron desarrollar aviones de combate
teledirigidos. Luego, en Vietnam, los drones Firebee entraron en escena, a instancia de
los Estados Unidos. Ha sido desde la década de los noventas e inicio del siglo XXI,
como se ha logrado, desde la informática y la tecnología remota, convertir los drones
en las armas sofisticadas de hoy en día (Villamizar 2015: 94).
Los drones militares se dividen en armas de ataque explícito y artefactos con usos
militares complementarios, cuyas caractesticas funcionales son similares, a saber:
“los motores de los vehículos aéreos no tripulados emiten un sonido
característico. Estos contienen bombas y misiles controlados por un láser,
pero su herramienta principal está contenida en el morro. Dentro del mismo
hay una caja negra que se comunica con un satélite. Esta conexión es la
que permite manejar el dron a larga distancia. En la parte inferior se
encuentran repartidas tres maras distintas: una de infrarrojos, otra para
largas distancias y la última para vistas de cerca. Los drones transmiten las
imágenes que captan sus cámaras, permitiendo así vigilar territorios o
atacar objetivos. Si el UAV es alcanzado o destruido por el enemigo, el
piloto no corre peligro, ya que se encuentra en una base aérea a miles de
kilómetros de distancia. Se necesitan dos operadores humanos para guiar
un dron. El piloto será el encargado de manejar el aparato, y otro operador
estará a cargo de controlar las cámaras. Si se localiza un objetivo y es
necesario atacar, el piloto elegirá el arma que utilizará de forma manual. El
operador apunta al objetivo con el láser, y el piloto dispara pulsando un
botón” (Fernández 2017: 6).
La tecnología no tripulada ya está muy extendida y será muy prolífica en el futuro
cercano. A medida que se expande y aumenta, los ejércitos más avanzados fabricarán
aviones no tripulados de alta sofisticación; por su lado, los Estados de menor capacidad
obtendrán nuevos niveles de ataque y vigilancia e, inevitablemente, habrá más
opciones para que terroristas e insurgentes obtengan la suya (Grossman 2018: 5).
Así las cosas, en el contexto actual, según KelseyAtherton de Popular Science, lo que se
incluye en el concepto de dron como categoa, alude a cualquier nave voladora no
tripulada y pilotada remotamente, que va desde algo tan pequeño como un helicóptero
de juguete controlado por radio, hasta el Global Hawk de 32.000 libras o 104 millones
de dólares (Kreps 2016: 7).
Pero existe confusión entre artefactos que bien podrían caber en esa definición
señalada; comenzando por plantear que los drones son cada vez s pequeños y los
modelos de aviones de aficionados se han vuelto más sofisticados. Por ejemplo, éstos
pueden equiparse con capacidades de vista en primera persona (FPV) en las que se
monta una cámara frente al modelo de avión y se hace volar a través de un enlace
descendente de video que se muestra en un monitor portátil o video. En el momento en
que este FPV vaya s allá de la línea de visión, la Fuerza Armada probablemente lo
consideraría un dron que caería dentro de su marco regulatorio. Sin embargo, operar
dentro de la línea de visión no significa que un avión no sea un avión no tripulado. Los
cuadricópteros se operan tradicionalmente dentro de la línea de visión y comúnmente
se les considera drones.
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Otra fuente de confusión potencial es la diferencia entre un dron y un misil de crucero.
Si bien el Régimen de Control de Tecnología de Misiles (MTCR) considera los misiles de
crucero como un tipo de dron, en realidad son plataformas distintas. Aunque pueden
confundirse con los misiles de crucero, se establecen sendas diferencias:
Tabla 1 - elaborada a partir de los estudios de Sarah Kreps
Drones
Misiles de crucero
Pueden ser recuperados
Son sistemas unidireccionales
Las municiones están segregadas y separadas
Las municiones están integradas en su
fuselaje
En ataques a distancia, su alcance es más
corto
En ataques a distancia, su alcance es más
largo
Son más lentos
Son más rápidos
Es probable que requieran bases operativas
No requieren bases operativas
No están tripulados
No están tripulados
Fuente: Sarah Kreps (2016: 8)
A partir de dichos planteamientos, surge una de las grandes problemáticas alrededor de
la inserción de los drones en la guerra. Se trata de cómo armonizar esos artefactos con
el Derecho Internacional Humanitario y el Derecho Internacional de los Derechos
Humanos. Varios encuentros de carácter informal han ido efectuándose: en mayo de
2014 y abril de 2015, dentro del marco de la Convención de Naciones Unidas sobre
Ciertas Armas Convencionales (CCAC), sitos en la ciudad de Ginebra, para debatir este
aspecto que representa un amplio vacío jurídico al que debe prestarse atencn sin
mayores dilaciones (Del Valle 2016: 226).
Los Sistemas de Armas Autónomas Letales (LethalAutonomousWeaponsSystems o
LAWS), según la definición adoptada por el Comité Internacional de la Cruz Roja, son:
“cualquier sistema de armas con autonomía en sus funciones críticas, es
decir, un sistema de armas que puede seleccionar (buscar, detectar,
identificar, rastrear o seleccionar) y atacar (usar la fuerza contra,
neutralizar, dañar o destruir) objetivos sin intervención humana” (Queirolo
2019).
A pesar de esa noción, ha sido difícil un consenso de la comunidad internacional para
identificar a plenitud la figura, en especial porque alude a “tecnologías emergentes”,
pero se ha estimado que tienen como denominador común la capacidad de seleccionar
y atacar objetivos “sin intervención humana en curso, en un ambiente abierto, bajo
circunstancias desestructuradas y dinámicas” (Del Valle 2016: 228).
De igual forma, en materia de clasificaciones, las armas autónomas logran ser
discriminadas en tres modalidades según la implicación humana que pueda haber en
sus acciones. En la siguiente tabla, las denominaciones en inglés derivan de la
interpretación de Human RightsWatch y las ubicadas en la segunda fila, responden a
las categorías empleadas por el Departamento de Defensa de los Estados Unidos de
América:
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Tabla 2 - elaborada a partir de los estudios de María Julieta Del Valle
Human-on-the-Loop
Weapons
Human-out-of-the-Loop
Weapons
El sistema selecciona y ataca
a los objetivos, pero bajo
supervisión de un operador
humano
Es capaz de seleccionar y
atacar objetivos sin ningún
tipo de intervención humana
Son sistemas de armas
autónomas supervisados por
humanos
Sistemas de armas
completamente autónomas
Fuente: María Julieta Del Valle (2016: 228)
Para Christof Heyns, Relator Especial del Consejo de Derechos Humanos, estos
sistemas presentan ventajas militares destacables, en tanto:
- Ofrecen una mayor protección de las fuerzas armadas propias (salvar vidas de
los soldados y prevenir lesiones).
- Multiplican la fuerza empleada.
- Amplían el campo de batalla (facilitan la penetración tras las líneas enemigas y
pueden mantenerse en el teatro de operaciones más tiempo; mucho más que
las personas).
- Poseen un tiempo de reacción menor que el de los seres humanos.
- Nunca actuarán por pánico o venganza, ni por odio racial...
- Serán capaces, en el futuro, de emplear una fuerza menos letal, evitando
muertes innecesarias; así, el desarrollo tecnológico puede ofrecer, como
alternativas, la inmovilización o el desarme del objetivo (Gutiérrez y Cervell
2013: 29-30).
Como ha podido observarse, si bien el uso de vehículos aéreos sin tripulación en el
ámbito militar no resulta novedoso, la utilización de drones hoy en día obedece a la
idea de tecnoestrategia, impulsada desde la guerra fría, bajo la premisa de reducir las
víctimas mortales según la política antiterrorista estadounidense (Villamizar 2015: 91).
La polémica jurídica alrededor de estos artefactos cobra mayor realce, y en especial en
cuanto a que se argumenta la necesidad de definir un soporte normativo que sea claro,
válido y efectivo lo más pronto posible, habida cuenta del enorme vacío que implica la
temática en un mundo donde los conflictos asimétricos son más frecuentes.
Para Jochen Kleinschmidt, más allá de orientar la discusión hacia la autonomía, la
polémica se debe abordar otros derroteros, en tanto los drones “no son hoy los
sistemas de armamento más autónomos en uso” (2015: 21),
Ante ello, las posiciones divergentes no se han hecho esperar; por ejemplo, para el
juez Lord Thomas Bingham, los drones son equivalentes a minas antipersonales y por
ende no es admisible su reconocimiento; de otra parte, en el marco del Congreso Anual
de la American Society of Law, celebrado el 25 de marzo de 2010, Harold Koh,
consejero jurídico del Departamento de Estado, sustentó argumento en favor
(Villamizar 2015: 92).
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En esa constante tensión, el derecho internacional se somete al vaivén interpretativo
sin que todavía exista un entorno de seguridad jurídica que despeje el incierto
panorama. Por consiguiente, una tercera postura ha sido orientada por Peter Maurer,
presidente del ComiInternacional de la Cruz Roja (CICR), que defiende la legalidad
de los drones usados como armas, al asimilarlos a aquellas que se lanzan desde
helicópteros o cazas.
Expone que el problema de la ilegalidad radica en el estudio contextual de las
operaciones bajo el marco del DIH, respecto al cual es necesario, por supuesto,
diferenciar entre combatientes y sociedad civil, así como los bienes respectivos y eso se
hace con precaución; de igual manera, es preciso cancelar los ataques que avizoren
daños excesivos o desproporcionados, así como evitar con ellos el transporte de armas
no convencionales y dar mayor preferencia a aquellas que mejoren la precisión de los
ataques a efecto de no incidir en daños colaterales (Villamizar 2015: 92, 98).
Se ha reconocido un tenue consenso doctrinal sobre el tema al destacar la prevalencia
del principio de proporcionalidad, la protección de la sociedad civil y la responsabilidad
de la cadena de mando, como ejes jurídicos fundamentales para dar claridad al
espinoso estudio sobre la conveniencia de esta modalidad de armamento.
Preocupaciones desde la bioética
Al tenor de los principios fundamentales de la bioética, la problemática asume un cariz
de tensión entre lo adecuado y lo inadecuado, máxime tratándose de implicaciones
derivadas de la expresión soberana de los Estados.
No es posible estimar que los drones desaparezcan del escenario bélico, han llegado
para quedarse y, en tal sentido, emergen como armas considerables en las futuras
confrontaciones que, por supuesto, las habrá.
Sin embargo, es necesario recabar en la pertinencia de un uso moderado de los drones,
en particular en lo atinente a esos potenciales daños que pueden ocasionar.
La interpretación bioética suele orientarse desde la concurrencia de cuatro principios
esenciales: no maleficencia, beneficencia, autonomía y justicia. Como es sabido, su
correspondencia con aspectos dilemáticos suele ser moderada. En el caso expuesto, su
alcance es complejo, en especial por los matices que comporta la posibilidad de causar
daños.
Por ejemplo, frente a la no maleficencia, el deber ser se traslada hacia evitar cualquier
atentado contra la vida. En tal sentido, el uso de drones en condiciones bélicas se
orientaría, en caso extremo, hacia la afectación de cosas o bienes materiales.
Respecto a la beneficencia -que en un conflicto resulta paradójico-, se refleja en la
prohibición del uso de la fuerza que encuentra sus excepciones en “la autorización del
Consejo de Seguridad de Naciones Unidas para llevar a cabo una acción coercitiva y la
legítima defensa de los Estados” (Ferrari, 2021: 111).
Así mismo, la justicia y la autonomía basculan sobre la relatividad de los eventos en
tanto se circunscriben a la visión soberana de los Estados, aspecto que en mismo es
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un principio, pero, a la vez, segrega los factores de incidencia de las decisiones a
tomar.
No es fácil traer a colación un enfoque preciso sobre esos parámetros de deber ser,
pues en el escenario de los conflictos bélicos la irracionalidad hace posible cualquier
consecuencia en detrimento de la condición propia de humanidad, máxime cuando es
evidente cómo el derecho internacional se ha ido gestando en función de la guerra”
(Oliveros, 2020: 131).
En el panorama normativo internacional los Estados que se hallan a la vanguardia de la
regulación de estos artefactos son: Australia (referente esencial en torno a la
mensajería privada), Ghana (con la red más extensa de drones orientados a los
servicios sociales), China (en materia de asistencia a la salud, derivada de la pandemia
del Covid-19), Estados Unidos (que, pese a su desaforada carrera armamentista y el
uso de drones en la actividad militar desde los años 50’s, también los ha empleado con
propósitos de protección ciudadana) y España, que en materia de privacidad y
seguridad ciudadana tiene como base el Decreto Real 1036 de 2017, emanado de la
Agencia Estatal de Seguridad Aérea (Ortiz y Sánchez 2020: 19).Dichos alcances
destacan un uso no bélico, pues están orientados hacia el propósito benefactor que
subyace en la tecnología, aspecto que recaba en mejorar las condiciones de vida de las
naciones.
La inclusión de los drones en ese escenario abre múltiples posibilidades, no sólo en
función de promover la guerra asimétrica, sino también en que, probablemente la
afrenta hacia los seres humanos comience a menguar. Hace falta una correspondencia
colaborativa entre Estados dentro del complejo escenario de las relaciones
internacionales. Para ello, habrá que profundizar en los alcances de la inteligencia
artificial apoyados en la prudencia, la mesura y la precaución. Tal vez sea pedir mucho,
pero es una necesidad urgente a considerar.
Conclusiones
El dron, como artefacto que puede ser destinado para tareas militares y
confrontaciones bélicas, ha llegado a convertirse en una opcn importante dentro de
las tensiones que mueven a los Estados a demostrar su poder. Una de las principales
preocupaciones del empleo de los mismos es la capacidad de localizar objetivos a
distancia y, aún más, la detección supeditada a una incierta y, probablemente, amplia
autonomía que pueda generar un desequilibrio en el abuso de ese poder.
No obstante, se estima que también pueden coadyuvar en disminuir los decesos de
seres humanos en la guerra, habida cuenta de ese carácter impersonal y teledirigido
que les identifica. Bajo esa mirada, su incursión militar es susceptible de justificación.
Pese a las dificultades hermenéuticas que comporta estudiar el problema desde la
mirada de los principios bioéticos, es necesario formular nuevos criterios que
comporten un uso adecuado de esta tecnología y con ello evitar eventos catastróficos
en procura de dignificar la condición humana sobre las pretensiones bélicas, a efecto de
cumplir con mayor rigor el alcance de la cortesía, la cooperación y la reciprocidad, en
tanto bases del derecho internacional.
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Es preciso un llamado insistente y permanente al concierto internacional de las
relaciones entre Estados, a efecto de regular de manera eficaz el uso de los drones con
el fin de poner la tecnología en provecho de la humanidad, v. gr. en labores de
protección ciudadana, asistencia en servicios de salud, labores de mensajería, etc.
En ese orden de ideas, enfatizar en la responsabilidad que subyace en la naturaleza de
los cargos desempeñados por jefes de Estado, jefes de gobierno, líderes militares,
políticos y sociales en evitar la trivialización de la violencia cuyos riesgos suelen
denostar los Derechos Humanos hasta el punto de banalizar la vida misma en tanto se
considera a los individuos como simples piezas en los juegos de ajedrez bélicos.
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OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 12, Nº. 2 (Noviembre 2021-Abril 2022)
LOS RUMBOS DEL MOVIMIENTO AL SOCIALISMO (MAS) EN BOLIVIA:
EL DIÁLOGO ENTRE POLÍTICA EXTERIOR Y DIPLOMACIA
NATALIA CEPPI
natalia.ceppi@fcpolit.unr.edu.ar
Doctora en Relaciones Internacionales por la Universidad Nacional de Rosario (UNR, Argentina),
Argentina. Magíster en Integración y Cooperación Internacional (CEI-CERIR-UNR). Licenciada en
Relaciones Internacionales (UNR). Investigadora Adjunta del Consejo Nacional de Investigaciones
Científicas y Técnicas (CONICET). Profesora Titular de la asignatura Derecho Consular y
Diplomático de la Licenciatura en Relaciones Internacionales, Facultad de Ciencia Política y
Relaciones Internacionales (UNR).
Resumen
Política exterior y diplomacia son, en el marco de los estudios de las Relaciones
Internacionales en general, dos categorías que gozan de gran protagonismo. En términos
prácticos, poseen una vinculación estrecha, simbiótica e incluso, persiste la idea que ambas
significan lo mismo. No obstante, desde una perspectiva teórico-conceptual, la política exterior
implica, en líneas generales, los objetivos del Estado en el plano internacional, mientras que
la diplomacia refleja los medios para concretarlos. En base a ello, el presente escrito procura
identificar y reflexionar sobre los ejes centrales que atravesó la dinámica de la política exterior
y la diplomacia de Bolivia durante los tres gobiernos de Evo Morales (2006-2019). Asimismo,
se realiza una breve proyección sobre este binomio tan particular a partir del regreso del MAS
al poder, tras el triunfo de Luis Arce y David Choquehuanca el 18 de octubre de 2020.
Palabras-clave
Bolivia, MAS, política exterior, diplomacia, cambio/continuidad
Cómo citar este artículo
Ceppi, Natalia (2021). Los Rumbos del Movimiento al Socialismo (MAS) en Bolivia: El diálogo
entre Política Exterior y Diplomacia. In Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 12,
2, Noviembre 2021-Abril 2022. Consultado [en línea] en fecha de última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.3
Artículo recebido en 26 Enero de 2021 y aceptado para su publicación el 24 Marzo de
2021
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Los Rumbos del Movimiento al Socialismo (mas) en Bolivia:
El diálogo entre Política Exterior y Diplomacia
Natalia Ceppi
31
LOS RUMBOS DEL MOVIMIENTO AL SOCIALISMO (MAS) EN
BOLIVIA: EL DIÁLOGO ENTRE POLÍTICA EXTERIOR Y
DIPLOMACIA
1
NATALIA CEPPI
Introduccíon
La llegada del MAS a la presidencia del Estado Plurinacional de Bolivia (Bolivia, en
adelante), tras su primera victoria presidencial el 18 de diciembre de 2005, constituyó
un hecho de gran impacto más allá de sus implicancias en la realidad nacional. A nivel
regional y extra-regional, medios de comunicación, académicos y policy-makers
siguieron con detenimiento el ascenso de la fórmula Evo Morales-Álvaro García Linera.
Semejante expectativa puede entenderse, entre otras cuestiones, a partir del desarrollo
de la propia contienda electoral. En el imaginario colectivo, las elecciones de 2005 no se
equiparaban a un sufragio más, es decir, como parte de la práctica intrínseca del juego
democrático ya que éstas, por primera vez desde 1985, ofrecían posibilidades fehacientes
de poner fin a los gobiernos de coalición que constituyeron el período de la denominada
Democracia Pactada.
2
En este contexto, el triunfo del MAS fue un acontecimiento inédito por varios motivos.
En primer lugar, su acceso al poder se dio a través de la obtención de la mayoría absoluta
de los votos (53.74%), lo cual no ocurría desde 1982. En segundo lugar, el MAS se
diferenciaba de los partidos políticos tradicionales por ser un movimiento político que
representaba y, a la vez, articulaba demandas indígenas, campesinas y sindicales, cuyos
componentes identitarios se esgrimían en torno al fuerte liderazgo de Evo Morales
(Mayorga, 2008, 2016). En tercer lugar, su programa de gobierno estaba focalizado en
el proceso de Refundación del Estado que, a grandes rasgos, implicaba políticas
rupturistas no sólo en el plano doméstico sino particularmente en la agenda externa y en
la vinculación internacional del país. Para el MAS era imperioso dotar a la política exterior
y a la diplomacia de nuevos contenidos y estructuras al entenderlas como el reflejo de la
1
El presente trabajo continúa y profundiza algunas líneas de análisis que han sido desarrolladas en instancias
de investigación previas en el marco del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas
(CONICET).
2
Exeni Rodríguez (2016: 84-85) sostiene que la Democracia Pactada es “tributaria” del Pacto por la
Democracia en tanto evento poselectoral de las elecciones de 1985 donde la elección presidencial recayó
en el Congreso ante la falta de mayoría absoluta. Por tradición, se ratificaba la primera mayoría, pero en
dicha ocasión, Hugo Banzer Suárez, un ex presidente de facto y candidato de ADN, fue desplazado por
Víctor Paz Estenssoro del MNR con el respaldo de su partido y de otras fuerzas legislativas. Dos meses
después, ADN apoyó parlamentariamente al Ejecutivo y suscribieron un pacto de gobernabilidad. A partir
de allí, los partidos tradicionales (MNR, ADN y MIR) fueron rotando en el poder gracias a las alianzas
realizadas en el Legislativo conjuntamente con otras fuerzas menores.
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identidad nacional pero también porque permitirían la satisfacción de determinados
intereses políticos y económicos.
El presente trabajo propone reflexionar sobre los aspectos centrales que han marcado el
compás de la política exterior y la diplomacia de Bolivia durante las tres administraciones
de Evo Morales (2006-2019). Asimismo, procura inferir posibles modos de acción en la
materia con respecto al reciente mandato de Luis Arce y David Choquehuanca, cuyo
triunfo en las elecciones del 18 de octubre de 2020 dio paso al regreso del MAS al poder
Ejecutivo luego del gobierno interino de Jeanine Áñez. Se sostiene como conjetura que,
bajo la conducción de Morales, la política exterior y las acciones diplomáticas del país
andino han sido rupturistas y signadas por una retórica con un fuerte componente
ideológico, en especial, si se las compara con los gobiernos que precedieron al MAS. En
ambas se percibe una clara apuesta al pragmatismo en virtud de conquistar y
beneficiarse de las posibilidades políticas y económicas del contexto, ya sea en el marco
de las relaciones bilaterales como en las instancias multilaterales.
A los fines del trabajo, se ha empleado un diseño metodológico cualitativo con miras a
caracterizar de manera integral el núcleo de análisis. Al ser flexible y contar con una
perspectiva holística, aborda el objeto de estudio a partir de la idea de unidad, es decir,
como un todo y no como una sumatoria de partes- por lo cual el foco está puesto en
el fenómeno y su contexto (Taylor y Bogdan, 1987; Sautu, 2005; Hernández Sampieri,
Fernández Collado y Baptista Lucio, 2014). Por su parte, las referencias empíricas
provienen de documentos oficiales, normativa nacional y artículos especializados en las
distintas aristas que son parte de la investigación, emplndose la búsqueda bibliográfica
y documental como técnicas de recolección de información.
En términos organizativos, el análisis se presenta en tres secciones. En la primera se
realiza una somera presentación sobre la propuesta de gobierno del MAS en el plano
doméstico para luego establecer su conexión en lo que respecta al accionar externo del
país. Cabe remarcar que la estadía del MAS en la presidencia de Bolivia a lo largo de tres
gestiones consecutivas despertó curiosidad e interés por parte de la academia, cuya
producción ha puesto bajo la lupa múltiples aspectos y dimensiones que han sido parte
de los planes de gobierno de Evo Morales tanto en el ámbito doméstico como en el
externo. En líneas generales, en el plano doméstico se destacan principalmente los
estudios focalizados en la relación del MAS con los movimientos sociales, el avance
territorial del oficialismo versus el declive de la oposición-; la reivindicación del colectivo
indígena-campesino y su propuesta de cambio en el vínculo del Estado con la sociedad y
las fuerzas del mercado. En cuanto al accionar externo del país, gran parte de los análisis
se han concentrado en las transformaciones que se fueron estableciendo a partir de 2006
en los lineamientos centrales y principios básicos orientadores de la política exterior, los
temas de agenda y en los vínculos regionales y extra-regionales de un actor con escasos
márgenes de maniobra en el contexto internacional (Fernández Saavedra, 2011; Canelas
y Verdes Montenegro, 2011; Trejos Rosero, 2012; Namihas, 2013; Olmos Castro, 2014;
Ceppi, 2015, 2019; Querejazu Escobari, 2015; Souza, Cunha Filho y Santos, 2020; Ponce
Costa, 2020, etc.). Esto ha tenido como correlato el enriquecimiento de los debates
académicos y, al mismo tiempo, ha contribuido a fortalecer el análisis de dicho proceso
a partir de dos nociones centrales en la actividad internacional de los Estados como son
la política exterior y la diplomacia. Ambas categorías poseen una relación estrecha y de
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gran acoplamiento y, es común que suelan ser utilizadas como sinónimos. Sin embargo,
para las Relaciones Internacionales y el Derecho Diplomático, comprenden
conceptualmente nociones distintas (Pérez Manzano, 1989; Moreno Pino, 2001,
Arredondo, 2016; Vilariño Pintos, 2016; Hocking, 2016). La política exterior representa
los objetivos y metas del Estado en su accionar internacional, mientras que la diplomacia
es un instrumento siempre pacífico- para el logro de dichos cometidos (Arredondo,
2016: 8-10).
En la segunda sección se identifican los aspectos más relevantes que han dado contenido
a la política exterior y la diplomacia de los gobiernos de Morales. Teniendo en cuenta que
en la distinción política exterior/diplomacia, la primera se ocupa del q (qué metas u
objetivos) y la segunda del cómo (los medios o herramientas), se analizan los objetivos
más significativos del período 2006-2019 con sus correspondientes políticas de
implementación. La decisión de abordarlas de forma distintiva en términos
conceptuales- pero al mismo tiempo como unidad, contribuye a profundizar el análisis
teórico de cada categoría. Al mismo tiempo, su tratamiento en conjunto hace posible
contar con una especie de foto; un cuadro de situación más completo sobre los
posicionamientos, las decisiones y acciones de los policy-makers en el plano
internacional, considerando la coyuntura doméstica y sistémica.
Finalmente, en la tercera sección, que obra a modo de cierre, se esbozan a título tentativo
algunos aspectos relacionados con la conducción que Luis Arce y David Choquehuanca
pretenden por lo menos desde la retórica- imprimir a la política exterior y la diplomacia
del país andino.
1. El punto de partida
El arribo de Evo Morales y Álvaro García Linera a la presidencia puede contextualizarse
sintéticamente en un escenario que combinaba un sinnúmero de elementos; muchos de
ellos, contrapuestos: grandes expectativas, en particular, por parte del colectivo
indígena-campesino, inestabilidad político-institucional y enormes desafíos a nivel socio-
político y económico. Las promesas de crecimiento, desarrollo y bienestar de los
gobiernos de la Democracia Pactada ancladas en la implementación de programas
económicos ortodoxos- carecieron de correlato en los hechos. A comienzos del presente
siglo, la recesión, la pobreza y la desigualdad se habían convertido en una problemática
estructural profunda y, en consecuencia, en el leitmotiv de las demandas de cambio
versus continuidad de gran parte de la población.
3
El descontento popular fue
canalizándose en acontecimientos como la Guerra del Agua (2000), la Guerra del Gas
(2003), la renuncia de Gonzalo nchez de Lozada en octubre de 2003 y múltiples
protestas ciudadanas y campesinas que tuvieron a los movimientos sociales como
grandes protagonistas. Su accionar hizo más evidente no sólo el desgaste de los partidos
políticos tradicionales, sino que también fue un factor determinante en el triunfo del MAS.
Según Zuazo (2010), el MAS ha resultado de la ampliación de la democracia durante
3
Según la Unidad de Análisis de Políticas Sociales y Económicas (UDAPE) de Bolivia, al año 2000, la pobreza
moderada alcanzaba al 66.4% de la población; la pobreza extrema representaba el 45.3% y el Coeficiente
de Gini era de 0.66. Dossier de Estadísticas Nº 30. Disponible en
https://www.udape.gob.bo/portales_html/dossierweb2020/htms/dossier30.html
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1982-2000 pero, al mismo tiempo, ha sido consecuencia de su profunda crisis. Nació por
decisión de las organizaciones sociales campesinas de contar con un instrumento político,
que luego se fue ampliando a las ciudades, generando a raíz de su triunfo en 2005 el
tránsito hacia un “partido urbano”, con un liderazgo avasallante de Morales como
Presidente y jefe de partido.
Para el MAS, las dos décadas de Democracia Pactada habían generado un Estado débil,
poroso, cuyos roles y funciones fueron restringidos para favorecer al capital trasnacional
y los grupos conservadores que tradicionalmente habían gobernado el país (Programa de
gobierno MAS-IPSP, 2005: 10). Frente a esto, Evo Morales entendía que la refundación
del pacto social requería la existencia de un Estado que contara con una fuerte presencia
en el ámbito doméstico y en la agenda externa a fin de establecer cambios
multidimensionales, acordes con su propuesta de campaña. Los principios orientadores
de acción que fueron posteriormente renovados en los siguientes mandatos- se
presentaron en el Plan Nacional de Desarrollo de 2006, en tanto estrategia integral,
orientada a la construcción de una Bolivia Digna, Democrática, Productiva y Soberana
para Vivir Bien (Plan Nacional de Desarrollo, 2006). En líneas generales, implicaba la
puesta en marcha de medidas que apuntaran a la redefinición del vínculo Estado-mercado
y Estado-sociedad, rescatando e incorporando la cosmovisión de los pueblos indígenas
campesinos. Por su parte, el Vivir Bien
4
es una filosofía, un paradigma ancestral
concebido en la interculturalidad; “un horizonte civilizatorio y cultural alternativo al
capitalismo y a la modernidad”, el cual se comprende y se alcanza de forma práctica y
colectiva integrando las dimensiones social, cultural, política, ambiental y económica
(Ministerio de Relaciones Exteriores de Bolivia, 2014: 60).
En los hechos, la propuesta de cambio del MAS ha descansado en la edificación de un
Estado activo en este caso, en su versión plurinacional- (Cordero Ponce, 2012),
sustentado en los ideales de desarrollo nacional, reformismo social y formas de
participación y representación más inclusivas. A nivel doméstico, este proceso se ha
cimentado a través de:
a) Las nacionalizaciones y renegociaciones de los contratos en sectores estratégicos
tales como hidrocarburos (Decreto Supremo 28.701, 2006), minería Huanuni, la
mina de estaño más importante del país (2006)-, telecomunicaciones empresa
ENTEL (2006)-, metalurgia empresa Vinto (2007)-, combustible Air BP (2009)-,
electricidad Corani, Guarachi, Valle Hermoso y la distribuidora de electricidad de
Cochabamba (2010)-, fundición la planta Vinto de antimonio (2010)- y servicios
aeroportuarios SABSA (2013)- (CELAG, 2019).
b) La promulgación de una nueva Constitución Nacional (2009) que, entre otros
aspectos, se asienta en la ampliación de los derechos de ciudadanía con el
reconocimiento de los derechos de las comunidades indígenas campesinas, tales
como las autonomías, la democracia intercultural y la conformación de Bolivia como
Estado Plurinacional (Cordero Ponce, 2012).
c) El compromiso con la lucha contra la pobreza y la desigualdad a través del desarrollo
de programas de transferencias condicionadas en salud, educación, tercera edad y
4
Sobre el análisis del Vivir Bien en Bolivia, se recomienda consultar Martínez (2016).
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embarazo. Finalizando el tercer mandato de Morales, al año 2018, el 51.2% del total
de la población fue beneficiaria de algún bono social (Ministerio de Economía y
Finanzas Públicas de Bolivia, 2019). Esto generó un círculo virtuoso con respecto a
los indicadores sociales ya que la pobreza tanto moderada como extrema- y la
desigualdad tuvieron un claro comportamiento descendente en el período 2005-
2018. La pobreza moderada pasó de 60.6% a 34.6%; la extrema de 38.2% a 15.2%
y el Coeficiente de Gini de 0.60 a 0.46 (Ministerio de Economía y Finanzas Públicas
de Bolivia, 2019: 196-197).
No obstante, para que la Refundación del Estado fuera entendida de forma integral y
concluyente –“refundación total”, de acuerdo al posicionamiento del MAS-, la política
exterior, la diplomacia y las relaciones internacionales del país debían, por extensión,
tener rasgos diferenciadores de los gobiernos de la Democracia Pactada.
Ahora bien, ¿qué se entiende por política exterior y diplomacia? Retomando la propuesta
inicial de este trabajo donde dichas categorías se observan en términos de unidad, pero
al mismo tiempo, son conceptualmente diferenciadas, la política exterior, comprende,
siguiendo las ideas de Hermann (1990), un programa; un plan que se elabora desde el
poder Ejecutivo para la consecución de metas a alcanzar en el plano internacional. En
este sentido, la política exterior, como afirman Wilhelmy (1991), Lasagna (1996), Milani
y Pinheiro (2013), Busso (2016, 2019) y Míguez (2017, 2020), entre otros, se inscribe
como política pública, es decir, como el conjunto de objetivos y acciones que lleva a cabo
un gobierno frente a problemas o podría agregarse, asuntos en general- que en un
determinado momento suscitan interés por parte del propio gobierno como por otros
actores, entre ellos, los ciudadanos (Tamayo ez, 1997). Esto implica, de acuerdo al
análisis de Oszlak y O’Donnell (1976), una toma de posición por parte del Estado, que se
concreta en decisiones que no necesariamente se expresan en actos formales, orientada
a resolver esa cuestión que se presenta. Al ser un modo de intervención donde se
incluyen las decisiones o perspectivas de diversos actores, esa “toma de posición no tiene
por qué ser unívoca, homogénea o permanente” (Oszlak y O’Donnell, 1976: 21). De ello
resultan tres elementos importantes a tener en cuenta: 1- esa posición predominante
que atañe a otros sectores de la sociedad, se desarrolla en un contexto y momento
histórico específicos; 2- al coexistir varios actores en la fijación de la posición, en
ocasiones, las decisiones pueden ser contradictorias y/o conflictivas y 3- la toma de
posición puede ser activa o por omisión, siendo ambas una manera de hacer frente al
tema de agenda (Oszlak y O’Donnell, 1976: 21-23).
La particularidad de la política exterior radica en que cuando el Estado adopta posiciones
frente a problemáticas de interés, se observa una interacción constante entre los planos
doméstico y externo (Busso, 2019, Míguez, 2020). En palabras de Wilhelmy (1991: 177)
la especificidad de la problemática internacional, genera que los objetivos de política
exterior sean identificados a partir de la incidencia de los influjos que provienen del
sistema político, de las consideraciones domésticas de la política y de la significación de
los actores y del entorno internacional.
Así, mientras que la política exterior fija y decide las directrices de acción mediatas o
inmediatas- por parte de un Estado, la diplomacia es una forma de ejecutar, siempre de
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manera pacífica, esa política exterior (objetivos y temas de agenda) que previamente se
ha decidido. Por ello, la diplomacia es esencialmente una herramienta o un instrumento
al servicio de la política exterior (Vilariño Pintos, 2016: 75). Para Vilariño Pintos (2016:
75-76), la diplomacia no es un fin, sino un medio; no un propósito, sino un todo”.
Esto implica comprender, según el autor, que la política exterior posee un carácter
sustantivo y la diplomacia, un carácter adjetivo, generando que sean según el
neologismo que utiliza- de orden completivas ya que la diplomacia no posee una
existencia separada de la política exterior.
Teniendo en cuenta que en la construcción de los objetivos y temas de agenda que
movilizan el accionar internacional de los Estados inciden factores de orden doméstico y
sistemático, la política exterior, en su condición de política pública, no es algo estático o
inalterable. Al contrario, la convivencia entre el cambio y la continuidad es un patrón
recurrente al momento de ponerla bajo análisis. En este sentido, la política exterior del
MAS no constituye una excepción ya que a lo largo de las tres administraciones de
Morales, se desprenden, en términos de Lasagna (1995), la presencia de criterios
tradicionales y contingentes. Los primeros aluden a aspectos o pautas que son parte del
armado de la política exterior de un país, independientemente de los cambios de
gobierno; siendo en el caso de estudio, la defensa de la democracia, la soberanía y los
derechos humanos; la no injerencia en los asuntos internos de otros Estados, la solución
pacífica de conflictos y el reclamo por el acceso soberano al mar frente a su disputa con
Chile. Por su parte, los segundos responden a cuestiones coyunturales al comprender las
inclinaciones o preferencias del gobierno de turno y los “inputs que recibe del exterior”
(Lasagna, 1995: 390-391). Al aplicarlos a la política exterior boliviana, los criterios
contingentes se asocian indefectiblemente al proceso de Refundación del Estado; la idea
de ruptura y a la necesidad de establecer un cambio de paradigma en las relaciones
internacionales. De acuerdo con el Ministerio de Relaciones Exteriores, los gobiernos que
precedieron al MAS compartieron una política exterior cuyos objetivos estuvieron
marcados por la dependencia político-ideológica de Estados Unidos, el cumplimiento de
los postulados ortodoxos de los organismos financieros internacionales y la obtención de
beneficios para las elites gobernantes y el sector empresarial (Ministerio de Relaciones
Exteriores de Bolivia, 2014). Frente a esto, la administración Morales se abocó a dotar a
la política exterior de una nueva estructura doctrinaria acorde con la redefinición de los
vínculos del Estado con el mercado y la sociedad y los principios sostenidos en términos
partidarios.
En términos discursivos, el ex Presidente apostó a una retórica más radical que
moderada, con una marcada postura contra-hegemónica, muy crítica del capitalismo en
general y del neoliberalismo en particular y, defensora del Vivir Bien y de los principios
sostenidos por el colectivo indígena campesino. Esto se fue plasmando en el uso habitual
de la idea de “nos-otros”, en particular, en el seno de Naciones Unidas. Así, elnosotros
(los indígenas, campesinos y movimientos sociales; los países en desarrollo víctimas del
capitalismo y el colonialismo y los gobiernos que pretenden un mundo más justo y
equitativo) y los otros (los países procapitalistas Estados Unidos-, las empresas
transnacionales y los organismos financieros internacionales) (Olmos Castro, 2014), han
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tenido un lugar protagónico en la cosmovisión dicotómica de Morales como líder, pero
también en el diseño de la política exterior y de la llamada Diplomacia de los Pueblos.
5
Este nuevo paradigma fue el marco de la política exterior boliviana entre 2006 y 2019,
la cual estuvo especialmente focalizada en el tratamiento de los siguientes objetivos
macro: 1) la reivindicación marítima, 2) el establecimiento de relaciones externas
complementarias, diversificadas y menos asimétricas y 3) la revalorización de la
identidad nacional. A continuación, se desarrollan cada uno de ellos, considerando
también las acciones diplomáticas en tanto herramientas- que se implementaron con
miras a concretarlos. Tal como expresa Wilhelmy (1991: 179-180), el instrumento en
este caso la diplomacia- se encuentra al servicio del objetivo y “a cada constelación de
intereses y objetivos debe adecuarse un repertorio de instrumentos; el cálculo de esta
adecuación constituye una de las tareas centrales del actor gubernamental en la política
exterior”.
2.1. La demanda marítima frente a Chile
A diferencia de los otros objetivos de la agenda externa, el reclamo de acceso soberano
al Océano Pacífico ha sido una constante en la política exterior boliviana más allá de los
cambios de gobierno. Desde la firma del Tratado de Paz y Amistad en 1904, los contactos
con Chile atravesaron diversas situaciones conflictivas incluso, la ruptura de relaciones
diplomáticas en 1978- frente a la existencia de posiciones diametralmente opuestas:
para Chile los temas territoriales quedaron saldados a principios del siglo XX, mientras
que, para Bolivia, el acceso soberano al mar aún constituye un reclamo pendiente.
En la búsqueda por obtener algún tipo de avance en la materia, Evo Morales apostó al
diálogo con el primer gobierno de Michelle Bachelet (2006-2010) y ambos acordaron la
necesidad de renovar el espíritu del vínculo entre los dos países mediante la firma de la
Agenda de los 13 puntos o ‘agenda sin exclusiones’ donde se incorporó el tratamiento de
la cuestión marítima. En ese momento, los esfuerzos diplomáticos se concentraron en el
plano bilateral con el objetivo de mejorar la calidad del diálogo interestatal y a partir de
allí ahondar sobre la posibilidad de encontrar un acuerdo “cara a cara” sobre el asunto
(Correa Vera y García Pinzón, 2013: 96). Las reuniones entre funcionarios bolivianos y
chilenos se llevaron a cabo anualmente y estuvieron en consonancia con el proceso de
reconstrucción de confianza propuesto por los entonces mandatarios. Sin embargo, con
el inicio del gobierno de Sebastián Pinera (2010-2014), el diálogo entre las Cancillerías
de Bolivia y Chile fue paulatinamente dejado de lado, con acusaciones cruzadas sobre la
responsabilidad de lo acontecido, evidenciando que, en realidad, las conversaciones
5
Según el MAS, la Diplomacia de los Pueblos se apoya en el Vivir Bien en tanto paradigma filosófico de los
pueblos indígenas andinos y puede entenderse como unos los pilares de la política exterior del período,
siendo ésta la encargada de cumplir los objetivos de gestión establecidos. De los documentos oficiales se
desprende que es una nueva forma de llevar adelante una política exterior cuyos principios, objetivos e
intereses, difieren ampliamente con el pasado. Sus características centrales son: la ampliación de la idea
de relaciones internacionales, es decir, se habla de vinculación no sólo entre Estados sino entre pueblos y/o
naciones; los movimientos sociales poseen un papel importante, en especial, en los foros políticos; la
promoción de la democracia participativa y la construcción de relaciones solidarias, complementarias y de
cooperación (Ministerio de Relaciones Exteriores de Bolivia, 2014: 111-112).
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nunca pudieron superar el aspecto formal ante la falta de movilidad en la postura
tradicionalmente sostenida por cada actor.
Frente a este cuadro de situación, Morales decidió establecer cambios en el accionar de
la diplomacia frente a este reclamo histórico. La primera medida se presentó en la
creación de la Dirección Estratégica de Reivindicación Marítima (DIREMAR) en el seno del
Ministerio de Relaciones Exteriores, asignándole las tareas de planificar, desarrollar e
implementar todo lo relativo al tema marítimo. La segunda medida se plasmó en la
judicialización de la demanda ante la Corte Internacional de Justicia (CIJ) el 24 de abril
de 2013, amparándose en el Tratado Americano de Soluciones Pacíficas de 1948,
conocido como Pacto de Bogotá (International Court of Justice, 2013). Ahora bien, el giro
en la táctica (el accionar diplomático) no sólo se evidenció en el abandono del plano
bilateral sino también en el eje del reclamo ya que la demanda no se focalizó en la
denuncia directa del Tratado de 1904 como haa acontecido en otros momentos- sino
en el supuesto incumplimiento por parte de Chile en su obligación de negociar una salida
soberana al Pacífico. Para la Cancillería boliviana dicha obligación se fundamentaba en
un conjunto de acontecimientos tales como declaraciones unilaterales, intercambios
diplomáticos, acuerdos bilaterales y declaraciones e interacciones diplomáticas en el
marco de la Organización de Estados Americanos (OEA), que se sucedieron con
independencia al Tratado de 1904 (International Court of Justice, 2013; Ceppi, 2019).
En paralelo, Evo Morales aprovechó las sesiones de apertura de la Asamblea General de
Naciones Unidas para promover la causa boliviana, elevar al máximo su perfil y, al mismo
tiempo, buscar respaldo internacional, apelando a cuestiones como la falta de
entendimiento de Chile ante un reclamo ‘justo e irrenunciable’; la importancia de la
solución pacífica de controversias, sobre todo, entre países vecinos y las
recomendaciones efectuadas por deres mundiales para que los dos Estados se abocaran
a encontrar una solución a dicho conflicto.
6
Una vez que se llevaron adelante las fases escritas y orales establecidas en el
procedimiento reglamentario, la CIJ emitió su sentencia de carácter vinculante e
inapelable para las partes- el 1 de octubre de 2018. Por 12 votos a favor y 3 en contra,
el tribunal internacional desestimó por completo la demanda boliviana al rechazar cada
uno de los instrumentos legales sobre los cuales la diplomacia andina había edificado su
reclamo (International Court of Justice, 2018). Más allá de las evaluaciones jurídicas que
puedan realizarse, el pronunciamiento de la CIJ implicó, desde la óptica de las relaciones
internacionales de Bolivia, el fin de la judicialización del reclamo como accionar
diplomático y, en consecuencia, la necesidad de repensar a futuro nuevos mecanismos
para el tratamiento de esta problemática. Como sintetiza González Vega (2019: 86), “la
Corte no [vio] en ninguno de los documentos, de la larga nómina aportados por Bolivia,
nada más que meros compromisos políticos, inviables para establecer una obligación
jurídica a cargo de Chile” (…) La clausura del procedimiento judicial ha supuesto una
derrota casi sin paliativos- para las pretensiones [de Bolivia], ante el tenor de la
argumentación desarrollada por la Corte. No obstante, no concluyen con ello los
desencuentros entre los países vecinos” (González Vega (2019: 97).
6
Se recomienda consultar los discursos del exmandatario en la biblioteca digital de Naciones Unidas.
Disponible en https://digitallibrary.un.org/search?ln=es&cc=Speeches
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2.2. Relaciones externas: ¿nuevos enfoques, nuevos medios?
Según el Ministerio de Relaciones Exteriores de Bolivia (2014), el Vivir Bien se traduce,
entre otras cuestiones, en el ámbito de la política exterior, en la construcción de nuevas
formas de vinculación basadas en la cooperación, la complementación y la reducción de
las asimetas con miras a fortalecer el posicionamiento regional y extra-regional del país.
Procurando acercarse a este objetivo, la diplomacia boliviana proporcionó distintos
instrumentos en los planos multilateral y bilateral de la agenda externa. En el plano
multilateral, la integración regional ocupó un lugar destacado a lo largo de las tres
administraciones de Morales ya que ningún país por sí sólo puede atender sus
necesidades y resolver sus problemas” (Plan Nacional Desarrollo, 2006: 239). Sin
embargo, para el MAS, los esquemas de integración tradicionales, focalizados en la
liberalización económico-comercial, tales como la Comunidad Andina de Naciones (CAN)
o el Mercado Común del Sur (MERCOSUR), tenían como punto crítico la falta de
construcción de una agenda más amplia que incluyera el abordaje de problemas sociales,
políticos, culturales y ambientales. Las políticas de integración debían contar con una
mirada ‘holística’ que permitiera el desarrollo de relaciones cuya orientación descansara
en los principios arriba mencionados.
Frente a esta nueva perspectiva, los esquemas de cooperación y concertación que
surgieron a la luz del denominado regionalismo postliberal (da Motta y Ríos, 2007;
Sanahuja, 2012), fueron los medios a través de los cuales el gobierno boliviano procuró
canalizar gran parte de sus intereses con los pares latinoamericanos en lo que respecta
a la dimensión política. La dinámica del regionalismo no quedó al margen del proceso de
ascenso que, a partir del presente siglo, tuvieron los gobiernos progresistas
7
. Éstos no
sólo cuestionaron la idea de regionalismo abierto, es decir, ese regionalismo que imperó
entre 1990 y 2005, basado principalmente en lo comercial donde la integración se asoció
de forma directa con las políticas liberales del Consenso de Washington, sino además
propiciaron su redefinición (Sanahuja, 2012). Así, el regionalismo fue pensado en clave
postliberal dando origen a estructuras como la Alianza Bolivariana para los Pueblos de
Nuestra América-Tratado de Comercio de los Pueblos (ALBA-TCP) o la Unión de Naciones
Suramericanas (UNASUR). A pesar de sus rasgos específicos, se caracterizaron en
general, por otorgar importancia a los temas políticos y sociales; apelar a la cooperación
sur-sur; rechazar las políticas económicas ortodoxas y promover un Estado más presente
en las distintas dimensiones de la agenda nacional (Sanahuja, 2012).
El MAS encontró en estos mecanismos, por un lado, espacios de diálogo, en ocasiones
más ideologizado, como es el caso del ALBA-TCP y, por el otro, plataformas para la
generación de acuerdos de diversa índole- y la minimización de los conflictos (Agramont
Lechín, 2010). Tomando las ideas de Diamint (2013: 64), dichos esquemas
8
, no
desconocían el plano comercial; sino que fueron ideados como acuerdos principalmente
políticos y no económicos, donde las consecuencias del “entrelazado político” se
extienden al campo económico; al contrario del planteo que ofrece un proceso de
7
Como expresa Svampa (2017), con esta categoría genérica que abarca diferentes corrientes políticas e
ideológicas, se alude al cambio de época que atravesó gran parte del continente sudamericano entre 2000
y 2015.
8
En su trabajo, la autora se focaliza en ALBA-TCP y UNASUR.
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liberalización comercial clásico. La presencia de Bolivia en el marco del ALBA-TCP es un
ejemplo de esta afirmación. El país andino se benefició con el envío de diversas misiones
sociales en materia de salud y educación que fueron sustentadas con aportes económicos
(Venezuela) y recursos humanos (Cuba) (Ceppi, 2015). También fue receptor de
donaciones, reducción arancelaria en acuerdos comerciales y créditos reembolsables para
obras de infraestructura (Vergara Toro, 2016). Cabe destacar que gran parte de esos
fondos se recibían directamente de la Embajada de Venezuela en La Paz, por lo cual no
se conoce con exactitud la cantidad del dinero enviado como los verdaderos destinos de
los mismos (Vergara Toro, 2016: 77).
La promoción de una integración con un matiz político no implicó la pérdida de interés
por los esquemas comerciales tradicionales. Bolivia no abandonó la CAN y suscriben
2012 coincidente con el declive del ALBA- el protocolo de adhesión al MERCOSUR en
calidad de Estado miembro, buscando superar su condición de asociado.
9
En resumen,
Morales se inclinó firmemente hacia el multilateralismo y la integración, ya sea en su
versión ‘regionalismo abierto’ –donde prima lo económico-, o bien, la ‘versión siglo XXI’,
propia del ciclo progresista que transimayoritariamente el espacio sudamericano entre
2000 y 2015. Así, en lo que respecta al regionalismo, el MAS apeló a la diplomacia de
doble pertenencia, lo cual contribuyó a diversificar la agenda de política exterior,
fortaleció la visibilidad de Bolivia en el contexto regional y dinamizó, en términos
generales, el contacto con los pares, en especial, con aquellos que estaban en la misma
sintonía ideológica.
En el plano bilateral, la diplomacia ampl el horizonte de diálogo inter-estatal para
alcanzar acuerdos sobre diversas temáticas, algunas de ellas pendientes; otras con
carácter propositivo. La renegociación de los contratos energéticos con Argentina y Brasil
pos nacionalización de YPFB en 2006, la demarcación limítrofe final con Paraguay,
producto de la Guerra del Chaco en 2009; la firma de un Protocolo Complementario a los
Convenios de Ilo (1992) en 2010 y luego la Declaración de Ilo con Perú en 2019; la
renovacn de los memorandos de entendimiento con la UE en materia de cooperación
10
;
el establecimiento de relaciones diplomáticas con Irán en 2007 y la actualización de los
vínculos con China y Rusia, reflejan el rol de la diplomacia en tanto brazo ejecutor de
una política exterior de índole diversificada y pragmática (Ministerio de Relaciones
Exteriores de Bolivia, 2014; Comunicado del Gobierno de Pe, 2019).
En el ámbito extra-regional, los vínculos con China y Estados Unidos merecen una
consideración especial. Por su parte, el país asiático tuvo un ascenso vertiginoso en la
agenda externa boliviana gracias a la complementariedad comercial exportación de
materias primas e importación de productos con valor agregado- y a la ayuda económica
y política que se ha enmarcado como parte de la cooperación sur-sur (Hedrich, 2016).
Aprovechando la retórica anti-imperialista y contra-hegemónica de Morales, China ha
brindado préstamos e inversiones y ha adquirido grandes volúmenes de productos como
litio, plata, estaño, plomo, cobre refinado, quinua y semillas de sésamo, entre otros. No
obstante, al ser un vínculo absolutamente asimétrico, el accionar chino es el encargado
9
Este proceso aún no se ha concretado.
10
Bolivia y la UE llevan adelante sus relaciones desde 1995, sobre todo en materia de cooperación. Es el
principal receptor de la ayuda bilateral de la UE al desarrollo en América Latina, con un presupuesto de 281
millones de euros para el periodo 2014-2020. Fuente: Delegación de la UE en Bolivia. En:
https://eeas.europa.eu/delegations/bolivia/966/bolivia-y-la-ue_es.
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de determinar, según sus intereses, en qué y cómo forjar acuerdos bilaterales. En este
sentido, en materia de resultados, el acercamiento a China que aquí se entiende como
una diplomacia receptiva- estaría lejos de cumplir con el objetivo de generar relaciones
complementarias y más equilibradas
En cuanto al vínculo con Estados Unidos, el gobierno de Morales optó por una diplomacia
de repliegue. En la arena política, la relación se caracterizó por la tensión y el
enfriamiento. Las diferencias ideológicas, especialmente durante la gestión de Trump, el
acercamiento a Rusia, China e Irán; el respaldo a Venezuela; la expulsión en 2008 del
entonces Embajador estadounidense, Philip Goldberg, -acusado de conspirar contra el
gobierno de Morales- y la suspensión de las actividades de la DEA y USAID en territorio
boliviano, minaron las posibilidades de construir contactos de alto nivel.
2.3. La identidad boliviana al mundo
La diversidad cultural, como uno de los rasgos básicos del país implicó, en el plano de la
política exterior del MAS, la promoción internacional de gran parte de las causas que
integran las demandas del colectivo indígena campesino. Para ello, la diplomacia
boliviana apostó firmemente a los espacios multilaterales, en especial, Naciones Unidas,
ya sea sentando posición sobre determinadas temáticas o bien, llevando la iniciativa con
respecto a las acciones a seguir. En sus años como primer mandatario, Morales se
concentró en:
a) La defensa y promoción de los derechos de los pueblos indígenas (la
autodeterminación; la posibilidad de vivir en comunidad; el respeto de las
costumbres y tradiciones; el reconocimiento de las autonomías, etc.). Bolivia
acompañó, conjuntamente con otros Estados latinoamericanos, la iniciativa de contar
con una declaración por parte del organismo como una herramienta que coadyuvara
al proceso de reparación de aquellas comunidades que fueron víctimas de las
políticas del colonialismo. Finalmente, el 13 de septiembre de 2007 fue aprobada la
Declaración de las Naciones Unidas sobre los Derechos de los Pueblos Indígenas por
la Asamblea General con 144 votos a favor y 4 en contra. En noviembre de ese
mismo año adquirió fuerza legal en Bolivia al ser elevada a rango de ley.
b) La defensa de la hoja de coca como símbolo de la cultura andina. Según Morales, la
penalizacn de la hoja de coca constituye una injusticia histórica al asociarse
directamente con el tráfico de drogas. Quiero decir que es la hoja de coca verde, no
la blanca. Esta hoja de coca representa la cultura andina, el medio ambiente y la
esperanza de los pueblos. No es posible que la hoja de coca sea legal para la Coca-
Cola e ilegal para otros tipos de consumo medicinal en nuestro país y en el mundo
entero” (Morales, 2006: 37). Tras varios os de reclamos, Naciones Unidas acep
en 2013 una reserva del país andino a la Convención de Estupefacientes de 1961 en
la cual se le reconoce a Bolivia el acullico (mascado de coca) como práctica ancestral,
al igual que el consumo de la hoja de coca con fines culturales y medicinales y su
comercio legal dentro del territorio nacional.
11
11
Consultar Single Convention on Narcotic Drugs, 1961, as amended by the Protocol amending the Single
Convention on Narcotic Drugs, 1961. Disponible en:
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c) La privatización de servicios básicos. Desde los inicios de su gestión, Morales lanzó
una campaña mundial en contra de la participación de compañías privadas en la
prestación de servicios, entre ellos, el agua. Para el MAS, representan derechos
universales y no una mercancía, por lo cual es competencia de los Estados y no del
sector privado garantizar su acceso de forma universal y equitativa.
12
En el V Foro
Mundial del Agua (2009), por iniciativa de la diplomacia boliviana, 25 países firmaron
una declaración paralela a la oficial donde el acceso al agua y el saneamiento fueron
considerados derechos humanos fundamentales (Justo, 2013). Un año más tarde, el
Estado boliviano apostó con mayor fuerza a este pedido y solicitó copatrocinado por
33 países- que Naciones Unidas se promulgara al respecto. Con 122 votos a favor y
41 abstenciones, la Asamblea General reconoció el derecho al agua potable y el
saneamiento sanitario como derechos humanos esenciales per se y para el disfrute
de otros derechos humanos.
d) Los recursos naturales y el cambio climático. En 2007 Morales afirmó que, para el
movimiento indígena, la tierra constituye una cuestión sagrada y por lo tanto, no
podía ser convertida en un simple negocio o mercancía. En este sentido, el ex
Presidente ha sido un actor activo en la promoción de los derechos de la madre tierra
y el respeto del vínculo entre las comunidades indígenas campesinas y los recursos
naturales al sostener que el capitalismo es la causa del proceso de degradación
medioambiental como de las desiguales sociales entre los países y al interior de los
mismos. Para el caso boliviano, dicha crítica se traduce, en parte, en la necesidad
del Estado de recuperar protagonismo en las industrias extractivas, procurando
disminuir las asimetrías en materia de beneficios frente al sector privado. Este
reclamo tuvo, como el tema del agua, recepción en Naciones Unidas. Por iniciativa
de la diplomacia andina, el 22 de abril de 2009, se declaró el Día Internacional de la
Madre Tierra (Asamblea General ONU, 2009). No obstante, cabe mencionar que
dicha temática, en tanto eje de política pública, no ha estado exenta de tensiones y
contradicciones. La explotación intensiva de materias primas, particularmente,
minerales e hidrocarburos ha sido uno de los pilares sobre los cuales el MAS susten
sus políticas sociales y económicas. En la primera década del presente siglo,
coincidente con el boom de los precios de los commodities, Bolivia, al igual que otros
vecinos sudamericanos, apostó al megaextractivismo, “potenciando la explotación
indiscriminada (…) con objetivos exportadores (Svampa, 2019: 70). Los vínculos con
Argentina, Brasil y China son ejemplos en dicha dirección. Todo este proceso ha
puesto en jaque los principios básicos del Vivir Bien, entre los cuales se promueve el
abandono del crecimiento ilimitado como parte del desarrollo y la promocn de una
economía más sustentable y solidaria. En paralelo, ha generado numerosas
situaciones conflictivas con las comunidades ingenas y campesinas a raíz de la
expansión de la actividad extractiva o de proyectos vinculados- en sus territorios,
siendo emblemático el caso del Territorio Indígena y Parque Nacional Isiboro-Sécure
(TIPNIS) (Svampa, 2019).
https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=VI-
18&chapter=6&clang=_en#EndDec
12
Justo (2013) afirma, en base al posicionamiento de la Corte Constitucional del país, que la mirada anti-
mercantilista es consecuencia de los sucesos de la Guerra del Agua en Cochabamba en el año 2000.
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Por último, se destacan dos acontecimientos que son resultados del quehacer diplomático
con miras a cumplir con la revalorización de la identidad cultural en tanto objetivo: la
incorporación de la wiphala símbolo de identificación de los pueblos indígenas
campesinos- en los actos de Estado, conjuntamente con la bandera tricolor y, los cambios
curriculares en la formación que otorga la Cancillería boliviana a sus funcionarios. A modo
de ejemplo, se encuentran la enseñanza del idioma aymara, la introducción de
asignaturas como Descolonización y Doctrinas Políticas y la participación de las
principales organizaciones sociales indígenas en las capacitaciones que realiza la
Academia Diplomática (Ministerio de Relaciones Exteriores de Bolivia, 2014).
3. Áñez, el regreso del MAS y el recuerdo de Morales
A lo largo de sus tres gobiernos, Morales otorgó un sello distintivo a la política exterior y
la diplomacia bolivianas. Como se señaló al comienzo de este trabajo, ambas fueron
rupturistas, pero especialmente pragmáticas. Rupturistas; por el andamiaje doctrinal y
las acciones sostenidas, sobre todo contraponiéndolas con la década del noventa.
Pragmáticas, porque fueron diseñadas en la búsqueda de una funcionalidad política y
económica; en ocasiones más de índole partidario que como programa de gobierno. Todo
ello geneque el país contara con una gran exposición en el escenario internacional,
entendiéndose como un momento sin precedentes.
Los deseos de un cuarto mandato por parte de Morales y García Linera se truncaron
frente al alto grado de conflictividad que estaba atravesando el país, producto de los
reclamos en torno a las elecciones de 2019 donde el oficialismo había obtenido una nueva
victoria. Aqconvergieron cuestiones como la polarización social quienes apoyaban la
victoria del MAS y quienes la rechazaban por forzar sus candidaturas a través de la a
judicial- y las denuncias de fraude por parte de la OEA y de los partidos opositores. Sin
márgenes de maniobra, la fórmula presidencial se vio forzada a renunciar un mes
después ante la solicitud efectuada por las Fuerzas Armadas y otros actores, como la
Central Obrera Bolivia (COB), paradójicamente, afín al MAS.
Jeanine Áñez, senadora opositora por UD, ocupó interinamente la presidencia, tras las
dimisiones de la presidenta del Senado y el primer vicepresidente de la mara de
Diputados, con la tarea de convocar nuevamente a elecciones. En su breve estadía, buscó
diferenciarse abiertamente de los principios, postulados y socios políticos que sostuvo la
Cancillería boliviana entre 2006 y 2019 (Ministerio de Relaciones Exteriores de Bolivia,
2020). En líneas generales, dispuso una diplomacia de reversión, que se manifestó en
acciones como el retiro de Bolivia del ALBA y UNASUR; el cuestionamiento abierto a
Venezuela, Cuba e Irán; la solicitud de ingreso al Grupo de Lima
13
y la existencia de
guiños para la recomposición de la relación con Estados Unidos. Tampoco apeló al
acercamiento latinoamericano pico del MAS- al criticar con vehemencia el
13
Este espacio multilateral surgió en 2017 para hacer un seguimiento de la crisis venezolana, procurando
obtener una salida pacífica y negociada, en clara oposición al accionar de Nicolás Maduro. La Declaración
de Lima fue firmada por Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colombia, Costa Rica, Guatemala, Honduras,
Panamá, Paraguay, Perú y Venezuela (oposición). Bolivia ingresó durante el gobierno interino de Jeanine
Áñez. Se retiró tras el regreso del MAS.
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acompañamiento y el resguardo a Morales y miembros de su gabinete por parte de los
gobiernos de Argentina y México.
14
La inestabilidad del escenario nacional y los impactos del Covid-19 fueron retrasando la
celebración de los comicios presidenciales, los cuales se desarrollaron finalmente el 18
de octubre de 2020. Con el 55.11% de los votos, el MAS regresó al Ejecutivo boliviano
de la mano de dos actores ya conocidos para la ciudadanía: Luis Arce, Ministro de
Economía durante la gestión Morales y David Choquehuanca, a cargo de las relaciones
exteriores del país hasta 2017 (Ceppi y Martínez, 2020).
El escaso tiempo transcurrido desde los inicios del nuevo gobierno permite, al momento,
hacer sólo algunas proyecciones sobre el devenir de la política exterior y la diplomacia
bolivianas. Del plan de gobierno presentado por Arce y Choquehuanca, se infiere que la
política exterior mostrará líneas de continuidad con respecto a la implementada por
Morales en materia de objetivos y postulados sostenidos. Así, los derechos de los pueblos
indígenas, la defensa del agua y la hoja de coca, los procesos de integración y el
sostenimiento de vinculaciones con eje en la solidaridad y la cooperación, conforman,
entre otros, los temas en torno de cuales la diplomacia debe ponerse en acción. “La
política exterior de Bolivia ha logrado colocar en la agenda internacional planteamientos
propios (…) Su accionar se ha basado en la Diplomacia de los Pueblos por la Vida, que
constituye una visión de relacionamiento internacional soberana, propositiva y con
participación social (…) proponiendo iniciativas de interés mundial, en la lucha por una
cultura de la vida y la paz, para Vivir Bien, y un marco internacional de solidaridad,
complementariedad y alianzas estratégicas capaces de contribuir al desarrollo del país”
(Programa de gobierno MAS-IPSP, 2020: 45). El regreso de Bolivia al ALBA-TCP, UNASUR
y CELAC y el restablecimiento de relaciones con Irán y Venezuela suspendidas por Áñez-
dan cuenta que la diplomacia también estaría repitiendo el patrón de las gestiones de
Morales.
Ahora bien, es importante considerar que ni los actores ni el contexto (nacional, regional
e internacional) son los mismos que en el período 2006-2019. Arce debe sortear múltiples
desafíos tanto en el plano doméstico reactivación de la economía, conflictividad social,
pandemia- como en la agenda externa. Sus declaraciones han hecho hincapié en el
diálogo y el consenso; elementos que, se presupone, serían la brújula del accionar
internacional del país, lo cual contribuiría a bajar el perfil contestatario y reactivo frente
a las situaciones de disidencia. En pocas palabras, se infiere, teniendo en cuenta las
primeras medidas del actual mandatario en este corto período de gestión y las
dificultades propias del complejo escenario creado por el Covid-19, que la diplomacia
boliviana oscilará entre marchas y contramarchas.
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VIOLENCIA BIDIRECCIONAL:
APROXIMACIÓN CRÍTICA EN LA MUJER CENTROAMERICANA
CÉSAR NIÑO
cnino@unisalle.edu.co
Profesor Asociado de la Facultad de Economía Empresa y Desarrollo Sostenible, adscrito
al programa de Negocios y Relaciones Internacionales de la Universidad de La Salle
(Colombia). Ph.D en Derecho Internacional por la Universidad Alfonso X el Sabio,
Magister en Seguridad y Defensa Nacionales por la Escuela Superior de Guerra y
Profesional en Política y Relaciones Internacionales por la Universidad Sergio Arboleda.
CAMILO GONZÁLEZ
manuelc.gonzalez@usa.edu.co
Profesor Auxiliar de la Escuela de Política y Relaciones Internacionales de la Universidad Sergio
Arboleda (Colombia). Magister en Ciencia Política por la Universidad de Salamanca y Profesional
en Política y Relaciones Internacionales por la Universidad Sergio Arboleda.
Resumen
La propuesta central del presente documento es aproximar un modelo teórico de la mujer en
la violencia criminal partiendo de algunas dinámicas centroamericanas. A través del process
tracing se plantean los estadios de la mujer como receptora de violencia y la mujer como
vehículo de violencia. En efecto, la relación entre género y criminalidad revela la interacción
entre dos facetas fundamentales: la integración subterránea y la gobernanza criminal en la
región. Se encuentra que las integraciones subterráneas y criminales son mucho más efectivas
de realizar porque los costos de transacción entre los actores son menores, mientras que,
entre Estados, por su propia configuración, hay más limitaciones y costos robustos de
integración por variables como la soberanía, la política, la economía y la seguridad. Con base
en lo anterior, es menester mencionar que la reducción de la violencia contra la mujer no
radica en el aumento de las penas, sino en el funcionamiento efectivo de los operadores de
justicia. Una reducción del fenómeno debe partir de una mayor agilidad de las investigaciones
y del fortalecimiento de la política criminal para minimizar la capacidad de acción y coacción.
Por otro lado, la efectividad de la política busca aumentar la persuasión frente a potenciales
miembros de redes criminales para que desistan de su participación.
Palabras-clave
Gobernanza criminal, integración subterránea, mujer sujeto de violencia, Centroamérica.
Cómo citar este artículo
Niño, César; González, Camilo (2021). Violencia bidireccional: aproximación crítica en la
mujer centroamericana. In Janus.net, e-journal of international relations. Vol. 12, 2,
Noviembre 2021-Abril 2022. Consultado [en línea] en fecha de última consulta, consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.4
Artículo recebido en 22 Septiembre de 2020 y aceptado para su publicación el 3
Setiembre de 2021
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Violencia bidireccional: aproximación crítica en la mujer centroamericana
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VIOLENCIA BIDIRECCIONAL:
APROXIMACIÓN CRÍTICA EN LA MUJER CENTROAMERICANA
CÉSAR NIÑO
CAMILO GONZÁLEZ
Introducción
Los factores de inestabilidad y de inseguridad en Centroamérica han estado concentrados
en cuestiones que ponen en riesgo la capacidad estatal para controlar y luchar contra el
crimen organizado. Determinantes como el narcotráfico, la presencia de grupos armados,
la violencia entre pandillas, el tráfico de especies y la trata de personas, entre otras, han
reconfigurado las dinámicas de seguridad de la región. Lo anterior se presta para que
se ponga un contraste particular en la manera sobre cómo los grupos criminales, a
diferencia de los Estados, logran mayor sincronía en actividades de integración y
dinamismo fluido de acciones ilícitas. De hecho, los modelos de integración regional han
sido abordados desde una perspectiva convencional que genera distorsiones a la hora de
entender los fenómenos que han hecho una especial carrera por dominar los territorios
en la zona. Asuntos que han logrado importantes intersecciones en las agendas
académicas y en la construcción de políticas públicas como la violencia, el crimen y los
estudios de género, han conseguido, desde esta configuración, ampliar los enfoques de
investigación y de abordaje para comprender una región dinámica y bastante
heterogénea. Así, las aproximaciones académicas desde América Latina han estado
determinadas por variables propias de la región como los entornos comerciales, defensa
de la democracia, derechos humanos, economía y política. Sin embargo, la región carece
de modelos propios para sus realidades más complejas fuera de lo tradicional. En otras
palabras, los marcos analíticos más conservadores, dejan por fuera cuestiones que
rivalizan con las arquitecturas de las políticas de seguridad como las lógicas criminales.
Dentro de los estudios de integración, regionalismo, gobernanza y globalización, la
literatura alcanza a tener un gran acervo académico en dimensiones regulares,
convencionales y tradicionales (Meyer, 2007). Es decir, se ha construido un aparato
teórico y de estudios de caso referentes a los modelos convencionales sobre la
integración con comunes denominadores económicos, políticos, culturales, geográficos e
incluso sociales (Barrett & Kurzman, 2004). En ese orden de ideas, los modelos de
integración regional en Centroamérica versan sobre alternativas y soluciones al comercio,
democracia y desarrollo para reducir vulnerabilidades a las constantes sensibilidades del
sistema internacional. Sin embargo, la región pareciera tener una subregión, una
dimensión subterránea e incluso una construcción alternativa de integración y
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gobernanza definida como un modelo criminal en la que la mujer se convierte en
receptora y vehículo de violencia en la región.
Con base en lo anterior, dentro de las construcciones sociales del crimen, el rol de la
mujer ha estado relegado a un plano subordinado en la relación de género. Situación que
permite nuevas aproximaciones para comprender un fenómeno poco explorado hasta el
momento en la región y que genera grandes preocupaciones para la elaboración de
decisiones en materia de política pública en seguridad.
De tal manera, el presente artículo busca responder la pregunta ¿cómo se construyen la
gobernanza criminal y la integración subterránea en Centroamérica desde la violencia de
género? Por ende, el papel de la mujer es el centro de gravedad para la invisibilización
del crimen en la región. De esta manera la gobernanza criminal ha alcanzado a construir
reglas de juego, institucionalización y normalización entre grupos criminales que les
permite obtener un clima apto para la integración entre ellos gracias a la debilidad
institucional de los Estados, la alta capacidad de adaptación de sus estructuras y la baja
burocratización para los negocios ilícitos. La participación de la mujer no ha sido abordada
a profundidad en la participación criminal pero como receptora de violencia, una
exclusión que se suma a las asimetrías de género en los estudios de seguridad y crimen
organizado.
El desarrollo del texto está dividido en cinco partes. En primer lugar, se hará una
aproximación teórica y conceptual sobre la gobernanza criminal y la integración
subterránea. Luego se expondrá el fenómeno de la mujer como sujeto de violencia: entre
receptora y vehículo criminal. Posteriormente se expondrá el modelo teórico para explicar
el rol de la mujer en dicho fenómeno. A continuación, abordaremos la integración
subterránea de género como un fenómeno centroamericano. Finalmente, se ofrecerán
algunas conclusiones generales sobre el modelo y el horizonte que debe seguir la
investigación de este fenómeno.
Aproximación teórica: gobernanza criminal e integración subterránea
La construcción de conceptos que se escapan a las tradicionales aproximaciones teóricas,
son desafíos estratégicos para el entendimiento y solución de los problemas de la
Centroamérica contemporánea. Las aproximaciones sobre la gobernanza criminal han
estado enfocadas en su mayoría a dimensiones casuísticas en Suramérica (Lessing &
Graham, 2019). Empero, la apuesta por identificar el fenómeno criminal y la naturaleza
relacional entre su poder, el control territorial, las actividades ilegales, la violencia y la
suplantación al Estado, responden a preocupaciones estratégicas sobre los vacíos de
política pública y sistemas de justicia en los países de mayor debilidad institucional. En
ese sentido, trabajos como el de Desmond (2006) y Lessing & Graham (2019), entienden
por gobernanza criminal la convergencia y formación de estructuras entre funcionarios
gubernamentales, sociedad civil y actores criminales que deriva en prácticas sistemáticas
para la regulación de actividades (Desmond, 2006).
Una relación de orden paralelo que transita por la delgada línea entre lo convencional y
lo no convencional. En efecto, aquella gobernanza criminal redunda en que las redes son
patrones de comunicación e intercambio voluntarios, recíprocos y horizontales (Keck &
Sikkink, 1998; Niño, 2020). En ese sentido, los códigos de honor, la protección recíproca
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entre individuos, el control territorial, patrones de conducta, sistema de valores, entre
otros (Núñez & Espinoza, 2017), son algunas características que se proyectan sobre los
imperativos de la gobernanza. En síntesis es un sistema basado en una serie de
relaciones complejas que conectan el mundo legal con el ilegal (Garzón, 2012).
Las últimas dos décadas han estado permeadas por las grandes preocupaciones conforme
al crimen organizado (Schultze-Kraft, 2016) proveniente de países del Sur Global que
amenazan la estabilidad del Norte Global (Ayoob, 1991; Benabdallah, Murillo, & Adetula,
2017; Sharp, 2011). Aquellas preocupaciones han alcanzado un robusto y creciente
material en términos de seguridad ciudadana pero no en dimensiones y explicaciones
sobre la integración de redes y grupos criminales entre sí en Centroamérica. Los vacíos
definicionales son en mismos los primeros grandes problemas para el diseño de
políticas y estrategias.
Teniendo en cuenta lo anterior, si bien ha habido un intento valioso por resignificar la
gobernanza en condiciones irregulares, asimétricas y no convencionales, no sucede lo
mismo con las integraciones entre grupos criminales. De tal manera, aquellas
integraciones para efectos de este documento y como propuesta conceptual se entienden
como subterráneas debido a su condición irregular y alterna a los clásicos modelos de
integración entre Estados. Si bien no ha habido una robusta propuesta, trabajos como el
de Niño (2017) asegura que grupos terroristas de diferentes geografías comparten
patrones de comunicación, conducta y modelos de entendimiento que facilitan el diálogo
entre las organizaciones que no siempre persiguen fines comunes pero sí poseen
vulnerabilidades similares. A saber, los mercados de la violencia y el factor entrópico del
crimen han motivado a que las estructuras ilegales se valgan de recursos paraestatales
para gobernar porciones significativas de territorios y corredores estratégicos (Duncan,
2014; Raffo & Gómez, 2017). Teniendo en cuenta la aproximación teórica y conceptual
aplicada al contexto centroamericano, es menester involucrar el impacto de la violencia
de género al fenómeno de la integración subterránea (Niño, 2020). En efecto, la dinámica
natural de la gobernanza criminal repercute sustancialmente en la mujer como víctima
mayoritaria en la región. Por un lado, es un actor que funge como receptora de violencia
y por el otro, como vehículo criminal. Los corredores ilegales controlados por grupos
paraestatales (O’Donnell & Wolfson, 1993) alcanzan grados vitales de mercadear a las
mujeres como bien transable y como sujeto de violencia (Truong, 2001).
La mujer como sujeto de violencia: entre receptora y vehículo criminal
Hacia 1970 algunas investigaciones criminológicas llamaban la atención sobre
determinados estudios asociados a la relación causal entre mujeres delincuentes y la
emancipación femenina (Smart, 1979). En ese mismo orden se argumentó, por un lado,
que las madres asalariadas criaban niños que se convertirían en delincuentes, mientras
que, por otro lado, se mantuvo la hipótesis de que las mujeres emancipadas se vuelven
más tendientes al crimen debido su asociación con valores "masculinos" en el trabajo y
su contacto con oportunidades para el crimen fuera de casa (Smart, 1979). Una
construcción argumentativa que logró generar distorsiones sobre el papel del crimen en
la sociedad, una noción selectiva sobre el rol femenino en la sociedad y el crimen
asociadas a una subordinación del rol de la mujer en la sociedad e incluso en el crimen.
Posteriormente, los trabajos con enfoque de género y las distintas investigaciones que
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intentaron apartarse de la clásica configuración y relación causal entre mujer emancipada
y crimen como el de Chesney-Lind (1986), mostraron cambios sustanciales y avances en
la materia. En dicha investigación, se advierte sobre la visibilidad que hay de la violencia
generalizada sobre la mujer, pero reconoce al mismo tiempo que para determinar la
equidad analítica al respecto, se debe tener presente que no hay una información clara
sobre la mujer violenta que atenta contra otra mujer.
Por otra parte, también logró construirse una perspectiva en la cual la controversia sobre
la mujer criminal y violenta, ha estimulado la preocupación por las causas y los correlatos
del comportamiento delictivo femenino, particularmente el comportamiento de
naturaleza violenta en estructuras criminales (Bunch, Foley, & Urbina, 1983).
A comienzos del siglo XXI, la investigación de Rushforth y Willis (2003) arrojó nuevas
perspectivas sobre la relación entre mujer y crimen. Los autores mencionan que el uso
de drogas por parte de las mujeres es un factor definitorio en su participación en el
crimen y argumentan que la severidad del uso de drogas por parte de las mujeres está
más estrechamente relacionada con su criminalidad que con los hombres (Willis &
Rushforth, 2003). Así mismo las delincuentes femeninas tienen más probabilidades que
los hombres de ser encarceladas por delitos no violentos, como delitos de drogas,
mientras que los hombres tienen más probabilidades de ir a prisión por asuntos violentos
(Nazario, 2019; Willis & Rushforth, 2003). Lo anterior abre un nuevo espectro de análisis
a dimensiones en las que la mujer facilita actividades criminales para las redes ilegales
partiendo de la probabilidad de asociación con delitos menores.
Las mujeres constituyen una minoría en el contexto delictivo mundial actual (Loinaz,
2016). Sin embargo, la invisibilidad de la mujer como actor protagónico de la criminalidad
ha sido una constante tanto en la esfera criminal como en la dinámica bibliográfica y
académica pero también, la mujer representa un sostenido aumento en las capturas,
investigaciones, condenas y encarcelamientos en los últimos años (Loinaz, 2016).
Estimaciones globales en el año 2010 arrojaron resultados importantes advirtiendo que
el 25% de los delincuentes pertenean a población exclusivamente femenina,
concentrándose en que el 10% eran de carácter violento y el 5% asociados a los sexuales
(Cortoni, Hanson, & Coache, 2010; Loinaz, 2016). No obstante, el 10% restante no posee
una atribución y registro para un tipo de delito absoluto y determinado.
Finalmente, Centroamérica es una de las regiones más violentas del mundo, una de las
más asimétricas y volátiles en términos de conflictos domésticos y en particular la más
desigual (Dalby & Carranza, 2019). Por otra parte, también es una región en la que se
estiman grandes manifestaciones de violencia contra la mujer y su carácter receptivo ha
llamado la atención a nivel mundial contradiciendo la tesis de los trabajos de la década
de 1970 en la que se advertía una relación entre la mujer criminal y su proceso de
emancipación (Blanchard, 2003; IEEP, 2017). En efecto, en el marco de la gobernanza
criminal y la integración subterránea, la mujer se convierte en el punto de inflexión como
sujeto de violencia en dos dimensiones: receptora y vehículo. Aquel fenómeno configura
la proporción bidimensional de la violencia (Niño & Méndez, 2020), una suerte de
dimensión en la que la mujer ha sido tradicionalmente violentada pero también tiene una
participación en estructuras violentas.
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Propuesta de teorización de la mujer en la violencia
Para abordar el fenómeno de la mujer como sujeto de violencia en el contexto
centroamericano utilizaremos el método de rastreo de procesos (process tracing). Este
método hace uso de la evidencia documental para inferir la cadena causal que interviene
entre las causas y los resultados de un fenómeno determinado (George & Bennett, 2005).
Concretamente, utilizaremos la variante de theory-building process tracing (construcción
de teoría) (Beach & Pedersen, 2019) para elaborar una propuesta teórica que exprese la
integración subterránea desde el nero en Centroamérica desde la incorporación de los
fenómenos de la mujer como receptora de violencia y la mujer como vehículo de
violencia.
El modelo teórico parte de la base de que existe un fenómeno estructural y visibilizado
como la mujer como receptora de violencia que se expresa en variables como los
comportamientos sociales frente a la mujer y la acción del Estado para la protección de
sus derechos:
MRV= PSM+DPP
La Mujer Receptora de Violencia (MRV) es el resultado de la confluencia de factores como
la percepción social de la mujer (PSM) y las distorsiones de las políticas públicas (DPP)
para enfrentar su vulnerabilidad ante fenómenos de violencia de género.
Sin embargo, este elemento del modelo es aquella que podríamos referirnos como
tradicional en los estudios sobre la violencia y el género que identifican un solo lado de
la violencia que se ejerce contra la mujer. Nuestra propuesta de teorización va más allá
al incorporar dentro de la explicación el fenómeno de la Mujer Vehículo de Violencia (MVV)
que se caracteriza por la instrumentalización de la mujer para actividades delictivas y
que pone de presente el progresivo cambio en los imaginarios y roles de la mujer en las
organizaciones criminales:
MVV= MRV*AC
En el mismo sentido, la incapacidad del Estado (IE) por regular las actividades y el
desplazamiento del Estado en el ejercicio de las funciones clásicas como la defensa, el
control efectivo de las fronteras y la seguridad o la provisión de bienes públicos
(Wickham-Crowley, 1987) generan que el fenómeno en su conjunto tenga un matiz
interméstico, existiendo una continua interacción entre los niveles domésticos e
internacionales alrededor de la violencia de género. En su conjunto la suma de violencias
domésticas en los niveles estructural y de actores criminales, reforzado por la incapacidad
del Estado genera lo que hemos denominado Integración Subterránea desde el Género
(ISG):
MRV(IE)+MVV(IE)=ISG
De tal manera, la incapacidad del Estado (IE) es la constante en la dinámica de la
integración subterránea de nero. A saber, esta afecta de manera diferenciada el
proceso con especial énfasis en la mujer receptora de violencia porque es éste quien
implementa políticas públicas débiles para la prevención de la violencia y protección de
la mujer.
Por otro lado, y sumado a lo anterior, la incapacidad del Estado en sus funciones básicas
conforme a la protección y efectivo control territorial aumenta la probabilidad de que la
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mujer mute de receptora a vehículo de violencia porque se convierte en actor parte de
la cadena criminal. En efecto, ese involucramiento de la mujer en las organizaciones
criminales tiene un centro de gravedad en los estímulos e incentivos que ofrece la
porosidad de las fronteras, el aprendizaje de los criminales sobre el valor estratégico de
la mujer en sus estructuras y la debilidad de las instituciones públicas para prevenir el
reclutamiento para dichas actividades.
Para el contexto centroamericano, lo anterior se traduce en que la región comprende un
fenómeno de violentalización
1
, donde la violencia es quien determina las dimensiones y
roles que asume la mujer en el Triángulo del Norte; por ende, delitos como el feminicidio,
la violencia sexual y simbólica producen escenarios violentos contra la mujer.
En ese sentido, para efectos del presente artículo, la integración subterránea de género
es el producto de un proceso violento y criminal alrededor del papel de la mujer en la
región. Con base en lo anterior, existe una causa estructural que es la mujer receptora
de violencia evidenciada en maltrato, discriminación y delitos contra la mujer. Debido a
la violentización y la presencia de actores criminales, se configura una nueva noción de
la mujer como vehículo de violencia. Esta última, se ha convertido en una estrategia e
innovación criminal que permite la integración subterránea de género debido al poco
control efectivo del territorio que se da especialmente en las zonas de frontera.
Mecanismos causales como la inestabilidad estatal, la porosidad fronteriza y el
aprovechamiento del rol de la mujer en la sociedad por grupos criminales, son vitales
para el entendimiento del rol y participación femenina en el crimen transnacional.
Integración subterránea de género: fenómeno centroamericano
La mujer del Triángulo del Norte se construye como sujeto de violencia a partir de una
convergencia de variables estructurales como la percepción de la mujer en la sociedad y
su autonomía económica. Adicionalmente, la violencia simbólica abre un nuevo espectro
no abordado de mujeres violentas, cuyos roles en las estructuras criminales construyen
circuitos subterráneos de delincuencia. Entonces, encontramos que los diseños de política
pública están concentrados en mitigar la primera dimensión (mujer receptora de
violencia) dejando de lado la prevención del fenómeno de la mujer violenta. La mujer
decide optar por la violencia y el crimen como espacio plausible para proteger su rol
activo dentro de una estructura, generar digos de respeto y aspiraciones de ascenso
en una pirámide criminal.
Para la primera dimensión sobre la mujer como receptora de violencia en la región, ésta
se configura bajo diversas maneras: sexual, económica, emocional o psicológica (IEEP,
2017). De acuerdo con lo anterior, los países pertenecientes al Triángulo Norte
Centroamericano mostraron las más altas tasas de muertes violentas de mujeres en el
mundo durante el período 2007-2012 (Montti, Bolaños, & Cerén, 2018). A saber, El
Salvador fue el que durante el periodo registrado tuvo la tasa de muertes violentas de
mujeres más alta del mundo con 14.4 mujeres asesinadas por cada cien mil, luego
Honduras con 10.9 muertes violentas y en tercer lugar Guatemala con 9.3 muertes de
mujeres (OACNUDH, 2014). En consecuencia, la mujer configura un centro de gravedad
1
Concepto acuñado por los autores refiriéndose a la violencia como fenómeno transversal a las relaciones
sociales en todas sus dimensiones.
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en la recepción de violencia debido a factores culturales como masculinidades violentas,
la normalización histórica conductual de la violencia cultural, entornos familiares
violentos y la invisibilización de la violencia.
Por otra parte, los delitos de trata y tráfico de mujeres tienen un punto interesante para
el análisis sobre los marcos de gobernanza criminal.
2
Tanto el tráfico como la trata se
han convertido en crímenes atractivos para organizaciones criminales de la región como
“Los Perrones” de El Salvador. Estos poseen las rutas, los contactos y una arquitectura
de integración subterránea con grupos ilegales hondureños, cubanos, mexicanos,
panameños, colombianos, europeos e incluso africanos (Pérez, 2014), pero en particular
sus asociaciones subterráneas más estrechas las tienen con Barrio 18 y Mara Salvatrucha
(InSight Crime, 2016).
Una segunda dimensión de estudio es la de vehículo para el crimen. Las mujeres son
utilizadas como medios para la comisión de delitos tales como la extorsión. Una
investigación realizada por Demoscopía S.A. (2007) sobre la composición de género ha
demostrado que las mujeres componen entre el 20 y el 40% de las pandillas
centroamericanas. Las mujeres asumen funciones de recolección de información sobre
potenciales víctimas y cobro de extorsiones (Bonello, 2019), la principal fuente de ingreso
de estas organizaciones. Respecto a ello, las mujeres han sido involucradas de manera
estratégica a la cadena criminal explotando las ventajas que ofrecen los vacíos judiciales
a la hora de perseguirlas.
Esta dimensión resignifica el rol histórico de las mujeres, dicha resignificación transforma
el papel pasivo en activo de la mujer dentro de las organizaciones criminales. La
construcción social y la “otredad” (Mouffe & Laclau, 2007; Prozorov, 2015) han permitido
que su participación se convierta en una bisagra entre grupos y redes y al mismo tiempo,
un punto ciego frente a los operadores de seguridad y justicia.
Conclusiones
El presente artículo refleja un esfuerzo académico por construir un nuevo concepto e
involucrarlo al debate regional sobre la violencia y la criminalidad asociada a la mujer,
así como un aporte al estado del arte del conocimiento. La integración subterránea, desde
una perspectiva de nero, se ha construido a partir de dos dimensiones asociadas a la
mujer como sujeto de violencia: receptora y vehículo criminal. Lo anterior es una apuesta
por resignificar la integración regional en términos de nuevos problemas que implican
soluciones estratégicas. En ntesis, la integración también se comprende desde puntos
alternos y no convencionales como el comercio y la política, sino que se amplían a esferas
donde el Estado no es el centro de gravedad y la criminalidad alcanza a diseñar
ecosistemas subterráneos menos burocráticos, pero con altos réditos lucrativos.
Por otra parte, las limitadas fuentes académicas y documentales sobre la mujer violenta
representan una dificultad sobre la construcción de un estado del arte al respecto. Por lo
tanto, la presente investigación es una invitación para profundizar y ampliar los avances
2
Si bien el tráfico de personas tiene una característica de voluntariedad de la víctima con el acontecimiento
e implica el cruce de fronteras, la mujer traficada a pesar de su voluntad y consentimiento también es
víctima. En materia de trata, el contacto es bajo engaño y coacción y el consentimiento de la mujer víctima
está viciado y no implica el paso de una frontera (SEGOB, 2011).
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académicos sobre dos fenómenos que se han abordado de manera tradicional como lo
son el género y la integración regional. Por un lado, el género como explicación de nuevas
movilidades de la mujer en la estructura social y por el otro, la integración regional como
un fenómeno que posee múltiples aristas que merecen ser estudiadas tales como las
gobernanzas criminales, los roles de actores convencionales con no convencionales, la
corrupción, las suplantaciones de los Estados por actores irregulares, el crimen
organizado con capacidad de desbordar el sistema y las instituciones regulares. En efecto,
para el crimen no hay fronteras homologables a la concepción de los Estados, en el
crimen, las instituciones son creadas de manera irregular para competir e incluso sustituir
las reglas de juego estatales. Lo anterior modifica y reconfigura el espacio regional,
geopolítico, económico y jurídico sobre el cual se construyen los modelos de integración
regional tradicionales.
De hecho, unos de los principales retos para subsanar las debilidades regionales en la
materia, consisten en estandarizar y sistematizar las estadísticas y los datos sobre la
violencia de género que están dirigidas en su mayoría a evidenciar el fenómeno de la
mujer violentada y así mismo, a mostrar de igual manera las dimensiones en las que la
mujer violenta integra las estructuras criminales de la región. Por otra parte, la política
criminal debe incorporar un componente diferenciado de género y regional. De tal
manera, consensuar estrategias de política blica que impliquen la protección de la
mujer violentada y al mismo tiempo, la desvinculación de las mujeres de las estructuras
criminales. En efecto, las empresas privadas deben facilitar la inserción laboral femenina
mientras los operadores estatales deben redefinir y conquistar espacios naturales de su
configuración constitucional. Finalmente, en términos sociales, la comunidad debe asumir
un rol activo en la desnormalización de la violencia como práctica social.
Con base en lo anterior, es menester mencionar que la reducción de la violencia contra
la mujer no radica en el aumento de las penas, sino en el funcionamiento efectivo de los
operadores de justicia. Una reducción del fenómeno debe partir de una mayor agilidad
de las investigaciones y del fortalecimiento de la política criminal para minimizar la
capacidad de acción y coacción. Por otro lado, la efectividad de la política busca aumentar
la persuasión frente a potenciales miembros de redes criminales para que desistan de su
participación.
Las estrategias de seguridad deben ser construidas con base en las particularidades y
fenomenologías de la región y estar solventadas en que el enfoque de género, más allá
de la discusión entre feminidades y masculinidades, aporte a la comprensión de la
gobernanza criminal e integración subterránea frente a la mujer como sujeto y patrón
transable de la violencia regional.
El presente documento es un esfuerzo por intentar explicar lo concerniente a un
fenómeno altamente preocupante para los operadores de seguridad y justicia regional.
El papel de la mujer en las esferas criminales como víctima y criminal, han determinado
algunas invisibilizaciones que preocupan al momento de elaborar políticas públicas y
estrategias de seguridad integrales. A lo largo del estudio se determina que las
integraciones subterráneas y criminales son mucho más efectivas de realizar porque los
costos de transacción entre los actores son menores, mientras que, entre Estados, por
su propia configuración, hay más limitaciones y costos robustos de integración por
variables como la soberanía, la política, la economía y la seguridad.
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Este trabajo también busca contribuir a futuras nuevas líneas y agendas de investigación
en América Latina. Los estudios de género han estado relacionados a explicar temas
concernientes a la equidad, participación, reivindicaciones femeninas con la política, los
derechos, acceso a la justicia, el trabajo y la economía. Por eso, esta investigación busca
entre otras, hacer un aporte desde los estudios de género a la comprensión del fenómeno
de la integración, particularmente en Centroamérica y en nuevas aproximaciones al rol
de la mujer en las dinámicas de seguridad.
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Vol. 11, Nº. 2 (Novembro 2021-Abril 2022)
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ESTREITO DE BAB EL-MANDEB:
PALCO DE DISPUTAS GEOPOLÍTICAS
ANTÓNIO GONÇALVES ALEXANDRE
amgalexandre527@hotmail.com
Investigador colaborador no Centro de Investigação e Desenvolvimento,
Instituto Universitário Militar (Portugal).
Resumo
Situado entre o Iémen, a Nordeste, e o Djibuti e a Eritreia, a Sudoeste, o Estreito de Bab el-
Mandeb é a área mais próxima entre a Península Arábica e o Corno de África e liga o Mar
Vermelho ao Golfo de Áden. Com trinta e dois quilómetros de largura, o valor estratégico do
Estreito de Bab El-Mandeb está associado ao facto de ser a rota marítima mais curta entre o
Mar Mediterrâneo e o Oceano Índico.
Segundo dados da US Energy Information Administration, de 2019, 6,2 milhões de barris de
petróleo bruto e refinado, fluíram por dia pelo Estreito de Bab el-Mandeb em direção à
Europa, Estados Unidos e Ásia, em 2018. Por outro lado, um relatório da Chatam House, de
2017, identificou 14 chokepoints que considerou críticos para a segurança alimentar global,
sendo o Estreito de Bab El-Mandeb um dos mais relevantes.
Pretende-se com este artigo analisar as disputas geopolíticas em curso nesta região,
particularmente entre os EUA, que mantêm uma estrutura forte, e as potências emergentes,
China e ssia, que estão a posicionar-se com o intuito de reforçarem a sua presença. Os
resultados mostram que essa competição, no nível global, existe e está mesmo num ciclo
ascendente.
Palavras-chave
Bab el-Mandeb, rotas marítimas, comércio marítimo internacional, disputas geopolíticas
Como citar este artigo
Alexandre, António Gonçalves (2021). Estreito de Bab el-Mandeb: palco de disputas
geopolíticas. Janus.net, e-journal of international relations. Vol12, Nº. 2, November 2021-
April 2022. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.5
Artigo recebido em 24 Maio 2021 e aceite para publicação em 27 Setembro 2021
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Estreito de Bab el-Mandeb: palco de disputas geopolíticas
António Gonçalves Alexandre
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ESTREITO DE BAB EL-MANDEB:
PALCO DE DISPUTAS GEOPOLÍTICAS
ANTÓNIO GONÇALVES ALEXANDRE
Introdução
O Estreito de Bab el-Mandeb (Figura 1) é atualmente considerado um dos quatro
chokepoints
1
críticos para o comércio internacional do petróleo (Cunningham, 2018).
Figura 1 Estreito de Bab el-Mandeb
Fonte: (Wood, 2018)
De acordo com Aljamra (2019), aproximadamente 57 superpetroleiros dos Estados do
Golfo Pérsico cruzam o estreito todos os dias, totalizando perto de 21.000 por ano. O
fluxo de petróleo através do Estreito de Bab el-Mandeb representou 9% do total do
petróleo transoceânico (petróleo bruto e produtos petrolíferos refinados) em 2017.
Cerca de 3,6 milhões de barris/dia (b/d) seguiram para Norte, em direção à Europa e
1
Pontos de estrangulamento no ambiente marinho de elevado valor geoestratégico e geoeconómico que
ligam importantes vias navegáveis e causam congestionamento natural ao tráfego marítimo (Popescu,
2016).
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América, e 2,6 milhões de b/d fluíram na direção oposta, principalmente para a China,
Índia e Singapura (EIA, 2019).
Este estreito e as águas circundantes, que Daly (2009)considerou “caóticas e
perigosas”, e que Mourad (2018) referiu serem “palco de uma luta pelo poder e
influência”, têm vindo a enfrentar ameaças que podem colocar em causa a liberdade de
navegação. O interminável conflito no Iémen entre os rebeldes houthis, apoiados pelo
Irão, e as forças do presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi, bem como os grupos
terroristas que ali atuam, são, porventura, as mais relevantes (Zaouaq, 2018).
Os Emirados Árabes Unidos (EAU), que em 2015 se juntaram à coligação saudita que
se opôs ao domínio houthi no Iémen, alcançaram o domínio da ilha de Perim (situada
no lado iemenita do estreito), tentando, a partir daí, expulsar as milícias houthi da
extensa costa oeste. Em meados de 2019, depois de um cessar fogo mediado pelas
Nações Unidas, obtiveram mesmo o controlo do importante porto de Hudaydah (Figura
2), relevante para assegurar a supremacia sobre o controlo do Estreito de Bab el-
Mandeb (Aljamra, 2019).
Figura 2 Áreas sob controlo do governo do Iémen e dos houthis
Fonte:(BBC, 2019)
A rivalidade pelo controlo do Estreito de Bab el-Mandeb faz parte de um conflito
regional entre o Irão e os seus aliados xiitas, por um lado, e a Arábia Saudita e os
aliados sunitas, por outro. O envolvimento de Teerão no conflito iemenita é considerado
por Zaouaq (2018) como parte de uma estratégia militar mais ampla, através da qual o
Irão pretende ser capaz de bloquear o tráfego da navegação mercante através dos dois
importantes chokepoints da região (Ormuz e Bab el-Mandeb) (Figura 3). Soage (2017)
apelidou mesmo este conflito de “nova Guerra Fria do Médio Oriente”.
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Figura 3 Chokepoints da Península Arábica
Fonte: (EIA, 2019)
A existência de organizações extremistas violentas com ligações à Al-Qaeda e ao
Estado Islâmico (EI) levanta preocupações adicionais sobre a segurança no Estreito de
Bab el-Mandeb e nos espaços marítimos adjacentes. O precedente histórico do ataque
ao contratorpedeiro USS
2
Cole, em 2000, no porto de Áden, no Iémen, e o ataque ao
petroleiro Limburg, em 2002, no Golfo de Áden, ambos reivindicados pela Al-Qaeda,
simbolizam a capacidade destes grupos de colocarem em causa a segurança marítima
na região. Tanto a Al Qaeda da Península Arábica (AQAP), que domina uma faixa
importante de território, quanto uma pequena organização do EI, estão ativos e são
motivo de preocupação acrescida (Mahmood, 2019).
Em termos metodológicos, dadas as limitações de espaço, foi necessário procedermos à
delimitação da investigação, tendo por base os critérios de conteúdo, de espaço e de
tempo. No atinente ao conteúdo, e não obstante a relevância que os atores o
estatais inegavelmente têm, pretendemos focar-nos apenas em atores estatais, e
dentro destes unicamente no nível global (EUA, China e Rússia). A opção por estes
atores prende-se com o facto de os EUA serem a superpotência que tem sido
hegemónica, mas que tem vindo a ser desafiada pela China, que pretende regressar a
um palco onde foi dominante rios séculos, e pelas pretensões revisionistas da
Rússia, que procura recuperar a sua influência em termos internacionais, perdida com a
implosão da União Soviética, em 1991. A análise centra-se no Estreito de Bab el-
Mandebe espaços marítimos adjacentes (Mar Vermelho e Golfo de Áden). Em termos
temporais, a investigação cinge-se aos anos mais recentes, sobretudo desde a eclosão
do conflito iemenita, em 2015, até final de 2019.
O nosso argumento consiste em demonstrar que o Estreito de Bab el-Mandeb e áreas
circundantes, pela relevância que têm para o comércio marítimo internacional,
sobretudo de energia, o um importante palco de competição geopolítica e de
2
Acrónimo que designa os navios da marinha norte-americana: United States Ship.
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afirmação e projeção de poder das potências globais, encontrando-se as disputas entre
elas em fase ascendente.
O presente artigo está dividido em três capítulos, para além da introdução e das
conclusões. O primeiro aborda o enquadramento histórico da relevância do Estreito. O
segundo evidencia os fatores geopolíticos conjunturais mais relevantes. O terceiro
apresenta uma visão prospetiva de interações geopolíticas entre os atores em causa.
Nas conclusões são elencadas as disputas geopolíticas em jogo.
1. Enquadramento histórico
Temos vindo a assistir, nos anos mais recentes, ao regresso a uma contenda
geopolítica muito vincada entre as potências globais na região da Península Arábica e
nos espaços marítimos envolventes. Os EUA, cuja presença tem sido regular e
hegemónica ao longo dos anos, olham agora, com apreeno, para a China, com
interesses (económicos e militares) crescentes na região, e para a Rússia, que procura
retomar a influência que a União Soviética alcançou outrora, sobretudo durante o
período da Guerra Fria (Aljamra, 2019).
Quando o Canal do Suez foi inaugurado, em 1869, a Europa e o Sudeste asiático
ficaram mais próximos e o Estreito de Bab El-Mandeb ganhou maior importância. Podia
navegar-se diretamente do Mar Vermelho para o Mar Mediterrâneo, pelo que a
distância dos portos asiáticos aos portos europeus foi reduzida em até dois terços. A
rota através do Bab El-Mandeb alcançou franca preponderância e tornou-se mesmo
uma das mais cruciais em todo o mundo (Wood, 2018).
Embora o Corno de África
3
tenha sido (mais) um palco de competição entre os EUA e a
União Soviética durante a Guerra Fria, após o seu final e, sobretudo, depois da Batalha
de Mogadíscio
4
, em 1993, a comunidade internacional pareceu ter-se desinteressado
quase completamente desta região, até muito recentemente em que se inverteu essa
tendência e passou a merecer uma renovada atenção generalizada. Este facto muito
ficou a dever-se ao incremento significativo do comércio marítimo internacional. Para
termos uma ideia, e de acordo com Pothecary (2016), quase todo o comércio marítimo
entre a Europa e a Ásia, incluindo o comércio de energia, aproximadamente 700 biliões
de dólares norte-americanos (USD), passou por aquele estreito em 2016.
Os principais desenvolvimentos de segurança ocorridos desde o início do culo XXI
(em particular o terrorismo e a pirataria marítima) e o elevado valor geoestratégico da
região, prenderam a atenção de várias potências, criando uma corrida desenfreada à
edificação de bases militares. No caso concreto do Djibuti, um Estado que se tornou
independente em 1977, além de uma base naval francesa (que existia), passou a
abrigar diversas bases militares estrangeiras, incluindo uma norte-americana
3
Geograficamente compreende o Djibuti, a Eritreia, a Etiópia e a Somália (Melvin, 2019).
4
Que se seguiu à queda do presidente Siad Barre, em 1991. O United Somali Congress (USC) determinou
que fosse Ali Mahadi Mahamed o seu sucessor. Fações dentro do USC opuseram-se, levando à sua divisão
em dois partidos: os que apoiavam Mohamed e os que apoiavam o general Farrah Aidid. O país envolveu-
se numa guerra civil sem cartel. A 3 de outubro de 1993, é levada a cabo mais uma tentativa (depois de
cinco anteriores fracassadas) para capturar o general Aidid, que supostamente estaria reunido com a
cadeia de comando do seu partido num edifício em Mogadíscio. Esta missão foi um enorme fracasso e
resultou na morte de inúmeros militares norte-americanos (Alvarenga, 2008).
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Estreito de Bab el-Mandeb: palco de disputas geopolíticas
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(estabelecida em 2002), uma japonesa (2011), uma italiana (2012) e uma chinesa
(2017), sendo esta a primeira infraestrutura militar de Pequim no exterior (Safak,
2019).
Na década passada, vários Estados investiram em diversos portos no Corno de África,
amiúde após a obtenção de acordos comerciais, com a abertura de bases militares
próximas (por exemplo, a China no Djibuti, os EAU em Berbera, na Somalilândia
5
, e a
Turquia em Mogadíscio, na Somália) (Berg & Meester, 2018).
O número crescente de bases militares estrangeiras (e as que estão projetadas)
(Figura 4), a par da presença assídua de elevados efetivos de diversas nacionalidades
em diferentes Estados do Corno de África, evidencia a inequívoca importância do
Estreito de Bab el-Mandeb, de toda a costa Sul do Mar Vermelho e do Golfo de Áden,
em termos de segurança, geoeconomia e geopolítica regional (Safak, 2019).
Figura 4 Bases militares e operadores portuários do Corno de África
Fonte: (Berg & Meester, 2018)
2. Identificação dos fatores geopolíticos conjunturais relevantes
De acordo com Nogueira (2011), os estudos geopolíticos podiam ser melhor
compreendidos de forma holística se fossem tidos em conta fatores não puramente
geográficos, identificando, a propósito, diversos fatores não geográficos. Todavia, para
além destes fatores geográficos e não geográficos, que agrupou como “fatores
estruturais”, identificou outros fatores, que designou “conjunturais”, onde incluiu, os
sociais, os económicos, os políticos e os militares (Nogueira, 2011, pp. 300-303).
5
Incorpora o território da antiga Somalilândia Britânica. Embora pertença oficialmente à Somália, declarou
unilateralmente a independência em 1991, que, todavia, não é reconhecida internacionalmente.
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Neste contexto, e por necessidade de delimitação da nossa pesquisa, o presente
capítulo procede apenas à identificação de fatores conjunturais, centrando-se nos
principais fatores políticos, económicos e militares que influenciam a situação
geopolítica e geoestratégica no Estreito de Bab el-Mandeb e espaços marítimos
adjacentes, e que têm maior impacto nas relações entre os atores em causa.
2.1. Estados Unidos da América
Os objetivos globais de Washington têm-se centrado invariavelmente, ao longo dos
anos, na contenção da potência que domina o “Heartland”. De facto, considera
Nogueira (2018)que durante a Guerra Fria o pensamento de Nicholas Spykman e de
George Kenan exerceu influência decisiva na política externa norte-americana, tanto na
constituição de alianças como na teoria da contenção do oponente assumido (URSS), e
que, mais recentemente, geógrafos e cientistas políticos, como Cohen e Brezinski, e
depois Kissinger, continuaram a centrar as suas análises na necessidade de controlo da
Eurásia.
Em linha com o argumento supramencionado, Washington não deixará de evitar
qualquer hegemonia na Eusia por uma potência ou alianças de potências,
designadamente China-Rússia, pretendendo, ademais, manter uma ordem internacional
unipolar alcançada no pós-Guerra Fria e o command of the sea
6
, que o estatuto de
potência marítima de excelência muito lhe vem conferindo.
Em termos políticos, desde os ataques terroristas em solo norte-americano, em 2001,
que os EUA têm vindo a desenvolver um ambicioso plano de ação contra grupos
extremistas islâmicos, em diversas regiões do Médio Oriente (MO)
7
. O combate a
organizações terroristas da região do Corno de África e da Península Arábica, a Al-
Shabaab, na Somália, e a AQPA e o EI, no Iémen, insere-se naquele plano. Para isso,
foi fundamental a instalação de uma base militar no Djibuti, a primeira no continente
africano, local de origem dos drones utilizados nos bombardeamentos aéreos, devido à
sua proximidade com ambas as áreas de operações (Braude, 2016).
A manutenção de um elevado número de bases militares e efetivos no Golfo Pérsico,
que a Figura 5 mostra, está, aparentemente, em contraciclo com a decisão da
administração norte-americana, iniciada ainda com o presidente Obama, de que depois
de anos de forte investimento estratégico em todo o MO, com resultados aquém do
esperado, precisavam de reduzir a sua presença na região. Este facto o deixa de
poder ser visto, todavia, como um aviso inequívoco de Washington, em particular a
Pequim, de que não abdica de garantir a hegemonia militar na região do Oceano Índico
Ocidental. Por outro lado, a tentativa frustrada de também a Rússia vir a possuir uma
base militar no Djibuti é sintomático do poder e influência que os EUA continuam a ter
6
Segundo Julian Corbett (1918), o objetivo da guerra naval deve ser sempre, direta ou indiretamente,
assegurar o command of the sea, ou evitar que o oponente o garanta.
7
Opapel que os Estados Unidos devem desempenhar no MO tem vindo, no entanto, a ser alvo de apurada
análise interna, depois de mais de uma década e meia de “guerras” que Edelman (2019)apelidou de
“caras, inconclusivas e intermináveis".
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na região, e um sinal claro para Moscovo de que o facilitarão relativamente às suas
pretensões revisionistas
8
.
Figura 5 Bases e efetivos militares dos EUA no Médio Oriente
Fonte: (South Front, 2019)
Em termos económicos, a Península Arábica deixou de ter a relevância que teve no
passado relativamente à necessidade de acesso a energia, uma vez que os EUA se
tornaram, por via da descoberta do gás de xisto, autossuficientes e o maior produtor
singular de crude, em 2019, ultrapassando mesmo a Arábia Saudita (BP, 2019). No
entanto, o MO, de per se, permanece como uma região de enorme importância global,
uma vez que está “sitiada” por diversos mares e golfos de inusitada relevância (Mar
Mediterrâneo Oriental, Mar Negro, Mar Cáspio, Golfo Pérsico, Golfo de Omã, Mar
Arábico, Golfo de Áden e Mar Vermelho) e por preponderantes estreitos e canais
(Ormuz, Bab el-Mandeb e Suez), o que o torna, simultaneamente, uma aldraba e uma
ponte entre três continentes (Europa, Ásia e África).
As preocupações de Washington centram-se agora em evitar que qualquer potência
possa, através do petróleo, perturbar a economia e a segurança energética. Essa será,
porventura, a razão para que, não obstante estar em plena fase de implementação a
retração militar na generalidade do MO determinada pela administração Trump, a
8
Pese embora o argumento oficial utilizado para a proibição da construção desta base militar tenha sido
que o Djibuti não queria "tornar-se o terreno para uma possível futura guerra por procuração" (Melvin,
2019).
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presença norte-americana na Península Arábica e espaços marítimos envolventes se
mantenha em níveis muito elevados.
Em termos militares, se as bases navais e aéreas do Golfo Pérsico
9
garantem a
capacidade de intervenção no Estreito de Ormuz e permitem uma oposição forte às
eventuais tentações do Irão em interferir com o livre comércio marítimo neste
chokepoint, a base do Djibuti
10
é fundamental para que isso aconteça relativamente ao
Estreito de Bab el-Mandeb. A presença norte-americana no Djibuti cumpre, ainda, um
outro duplo objetivo: apoiar a coligação árabe que combate os rebeldes houthis, no
Iémen, seja através de apoio logístico, seja através da disponibilização de intelligence;
isolar e enfraquecer o Irão de modo a garantir o aniquilamento das suas tentões
hegemónicas regionais.
2.2. China
Após culos de isolacionismo e inúmeros conflitos internos, a China entrou num ciclo
de forte crescimento económico e tem vindo a empenhar-se, no corrente século,
sobretudo a partir de 2003, com a presidência de Hu Jintao, num processo de expano
global multidimensional, que veio a culminar, com Xi Jinping, na definição do seu
ambicioso “sonho chinês” da “grande revitalização da nação chinesa”. São esses, aliás,
segundo Tomé (2019), os grandes objetivos de Pequim, definidos ainda no final da
década de 1970 por Deng Xiaoping, mas que se mantêm válidos. Refere Tomé (2019,
p. 80) que a liderança de Xi Jinping veio apenas apresentar de forma simultaneamente
“mais concreta e ambiciosa” o suprarreferido “sonho chinês”, com a celebração de “dois
centenários” simbólicos para o regime: o da criação do partido comunista chinês, em
2021, e o da criação da República Popular da China, em 2049. Relativamente à “grande
estratégia” chinesa, considera Tomé (2019, pp. 80-81) que assenta numa estratégia de
longo prazo, baseada na peacefull risee na lógica win-win”, com benefícios mútuos
para a China e para os seus parceiros, sem assumir qualquer postura confrontacional.
A opção de Pequim de ter bases regionais no Índico es alinhada com a mudança
estratégica de transitar de potência simplesmente continental para potência
concomitantemente continental e marítima
11
, corporizada no seu Livro Branco da
Defesa de 2015, em que é referido que “[a] mentalidade tradicional de que a terra
supera o mar deve ser abandonada, e deve ser atribuída grande importância à gestão
dos mares e oceanos e à proteção dos direitos marítimos e interesses” (The State
Council of the People's Republic of China, 2015), e decorre do facto da China se ter
tornado francamente aberta para o mundo, quer em termos de importões, quer de
exportações.
9
Em novembro de 2019 o número de efetivos norte-americanos ascendia a cerca de 37.000 militares,
divididos pelo Kuwait (15.000), Qatar (10.000), Bahrain (7.000) e EAU (5.000) (South Front, 2019).
10
Com um efetivo estimado em 4.000 militares em novembro passado, segundo a publicação (South Front,
2019).
11
Será a primeira vez na História que uma potência continental se transforma, cumulativamente, numa
potência marítima, pondo em causa teorias geopolíticas clássicas que colocam em confronto as
capacidades das potências marítimas face às potências continentais, em particular as que foram
desenvolvidas por Halford Mackinder (1904 e 1919) e por Nicholas Spykman (1942).
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Em termos políticos, a utilização da base militar no Djibuti
12
e a gestão do porto de
Gwadar, no Paquistão, asseguram à China a profundidade estratégica de que necessita
para não se manter confinada aos mares que a circundam: Mar Amarelo, Mar da China
Oriental e Mar da China Meridional
13
. Isso é muito relevante que lhe garante uma
possível vantagem tática em caso de conflito futuro, dado que ambas as infraestruturas
permitem maior apoio logístico à sua esquadra numa região afastada da China
Continental, e, em tempo de paz, contribui para aumentar a segurança marítima numa
região onde existem ameaças latentes, designadamente, conflitos entre fações
oponentes (como é o caso atual do Iémen e foi, no passado recente, a Somália)
terrorismo e pirataria marítima. A gestão do porto de Gwadar e a possível edificação de
uma nova base militar em Jiwani, permite, ainda, estreitar os laços com o aliado
tradicional de Pequim na região, o Paquistão.
Em termos económicos, a segurança das linhas de comunicação marítimas em todo o
Oceano Índico Ocidental é absolutamente fundamental para as importações de energia
de que a China necessita, em particular as que são provenientes dos países produtores
do Golfo Pérsico, mas também de África, uma vez que Pequim está claramente
apostado em diversificar o seu abastecimento. Mas essa segurança é vital para o
sucesso da Beltand Road Initiative (BRI) Figura 6).
Figura 6 Belt and Road Initiative
Fonte: (Kuo & Kommenda, 2018)
12
Com um contrato de arrendamento de nove anos, as facilidades existentes permitem acomodar até
10.000 militares (Saffee, 2017).
13
O estabelecimento das instalações militares chinesas no Djibuti é visto do lado ocidental como a
edificação de uma capacidade estratégica de implantação avançada, enquanto instrumento de uma
política de promoção do aumento gradual do poder marítimo de Pequim no Oceano Índico (Henry, 2016).
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A edificação da base militar no Djibuti é, pois, em rigor, o garante da segurança
energética de que a China necessita para importar energia e matérias-primas e da
segurança económica para exportar os seus produtos, que é crucial para o crescimento
económico e a estabilidade social da China, e que Tomé (2019, p. 75) considera
“[fatores] decisivos como fonte de legitimidade do regime chinês”.
Em termos militares, a base do Djibuti permite a Pequim grande projeção de poder e a
expansão franca das suas capacidades navais, rivalizar de perto com a potência que
tem sido dominante, os EUA, que têm instalações militares igualmente significativas a
escassos quilómetros das chinesas, e incrementar o estatuto de grande potência numa
região de enorme relevância geoestratégica
14
.
2.3. Rússia
Num discurso proferido na Conferência de Segurança de Munique, em 10 de fevereiro
de 2007, Putin criticou abertamente a expansão da NATO a Leste e o posicionamento
dos EUA, designadamente, a sua demanda por um mundo unipolar e o uso sem
restrições da força, ao arrepio do Direito Internacional, deixando claro que a Rússia não
pretendia encaixar-se nesse tipo de ordem mundial (Putin, 2007).
A este propósito, refere Tomé (2018, p. 70) que a Rússia é “uma grande potência
ressurgente disposta a ocupar o seu lugar numa estrutura de poder multipolar”. Os
seus objetivos globais passam, assim, pela restauração da sua “esfera de influência”,
adotando comportamentos “expansionistas”, numa lógica de imposição de um “espaço
vital”, outrora perdido (2018, p. 92).
Neste enquadramento, a Rússia a estabilidade no Sul do Iémen como uma condição
essencial para o seu objetivo de desenvolver essa esfera de influência em todo o Golfo
de Áden e Mar Vermelho, e almejar alcançar a preponderância que teve no passado,
sobretudo durante o período da Guerra Fria, particularmente depois de ter visto gorada
a possibilidade de ter uma base militar no Djibuti. Por outro lado, as negociações para
o estabelecimento de um centro logístico para apoio das forças navais russas no Sudão
entraram numa fase de menor fulgor
15
. A opção iemenita surge, assim, com
naturalidade, como a via prioritária.
Como as partes oponentes no conflito iemenita mantêm o controlo sobre áreas distintas
com acesso às costas do Golfo de Áden e do Mar Vermelho - o governo reconhecido
pela ONU controla a ilha de Socotra, o Conselho de Transição do Sul
16
(STC) exerce a
autoridade, de facto, sobre a cidade portuária de Áden e os houthis ocupam portos na
14
Importa reter, a tulo de exemplo, o papel decisivo que as infraestruturas militares do Djibuti
desempenharam no processo de evacuação de 621 cidadãos chineses e 279 cidadãos estrangeiros, de 15
países, do Iémen, em 2015, na sequência do recrudescimento do conflito iemenita, o que
inequivocamente mostrou a relevância de Pequim dispor de uma base logística naquela região (Melvin,
2019).
15
Muito se devendo às hesitações dos responsáveis sudaneses que pese embora tenham iniciado uma
aproximação a Moscovo no final de 2017, não quererão hostilizar os EUA, depois de terem sido levantadas
sanções económicas que duraram duas décadas e permitiram um desanuviamento das relações entre
Washington e Cartum (McGregor, 2017).
16
Movimento armado que defende a independência do sul do Iémen. O propósito que persegue é a
refundação da República Popular do Iémen, um Estado socialista que existiu desde a descolonização, em
1967, e que durante a Guerra Fria contou com o apoio da União Soviética (Ribeiro, 2018).
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costa Noroeste -, a Rússia vê a política de neutralidade estratégica
17
como o garante de
uma futura presença duradoura na região, ainda que amiúde se envolva com as
diversas fações rivais (Ramani, 2019).
É neste sentido que, em termos políticos, Moscovo tem optado por iniciativas que lhe
têm granjeado reconhecimento das diversas potências regionais. No conflito iemenita,
por exemplo, tem colocado em prática um arrojado plano de neutralidade entre os
diversos oponentes, o que lhe permite manter em aberto a possibilidade de assumir
preponderância, em sede das Nações Unidas, nas negociações de um plano de paz para
o país que sirva todos os (antagónicos) interesses em presença.
Noutro âmbito, tem apostado, com êxito, num ambicioso pacote de medidas de soft
power
18
que lhe tem permitido mudar, quase radicalmente, a perceção que os Estados
da região têm da Rússia.
Em termos económicos, o interesse de Moscovo em estabelecer um centro logístico na
Eritreia, a ser concretizado, visa expandir o volume do comércio de produtos agrícolas
e minerais em toda a região. Mas também as transações de produtos petrolíferos irão
prosseguir através a rota do Suez e do Bab el-Mandeb, sobretudo enquanto a rota do
Ártico não puder ser utilizada durante a totalidade do ano. Isso irá seguramente fazer
aumentar a presença russa em toda a região.
Figura 7 Localização geográfica da cidade portuária de Áden e da Ilha de Socotra
Fonte: Adaptado de Google Earth (2018)
17
Pode ser explicada, segundo Ramani (2019), por interesses materiais de Moscovo no Golfo de Áden, por
aspirações de promoção de soft power em todo o dio Oriente e pelo desejo de equilibrar os interesses
divergentes das demais potências presentes na região.
18
A primeira, e porventura a mais relevante, está relacionada com a edificação da cadeia internacional de
televisão, a Russian Today (RT), que possui um serviço em árabe, a RT Arabic, e que é uma das três
maiores redes de TV da região, juntamente com a Al Arabiya e a Al Jazeera (Suchkov, 2015). Outra
iniciativa impulsionada por Moscovo é a utilização de compatriotas russos como potenciais "agentes de
mudança", em particular de cônjuges russos nativos que se mudaram para a região algum tempo. São
apoiados pela Agência Federal para o Desenvolvimento Internacional russa, e o seu papel centra-se,
sobretudo, na cultura, na cooperação científica, no estudo da língua russa e na promoção de laços com a
diáspora russa (Suchkov, 2015).
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Em termos militares, Moscovo está apostado em recuperar o estatuto de grande
potência que deteve na região, ainda no tempo da ex-União Soviética. Para tanto, é
necessário garantir o acesso a bases onde outrora esteve, como o porto de Áden, no
Sul do Iémen, bem perto do Estreito de Bab el-Mandeb, e a Ilha de Socotra,
geograficamente situada em pleno Golfo de Áden, próxima do extremo Nordeste da
Somália, na região da Puntlândia (Figura 7).
Mas a Rússia possui objetivos ainda mais ambiciosos que passam pela tentativa de ligar
o Corno de África à Península Arábica. Com esse intuito, desenvolveu diversos contatos
com o Djibuti para edificar uma base militar, sem sucesso, porém. Depois disso
virou-se para a Somalilândia, projeto em desenvolvimento que, a concretizar-se, e uma
vez abertas as portas do porto de Áden, lhe garanti uma substantiva vantagem
estratégica futura em redor do Estreito de Bab el-Mandeb.
3. Interações geopolíticas uma visão prospetiva
Procuraremos agora centrar o nossofoco nas potenciais relações entre os interesses
destes atores, em linha com os fatores geopolíticos conjunturais antes elencados. Da
análise efetuada podemos identificar áreas de acomodação, áreas de possível conflito e
áreas de conflito provel, significando, respetivamente, áreas em que é expectável
que não haja conflito no futuro próximo, áreas em que em função de desenvolvimentos
supervenientes poderão vir a ocorrer conflitos, e, finalmente, áreas em que o conflito
está latente. É ainda possível elencarmos relações de oposição (que o a
esmagadora maioria) e de convergência (apenas percecionadas ao nível da segurança
energética) entre os atores em causa.
3.1. Estados Unidos da América
No caso dos EUA, vencer a “guerra ao terror” não acarreta qualquer implicação para
nenhuma das demais potências. É um desígnio de Washington desde os ataques
terroristas em solo norte-americano, em setembro de 2001, e tanto a China quanto a
Rússia se têm mantido à margem desta iniciativa norte-americana de levar a cabo
ataques sucessivos contra hot spots de grupos extremistas islâmicos, na Somália como
no Iémen. A garantia da segurança energética nos espaços marítimos parece, de igual
modo, não causar qualquer constrangimento nas outras potências. São ambas,
portanto, áreas de acomodação.
a iniciativa de procurar isolar o Irão e enfraquecer os rebeldes houthis, no Iémen,
está em clara oposição com a política de Moscovo de manter “pontes” com os atores
mais influentes no conflito iemenita, que, também por isso, não hostiliza abertamente o
Irão. A retração estratégica norte-americana em curso no MO não parece ter-se
estendido às diversas bases militares existentes nos diferentes espaços marítimos da
Península Arábica. Todavia, se a opção de reorientar o esforço de defesa para o Leste
asiático levar a um decréscimo significativo de efetivos no Oceano Índico Ocidental,
isso poderá acarretar um aumento considerável da influência das outras potências na
região, desde logo por ausência da potência dominante, e, no limite, a um possível
incremento de disputas entre elas. Mas se a opção norte-americana por uma maior
presença no Leste da Ásia não significar reduzir os efetivos nesta região, então
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certamente que os EUA tentarão assegurar a hegemonia que têm mantido, o que pode
entrar em conflito com os interesses crescentes tanto da China quanto da Rússia.
Estamos aqui em presença de áreas de conflito possível.
As ambições hegemónicas norte-americanas na região e a tentativa de obtenção de
vantagens militares num potencial conflito futuro com as demais potências, em
particular com a China, assumem-se como áreas de conflito provável.
3.2. China
No atinente à China, a área relativa à proteção das importações de energia não parece
colidir com nenhuma área das outras potências. Tanto os EUA como a Rússia são
exportadores de energia pelo que não é expectável que possam influenciar a aquisição
da energia de que a China necessita e que passa pelas rotas marítimas do Oceano
Índico Ocidental (a não ser por estratégia de contenção da parte dos EUA). Esta é, por
conseguinte, uma área de acomodação.
a proteção da BRI poderá, no futuro próximo, entrar em conflito com interesses das
outras potências, sobretudo se daí resultarem dividendos substantivos para Pequim que
lhe permita consolidar o papel cimeiro de potência económica e houver a tentação de
canalizar uma parte significativa dos proveitos obtidos para fortalecimento do seu
poder militar. Estamos aqui em presença de uma área de conflito possível.
Pretendendo assumir o estatuto de grande potência na região e equilibrar a tradicional
influência de Washington, Pequim entra claramente em rota de aproximação excessiva
com a potência que tem sido hegemónica na região, os EUA, e até mesmo com a
potência revisionista, a Rússia, que procura regressar a um plano de grande destaque e
relevância que a União Soviética teve no passado. A utilização da Base do Djibuti
para obtenção de proveitos futuros, com o intuito de alcançar vantagem tática em caso
de conflito, opõe-se ao interesse norte-americano de garantir superioridade militar no
topo do espetro do conflito. A transição da China de potência continental para potência
simultaneamente continental e marítima entra em clara oposição com os EUA que
detêm e pretendem manter a hegemonia militar no Oceano Índico Ocidental. São todas
áreas de conflito provável.
3.3. Rússia
Moscovo é vista como a última das grandes potências a procurar juntar-se às demais,
EUA e China, que estabeleceram posições próximas do Estreito de Bab el-Mandeb, e
a aumentar a sua influência política, militar e económica na região (Dahir, 2018).
No que diz respeito à expano dos interesses económicos da Rússia, é pouco provável
que esse alargamento levante oposição extremada por parte dos EUA e mesmo da
China, desde que o grande projeto de implementação da BRI não seja colocado em
causa. Esta é uma área de acomodação.
A aposta inequívoca da Rússia em privilegiar uma política robusta de soft power na
região que lhe permita alterar a perceção que os países da região têm de si e granjear
dividendos futuros, não apenas na liderança de um eventual processo de paz no
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conflito iemenita, procurando isolar Washington que apoia abertamente um dos
contendores, como, sobretudo, no ambicioso projeto de regressar ao men e de se
instalar no Corno de África, pode vir a causar uma escalada da tensão na região, em
particular com os EUA, mas também com a China.Estamos em presença de áreas de
conflito possível.
Por outro lado, temos vindo a assistir a uma aposta firme de Moscovo em recuperar o
estatuto perdido nos espaços marítimos envolventes do Bab el-Mandeb, em linha, aliás,
com o que defende Grygiel (2019), que considera o regresso da Rússia ao MO como um
dos seus três eixos de expansão”. Neste sentido, Moscovo vem prosseguindo um
arrojado projeto que lhe permita obter acesso permanente a bases militares no Corno
de África e na Península Arábica, e uma ulterior ligação entre ambos os espaços. A
acontecer, isso significaria a obtenção de uma posição extremamente relevante e
vantajosa no Golfo de Áden e no Estreito de Bab el-Mandeb, rivalizando claramente
com as duas outras potências. Trata-se de uma área de conflito provável.
Conclusão
O Estreito de Bab el-Mandeb é um chokepoint de elevado valor geoestratégico e
geoeconómico e tornou-senos últimos anos, em conjunto com os espaços marítimos
adjacentes, local de intensa competição entre as potências globais ali presentes, que
têm objetivos que pretendem atingir. O envolvimento destes atores e a plêiade
intrincada de interesses em jogo, raramente coincidentes, produzem, sem surpresa,
inúmeras relações de oposição entre eles e escassas relações de convergência, estas
particularmente centradas na segurança energética.
De um modo geral, as três potências globais têm procurado consolidar a sua presença
em Estados do Corno de África edo Golfo de Áden, não apenas para obterem acesso a
outras regiões a partir daí, mas, também, para projetarem poder muito além das suas
fronteiras naturais.O estabelecimento de uma base militar dos EUAno Djibuti, em 2002,
a entrada posterior da China no Oceano Índico Ocidental, em 2017, igualmente através
do Djibuti, e a tentativa da Rússia em assegurar uma presença militar contínua
naqueles espaços marítimos, em particular no Iémen, são disso exemplo.
Washington quererá, decerto, manter o command of the sea no Corno de África que o
seu estatuto de potência marítima de excelência tem permitido ao longo do presente
século, não sendo expectável que a retração militar norte-americana em curso em todo
o MO venha a ser seguida naquela região e, consequentemente, nos espaços marítimos
que envolvem o Estreito de Bab el-Mandeb.Neste contexto, a base militar do Djibuti
assume preponderância acrescida não apenas para osEUA garantirem o controlo sobre
um estreito fundamental para o comércio matimo internacional, em particular de
energia, como é o Bab el-Mandeb, mas igualmente como forma de conter qualquer
tentativa expansionista da China na região, sobretudo depois de Pequim ter logrado
estabelecer a sua primeira base militar fora de portas, precisamente em território do
Djibuti.
A opção da China pela edificação daquela infraestrutura militar suscitou alarmes nos
EUA. Por um lado, porque essa ação prejudica os interesses estratégicos norte-
americanos, pondo em causa o seu domínio de longa data na região, tanto económica
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Estreito de Bab el-Mandeb: palco de disputas geopolíticas
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quanto militarmente. Por outro lado, porque consideram que o papel até agora limitado
da China na região pode ser entendido como incentivo para uma presença militar futura
mais expressiva. Eé, de facto, expectável que tal venha a ocorrer, que umapresença
mais robusta da China no Corno de África servirá um propósito duplo: garantir a
segurança da rota marítima da BRI, que atravessa o Golfo de Áden, o Estreito de Bab
el-Mandeb e o Mar Vermelho; e equilibrar a tradicional influência de
Washingtonnaquela região.Neste sentido, as ações da China no Djibuti influenciarão,
certamente, as suas ambições de poder na região, sobretudo quando pretende
assumir-se como relevante potência marítima.
A Rússia procura, por seu lado, regressar a um patamar de influência significativa na
região que deteve no passado, enquanto União Soviética, sobretudo através do
estabelecimento de pelo menos uma base militar em Áden, no Iémen, muito próxima
do Estreito de Bab el-Mandeb. Esta postura revisionista colide, no entanto,com as
pretensões hegemónicas norte-americanas e com a ascensão clara da China.
Poderemos, pois, vir a ser confrontados, a prazo, com a coexistência de infraestruturas
militares das três potências globais, separadas apenas por escassas dezenas de milhas
marítimas. Será inevitável o aumento das tensões entre elas noEstreito de Bab el-
Mandeb e áreas envolventes.
Os espaços marítimos do Mar Vermelho, Corno de África e Golfo de Áden tornaram-se,
de facto, sucessivamente mais securitizados ao longo da última década, levando a uma
militarização da região sem precedentes, com osEUA,China, e Rússia a tomarem parte
muito ativa nesse processo. Todavia, o interesse destes atores em garantirem que o
comércio internacional marítimo, sobretudo de energia, não é ameaçado, leva a que se
possa pensar que a passagem segura no Estreito de Bab el-Mandeb não é colocada em
causa, sendo esta, porventura, a única relação de convergência entre eles. No entanto,
as demais relações que foi possível identificar entre as potências globais são de
oposição. E é mesmo expectável que se continue a trilhar um caminho centrado num
aparentemente interminável ciclo de crescimento acentuado das disputas geopolíticas
na região, no nível global.
Concluímos, referindo que foi possível provar que o Estreito de Bab el-Mandeb e
espaços marítimos adjacentes, em particular pela relevância que têm para o comércio
marítimo internacional e pela possibilidade de afirmação e projeção de poder dosatores
que estão presentes, são, nos dias de hoje, um importante palco de competição
geopolítica das potências globais (EUA, China e Rússia), e que as disputas entre elas se
encontram em fase ascendente.
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INTERVENÇÕES EXTERNAS NO MALI E NAS SUAS TERRAS FRONTEIRIÇAS
UM CASO DE ESTABILIZAÇÃO
ANA CARINA S. FRANCO
anacarina.sfranco@gmail.com
Consultora independente e doutoranda em relações internacionais na Faculdade de Cncias
Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa (Portugal). Mestre em Ciências Políticas e
Sociais-Relações Internacionais pela Université Catholique de Louvain. Presta atualmente
serviços independentes de avaliação e análise sobre paz e segurança a organizações
internacionais, incluindo no âmbito do Instrumento da União Europeia que contribui para a
estabilidade e paz, bem como do projeto CivilnExt, destinado a reforçar a consciência situacional,
a troca de informações e o controlo operacional em missões civis no âmbito da Política Comum
de Segurança e Defesa da UE.
Resumo
O artigo tem como principal objetivo contribuir para uma melhor compreensão do conceito
de estabilização, tanto em termos académicos como políticos, analisando os resultados da
contrainsurgência e do apoio às operações de paz no Sahel por intervenientes regionais,
continentais e extracontinentais.Aborda o problema associado ao chamado "engarrafamento
de intervenção", resultante de numerosas iniciativas externas no processo político e na
dinâmica de conflitos dos países sahelianos, com enfoque no centro e norte do Mali e nas
suas fronteiras.
As intervenções externas entraram numa nova fase do chamado projeto de paz liberal,
quando, na década de 2000, as modalidades de manutenção da paz evoluíram para missões
integradas ou multidimensionais, bem como para um quadro normativo para a construção
estatal. Além disso, as intervenções no Sahel refletem o regresso à estabilização no início
dos anos 2010 um conceito que surge como alternativa ao nexo construção da paz-do
estado, que dominou a década anterior.
Apesar dos inúmeros esforços de estabilização, episódios recorrentes de extrema
violência no etnicamente diversificado centro do Mali, juntamente com o aumento da
insegurança nos vizinhos Burkina Faso e Níger. Os fenómenos de insurgência nas zonas
fronteiriças entre o Níger, o Mali e o Burkina Faso (Liptako-Gourma), estão muitas vezes
diretamente ligados à associação entre a expansão dos movimentos salafi-jihadistas e a
crise política maliana de 2012, mas também à fraca presença do estado nas grandes regiões
do Saara-Sahel e aos desafios colocados pelo pluralismo étnico. O artigo conclui sublinhando
a falta de integração das respostas de estabilização numa abordagem política, considerando
diferentes estratégias de governação. Salienta ainda a necessidade de dar prioridade à
restauração da autoridade legítima do estado, apesar da conquista de um modus vivendi na
região norte do país.
Palavras-chave
Estabilização, apoio à paz, intervenção, construção do estado, Sahel
Como citar este artigo
Franco, Ana Carina S. (2021). Intervenções externas no Mali e nas suas terras fronteiriças-
um caso de estabilização. Janus.net, e-journal of international relations. Vol12, Nº. 2,
Novembro 2021-Abril 2022. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.6
Artigo recebido em 23 Julho 2021 e aceite para publicação em 7 Setembro 2021
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Intervenções externas no Mali e nas suas terras fronteiriças - um caso de estabilização
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INTERVENÇÕES EXTERNAS NO MALI E NAS SUAS TERRAS
FRONTEIRIÇAS UM CASO DE ESTABILIZAÇÃO
ANA CARINA S. FRANCO
Introdução
O artigo aborda a problemática associada ao chamado "engarrafamento de
intervenção"
1
, resultante de numerosas iniciativas externas, nomeadamente sob a
forma de intervenções militares e de apoio à paz, que estão a ser implementadas no
Sahel desde a crise político-militar maliana de 2012. O seu principal objetivo é
compreender e analisar os efeitos dessas operações, ou a "parceria de manutenção da
paz"
2
, no processo político e na dinâmica de conflitos dos países sahelianos, com
enfoque no centro e norte do Mali e nas suas fronteiras. Além disso, pretende contribuir
para uma melhor compreensão do conceito de estabilização, tanto em termos
académicos como políticos.
A natureza transfronteiriça das ameaças à segurança do estado no Sahel dificulta as
respostas de natureza exclusivamente militar lideradas e/ou apoiadas por atores de
intervenção (estado, organizações internacionais, coligações ad-hoc). Estes
intervenientes são regionais (G5 Sahel, Comunidade Económica dos Estados da África
Ocidental-CEDEAO), continental (União Africana-UA), ou extracontinental (França,
Organização das Nações Unidas-ONU, União Europeia-UE, Estados Unidos da América-
EUA). Este trabalho explica como, apesar da proliferação de iniciativas externas de
apoio à reforma do sector da segurança, a lógica crescente de contrainsurgência,
juntamente com a privatização a longo prazo de serviços públicos como a segurança,
desafiaram ainda mais a autoridade legítima mais do que legal do estado.
O presente estudo conclui sublinhando os limites da abordagem tecnocrática das
respostas de estabilização, bem como a falta da sua integração numa abordagem
política, considerando diferentes estratégias de governação. A perspetiva de uma
abordagemsistémica menos linear e baseada na sociedade pode ser exemplificada pelo
recente apoio internacional e nacional às abordagens de baixo para cima. Estes acordos
materializam-se frequentemente no estabelecimento de acordos de paz locais liderados
por intervenientes não estatais, no âmbito da dinâmica de conflitos mais policêntrica e
complexa na região central do Mali e nas fronteiras a sul.
1
A expressão "engarrafamento de intervenção" foi utilizada, por exemplo, na edição de julho de 2020
Assuntos Internacionais, c-editado por Jacobsen & Cold-Ravnkilde, para caracterizar a proliferação de
iniciativas de ajuda externa no Sahel.
2
Williams (2021: 24) refere a esta "parceria de manutenção da paz" como a norma atual em África,
implicando "colaboração em operações entre duas ou mais instituições multilaterais e/ou vários
intervenientes bilaterais".
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A investigação baseia-se numa análise da literatura, bem como em entrevistas
semiestruturadas e abertas, remotas e por comunicações pessoais com antigos e atuais
funcionários da ONU e da UE, bem como especialistas independentes, em 2020 e 2021.
Todas as entrevistas foram realizadas ao abrigo da Regra da Casa Chatham, pelo que
não são fornecidas referências diretas a indivíduos que participaram a título pessoal no
texto.
Conceptualização da estabilização
Os esforços de estabilização destinam-se a apoiar os estados em conflito em
diferentes fases e consistem frequentemente em processos em que os atores
militares apoiam processos liderados por civis, que podem ser traduzidos tanto em
operações de apoio à paz como em operações de contrainsurgência (Curran & Holtom,
2015: 3, Mac Ginty, 2012)
3
. As intervenções externas contemporâneas, incluindo no
Sahel, constituem progressivamente estabilização e/ou contrainsurgência combinadas
com operações de contraterrorismo, colocando um desafio ao paradigma clássico e
liberal da construção da paz, e resultando na sua retração tanto como conceito como
prática (Karlsrud, 2019a).
O conceito de estabilização surgiu no final dos anos 2000 como uma alternativa
pragmática ao nexo de construção da paz-construção do estado que dominou a década
anterior (Andersen, 2018). A primeira missão de estabilização da ONU data de 2014
(Haiti). Em 2015, o relatório do Painel Independente de Alto Nível sobre Operações de
Paz (PIANOP) confirmaria a ausência e necessidade de uma definição de estabilização
por parte da ONU (ONU, 2015; Andersen, 2018). OPIANOP refere-se a missões de
"gestão de crises" da ONU, que incluiriam a estabilização. Do mesmo modo, a UE utiliza
o conceito de "gestão de crises", e a UA (juntamente com a Organização do Tratado do
Atlântico Norte-OTAN) realiza operações de "apoio à paz". Na literatura, a estabilização
corresponde frequentemente à definição desenvolvida pelo governo britânico. Neste
sentido, aplica-se a situações em que não existe acordo político e consiste num
processo que visa estabelecer um quadro político e um assentimento para um estado
estável, não necessariamente um estado final concreto (Aoiet al, 2017: 4, 10-11).
A maioria das intervenções implica apoio ao processo de reforma do sector da
segurança (RSS), que constitui uma componente fundamental da construção estatal
promovida por atores externos, como a UE, a ONU e os EUA. A RSS consiste num
"conceito inteiramente orientado pela política" (Bleiker & Krupanski, 2012: 37), em
referência a processos que exigem um quadro civil de controlo democrático que
garanta responsabilidade e transparência no uso da força. Promove a legitimidade do
estado no monopólio do uso da força, garantindo que tem a capacidade de aumentar o
uso da mesma, mas também que a violência perpetrada por ordens poticas o
estatais é eliminada. Os processos daRSS centram-se principalmente na reforma das
instituições militares, incluindo, na maioria das vezes, programas de desmobilização
3
Contradizendo os princípios da manutenção da paz, as operações de contrainsurgência procuram
estabelecer a ordem combatendo a insurreição. Muitas vezes com base na doutrina britânica, a
"insurreição" é entendida como uma subversão organizada e violenta usada para afetar ou impedir o
controlo político, desafiando assim a autoridade estabelecida. Como as operações de contrainsurgência
também visam abordar as causas fundamentais da insurreição, exigem uma abordagem multifacetada
(Aoi et al, 2017: 9).
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embora, na última década, o conceito tenha sido reformulado para responder à agenda
de segurança humana
4
.
Críticas e avanços existentes para uma "viragem local"
Com o objetivo de abordar a chamada crise da construção da paz a partir do final dos
anos 90
5
, a abordagem institucionalista da "construção da paz como edificaçãodo
estado" tornou-se o principal objetivo de qualquer política internacional relacionada
com a segurança global no início dos anos 2000. Houve um novo consenso para uma
abordagem de "parceria" (entre países beneficiários e instituições internacionais) para a
construção da paz (Chandler, 2017: 4). O projeto de governação global ou a
hegemonia da paz liberal entraram numa nova fase de intervenção externa com o
desenvolvimento de modalidades de manutenção da paz que evoluíram para missões
integradas ou multidimensionais.
No entanto, a ausência de paz no contexto dos conflitos no próprio estado resulta em
cenários complexos para a operacionalização das missões de manutenção da paz, que
tendem a implementar mandatos robustos. Os seus mandatos espelham a
complexidade inerente aos conflitos intraestatais, ao contrário das chamadas missões
tradicionais de manutenção da paz que operam no contexto do inter-conflito, incluindo
o acompanhamento dos processos de desmobilização e cessar-fogo (Howard 2019a: 5).
Vários autores alertam para os riscos que tais desenvolvimentos implicam para a
manutenção da paz como instrumento de paz, bem como para a necessidade de
reafirmar o caráter político de qualquer doutrina de estabilização da ONU (Howard,
2019b; Charbonneau, 2019: 311; Karlsrud, 2017: 1222-1225; Boutellis, 2015: 4).
A identificação das falhas no projeto de paz liberal levou ao surgimento de novas
conceptualizações da paz (pós-liberal). As críticas existentes à construção da paz
devem-se essencialmente à incapacidade do modelo liberal de assegurar a
sustentabilidade da mesma, em grande parte devido à imposição de instituições
estatais tecnocráticas. Chandler (2017: 4) refere-se à construção da paz como
"construção de soberania" e à "soberania" como "responsabilidade", no sentido de que
os estados pós-coloniais e não ocidentais se incorporam em quadros institucionais
internacionais. Neste contexto, uma mudança progressiva das intervenções que são
baseadas em fins ou orientadas para objetivos, centradas em instituições formais do
estado, para uma abordagem social sistémica menos linear, incluindo formas híbridas
de paz e práticas quotidianas (Chandler, 2017: 143-210; Mac Ginty, 2010, 2011).
Apesar do papel preeminente dado ao "local" na estratégia da maioria das intervenções
externas, os atores nacionais ou regionais que não cumprem as normas burocráticas e
tecnocráticas internacionais, são muitas vezes marginalizados de iniciativas
patrocinadas internacionalmente (Mac Ginty, 2012b). A construção estatal ainda é vista
como o "remédio tecnocrático" para, por exemplo, estados "frágeis"(Ibid.). Por
4
O conceito de segurança humana reflete a mudança de paradigma, da guerra para a lei, num contexto
internacional em que a lei se aplica mais ao indivíduo do que ao estado (Kaldor, 2014: 74).
5
Em reflexão sobre esta crise, as intervenções de paz resultaram frequentemente no estabelecimento de
proteções internacionais da paz, por exemplo, nos Balcãs e em Timor-Leste, que contestaram o quadro da
Carta da ONU de soberania e não intervenção (Chandler, 2017: 4).
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Intervenções externas no Mali e nas suas terras fronteiriças - um caso de estabilização
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conseguinte, a ênfase no local não resulta automaticamente na propriedade e na
sustentabilidade pela população global de um país ou região beneficiário/a.
O debate reflete igualmente as opiniões atuais sobre o apoio estrangeiro à RSS. Este
conceito tende a passar de um paradigma de assistência externa à segurança realista
e centrado no estado durante a Guerra Fria para uma abordagem liberal e mais
holística. Assim, embora aplicada ao sector da segurança, a RSS tem respondido
principalmente à agenda da (boa) governação (Chappuis & Hänggi, 2013: 170). Dito
isto, encontra-se atualmente num impasse entre dois quadros contraditórios, ou seja,
entre o compromisso com o estado de direito como principal princípio da RSS
abordagem liberal e a sua inserção na atual "viragem local" nos estudos de paz e
conflitos como condição para uma paz sustentável abordagem pós-liberal (Donais &
Barbak, 2021: 3-5). Por exemplo, ao adotarem um modelo híbrido de natureza liberal
6
,
os prestadores locais de segurança não estatais também integram o processo deRSS,
tendo em conta o objetivo final de garantir a segurança humana. Assim, apesar do
investimento significativo no sector, do ponto de vista de uma escola híbrida, a
abordagem ortodoxa (liberal) é bastante centrada no estado, ignorando as dinâmicas
locais (Sedra, 2013: 2019-222).
Provas do Mali e das suas terras fronteiriças
O período de análise começa com a crise político-militar maliana de 2012, no contexto
de umpós-golpe de estado e da rebelião Tuareg, e posterior intervenção da França
(Operação Serval) em apoio ao governo maliano contra grupos ligados à Al-Qaeda no
Magrebe Islâmico (AQMI). As iniciativas levadas a cabo por entidades
regionais/continentais, nomeadamente a UA e a CEDEAO através da
MissãoInternacional Africana de Apoio ao Mali (MIAAM), liderada por africanos, foram
rapidamente substituídas por e/ou integradas na missão de manutenção da paz da
ONU, Mission Multidimensional Integrée des Nations Unies pour la Stabilization au Mali
(MINUSMA) em 2013. Nesse mesmo ano, a UE estabeleceu a sua missão militar de
Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), a Missão de Formação da UE no Mali
(MFUEM), seguida mais tarde pela Missão civil de Capacitação da UE (EUCAP) Sahel
Mali (2015). AMFUEM e o EUCAP são ambas missões não executivas, principalmente de
apoio à reforma do sector da segurança maliana. Desde 2017, a UE lançou o processo
de regionalização da sua PCSD no Sahel, combinando civis e militares e estabelecendo
uma rede de especialistas em segurança e defesa nas delegações da UE. Ao mesmo
tempo, entre 2013 e 2014, foram lançadas missões militares regionais com mandatos
de contraterrorismo no Sahel, incluindo no Mali, como as operações JuniperShield
(EUA) e Barkhane (França). Em 2017, a UA autorizou a força conjunta G5 Sahel (Mali,
Burkina Faso, Níger, Chade, Mauritânia). Desde 2020, a França lidera a criação do
grupo de trabalho Takuba com contribuições de vários estados-membros da UE
7
.
6
Sedra (2013: 211-223) distingue entre três escolas para explicar as deficiências do modelo RSS
(monopólio, "bom, suficiente", ou híbrido), com base em semelhanças e diferenças em relação ao papel
desempenhado pelo estado.
7
A força de intervenção Takuba está atualmente focada no Liptako-Gourma região tri-fronteiriça (Rio Mali,
Burkina Faso, Rio Níger)adjacente ao rio Níger, entre a cidade de Gao no Mali e a capital do Níger,
Niamey. Visava reforçar a Operação Barkhane, cujo fim foi recentemente (junho de 2021) anunciado pelo
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As respostas externas tendem a ser integradas numa abordagem política ou no nexo de
desenvolvimento de segurança. Está também no centro do grupomultidoador 'Alliance
Sahel' (2017) e iniciativas subsequentes, nomeadamente a Parceria para a Segurança e
Estabilidade no Sahel-P3S (2019) e a Coligação para o Sahel (2020). No entanto, estas
abordagens o prioridade à governação do estado em detrimento de formas
alternativas de governação e de contratos sociais informais, cujo entendimento é
gradualmente visto como essencial para enfrentar as causas fundamentais dos conflitos
violentos. De facto, a região continua a enfrentar desafios da presença a longo prazo
de elementos dos diferentes movimentos salafi-jihadistas
8
, juntamente com o regresso
contestado da administração estatal ao centro e norte do Mali.
Uma tendência fundamental do período pós-intervenção no Mali é a proliferação de
milícias e movimentos políticos ou grupos político-militares muito diversificados. Lecocq
& Klute (2019: 49-53) colocam o governo maliano entre os numerosos grupos que
"lutam militarmente e politicamente muitas vezes em alianças de mudança rápida entre
eles ou com grupos de poder externos para diferentes objetivos, que também podem
mudar rapidamente". Os mais notórios têm sido os movimentos salafi-jihadistas. Com
efeito, a região do Sahel em geral, e a região de Liptako-Gourma, em particular,
sofreram com a vasta expansão embora em processos muito fragmentados das
filiais locais da Al-Qaeda e do Daesh das décadas de 2000 e 2010, respetivamente. Em
menor grau, a fronteira Mali-Burkina Faso-Costa do Marfim também tem sido objeto da
expansão dos movimentos Salafi-Jihadi. Os programas de segurança transfronteiriça no
âmbito da Iniciativa Accra (não reconhecidos pela UA) destinavam-se a combater a
insurreição, nomeadamente liderada pelo Grupo de Apoio ao Islão e aos muçulmanos
(Jamā‘atnurat al-islāmwal-muslimīn - JNIM), através da operação Koudanlgou II em
2018
9
.
Apesar de inicialmente ter um papel de mediação (monitorização do processo de paz),
o mandato da MINUSMA tem enfrentado desde então desafios na implementação de um
mandato robusto num contexto de conflito intraestatal, na medida em que a
operacionalização da missão tem desafiado os princípios das operações de manutenção
da paz, não se enquadrando no espectro de operações previstas na Doutrina Capstone.
Karlsrud (2019b) sugere colocar a missão de manutenção da paz da ONU MINUSMA sob
uma espécie de "capítulo VII e meio" de operação no seio da Carta das Nações Unidas
tomando como exemplo a conceptualização da manutenção da paz pelo ex-
secretário-geral Hammarskjöld como uma operação de "Capítulo VI e meio", ou seja,
entre a "Resolução de Litígios do Pacífico" (Capítulo VI) e o uso da força (Capítulo VII).
Neste sentido, "Capítulo VII e meio" são operações de paz do Capítulo VII "destacadas
em estreita cooperação com os atores regionais ou sub-regionais, quer no âmbito da
operação de paz da ONU, quer em estreita cooperação com ele", nomeadamente os
presidente francês Macron. A equipa de trabalho tem dois grupos sediados no maliano cidades de Gao e
Menaka.
8
O artigo adota a expressão "movimento Salafi-Jihadi" usada por Maher (2016). Da mesma forma,
Dalacoura (2001: 235-248) e Dias (2010) adotam o conceito de movimento militante islâmico, que reflete
o caráter transnacional do que são vulgarmente designados como grupos jihadistas. O jihadismo refere-se
aos movimentos que emergiram a partir da década de 1980, caracterizados por um afastamento da
tradição sunita em termos de como a jihad deve ser conduzida, por exemplo, rejeitando ordens políticas
baseadas na constituição e cometendo violência contra civis (Thurston, 2020:1-2).
9
A operação foi levada a cabo pelo Burkina Faso, Costa do Marfim, e Gana, com o Mali como observador.
Mais recentemente (março de 2021), foram perpetrados ataques contra posições da gendarmeria e do
exército na Costa do Marfim, na zona fronteiriça com o Burkina Faso.
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estados-membros africanos que fornecem tropas a missões com uma aplicação da paz,
ou pelo menos com um mandato mais robusto (Ibid.: 496).
Enquanto a força conjunta do G5 Sahel continua a desenvolver a sua própria
capacidade, a MINUSMA é mandatada para lhe fornecer apoio operacional e logístico,
em particular para realizar operações de contrainsurgência em todo o Sahel
10
.
Enfrentando um risco reputacional, a missão da ONU colabora, direta ou indiretamente,
também com a Operação Barkhane (que substituiu Serval em 2014)
11
nos seus
esforços de contrainsurgência e contraterrorismo (Boutellis, 2021: 28-30, Charbonneau
2019). No entanto, este grau de participação da MINUSMA na contrainsurgência
permanece incerto. Com efeito, por um lado, a Barkhane, liderada pela França,
colaboraria com a MINUSMA a um nível limitado, por exemplo, partilhando informações
sobre os riscos de segurança relacionados com as operações previstas em áreas onde a
missão da ONU também opera. Por outro lado, a cooperação entre a MINUSMA e o
governo maliano centrou-se progressivamente na contrainsurgência, principalmente
para neutralizar os grupos armados
12
.
Em relação ao governo maliano, a missão é de facto parcial, resultando em ataques
retaliatórios por grupos insurgentes e numa lógica crescente de contrainsurgência.
Também não se rege pelo princípio da não utilização da força. O uso da força é
permitido, embora exclusivamente com o propósito de proteger as forças de paz e a
população civil, portanto, também não a qualificando como uma missão de aplicação da
paz (Kjeksrud & Vermeij, 2017: 227-245). De facto, desde 2014, a MINUSMA viu o seu
mandato alargado para incluir, por exemplo, a proteção dos civis e o apoio ao
restabelecimento da autoridade pelo estado central. Desde 2018, enquanto a proteção
dos civis continuava a ser o foco, o âmbito geográfico foi alargado ao centro do Mali.
Este objetivo visava especificamente restaurar a autoridade do estado nas áreas
comunitárias infligidas pela violência de Mopti e Segou, onde o pluralismo étnico é mais
proeminente em comparação com a região norte do Mali (van der Lijnet al 2019: 39-
43).
A ONU demonstrou relutância em reposicionar recursos para a proteção dos civis para o
que viria a ser a maior crise no Mali em resultado do aumento da violência
intercomunitária e intracomunitária na região central do país. Quando colocada numa
situação complexa, por exemplo, criada para lidar com um conflito (no Norte) e mais
tarde tendo outro para tratar (no centro), a ONU revelou-se imprópria para uma rápida
reconcentração. No Norte, foi alcançado um modus vivendi entre as duas coligações
rivais após a assinatura do Acordo de Paz e Reconciliação de 2015 e apesar da sua
lenta implementação (Boutellis 2021: 18)
13
.
A sustentabilidade das intervenções externas e o seu objetivo de estabilização são
questionados especialmente dada a intensificação da violência no centro do país. Por
10
Com base em entrevistas realizadas remotamente em 2021, a ação da Força Conjunta é pouco percetível
dada a falta de implementação da operação.
11
De acordo com Harmon (2015), a substituição de Serval por Barkhane ocorreu não devido à
necessidade da França de intervir no Sahel para além do Mali, mas também devido a preocupações em
relação à liderança políticamaliana e insuficiência das forças de segurançanacional, especialmente para a
guerra no deserto.
12
Entrevistas com atuais e ex-funcionários da ONU, remotas, fevereiro, abril, maio e junho de 2021.
13
Parafraseando um entrevistado, "MINUSMA estabeleceu-se para o “Opção Darfur.”. Entrevista com o atual
membro do pessoal da ONU, remoto, abril de 2021.
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exemplo, o conflito entre dois grupos étnicos na região - os pastores Fulani e os
pastores Dogon - juntamente com o conflito intracomunitário, pode ser visto como um
produto da insurgência e da contrainsurgência. A combinação da retaliação por parte
das forças de segurança do estado com os atos violentos dos diferentes movimentos
levou à proliferação de grupos de autodefesa. Isto contribuiu para um ciclo contínuo de
violênciasinter e intracomunitárias, incluindo a criação de um contramovimentoDogon
agindo contra a milícia Dogone favorecendo o diálogo com Fulani aliado aos
movimentos Salafi-Jihadistas, ou disputas sobre o acesso a pastagens entre os Fulani
que apoiama Al-Qaeda e os do mesmo grupo étnico que apoiam o Daesh (Benjaminsen
& Ba 2021; ICG: 2020-3-4; van der Lijnet al, 2018: 42).
No entanto, tanto os atores estatais internacionais como os nacionais têm prestado
atenção à região central. Considerando que o Plano de SécurizationIntégréedesRégions
du Centre (PSIRC) de 2018 do Governo do Mali sublinhou os aspetos de segurança
(juntamente com o retorno global do estado e do desenvolvimento), o Stratégie de
Stabilizationpourle Centredu Mali 2019 teve um foco mais claro nos aspetos políticos,
como parte de uma estratégia de saída de crise (ICG 2020: 20-22). Abordagens de
baixo para cima, muitas vezes apoiadas por atores internacionais, incluindo a
MINUSMA, organizações não-governamentais internacionais, mas também por atores
nacionais como oHautConseilIslamiquedu Mali,resultaram no estabelecimento de
acordos de paz locais na região centro. No entanto, outros acordos de paz foram
também liderados por elementos dos movimentos salafi-jihadistas, permitindo assim
formas alternativas de autoridade e governação (Boutellis 2021: 22-24, ICG 2020: 26-
28).
Juntamente com esses movimentos, a formação de grupos de autodefesa apresentou-
se como uma forma de privatização informal de um serviço público/estado: a
segurança. Por exemplo, Benjaminsen & Ba (2021: 5) afirmam que a milícia Dogon
consiste principalmente de caçadores tradicionais treinados e armados pelo estado
maliano para substituir de facto o exército nacional na tentativa de controlar a região
central. Fundada em 2016, Dana Ambassagou é o principal grupo de autodefesa
implicado na escalada da violência na região, e essencialmente aliado ao estado
maliano. Apesar de ser formado principalmente por dozo ou caçadores locais,
tradicionalmente vistos como protetores da comunidade, também integra outras
milícias dogon e elementos criminosos originários de países da África Ocidental,
nomeadamente a Costa do Marfim. Além disso, nos últimos anos, um número crescente
de relatórios aponta para o facto de a crescente lógica de contrainsurgência ter levado
também os exércitos nacionais a cometerem uma ação de violência contra os civis
14
.
No âmbito do apoio às forças de segurança governamentais, a assistência à RSS tende
a seguir a "viragem tecnocrática" das intervenções de paz patrocinadas
internacionalmente (Mac Ginty, 2012b). Além disso, parece existir um desequilíbrio
entre as esferas normativa e funcional, com ênfase nos aspetos funcionais do sector da
segurança (voltando a uma gica de "comboio e equipa", em detrimento da promoção
de normas e regulamentos, nomeadamente pela UE. De facto, a assistência às forças
14
Veja-se, por exemplo, os seguintes recursos online disponibilizados pelo Projeto de Dados de Conflitos
Armados & Dados de Eventos - ACLED (https://acleddata.com/blog/2020/05/20/state-atrocities-in-the-
sahel-the-impetus-for-counter-insurgency-results-is-fueling-government-attacks-on-civilians) e Orient XXI
(https://orientxxi.info/magazine/au-sahel-les-massacres-s-amplifient-malgre-le-covid-19,3830)
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estatais é impulsionada pelo fornecimento (de formação, equipamento e
aconselhamento), com peritos e académicos a censurarem a ausência de apropriação
devida por parte dos atores nacionais (Tull, 2020, 2019). Jayasundara-Smits (2018;
Ehrhartet al, 2014). Além disso, os atores externos não têm acesso às dinâmicas de
poder existentes, muitos impulsionados pelo neopatrimonialismo com foco nas
personalidades e não nas instituições
15
. As dinâmicas inerentes à agência local,
incluindo a "RSS local"
16
, são ilustradas por golpes militares no Mali em agosto de 2020
e maio de 2021.
Além disso, a assistência da RSS baseada no estado de direito é vista como demasiado
rígida para se ajustar aos contextos locais (Cravo, 2016; Donais & Barbak, 2021: 5-6).
Em vez disso, pode-se defender a passagem da legalidade para a legitimidade no
âmbito da disposição de segurança híbrida existente. Neste contexto, privilegiar-se-ia o
que a Donais & Barbak (2021: 9-15) define como "redes de prestação de contas
policêntricas" dentro de uma estratégia de RSS para além do estado. Permitiria
promover a cogovernação entre os prestadores de segurança estatais e o estatais,
incluindo as ligações exigidas com a prestação de justiça.
Este artigo explica ainda como a abordagem centrada no estado que informa as
intervenções externas - não resultou numa solução para o colapso (parcial) do estado
maliano, em particular no norte do país e nas suas fronteiras.
Da recessão do estado maliano ao seu colapso parcial
Fruto de uma seleção limitada do trabalho de Weber, a abordagem institucionalista à
construção estatal é criticada pela perspetiva essencialmente tecnocrática centrada nas
capacidades e instituições ou aparelhos do estado subjacentes ao seu monopólio da
violência (Lottholz & Lemay-Hébert, 2016). Esta abordagem neo-weberiana não explica
a natureza mais diversa e complexa do estado, nomeadamente a relação estabelecida
entre o mesmo e a sociedade. Pelo contrio, a adoção de uma linha pós-Weberian
permitiria analisar a legitimidade nas suas dimensões históricas e culturais, incluindo
fontes alternativas de legitimidade de ordens sociais, como as tradicionais, e como se
sobrepõem ou são objeto de interferências dos processos globais (nomeadamente a
intervenção).
A maioria dos estudos mostra que o governo maliano negligenciou a procura de
soluções duradouras para as causas da insurreição local que estão relacionadas com
um défice de governação política em áreas marginalizadas e que estão remotamente
relacionadas com o fenómeno do jihadismo (Schmidt, 2018: 294, 2013: 2017;
Charbonneau, 2019: 312). Como dizia Guichaoua (2020: 911), "a soberania pós-
colonial no Mali nunca esteve em grande forma", e a intervenção externa na crise pós-
2012 precipitou o colapso (parcial) do estado
17
. Antes de 2012, os atores externos,
15
Entrevistas com ex-EUTM e atuais funcionários da ONU, remotos, abril e maio de 2021
16
"SSR de propriedade local" é explicado por Donais & Barbak (2021:2), como a apropriação do processo
pelo governo anfitrião, caracterizada por um compromisso dos ideais da RSS face às lutas de poder e à
resistência às medidas de responsabilização.
17
Erdmann (2014: 220) explica colapso parcial do estado como a "perda de soberania dentro de um
território limitado, implicando uma perda total do monopólio sobre o uso da força e um desafio simultâneo
à integridade do estado", que consiste numa caracterização relevante do estado no Mali na crise político-
militar pós-2012.
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bem como os atores nacionais o estatais, estavam a cumprir a oferta de bens
públicos, incluindo a segurança na região norte através de milícias leais. O Mali cairia
na categoria de "desintegração do estado", de acordo com a tipologia de Erdmann: o
estatuto de para-estado ou a para-soberania foram exercidas por instituições o
estatais "sem suplantar completamente o estado ou desafiá-lo explicitamente",
resultando assim numa "descentralização ou privatização informal" (Erdmann, 2014:
2019). No entanto, o artigo privilegia o conceito de "recessão do estado", que se refere
a um processo gradual "pelo qual o mesmo recuou em termos de controlo político e
territorial, de autoridade jurídica efetiva e de prestação de serviços e de segurança,
incluindo o acesso a bens e mercados e à concomitante informatização ou
privatização da economia e de outras funções estatais, incluindo segurança" (Bøås &
Jennings, 2005: 390).
Neste contexto, é importante destacar o contributo das fronteiras e periferias dos
estados pós-coloniais para o surgimento de formas de poder não estatais, cuja
vitalidade não é controlada por regimes nacionais ou internacionais. Asencomendas são
muitas vezes um exemplo de espaços que "desempenham um papel essencial na
calibração das relações de poder entre o estado e os seus cidadãos", e "geram recursos
importantes que têm um impacto decisivo na construção do estado e da paz fora do
seu meio envolvente imediato" (Korf & Raeymaekers, 2013: 9). A ausência de controlo
estatal sobre a sua fronteira é ilustrada pela experiência do programa de segurança
fronteiriça da MINUSMA. Nos primeiros anos da sua criação no Mali, a missão de
manutenção da paz da ONU conduziu a um mapeamento de todos os postos
fronteiriços do país que, de facto, existiam nas fronteiras meridionais; nas zonas
norte, os postos funcionais eram inexistentes e não foram realizadas patrulhas
fronteiriças entre eles. Em suma, a gestão fronteiriça no Mali refletiu o seu complexo, e
muitas vezes descoordenado, sector de segurança nacional
18
.
Ao mesmo tempo, o mandato da MINUSMA continua a ser rigoroso para o Mali, com
informações limitadas a serem partilhadas pelos países vizinhos, com exceção do apoio
dos países contribuintes das tropas da região, nomeadamente o Burkina Faso
19
. As
agências da ONU associar-se-iam a intervenientes estatais locais na fronteira sul,
nomeadamente a organização regional Autorité de développement integde la region
du Liptako-Gourma (ALG) para a cooperação transfronteiriça apoiada pelo Programa da
ONU para o Desenvolvimento. Criada em 1970 com um mandado de desenvolvimento
para as áreas fronteiriças, a ALG tornou-se ativa no setor da segurança a partir de
2017 e formalizou a sua cooperação com o G5 Sahel em 2018
20
.
De facto, a gestão das fronteiras tornou-se apenas uma prioridade para a maioria dos
intervenientes externos, em particular para a UE, no rescaldo da chamada crise dos
refugiados de 2015. A UE proporcionou investimentos significativos na área, quer
através do seu Fundo fiduciário de Emergência (FFE) para África, quer através das
missões do CSDP no terreno, incluindo a EUCAP. O EUCAP Sahel Mali também acabaria
por começar a apoiar o controlo fronteiriço a partir de 2017, como parte da estratégia
18
Entrevista com corrente Membro do pessoal da ONU, remoto, abril de 2021.
19
Entrevista com ex-membro do pessoal da ONU, remoto, junho de 2021.
20
www.liptakogourma.org/signature-dun-accord-de-cooperation-entre-lalg-et-le-g5sahel
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global da UE para combater a migração irregular e a atividade insurgente
21
. A
abordagem integrada da UE para a gestão das fronteiras e a estabilização global é mais
bem exemplificada pelo seu Programme d'appui au renforcement de la sécurité dans la
région de Moptiet à la gestion des zones frontalières (PARSEC), implementado desde
2017. O PARSEC combina recursos da EUTF, EUCAP e EUTM para o restabelecimento da
autoridade estatal em Mopti (centro do Mali), com foco na estabilização de terras
fronteiriças na área de Liptako-Gourma ao longo das fronteiras malianas com o Níger e
Burkina Faso
22
.
A evolução das intervenções de estabilização no Mali desde 2012 demonstra que, em
vez de promover o restabelecimento da autoridade (legal) do estado, seria necessário
restaurar a sua autoridade legítima. Neste contexto, uma perspetiva crítica implicaria a
necessidade de destacar aspetos do pós-colonialismo ou do eurocentrismo, e da
agência local. Esta mudança significa combinar uma perspetiva de fundo de dinâmica
institucional com uma perspetiva de baixo para baixo, permitindo uma melhor conta da
agência da multiplicidade de atores, estado e não-estado.
Conclusão
O caso Saheliano ilustra um sistema intervencionista ou ordem onde a soberania é a
narrativa dominante. Constitui um caso notável para o desenvolvimento da doutrina e
políticas de estabilização lideradas internacionalmente e regionais. Aquiparece ter
havido uma evolução das intervenções externas centradas tanto no apoio ao processo
de paz política, principalmente no Mali, como parte de qualquer processo de
estabilização, e de contrainsurgência a curto prazo para esforços de estabilização em
larga escala centrados na contra insurgência a longo prazo e no apoio ao sector da
segurança, na linha do nexo de desenvolvimento da segurança.
Apesar do investimento significativo em iniciativas de estabilização na região,
justamente ilustradas pela expressão "engarrafamento de intervenção", essas
iniciativas não foram, em grande medida, capazes de ultrapassar a viragem
tecnocrática que caracteriza as intervenções contemponeas patrocinadas
internacionalmente. Com algum nível de coordenação, as respostas são implementadas
num contexto de maior complexidade resultante da evolução dos conflitos e
intervenções do norte do Mali para a região central e das suas zonas fronteiriças onde o
pluralismo étnico tende a desempenhar um papel mais importante.
Os esforços de estabilização no Mali revelaram-se eficazes se visassem especialmente
normalizar as relações políticas entre Bamako e as elites políticas do Norte. Por
conseguinte, corrobora a definição de estabilização descrita no início do artigo como
medida provisória, parte de um processo destinado a estabelecer um quadro político e
um acordo para um estado estável embora não definitivo. No entanto, hoje em dia, é
também necessário um quadro político e um acordo para fazer face aos processos mais
21
Entrevistas com ex-membro do staff da EUCAP, analista independente e antigos e atuais funcionários da
ONU, remotos, maio de 2020, fevereiro-maio de 2021. Além da crise dos refugiados na Europa, os
ataques em Bamako liderados por elementos do movimento Salafi-jihadista em 2015 também
contribuíram para a decisão de alargar o mandato da EUCAP.
22
https://ec.europa.eu/trustfundforafrica/region/sahel-lake-chad/mali/programme-dappui-au-renforcement-
de-la-securite-dans-les-regions-de_en
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complexos, fragmentados e policêntricos no centro e nas fronteiras meridionais, com
subsequente derrame de instabilidade para os países vizinhos.
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e-ISSN: 1647-7251
Vol. 12, Nº. 2 (Novembro 2021-Abril 2022)
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CABO VERDE E ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA:
UMA LIGAÇÃO BICENTENÁRIA
JOÃO PAULO MADEIRA
joao.madeira@docente.unicv.edu.cv
Professor Auxiliar da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV, Cabo Verde) e coordenador do grupo
disciplinar em Relações Internacionais e Diplomacia desde julho de 2021. Investigador do Centro
de Administração e Políticas Públicas (CAPP-ISCSP-UL). Doutor em Ciências Sociais pela
Universidade de Lisboa (ISCSP-UL) e bolseiro de pós-doutoramento em 2018 pela Fundação
Calouste Gulbenkian na FCT NOVA enquanto membro da
Rede de Estudos Ambientais em Países de Língua Portuguesa (REALP).
Resumo
As mudanças ocorridas na distribuição do poder mundial sugerem que países insulares como
Cabo Verde diversifiquem formas de cooperação a fim de se aproximarem de parceiros
credíveis e, desse modo, garantirem benefícios a longo prazo. Esta premissa, combinada
com princípios de solidariedade, respeito mútuo, transparência e responsabilidade m
permitido a assinatura de vários acordos entre Cabo Verde e os Estados Unidos da América
(EUA) nos domínios da segurança e defesa, política de ajuda ao desenvolvimento,
democracia e direitos humanos. O presente artigo pretende apresentar e discutir
criticamente os principais ganhos obtidos na relação entre os Estados Unidos da América e
Cabo Verde, este último enquanto colónia portuguesa até julho de 1975 e, após essa data,
entre Estados independentes, com o objetivo de construir um quadro analítico que permita
responder aos atuais desafios que se deparam. Nesse sentido, recorreu-se a um estudo
exploratório de caráter qualitativo a partir da análise bibliográfica e documental. Os
resultados permitem concluir que Cabo Verde e os Estados Unidos da América têm vindo a
acompanhar a evolução da conjuntura internacional, tendo em conta a importância na
região onde o arquipélago se insere, partilhando sinergias e troca de experiências em
matéria de desenvolvimento, defesa e segurança.
Palavras-chave
Cabo Verde, Estados Unidos da América, Relações bilaterais, Defesa e segurança,
Desenvolvimento.
Como citar este artigo
Madeira, João Paulo (2021). Cabo Verde e Estados Unidos da América: uma ligação
bicentenária. Janus.net, e-journal of international relations. Vol12, Nº. 2, Novembro 2021-
Abril 2022. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.7
Artigo recebido em 4 Maio 2021 e aceite para publicação em 8 Setembro 2021
JANUS.NET, e-journal of International Relations
e-ISSN: 1647-7251
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Cabo Verde e Estados Unidos da América: uma relação bicentenária
João Paulo Madeira
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CABO VERDE E ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA:
UMA LIGAÇÃO BICENTENÁRIA
JOÃO PAULO MADEIRA
Introdução
O sistema internacional é atualmente caracterizado pela difusão de poderes sendo,
para o efeito, necessário o estabelecimento de alianças a partir de alinhamentos
estratégicos assentes em princípios, valores e interesses comuns. Os Estados
estabelecem formas de relacionamento com outros Estados e, desse modo, promovem
e consolidam os seus interesses.
As relações entre Cabo Verde e os EUA remontam ao século XVIII. Na sua história
destacam-se três momentos particularmente importantes: o primeiro refere-se à
passagem por Cabo Verde de um considerável número de africanos que foram vítimas
do comércio de escravos com destino ao continente americano; o segundo relaciona-se
com a atividade de navios baleeiros norte-americanos de New Bedford e Nantucket nos
mares de Cabo Verde. O terceiro vem na sequência da intensificação das rotas
comerciais entre os EUA e a Africa Ocidental (Lobban, 2018). O arquipélago passou a
ocupar um lugar de destaque ao comercializar e exportar produtos para os EUA e, em
particular para a Cidade de Boston, pele de cabra (Brooks, 1970; 2010; Duncan,
1972). Este relacionamento e formas de diálogo permanente permitiram que, nos
séculos seguintes, os locais das ilhas vissem na emigração uma oportunidade para
melhorar as condições de vida e das suas respetivas famílias.
Atualmente, as comunidades cabo-verdianas mais representativas concentram-se no
estado de Massachusetts (capital Boston e nas cidades e vilas próximas como Quincy,
Randolph, Somerville e Cambridge) e a sul de Boston (Brockton, Taunton, FallRiver,
New Bedford, Cape Cod e Wareham) e nos estados de Rhode Island (Providence,
Pawtucket, East Providence e Central Falls), Connecticut (Bridgeport e Waterbury),
Flórida, Califórnia, Nova Jérsia, Virgínia, Maryland, Nova Iorque e Geórgia (MOTT,
2020; Lima-Neves, 2015). A comunidade é de mais de 250 mil habitantes (ONU News,
2020) e é representada pela Embaixada de Cabo Verde em Washington, D.C. e pelo
Consulado Geral em Boston, Quincy, Massachusetts.
Os EUA destacam Cabo Verde como um importante parceiro que, desde a
independência em julho de 1975, se empenhou na edificação de um Estado de Direito
que promove a democracia, transparência e responsabilização das instituições públicas.
Estamos diante de um Estado que zela pela independência, responsabilidade e
imparcialidade dos tribunais e do Ministério blico, e onde os direitos civis e políticos
são respeitados e as liberdades de expressão, de associação e de imprensa, entre
outras, são salvaguardadas. Defende com firmeza os valores da democracia pluralista,
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Cabo Verde e Estados Unidos da América: uma relação bicentenária
João Paulo Madeira
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do Estado de Direito e parte da ideia de que o fomento da paz, da segurança e do
desenvolvimento social e económico constituem a melhor opção. O arquipélago
mantém relações com parceiros, quer se trate de países quer de regiões, baseadas na
confiança, igualdade e reciprocidade. Cabo Verde tem procurado, apesar de várias
limitações, dar consistência às políticas interna e externa, aproximando-se de países
que fazem parte do hemisfério Sul e, simultaneamente do Norte a fim de reforçar a sua
agenda diplomática. Este é um aspeto inovador, mesmo em tempos de incerteza, que
carateriza o atual sistema internacional. No entanto, poder-sequestionar, quais têm
sido os principais ganhos de Cabo Verde na relação com os EUA? Que estratégias
deverá o arquilago adotar no que concerne à sua política externa?
A incerteza e a imprevisibilidade que caracterizam a atual conjuntura internacional
exigem de países como Cabo Verde a adoção de uma postura baseada no pragmatismo
da sua política externa (Graça, 2014; Madeira, 2016b). Neste âmbito, pode-se destacar
a relação histórica com os EUA que constitui uma importante âncora pela experiência
de mais de dois séculos que unem estes dois povos. Espera-se que ambos adotem uma
postura e uma ação mais comprometida e articulada em princípios e valores com vista
a fazer face aos desafios que são comuns em matéria de segurança e defesa, comércio,
política de ajuda ao desenvolvimento, democracia e direitos humanos e que apelam
para uma cooperação cada vez mais estreita.
Cabo Verde, como outros pequenos Estados insulares, vê na política externa um
recurso para o seu desenvolvimento e uma oportunidade de participar e de ser útil à
comunidade internacional. A atual crise financeira tem vindo a afetar de forma
particular parceiros como a União Europeia e os Estados Unidos. A situação agrava-se
quando o país se encontra perante outros constrangimentos estruturais, como é o caso
da redução substancial da Ajuda Pública ao Desenvolvimento e da perda de algumas
subvenções internacionais, estando o país o arquilago ainda dependente de linhas de
crédito/empréstimos concessionais. Esta situação acentou-se, sobretudo, a partir de
janeiro de 2008 quando o Cabo Verde transita para a categoria de País de Rendimento
Médio. Todos estes desafios têm incitado os dirigentes políticos a repensar a política
externa, na tentativa de criar novos modelos que apontem para a
autossustentabilidade do país, embora a diplomacia cabo-verdiana tenha dado sinais da
capacidade de interpretação e de respostas aos problemas que, ao longo do tempo, se
consubstanciam na promoção de diversas parcerias estratégicas para o
desenvolvimento do arquipélago (Costa e Pinto, 2014).
Cabo Verde-Estados Unidos: uma relação histórica com dois séculos de
existência
Descoberto entre 1460 e 1462 por navegadores ao serviço da coroa portuguesa, Cabo
Verde serviu durante séculos como um importante entreposto na navegação e no
tráfico negreiro e o continente americano se destacou como um dos principais destinos
(Caldeira, 2013). A relação entre estes dois povos configura-se naquilo que Thornton
(2012) designa por uma história tão antiga, aquando da formação do Mundo Atlântico.
Com a independência a 4 de julho de 1776 e o processo de industralização a partir de
1865, os EUA foram-se afirmando progressivamente, tornando-se a nível militar,
económico e tecnológico a principal superpotência do pós-segunda Guerra Mundial. A
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estratégia foi a de desenvolver formas de relacionamento com praticamente todos os
países do mundo. As relações de amizade entre Cabo Verde e os EUA remontam
mais de dois séculos, ao ponto de, em dezembro de 1818, ter sido instalado na Cidade
da Praia, o primeiro Consulado norte-americano em toda a África Subsaariana. Samuel
Hodges, comerciante e originário de Massachusetts, apresentou perante o Governador
António Pusich como o primeiro Cônsul americano em Cabo Verde. A instalação deste
Consulado resulta de um importante elemento do ponto de vista histórico e
diplomático
1
(Tolentino, 2019). Este período marca indubitavelmente os primeiros
passos nas relações entre estes dois povos nas suas mais variadas formas, enquanto
Colónia até 1951 e, posteriormente, como Província Ultramarina
2
até à proclamação da
independência em 1975.
No que se refere à construção do Estado-Nação, Cabo Verde é, no contexto africano,
um caso particular e, por esse motivo, merece especial atenção. Os fortes laços entre
Cabo Verde e os EUA são, na verdade, muito antigos. A abertura do Consulado teve
lugar aproximadamente cento e cinquenta e sete anos antes da independência de Cabo
Verde. Apesar destas relações passarem por Portugal até 1975, a partir dessa data
realizaram-se entre Estados soberanos e independentes. Esta discussão reforça a ideia
de que a Nação em Cabo Verde precede em séculos a criação do Estado independente,
o que a diferencia da maioria dos países africanos, onde o Estado é que tem vindo a
promover a formação da Nação (Madeira, 2016a). A construção da Nação cabo-
verdiana assenta num movimento histórico de longa duração que teve início com o
povoamento no século XV, correspondendo à estruturação progressiva da formação
social engendrada nas ilhas, com a sua singularidade e correlativos padrões
socioculturais (Madeira, 2018).
Por exemplo, entre 1900 e 1920, os EUA receberam emigrantes do arquipélago, em
maior número das ilhas do Fogo e da Brava, que se aventuravam nos navios que se
dedicavam à captura de cetáceos nos mares de Cabo Verde (Carreira, 1982). Os
emigrantes conseguiram, ainda que estivessem indocumentados, entrar em território
americano, fugindo da miséria e das deficientes condições de vida que assolavam as
ilhas, sobretudo da decorrente crise de subsistência derivada da prolongada estiagem
entre 1890 e 1903 que culminou com as fomes de 1903 e 1904 (Carreira, 1977).
Não obstante as relações de aproximação de mais de dois séculos, a formalização da
cooperação foi possível a partir de julho de 1975, altura em que os EUA
reconheceram Cabo Verde como Estado independente. Em 1977, dois anos após a
1
As atividades comemorativas dos duzentos anos das relações diplomáticas entre Cabo Verde e os EUA
tiveram lugar em dezembro de 2018. Esta efeméride é justamente reforçada pelo facto de ter sido
estabelecido em 1818 o primeiro Consulado americano na África subsaariana. No século XIX, o óleo de
baleia era usado para iluminação e muitos navios baleeiros partiram de Nova Inglaterra para os mares de
Cabo Verde, uma vez que constituía um local privilegiado para a captura, transbordo, transformação,
desembarque e comércio dessa importante substância extraída da gordura das baleias pescadas. Os cabo-
verdianos participaram na indústria pesqueira na região de Nova Inglaterra e nas turfeiras de Cranberry.
Em 1843, os EUA estabeleceram em Cabo Verde o Esquadrão Africano com o propósito de capturar navios
que comercializavam escravos (Canney, 2006). Outro dado histórico igualmente importante refere-se à
participação dos cabo-verdianos na Guerra de Independência dos Estados Unidos entre 1775 e 1783 (U.S.
Embassy in Cabo Verde, 2018; 2019).
2
Ver a este respeito, Pimenta (2014: 252): “A Revisão de 1951 incorporou o Acto Colonial na Constituição
Portuguesa, com o título “Do Ultramar Português”, enquanto a Carta Orgânica do Império Colonial
Português foi substituída pela Lei Orgânica do Ultramar. Foi uma transformação sobretudo estética, ou
seja, de terminologia: as expressões “Império Colonial Português” e “Colónias” foram substituídas por
“Ultramar Português” e “Províncias Ultramarinas Portuguesas”.
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independência, Cabo Verde abre o seu primeiro Consulado em Boston com o objetivo
de estreitar relações de cooperação e de apoiar a sua diáspora radicada nos EUA
(Amado, 2014).
Apesar de, atualmente, se tratar de dois países com pesos substancialmente diferentes
no sistema internacional, os EUA e Cabo Verde têm-se empenhado numa relação de
cooperação que assume como aspeto central o crescimento económico e a cooperação
em termos de segurança. Ao longo de quatro décadas, foram firmados vários acordos
considerados estratégicos, entre os quais se destacam: o Millennium
ChallengeAccount(MCA), o AfricanCrowthandOpportunityAct (AGOA) e o Status of
Forces Agreement (SOFA).
Quadro 1 - Principais Marcos das relações bilaterais Cabo Verde-EUA
Período
Principais acontecimentos
Século
XVIII
Navios norte-americanos capturam cetáceos nos mares de Cabo Verde.
1818
Abertura na cidade da Praia do primeiro Consulado norte-americano na Africa
Subsariana.
A partir
de 1900
Os cabo-verdianos emigram para os EUA nos navios que se dedicavam à pesca da
baleia.
1975
Os EUA reconhecem a independência de Cabo Verde.
1977
Abertura do primeiro Consulado de Cabo Verde em Boston.
1983
Abertura oficial da Embaixada dos EUA em Cabo Verde.
2004
Cabo Verde beneficia do programa Millennium ChallengeAccount (MCA).
2005
Cabo Verde assina o Iº Compacto do MCA que vigorou até 2010.
2007
Cabo Verde beneficia do African Crowth and Opportunity Act (AGOA).
2008
Cabo Verde passa a cooperar com o Comando dos EUA para a África (AFRICOM).
2009
Hillary Clinton, 67.ª Secretária de Estado dos Estados Unidos visita Cabo Verde.
2010
Instalação do Centro de Operações de Segurança Marítima (COSMAR) em Cabo Verde
com financiamento dos EUA.
Embaixador J. Anthony Holmes, Comandante Adjunto do AFRICOM visita Cabo Verde
2012
O arquipélago assina o IIº Compacto do MCA que vigorou até 2017.
2015
Grupo de senadores norte-americanos visita Cabo Verde.
2016
Cabo Verde acolhe o exercício militar norte-americano EpicGuardian.
2017
Cabo Verde assina o acordo Status of Forces Agreements (SOFA) com os EUA.
2018
O Presidente da República de Cabo Verde ratifica o SOFA.
Embaixador AlexanderLaskaris, Comandante Adjunto do AFRICOM visita Cabo Verde.
Cabo Verde interessado em acolher sede do Comando Militar Norte-Americano para
África.
Cabo Verde acolhe o Simpósio Africa Endeavororganizado pelo AFRICOM.
Início das celebrações do bicentenário das relações de amizade entre Cabo Verde e os
EUA.
2019
Almirante James G. Foggo III, Comandante da Força Aliada Conjunta do Comando de
Nápoles, da Força Naval dos Estados Unidos na Europa e África, visita Cabo Verde.
Governo autoriza BCV a emitir moeda alusiva aos 200 anos de amizade EUA-Cabo
Verde.
A Universidade de Cabo Verde, em parceria com a Embaixada dos Estados Unidos da
América em Cabo Verde promove a realização de eventos em homenagem aos 200
anos das relações entre Cabo Verde e os EUA.
2020
Os Estados Unidos concedem mais de 1,5 milhões de dólares para ajudar Cabo Verde
na capacidade de resposta à COVID-19.
Mike Pompeo, 70º Secretário de Estado dos Estados Unidos, no âmbito do 45º
aniversário da independência de Cabo Verde, elogia o relacionamento entre os EUA e
Cabo Verde de mais de 200 anos e refere que os EUA pretendem apoiar Cabo Verde
nos “esforços de desenvolvimento" e de segurança marítima.
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2021
EUA disponibiliza 1 milhão de dólares a Cabo Verde para reforçar a Justiça Criminal a
combater o crime organizado.
A 30 de março, os Governos de Cabo Verde e dos EUA realizaram o seu Terceiro
Diálogo de Parceria bilateral que contou com a participação de representantes
governamentais de ambos os países, tendo sido promovido pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros e Comunidades e da Defesa de Cabo Verde, Rui Figueiredo Soares e pelo
Secretário de Estado Adjunto, em exercício, dos Estados Unidos da América, Robert F.
Godec.
A 23 de abril, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e Comunidades e da Defesa de Cabo
Verde, Rui Figueiredo Soares, recebeu a equipa do AFRICOM/Departamento da Defesa
dos EUA que apoiou o governo cabo-verdiano na entrega do primeiro carregamento das
vacinas contra a Covid-19 para as ilhas do Fogo, São Vicente, São Nicolau, Sal, Boa
Vista e Maio.
A 4 de Julho, foi lançada a primeira pedra para a construção da nova Embaixada dos
EUA de 4,5 hectares de terreno adjacente ao Palácio do Governo na Praia e que
representa um investimento de mais de 400 milhões de dólares por parte do governo
dos EUA na relação bilateral.
Fonte: elaborado pelo autor com base em Tolentino (2019), U.S. Department of State (2019),
Embaixada dos EUA em Cabo Verde e na análise dos dados recolhidos na página web da
Inforpress desde 2018.
Millennium ChallengeAccount e o impacto no desenvolvimento de Cabo
Verde
O desenvolvimento de Cabo Verde tem sido graças à boa gestão da Ajuda Pública ao
Desenvolvimento (APD) e de outros apoios internacionais. Estes esforços são
reconhecidos por vários países e organizações internacionais, sobretudo no que diz
respeito ao cumprimento dos princípios da democracia, boa governação, transparência
e respeito pelo primado do direito. Estes e outros motivos estão na base da atribuição a
Cabo Verde de dois compactos do programa MCA que se destacaram como um dos
principais instrumentos de cooperação entre o arquipélago e os EUA.
O MCA carateriza-se por um ambicioso programa governamental norte-americano
administrado pelo Millennium ChallengeCorporation (MCC) através de uma agência de
assistência externa criada em 2004 pelo Congresso dos EUA. Este programa visa
essencialmente recompensar os países que demonstrem estar comprometidos com a
boa governação, liberdade económica e de investimento nos seus cidadãos (Mawdsley,
2007). Para os EUA, as políticas económicas e sociais e a governança democrática
garantem o crescimento económico das populações mais vulneráveis. Este programa
estimula os países a investirem em infraestruturas (estradas e portos), energia,
agricultura, titulação de terras e direitos de propriedade, água e saneamento, saúde e
educação (Resende-Santos, 2020: 109) e na promoção de uma agenda económica e de
liberalização comercial (Soederberg, 2004; Brainard, Graham e Purvis, 2003).
Cabo Verde candidatou-se em 2004 ao MCA, integrando uma lista de 75 países em
desenvolvimento, obtendo o primeiro lugar entre o grupo de países africanos e o
segundo no ranking global. Neste âmbito, o arquilago assinou o Compacto a 4 de
julho de 2005 que vigorou por um período de cinco anos. O programa foi financiado no
montante global de aproximadamente 110 milhões de dólares.
O Iº Compacto teve como principal objetivo melhorar as infraestruturas. Entre os vários
financiamentos, destacam-se a expansão e modernização do Porto da Praia e a
construção e melhoria de estradas e pontes. Ademais, investiu-se no setor agrícola,
nomeadamente no domínio da captação e aproveitamento da água e produção agrícola
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nas ilhas de Santo Antão, São Nicolau e Fogo, bem como no sector público e privado,
permitindo assim impulsionar a reforma do sistema de intermediação financeira e do
aumento da concorrência no acesso a títulos do tesouro.
Estes investimentos visavam essencialmente apoiar Cabo Verde na transformação
económica, tornando-o menos dependente das remessas e ajudas internacionais
(Cardoso, 2014). O investimento no sector agrícola permitiu melhorar a gestão dos
recursos dricos e conservação dos solos e do desenvolvimento agroindustrial, bem
como o acesso ao crédito.
Quadro 2 - Principais projetos desenvolvidos no âmbito do Iº Compacto do MCA
Projetos desenvolvidos
Resultados
Gestão das bacias
hidrográficas e apoio à
produção agrícola
Vinte e oito reservatórios de água; vinte e seis diques de captação;
vinte e sete diques de correção torrencial; quarenta e três pequenas
represas; três furos de água; vinte e sete sistemas de distribuição
de água; três centros de extensão rurais; um centro pós colheita;
quinhentos e quarenta e nove agricultores beneficiários pelos
sistemas de rega gota-a-gota e instalação de cinquenta e sete
campos de demonstração.
Construção e reabilitação de
infraestruturas rodoviárias e
portuárias
39,3 km de estradas reabilitadas; 4 pontes rodoviárias construídas;
expansão e modernização do Porto da Praia.
Crédito ao micro, pequenas
e médias empresas
Criação de uma central privada de informações de crédito.
Apoio ao sistema de
governação eletrónica
Aposta no e-Government; melhoria na transferência, gestão
financeira e responsabilização da administração pública; criação de
um classificador orçamental e aprovação de um código de mercado
público.
Fonte: elaborado pelo autor, com base em Cardoso (2014).
O IIº Compacto foi assinado a 10 de fevereiro 2012 e esteve em vigor de 30 de
novembro de 2012 a 30 de novembro de 2017 e teve como principal objetivo promover
o crescimento económico e a redução da pobreza em Cabo Verde. O Compacto centrou-
se essencialmente na reforma de dois sectores estratégicos, a saber: o sector da água,
saneamento e higiene e o sector da gestão de propriedades ou cadastro predial. Este
pacote foi financiado no valor de 66.2 milhões de dólares que foram investidos em
projetos, nomeadamente: Água, Saneamento e Higiene (WASH), Gestão da
Propriedade para Promoção do Investimento (LAND) e, igualmente, num programa de
Seguimento e Avaliação (M&E).
O projeto WASH foi concebido com o objetivo de apoiar a reestruturação do Sector de
Água e Saneamento e procurou reestabelecer, através de uma profunda reforma, uma
base institucional financeiramente sólida que prestasse serviços às famílias e às
empresas cabo-verdianas. No âmbito deste projeto foram criadas as seguintes
instituições, programas e planos: a Agência Nacional de Água e Saneamento (ANAS), o
Conselho Nacional de Água e Saneamento (CNAS), o Plano de Integração Social e
Género para o Sector da Água e Saneamento em Cabo Verde, a Empresa
Intermunicipal Águas de Santiago (AdS), o Fundo de Água e Saneamento (FASA) que
integra o Fundo de Acesso Social (FAS). Este último proporcionou o acesso das
populações mais vulneráveis das comunidades urbanas e rurais aos serviços de água e
de saneamento que se afiguram como uma resposta no combate à pobreza. A LAND
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carateriza-se por um projeto que procura reduzir o tempo e os custos associados ao
registo de propriedades, prestando assim uma maior segurança jurídica às transações
imobiliárias, assim como a promoção do investimento e produtividade da terra. No
âmbito deste projeto, criaram-se as bases institucionais, processuais e legais que
permitiram garantir maior segurança jurídica no acesso, gestão e transação de
propriedades (Revista Balanço MCA, 2017).
Quadro 3 - Principais Projetos Desenvolvidos no âmbito do IIº Compacto do MCA
Projetos desenvolvidos
Resultados
Água, Saneamento e Higiene
(WASH)
Reestruturação do setor de água e saneamento; criação da
Agência Nacional de Água e Saneamento (ANAS), do Conselho
Nacional de Água e Saneamento (CNAS), do Plano de Integração
Social e Género, da Empresa Intermunicipal Águas de Santiago
(AdS) e do Fundo de Água e Saneamento (FASA) que integra o
Fundo de Acesso Social (FAS).
Propriedade para Promoção
do Investimento (LAND)
Instalação do Sistema de Informação Predial; criação do Instituto
Nacional da Gestão do Território (INGT); aprovação do Regime
Jurídico Especial para a Execução do Cadastro Predial; Publicação
do Regulamento do Regime Jurídico do Cadastro Predial;
Oficialização do Manual de Operações.
Programa de Seguimento e
Avaliação (M&E)
Discussão e definição das questões pertinentes no sentido de
avaliar os impactos setoriais dos projetos de Água e Saneamento e
Gestão de Propriedade para Promoção do Investimento
Fonte: elaborado pelo autor com base nos dados disponíveis em Revista Balanço MCA (2017). IIº
Compacto do Millennium ChallengeAccount Cabo Verde.
Cabo Verde foi o primeiro país a ser selecionado pelo Conselho de Administração do
MCC, para o IIº Compacto e também o primeiro a candidatar a um IIIº Compacto, mas
sem sucesso, uma vez que não foi selecionado. Cabe aqui salientar que estes
Compactos permitiram o desenvolvimento em diversas áreas: infraestruturas,
agricultura, saneamento, higiene, mobilização de recursos hídricos e gestão de
propriedades. Estes Compactos contribuíram para a transformação do país, em
especial, na sua modernização e no seu progresso social e económico (Tolentino,
2019).
AGOA: oportunidades e benefícios para Cabo Verde
Como forma de melhorar as condições dos países que fazem parte da região
subsariana, o Congresso norte-americano promulgou em maio de 2000 o programa
AfricanCrowthandOpportunityAct (AGOA), cuja tradução literal é “Lei de Crescimento e
Oportunidades para a África”. Trata-se de um acordo comercial que incentiva a
exportação de produtos dos países da África Subsariana para os mercados norte-
americanos. O AGOA, como parte integrante da Lei do Comércio Exterior e
Desenvolvimento dos EUA, permite a entrada de mais de seis mil variedades de
produtos e facilita o acesso destes países ao crédito. Presta igualmente assistência e
formação técnica (Páez; Karingi; Kimenyi, 2010).
O AGOA permite que mais de quarenta e cinco países da África Subsariana exportem
para o mercado norte-americano com isenção de direitos aduaneiros e sem quotas.
Desde a entrada em vigor, este acordo tem servido como um importante instrumento
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na relação entre os EUA e África, proporcionando oportunidades económicas, facilitando
a integração regional e o ambiente de negócios (Shapouria; Trueblood, 2003). A
criação de um ambiente favorável para o investimento do setor privado tem constituído
uma prioridade, tornando as empresas africanas mais competitivas. Com a
implementação deste programa, as exportações aumentaram em mais de 300%,
permitindo assim a criação de cerca de trezentos e cinquenta mil postos de trabalho
diretos e centenas de milhares indiretos (Montezinho, 2015).
No âmbito desta lei, as exportações dos EUA para a África Subsariana triplicaram. Os
EUA têm interesse em reforçar a sua influência e estreitar as relações com parceiros
africanos. Os países da África Subsaariana o submetidos anualmente a uma revisão
dos seus estatutos. São igualmente avaliados diversos critérios entre os quais: boa
governação, economia de mercado, eliminação de barreiras comerciais e promoção de
investimentos norte-americanos, desenvolvimento de mecanismos de combate à
corrupção e proteção de leis relacionadas com o trabalho. A partir destes parâmetros,
determinam-se quais os países que poderão ser elegíveis para participar no referido
programa.
Além desta avaliação anual, os produtos para entrarem no mercado norte-americano,
devem cumprir alguns requisitos quanto à origem, a saber: devem ser originários de
um ou mais países beneficiários do programa AGOA, serem importados diretamente de
um país beneficiário para o território dos EUA e serem 100% cultivados, produzidos ou
fabricados em um ou mais países beneficiários.
A graduação de Cabo Verde a país de rendimento médio teve lugar em 2007, tendo o
país beneficiado deste programa com possibilidade de acesso a um conjunto de
alternativas de financiamento. Não obstante o reconhecimento de que o programa
AGOA representa um importante passo para as aspirações de um país insular e
arquipelágico, muito se tem discutido sobre o seu aproveitamento. Os relatórios
apontam que as exportações de produtos cabo-verdianos para o mercado norte-
americano têm ficado muito aquém do esperado. Aliás no seio da Comunidade
Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), apenas a Gâmbia e a Guiné-
Bissau obtiveram menores resultados que Cabo Verde (Montezinho, 2015).
Os economistas, decisores políticos e as associações de empresas têm procurado
perceber as razões que justificam os fracos resultados obtidos, tendo sido apontadas
algumas estratégias a serem adotadas para melhorar o cenário de exportação no
âmbito do referido programa. O Presidente da Câmara do Comércio do Sotavento,
Jorge Spencer Lima, defende que entre as principais barreiras para as empresas cabo-
verdianas destacam-se as dificuldades em matéria de custos e burocracia, bem como
as barreiras linguísticas. Na visão de Spencer Lima, tudo acontece na língua inglesa
que, em muitos casos, os empresários cabo-verdianos não entendem, nem dominam.
o economista João Alvarenga defende que o principal problema se prende com a
mão-de-obra cabo-verdiana, pelo facto de não estar minimamente preparada para os
critérios de qualidade requeridos pelo programa, acrescentando que o país,
historicamente, apresenta uma balança comercial deficitária. Isto ocorre porque
importa mais do que exporta. O AGOA seria uma oportunidade para inverter esse
cenário, pelo menos com os EUA (Montezinho, 28 junho 2015).
A ex-Ministra do Turismo, Investimentos e Desenvolvimento Empresarial, Leonesa
Fortes, considera que Cabo Verde apresenta um número reduzido de empresas que
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produzem para exportação. Defende igualmente que é necessário um maior reforço do
tecido industrial por forma a aproveitar o AGOA. O primeiro passo para reverter tal
cenário foi a de criar instituições especializadas nestes domínios, nomeadamente o
Instituto de Gestão da Qualidade (IGQ), criado pela Resolução 41/2010 de 2 de
agosto. Além disso, o Estado deve continuar a trabalhar no desenvolvimento de
políticas industriais e comerciais para que as empresas cabo-verdianas se organizem e
adquiram uma maior capacidade de produção (Expresso das Ilhas, 12 setembro 2015).
Para o atual Ministro da Indústria, Comércio e Energia, Alexandre Monteiro, volvidos
dezoito anos após a promulgação do AGOA, Cabo Verde não tem sabido aproveitar esta
janela de oportunidades. O arquipélago está ainda a dar os seus primeiros passos no
sentido de criar um ambiente para produzir e exportar bens e serviços mais
competitivos. Ana Lima Barber, Presidente da Cabo Verde TradeInvest entre 2016 e
2020, sustenta que o país tem produtos que poderiam ser exportados no âmbito do
AGOA, mas é preciso ainda qualificá-los, por forma a desbloquear obstáculos ao nível
da logística (Santiago Magazine, 21 fevereiro de 2018). Também DonaldHeflin,
Embaixador dos EUA em Cabo Verde entre 2015 e 2018, chama a atenção para o
seguinte: Cabo Verde deveria aproveitar mais e, desse modo, explorar o mercado
norte-americano, uma vez que poderia exportar 7% dos seus bens mas que,
infelizmente, nada tem feito nesse sentido, uma vez que o país encontra-se muito
dependente da economia europeia (Inforpress, 2018). o Embaixador dos EUA em
Cabo Verde desde setembro de 2019, John Jefferson Daigle, refere que as empresas e
os empresários norte-americanos não conhecem muito a respeito das oportunidades de
investimento em Cabo Verde. Acredita que é possível colocar Cabo Verde no mapa dos
investimentos norte-americanos e destaca a importância de iniciativas como o Cabo
Verde InvestmentForum (CVIF) que teve lugar em Boston entre 30 de setembro e 01
de outubro de 2019. Este tipo de encontros constitui uma oportunidade para atrair e
congregar interesses empresariais de alto nível e uma oportunidade para o
estabelecimento de parcerias comerciais.
O Embaixador aponta para o interesse do governo cabo-verdiano em levar a cabo o
projeto de implementação do Cabo Submarino Amílcar Cabral que liga Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Libéria, Guiné-Conacri e Serra Leoa com possibilidade de ligar também a
Gâmbia e o Senegal. Trata-se de uma iniciativa ambiciosa no âmbito do projeto de
criação de um hub de conectividade em Cabo Verde para o desenvolvimento das
telecomunicações de banda larga nos países da região. O Embaixador dos EUA em
Cabo Verde deixa claro que pretende juntar à mesma mesa, o governo de Cabo Verde,
os técnicos, a Embaixada dos EUA e o Departamento de Comércio dos Estados Unidos
no sentido de abordar essa possibilidade (Montezinho, 2020).
Tendo em conta as oportunidades que o AGOA oferece, Cabo Verde tem trabalho no
sentido de capacitar o seu tecido empresarial, criando condições para atrair
investimentos e melhorar o ambiente de negócios. Os fóruns do AGOA são anualmente
promovidos e devem ser aproveitados pelo país para debater e encontrar as melhores
alternativas, sobretudo no que se refere à redução de barreiras ao comércio.
Os Centros de Recursos do AGOA (CRs), criados pelo TradeHub da África Ocidental
(WATH) em todos os países da região beneficiários do AGOA, incluindo Cabo Verde,
têm procurado aconselhar as empresas para que criem condições ao nível da
maximização das oportunidades de investimento previstas nas disposições do AGOA,
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facilitando assim as ligações entre as empresas da região da África Subsariana. O
CRA´s e os centros de informação sobre o AGOA estão sob a responsabilidade da Cabo
Verde TradeInvest.
Cabo Verde e o AFRICOM
Após os atentados de 11 de setembro de 2001, a política externa norte-americana
assumiu uma outra dimensão, especialmente no que se refere à segurança
internacional. Como forma de salvaguardar os seus interesses, as forças militares
norte-americanas passaram a intervir com maior regularidade, principalmente nos
espaços regionais onde se registam ameaças (Bernardino, 2008), entre as quais a
proliferação de redes de imigração ilegal, narcotráfico e terrorismo.
Decorrente da crescente importância geopolítica e geoeconómica que o continente
africano tem vindo a despertar, os EUA instituíram, no âmbito do
AfricanMaritimeLawEnforcementPartnership (AMLEP), um Comando específico para a
África, designado de AFRICOM com sede em Estugarda, Alemanha. O AFRICOM, à
semelhança de outros Comandos, nomeadamente EUCOM, CENTCOM, SOUTHCOM,
NORTHCOM, PACOM, trabalham no combate ao terrorismo, tráfico de droga e pirataria
marítima (StrategicCulture Foundation, 30 agosto de 2018). Além disso, o Comando é
responsável pelas operações, exercícios, capacitação de quadros militares e cooperação
securitária com os países africanos. A criação do AFRICOM em 2008 é considerada por
Munson (2010) como um dos momentos mais importantes na relação entre os EUA e o
continente Africano.
O Comando Militar Norte-Americano para África instalou mais de cinquenta redes e
pequenas bases de preparação militar ou estações, com objetivo de executar operações
avançadas de segurança e de contingência. Este Comando possui uma base
permanente de apoio na República do Djibouti e tem sob a sua jurisdição todas as
nações africanas com a exceção do Egipto que se encontra sob a jurisdição do
CENTCOM. O Comando procura contribuir para a melhoria do desenvolvimento
sustentável e dos níveis de segurança no continente (StrategicCulture Foundation, 30
agosto de 2018). O AFRICOM procura, em colaboração com outras agências
governamentais americanas e parceiros internacionais, levar a cabo ações permanentes
de segurança militar, através de programas específicos que visam promover um
ambiente estável e seguro em África. O Comando cria as condições e contribui para o
AfricanOwnership de modo a garantir que os países africanos criem condições para a
resolução dos seus próprios problemas de segurança (Breschinski, 2007: 50). Cabo
Verde, por possuir uma vasta área marítima é, na perspetiva do ex-Comandante-
adjunto do AFRICOM, Alexander M. Laskaris, um parceiro de qualidade na
materialização dos objetivos do Comando (Lusa, 04 de maio de 2018). O arquipélago,
bem como outros países da Africa Ocidental têm potencial para produzir benefícios de
grande alcance em termos de patrulhamento e vigilância da sua Zona Económica
Exclusiva (ZEE) , além de desenvolver programas de treinamento profissional e prático
ao nível da segurança. A aposta tem sido a promoção de condições técnicas e materiais
para a Guarda Costeira.
Foi no âmbito do AFRICOM que os EUA financiaram em junho de 2010 a instalação do
Centro de Operações de Segurança Marítima (COSMAR) com sede na cidade da Praia,
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Ilha de Santiago. Já a Guarda Costeira e a Esquadrilha Naval encontram-se sediadas no
Mindelo, Ilha de São Vicente.
O COSMAR tem trabalhado na planificação de operações conjuntas no quadro de
acordos de fiscalização marítima com outros países com o objetivo de combater os
fenómenos, não apenas sobre narcotráfico, mas igualmente sobre tráfico humano,
terrorismo, pirataria e outros atos análogos. Os trabalhos de fiscalização e atuação são
desencadeados em articulação direta com várias entidades nacionais que tenham
responsabilidades na matéria (Madeira, 2019b: 164).
Cabo Verde tem sabido tirar proveito das assistências do AFRICOM (Garcia, 2017:
104), investindo na planificação de operações conjuntas com especial destaque para a
fiscalização marítima e prevenção de tráficos ilícitos (e-Global, 2018). O investimento
na segurança enquadra-se na capacidade do país em atrair investimentos externos
através de uma estratégia de marketing de boa governação (Baker, 2009) a favor do
bem-estar, da democracia, dos direitos humanos e da transparência. Este ponto reforça
a ideia de que, desde a independência, alguns elementos da política externa cabo-
verdiana têm acompanhado os sucessivos governos, a saber: [1] a posição
geoestratégica privilegiada no Atlântico Médio; [2] a estabilidade política e a boa
governação; [3] a perspectiva de segurança territorial e o não-alinhamento em blocos
ideológicos, porém, mantendo relações político-diplomáticas com vários Estados; [4] a
cultura da paz social com reflexo na política interna e externa; [5] a aposta numa
diplomacia de modéstia e proximidade que se alicerça nos princípios da paz com o
objectivo de resolver ou contornar constrangimentos socioeconómicos (Madeira,
2016b).
O arquipélago tem igualmente participado em exercícios militares conjuntos que
demonstram o compromisso e o interesse do país em estreitar relações com os Estados
Unidos. Podem citar-se, por exemplo, os exercícios Saharan Express, Flintlock e
Obangame Express realizados na região da África Ocidental. Em 2016 realizou-se na
Ilha do Sal, Cabo Verde, o exercício militar norte-americano EpicGuardian. Foi pela
primeira vez que Cabo Verde recebeu um exercício desta magnitude, cujo objetivo foi o
de estreitar a cooperação entre as duas forças armadas no combate às ameaças
transnacionais.
A Ilha do Sal foi ainda palco entre 30 de julho a 3 de agosto de 2018 no âmbito do 13º
Simpósio Africa Endeavor que contou com a participação de mais de trinta países
africanos. O evento serviu para melhorar a comunicação entre as nões africanas e as
capacidades do Comando, procurando encorajar as forças da União Africana (UA) e a
Força Africana em Estado de Alerta (FAEA) com o propósito de se envolverem em
missões de assistência humanitária, desastres naturais, resolução de conflitos e
manutenção da paz. O evento constituiu uma oportunidade para que as delegações dos
países presentes, das instituições internacionais, regionais e sub-regionais se
debruçassem sobre os principais desafios cibernéticos no continente africano e, desse
modo, encontrarem soluções viáveis para assegurar o acesso às tecnologias de
informação (Governo de Cabo Verde, 30 de julho de 2018).
O interesse dos EUA tem sido o de aprofundar a sua relação com Cabo Verde, uma vez
que o arquipélago se encontra estrategicamente localizado no Oceano Atlântico e que
pode servir como um importante parceiro ao nível da segurança regional. Os EUA
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procuram encorajar Cabo Verde a combater as ameaças e a continuar a investir em
instituições democráticas por forma a promover o desenvolvimento socioeconómico.
SOFA: acordo estratégico entre Cabo Verde e EUA
Com objetivo de por cobro aos problemas que constituem uma ameaça à segurança e à
paz internacional, os EUA negociaram com vários países acordos estratégicos no
sentido de fornecer uma base legal para o reforço da defesa e segurança dos Estados
signatários e que permitem a operacionalização das forças armadas dos EUA nos seus
territórios por um determinado período, bem como o uso das suas instalações militares
para reabastecimento, trânsito, vigilância, entre outras funções. Foram assinados,
ademais, vários acordos de cooperação, dentre os quais se destacam o
ForeignFowardOperating Sites (FOSs) e o CooperativeSecurityLocalization (CSLs),
suportados pelo Status of Forces Agreements (SOFA).
O SOFA enquadra-se nos Acordos Bilaterais de Imunidade (BIAS) com base no que
dispõe o art.º 98 (2) do Estatuto de Roma de 1998 de não entrega de cidadãos norte-
americanos para o Tribunal Penal Internacional (TPI), os quais estão em conformidade
com a Lei de Proteção aos Membros dos Serviços Norte-Americanos (ASPA) aprovada
pelo Congresso em 2001. A ASPA prevê cortes na assistência militar aos Estados
membros do TPI que não assinem acordos bilaterais de não entrega de cidadãos norte-
americanos para o TPI com o governo dos Estados Unidos. Na prática, isto significa que
todos os beneficiários da assistência militar dos EUA que sejam signatários do Estatuto
de Roma são obrigados a assinar um documento conferindo imunidade aos cidadãos
norte-americanos presentes no seu território, impedindo que sejam processados e
julgados pelo TPI. Neste contexto, importa aqui referir que, desde inícios dos anos
2000, foram firmados acordos deste género em mais de cem países (Resende-Santos,
2020).
A boa relação entre Cabo Verde e EUA refletiu na assinatura, em setembro de 2017, do
SOFA que abriu espaço para o reforço da cooperação militar entre ambos, criando
condições legais no sentido de permitir a presença de forças norte-americanas no
arquipélago. O acordo, que tem vindo a ser negociado desde 2008, define os termos da
cooperação militar entre Cabo Verde e os EUA, dando especial enfâse ao estatuto dos
soldados norte-americanos em território cabo-verdiano. Washington e Praia deixam
claro a necessidade de, após a assinatura do acordo, vir a trabalhar em conjunto no
domínio da Segurança e Estabilidade, sobretudo no que concerne à segurança marítima
(Tolentino, 2019).
Não obstante o debate em torno das vantagens e desvantagens do SOFA para Cabo
Verde, o mesmo, ratificado em 2018 pelo Presidente da República de Cabo Verde, Jorge
Carlos Fonseca, poderá servir como um importante instrumento para estreitar a
cooperação com os EUA, considerando que a segurança deve ser vista como um
importante pilar de desenvolvimento de qualquer Estado. Com a assinatura do SOFA, o
Governo cabo-verdiano reconheceu que era necessário refoar uma estrutura legal de
gestão e monitorização da cooperação, podendo constituir-se como um importante
instrumento de apoio à segurança e desenvolvimento do país.
A proliferação de ameaças transnacionais coloca em alerta os Estados africanos,
inclusive Cabo Verde que, pela sua localização estratégica no Atlântico, tem vindo a ser
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alvo preferencial de organizações criminosas transnacionais (OCT). Sendo assim, o país
tem a missão e a obrigação de garantir a defesa e segurança nacional, o que só será
possível se o arquipélago continuar a investir na melhoria da sua relação com os
parceiros internacionais (Madeira; Monteiro, 2017).
O presente artigo não procura discutir as vantagens e desvantagens do SOFA, nem o
pouco a constitucionalidade ou não das cláusulas contidas no presente diploma , mas
sim entender o seu alcance, na medida em que Cabo Verde não consegue ainda por si
garantir a segurança e defesa do seu território. Parte-se do seguinte pressuposto: a
defesa e a segurança passaram a assumir um carácter transnacional e exigem dos
Estados, independentemente da sua dimeno, formas de cooperação no domínio
militar, económico, tecnológico através do estabelecimento de parcerias consideradas
relevantes.
Investir nas políticas de defesa e segurança constitui uma condição deveras
significativa para o desenvolvimento de países como Cabo Verde, o que só será
possível se o país consciencializar da importância de estabelecer acordos estratégicos.
Estes instrumentos permitem criar condições ao nível da segurança, essencialmente no
espaço marítimo, melhorando desta forma a capacidade da Guarda Costeira, o
patrulhamento das águas territoriais e das missões humanitárias. Cabo Verde tem
vindo a enveredar esforços para melhorar as suas relações político-diplomáticas com os
Estados Unidos, demonstrando, concomitantemente, o compromisso com os países do
hemisfério sul. Cabo Verde, um pequeno Estado e os EUA, uma superpotência, têm
vindo a estabelecer uma relação magnífica, longínqua, estável e de confiança
(Tolentino, 2019).
Neste contexto, importa referir que o Conceito Estratégico de Defesa e Segurança
Nacional (CEDSN) estabelece os aspetos fundamentais da estratégia global adotada
pelo Estado cabo-verdiano na consecução dos objetivos da política de segurança e
defesa. O CEDSN procura traçar as orientações sectoriais em matéria de segurança e
defesa, instruir para uma maior eficácia e eficiência na sua aplicação, articular e
harmonizar políticas sectoriais das atividades com interesse para a segurança e defesa,
otimizar o resultado e as repercussões da aplicação dos valores e objetivos da
segurança e defesa na política externa e na política interna e no provimento da
segurança dos cidadãos e do património público e privado. Neste âmbito, o CEDSN
refere que o triângulo estratégico cabo-verdiano só se completa com o lado americano,
onde se encontram países como o Brasil, a sul, e os Estados Unidos da Arica, a
norte, que fazem parte da rota da emigração cabo-verdiana. Os Estados Unidos da
América são, de facto, um parceiro do desenvolvimento de Cabo Verde com o qual o
país deve incrementar, ainda mais, relações no âmbito da segurança e defesa (CEDSN,
2011: 9).
Conclusão
É amplamente reconhecida a importância que Cabo Verde atribui à sua política externa,
colocando no centro as opções que são consideradas estratégicas e que contribuem
para o desenvolvimento e garantia da segurança nacional.
Desde a independência em 1975, o arquipélago tem demonstrado um compromisso
para com a promoção da paz social, elegendo-a como opção estratégica para o seu
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desenvolvimento. O empenho por esta causa tem revertido, ao longo das décadas, na
melhoria das condições de vida dos cabo-verdianos, ultrapassando algumas das
limitações que um pequeno Estado e insular, vulnerável e, na maioria dos casos,
dependente de ajudas externas se depara. O percurso do país é o resultado de um
esforço único e tem permitido a criação de uma imagem de Estado estável que, apesar
dos escassos recursos, soube gerir a Ajuda Pública ao Desenvolvimento, contando com
apoios de Estados terceiros ou de organismos internacionais. Este percurso tem
despertado especial interesse por parte de parceiros como os EUA que passaram a
apoiar o país nomeadamente ao nível da segurança, da política de ajuda ao
desenvolvimento, luta contra a pobreza e promoção da democracia e dos direitos
humanos.
A inserção de Cabo Verde no contexto internacional não constitui apenas uma
estratégia, mas, acima de tudo, uma necessidade incontornável pela possibilidade de
maximizar os seus efeitos na atual conjuntura. Os desafios para Cabo Verde no atual
contexto internacional passam por orientar-se para ões que permitam uma inserção
internacional segura, ciente de que assim poderá continuar a estabelecer parcerias e
acordos com os países da sub-região (Madeira, 2015), assim como melhorar as
parcerias já existentes, neste caso com os EUA.
Convém relembrar que os los históricos entre Cabo Verde e os EUA m vindo a se
desenvolver há mais de dois séculos. Destaca-se a necessidade de se reforçar cada vez
mais aquilo que existe, quer seja por meio da diáspora quer através de iniciativas
por parte de empreendedores, organizações, instituições, media e governos
3
. Nos
últimos anos, tem havido uma sensibilização crescente para que os cabo-verdianos
participem em programas de estudo em instituições do ensino superior norte-
americanas e em programas de formação contínua ou intercâmbios. Como exemplos
podem apontar-se os programas de Empreendedorismo para Mulheres Africanas
(Project 54/WIA 54 Award) e Iniciativa para Jovens Líderes Africanos (YALI). Estes
programas facilitam o estabelecimento de futuros contactos para negócios e parcerias.
Nas palavras de Marissa Scott-Torres, Encarregada de Negócios da Embaixada
Americana em Cabo Verde até 2019, no âmbito da Gala Comemorativa do Bicentenário
de amizade Cabo Verde-EUA realizado na Cidade da Praia a 16 de dezembro de 2018,
existe uma relação muito profunda e esvel entre Cabo Verde e os EUA, que não é
expressa em palavras, mas em atos. Honramos e reconhecemos esse relacionamento.
Prestamos homenagem ao nosso passado e ao nosso futuro
4
.
3
A relação no plano bilateral entre Cabo Verde e os EUA é reforçada em várias ocasiões, reuniões e
encontros oficiais. Veja-se, por exemplo, a referência expressa no Programa de Governo e Moção de
Confiança (2021-2026) - VIII Governo Constitucional (2021: 13): No plano bilateral, Cabo Verde (...)
“nação com relações seculares com os Estados Unidos da América, onde reside a maior comunidade cabo-
verdiana da diáspora, com ênfase para a mobilização de competências e de influenciação da diáspora a
favor de Cabo Verde, na atração de investimentos, turismo, conhecimento e tecnologia e em acordo
estratégico de defesa e segurança” (2021: 23).
4
A este respeito, ver: U.S. Embassy in Cabo Verde (2018, dezembro 16). Bicentennial Gala Chargée
Scott remarks. Disponível em https://cv.usembassy.gov/bicentennial-gala-chargee-scott-remarks/.
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CABO VERDE E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE:
UMA NOVA ARQUITETURA DE DEFESA BRASILEIRA NO GOLFO DA GUINÉ?
ALEXANDRE ROCHA VIOLANTE
alexandreviolante@id.uff.br
Capitão de Mar e Guerra. Coordenador Executivo do Centro de Estudos Estratégicos e
Planejamento Espacial Marinho (CEDEPEM, Brasil). Professor Colaborador de Relações
Internacionais do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da Universidade Federal Fluminense
(UFF). Instrutor de Relações Internacionais da Escola de Guerra Naval (EGN). Doutorando (2019-
) e Mestre em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela UFF. Mestre em Ciências
Navais e Especialista em Gestão Empresarial pela EGN/Instituto COPPEAD/Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2013. Especialista em Relações Internacionais pela PUC-RJ, em
2012. Especialista em Direito Internacional pela Universidade Cândido Mendes - RJ (2011).
Estuda as políticas relacionadas ao mar, mais especificamente aquelas ligadas ao Atlântico.
Resumo
O Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe são Estados que, com o depósito do 60° Estado
à Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar, em 16 de novembro de 1994,
obtiveram maiores jurisdições sobre “seus oceanos”. Esses acréscimos, apenas em suas
Zonas Econômicas Exclusivas, alcançaram cerca de 182% para Cabo Verde e 160%, para São
Tomé e Príncipe, em relação a suas jurisdições terrestres. Suas localizações, em áreas de
elevada relevância geopolítica, na confluência de linhas de comunicações marítimas do
Atlântico e próximas ao Golfo da Guiné, acabam por suscitar “novas” e tradicionais ameaças.
Assim, por meio de aspectos caros aos estudos estratégicos, na busca por maior indução de
segurança na região, este artigo procurou analisar as relações bilaterais e multilaterais do
Brasil e de outros atores relevantes com estes Estados na área da defesa. Percebeu-se que
ações mais assertivas por parte do Brasil, nas duas últimas décadas, proporcionaram a criação
de uma arquitetura de defesa, composta por Adidâncias, Grupos de Apoio Técnico e Núcleos
de Missões Navais. Por fim, constatou-se que o Brasil tornou-se um ator de relevância relativa
na segurança marítima da região, ante a presença de outros Estados relevantes na região,
como China, EUA, Índia, Espanha e Portugal, entre outros.
Palavras-chave
Brasil, Cabo Verde, Cooperação, São Tomé e Príncipe, Segurança e Defesa.
Como citar este artigo
Violante, Alexandre Rocha (2021). Cabo Verde eo Tomé e Príncipe: uma nova arquitetura
de defesa brasileira no Golfo da Guiné? In Janus.net, e-journal of international relations. Vol.
12, 2, Novembro 2021-Abril 2022. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2
Artigo recebido em 27 Fevereiro 2021 e aceite para publicação em 8 Abril 2021
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e-ISSN: 1647-7251
Vol. 12, Nº. 2 (Novembro 2021-Abril 2022), pp. 114-143
Cabo Verde e São Tomé e Príncipe: uma nova arquitetura de defesa brasileira no Golfo da Guiné?
Alexandre Rocha Violante
115
CABO VERDE E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE:
UMA NOVA ARQUITETURA DE DEFESA BRASILEIRA
NO GOLFO DA GUINÉ?
1
ALEXANDRE ROCHA VIOLANTE
Introdução
O Golfo da Guiné se localiza na costa ocidental africana, limitada pela linha do Equador
e pelo meridiano de Greenwich. Portanto, não se limita apenas a Cabo Verde e São To
i
e Príncipe, abrangendo, além de mais outros 15 Estados: Senegal, Gâmbia, Guiné-
Bissau, Guiné, Serra Leoa, Libéria, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Camarões,
Guiné Equatorial, Gabão e República do Congo
2
.
diversos países com projeções de hegemonia na região, como Angola e Nigéria. Em
outro nível, pode-se apontar também uma nova zona de disputa de influência que
envolve os EUA, a China e UE na busca incessante por recursos naturais e, de outro lado,
o Brasil na busca de maior liderança política em seu entorno estratégico (Nascimento,
2011).
A pesquisa justifica-se pela importância cada vez maior do Atlântico Sul, principalmente
do Golfo da Guiné, na geoestratégia dos principais atores do sistema internacional, aqui
representados por Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Estes se localizam na confluência
de Linhas de Comunicações Marítimas do Atlântico e em áreas jurisdicionais privilegiadas
por recursos vivos e não vivos, estando bastante suscetíveis a ilícitos transnacionais,
como pirataria, terrorismo, tráfico humano e drogas, comumente chamados de “novas
ameaças”, sem se esquecer das ameaças tradicionais (estatais).
Estes Estados pertencem aos Países Africanos de ngua Oficial Portuguesa (PALOP),
apresentando características similares derivados de suas histórias, como a colonização,
independência e pós-independência, e distinguem-se por suas escolhas políticas e níveis
de desenvolvimento.
1
Este artigo é uma extensão da pesquisa realizada pelo autor no Mestrado do Programa de Pós-Graduação
em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança (PPGEST) no Instituto de Estudos Estratégicos (INEST)
da Universidade Federal Fluminense (UFF), e que tem continuidade, atualmente, em Doutorado na mesma
instituição.
2
Convém ressaltar que foram incluídos Estados que, se não são banhados diretamente pelas águas do Golfo,
encontram-se em seu entorno estratégico, seja por ações políticas de cooperação nas mais diversas áreas,
como por outros interesses regionais.
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Cabo Verde e São Tomé e Príncipe: uma nova arquitetura de defesa brasileira no Golfo da Guiné?
Alexandre Rocha Violante
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Suas soberanias marítimas aumentaram com a entrada em vigor da CNUDM, em 1994.
O Quadro 1, a seguir, apresenta os territórios marítimos desses países em comparação
a sua porção terrestre.
Quadro 1: ZEE, Territórios, Fator Mar/Terra
País
ZEE (km
2
)
Território ZEE (km
2
)
Fator Mar/Terra
Brasil
3.500.000
8.500.000
0,43
Cabo Verde
734.265
4.033
182,06
São Tomé e Príncipe
160.000
1.001
159,84
Fonte: Atualizado pelo autor. CNUDM
Cabo Verde e São Tomé e Príncipe passaram a ter ZEE extensas, em que boas
perspectivas de possuírem grandes reservas de hidrocarbonetos e outros minérios, além
de recursos vivos. Observando-se a geografia mais específica do Golfo da Guiné,
percebe-se uma área estratégica ao comércio marítimo internacional, que o
qualquer ponto de estrangulamento na região que propicie grandes concentrações de
navios ou possíveis bloqueios em áreas de grande trânsito de embarcações, como no
Estreito de Malaca e no Canal de Suez.
Desde a década de 2010, tem-se percebido um acréscimo nas ões de pirataria em
África. Se até pouco tempo as ações restringiam-se ao seu litoral oriental, sobretudo nas
cercanias marítimas da Somália, agora estas avançam na parte ocidental, ameaçando,
inclusive, as águas jurisdicionais de Cabo Verde, mais ao norte, na chamada “Bacia do
Atlântico”. Essas novas ameaças” propiciam interesse e atenção de atores
extrarregionais e, também, do Brasil. Muitos ilícitos transnacionais se encontram
presentes nas proximidades e na Amazônia azul
3
, como pesca ilegal, tráfico de drogas e
armas, contrabando e descaminho.
Como problematização da pesquisa, tem-se que as novas ameaças e as ameaças
tradicionais (estatais) como, por exemplo, os interesses de potências extrarregionais
que podem divergir das necessidades e dos objetivos políticos dos Estados da região
podem relativizar suas soberanias marítimas, por meio da securitização
4
desses espaços
marinhos em prol da segurança internacional. Assim, entende-se que a segurança e a
defesa dessas águas jurisdicionais torna-se cada vez mais prioridade, o que requer o
fortalecimento não apenas do soft, mas, principalmente, do hard power militar dos
Estados do Golfo da Guiné, em ações de vigilância e patrulha marítima.
Portanto, esse trabalho, visando solucionar o problema apresentado nos parágrafos
anteriores, quanto à segurança marítima na geoestratégia do Golfo da Guiné, teve como
objetivo principal analisar as relações bilaterais e multilaterais do Brasil na área da
defesa, além de outros atores relevantes.
Por meio de análises qualitativas, baseadas no método histórico e descritivo, e do uso da
3
A Amazônia Azul é representada pelas áreas marinhas sob soberania ou jurisdição nacional, suas águas
interiores, seu Mar Territorial (MT) de 12MN, sua Zona Contígua (ZC) de mais 12MN, sua Zona Econômica
Exclusiva (ZEE) de 188MN e sua Plataforma Continental (PC) de 200MN, que pode se estender por mais
150MN, que correspondem, atualmente a aproximadamente 5.7 milhões de km².
4
Pode-se dizer que o processo de “não politizado para politizado”, até que este se transforme em ameaça à
segurança nacional, regional e internacional requer ações públicas que se caracterizam como securitização
(Violante, 2017).
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Cabo Verde e São Tomé e Príncipe: uma nova arquitetura de defesa brasileira no Golfo da Guiné?
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metodologia de Estudo de caso (que envolveu o Brasil e esses dois Estados africanos),
percebeu-se a criação de uma arquitetura de defesa brasileira nesses Estados, visando
incrementar a indução de segurança na geoestratégia do Golfo da Guiné. Essa arquitetura
pode se tornar um modelo a ser expandido (caso solicitado), como política cooperativa
ao incremento do hard power militar aos Estados do Golfo da Gui caso por eles
solicitado.
1. Cooperação em defesa com Cabo Verde: Brasil e outros atores de
relevância
Cabo Verde possui muitas similaridades com o Brasil. Algumas delas são citadas no
poema “Você: Brasil” do poeta cabo-verdiano Jorge Vera-Cruz Barbosa
5
.
Eu gosto de você, Brasil,
porque você é parecido com a minha terra.
Eu bem sei que voé um mundão
e que a minha terra são
dez ilhas perdidas no Atlântico,
sem nenhuma importância no mapa.
Eu já ouvi falar de suas cidades:
A maravilha do Rio de Janeiro,
São Paulo dinâmico, Pernambuco, Bahia de Todos-os-Santos.
Ao passo que as daqui
Não passam de três pequenas cidades.
Eu sei tudo isso perfeitamente bem,
mas você é parecido com a minha terra.
Breve Histórico
Cabo Verde possui uma área terrestre de 4.033 km², um perímetro de costa marítima
de 965 km e uma ZEE de 734.265 km². A maior parte da população, cerca de 530 mil
habitantes, se localiza nas ilhas de Santiago e São Vicente (as principais do país). Em
Santiago, encontra-se a principal cidade, Praia, capital, sede do governo e das
representações diplomáticas estrangeiras, com aproximadamente 135 mil habitantes; na
ilha de São Vicente, encontra-se Mindelo, segunda maior cidade com cerca de 75 mil
habitantes.
Os exploradores portugueses descobriram e colonizaram essas 10 ilhas no século XV,
então desabitadas. Em 1475, o arquipélago foi visto como o primeiro assentamento
europeu nos trópicos. A partir do século XVI, precisamente em 1507, as ilhas passaram
a servir como entreposto de escravos trazidos de outros países africanos, o que gerou
uma Nação multicultural, influenciando seu povoamento (Foy, 1998).
Com o passar do tempo, a Ilha de Santiago tornou-se o centro político, administrativo e
econômico da colônia. O tráfico de escravos acabou por estruturar sócio e
5
Poema Você Brasil. Disponível em:
<http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/cabo_verde/jorge_ barbosa. html>. Acesso em: 26
mai. 2020.
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economicamente Cabo Verde, o que determinou a hegemonia econômica de uma elite
branca, que acabou por difundir, em que pese a perversidade da escravio, novos
conhecimentos, tecnologias e culturas (Davidson, 1988 apud Madeira, 2014).
Como resultado da miscigenação entre o europeu e o africano, o mestiço assumiu papel
importante na divulgação e afirmação da identidade cultural cabo-verdiana,
especialmente com o abandono sistemático dos colonos europeus no século XIX. Os
mestiços mudaram a estrutura de desigualdade racial existente (Seibert, 2014). Essa
ascensão social afirmou a identidade cultural dos “filhos da terra”, principalmente após
a abolição da escravatura em 1876. Dessa forma, a sociedade passou a se dividir mais
pelos aspetos econômicos do que pelos sociais.
O novo período de colonização português, ocorrido com a introdução da cultura do
plantation, em meados do século XVIII, o alcançou Cabo Verde. A seca constante, a
escassez de água e o solo árido não forneciam condições necessárias para esta nova
exploração comercial. O contínuo abandono das ilhas e a falta de investimentos geraram
insatisfação social e distribuição de renda na elite local. Assim, no século XX,
formaram-se sindicatos e associações setoriais favoráveis à modernização, liberalização
e à relativa autonomia político-administrativa de Portugal (Violante, 2017).
A partir daí, ocorreram movimentos políticos clandestinos nas ilhas. Talvez o principal
tenha sido o movimento integrado pró-independência na Guiné-Bissau e em Cabo Verde,
sob as lideranças de Amilcar Cabral, Aristides Pereira e Luis Cabral. Tal fato resultou na
criação do Partido Africano para a Independência (PAI) em 1956, mais tarde denominado
Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Este partido tinha
como diretriz básica a “reafricanização” das duas Nações, ante os movimentos de
assimilação cultural que sofreram (Rizzi, 2012).
Após a independência da Guiné Portuguesa, ocorrida de forma unilateral em 24/09/1973,
quando passou a se chamar Guiné-Bissau, a Revolução dos Cravos, que derrubou a
ditadura de Salazar em 25/04/1974, contribuiu para a aceleração dos processos de
independência das demais colônias portuguesas, o que beneficiou as negociações de
Cabo Verde empreendidas no exterior (Rizzi, 2012). Fazendo uma analogia com a
independência do Brasil, em Cabo Verde perceberam-se movimentos políticos relevantes
que pressionaram o poder político português a aceitar uma independência de forma
negociada.
Dando um salto no tempo, ao longo do estabelecimento do Estado Nacional, entre 1975
e 1990, prevaleceu o modelo de partido único. O PAIGC administrou Cabo Verde até
1981, ano em que houve um golpe de estado na Guiné-Bissau, o que ocasionou na
separação dos partidos, com a troca de seu nome, em Cabo Verde, para Partido Africano
de Independência de Cabo Verde (PAICV). O PAICV governou o país até 1990, com
orientação socialista, mas sem alinhamento direto à ex-URSS. Nesse período, sua
inserção internacional baseou-se no pragmatismo, mas em relações mais assertivas,
primeiramente, com a Europa (Portugal) e, secundariamente, com os países da África e
dos demais continentes. A ausência de recursos naturais não propiciava muitas escolhas
à sociedade cabo-verdiana, que ficou dependente dos recursos de sua diáspora e da
cooperação internacional para o desenvolvimento. Assim, segundo Seibert (2014), suas
elites intelectuais analisaram os benefícios e desafios que as integrações regionais
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proporcionariam, não acarretando em um processo de uma “independência crioula”
6
embasada em uma “reafricanização” automática.
Com o fim da Guerra Fria, amplo processo de democratização, abertura política e
econômica foram discutidos pacificamente e institucionalmente pela sociedade. Uma
nova constituição foi promulgada em 1992, com a adoção do multipartidarismo e a troca
do sistema de governo parlamentarista (que era comandado, efetivamente, pelo
presidente da república) pelo regime semipresidencialista, de viés parlamentarista. Com
isso, a política externa e a política interna passaram, efetivamente, a serem comandada
por seus Primeiros-Ministros.
Ao finalizar este breve histórico, ressalta-se que o Brasil possui forte ligação com Cabo
Verde mais de cinco séculos. A formação da identidade do povo brasileiro passou pela
chegada dos primeiros escravos oriundos de Cabo Verde e pelas companhias de
navegação, além de um forte sentimento nacionalista cabo-verdiano de se unir ao
Império brasileiro por ocasião da independência brasileira em 1822 (Correia e Silva,
2015), e o rápido reconhecimento de sua indepenncia, em 1975, retratam bons
exemplos desse enlace (Violante, 2017).
A próxima seção aborda, de forma mais específica, as relações do Brasil e de outros
Estados relevantes com este país tão importante estrategicamente no Golfo da Guiné.
Relações com Cabo Verde
O grande desafio atual da sociedade cabo-verdiana passa pela geração de riqueza onde
quase não se possui recursos naturais e nem grande mercado de consumo interno.
Cabo Verde aproveita-se da globalização, presente desde as grandes navegações do
século XV e XVI, e, de forma mais acentuada, a partir do século XX. Sua proximidade
com a Europa, parte continental da África e do continente americano colocam o
arquipélago em posição estratégica relevante.
Esta proximidade com a Europa tem gerado constantes debates e críticas sobre o seu
modelo de inserção internacional. Em termos econômicos e sociais, Cabo Verde tem se
destacado na África subsaariana. No entanto, a passagem de País Menos Avançado (PMA)
para País de Renda Média (PRM) na ONU o tem refletido em progressos suficientes
para solidificar uma mudança estrutural relevante em seu desenvolvimento. Faltam,
ainda, investimentos mais concretos, especificamente em infraestrutura e na melhoria
da prestação de serviços para que o país se transforme em hub logístico entre os três
continentes. Muitas dessas demandas cabo-verdianas têm sido atendidas por países
como China, Estados Unidos da América (EUA), Portugal, Espanha, Brasil, entre outros,
por meio de ações de cooperação, como será visto logo a seguir.
Sobre a pirataria, tráfico de drogas e terrorismo, a preocupação do Estado cabo-verdiano
tem sido com o tráfego marítimo na confluência do Atlântico norte com o Atlântico sul e
também com o Golfo da Guiné. Dados da UE e da Organização Marítima Internacional
6
A consolidação de uma sociedade crioula, com cultura e línguas próprias, origina-se inter-relação da cultura
europeia e de outras culturas africanas, devido, principalmente, pelo lapso temporal da colonização por
parte da metrópole (Seibert, 2014).
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(IMO) nas duas últimas décadas mostraram o aumento no número desses ilícitos, que
passaram a não se restringir tão somente ao Estreito de Malaca e Golfo de Áden.
Por ocasião do 45° aniversário das Forças Armadas de Cabo Verde, em Praia, em
15/01/2012, e também do seminário “Segurança e Desenvolvimento: Conexões e
Desafios”, em Praia, em 25/07/2012, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros e da
Defesa, Jorge Tolentino, reiterou que:
[...] a opção do governo no sentido do reforço da Guarda Costeira tanto em
recursos como em equipamentos, por forma a que ela possa cumprir o papel
de autoridade do Estado no Mar e possa ser uma peça decisiva no
desenvolvimento e sucesso do cluster do Mar [...]. O reforço da Guarda
Costeira, nomeadamente através da aquisição de meios navais e aéreos e da
criação de condições jurídico-legais para a sua afirmação como garante da
autoridade do Estado no mar, bem como o desenvolvimento das articulações
necessárias entre as instituições pertinentes em matéria de segurança
marítima,o indubitavelmente passos concretos e decisivos (Tolentino,
2016, p.103-116).
Em uma assertividade crescente, pôde se verificar a participação de Cabo Verde mais
presente na costura de parcerias, na formação de quadros e na disponibilização de meios
por intermédio de suas políticas públicas.
Entre 24 e 25 de junho de 2013, chefes de Estados e comissões da CEDEAO, Comunidade
Econômica dos Estados da África Central (CEEAC) e da Comissão do Golfo da Guiné (CGG)
reuniram-se em Yaoundé, capital de Camarões, para discutir e acordar importante pauta
em resposta às atividades marítimas ilegais no Golfo da Guiné (Violante, 2017).
Nessa linha positiva na área da, Cabo Verde assumiu a presidência da ZOPACAS em
2014. Em julho de 2016, a Assembleia Nacional iniciou os debates atinentes à ratificação
dos protocolos de segurança e defesa da União Africana (UA) e da CEDEAO, assinados
em 2010, haja vista o parecer favorável do Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN)
cabo-verdiano. Nas palavras do então presidente Jorge Carlos Fonseca, "Isso implicaria
uma adesão mais inteira de Cabo Verde à União Africana e à CEDEAO, e abriria a
possibilidade legal de o país participar em forças de intervenção, manutenção da paz e
outras que forem constituídas ao abrigo das decisões [...] das duas organizações
7
”.
É interessante perceber que a CEDEAO tem se voltado, nos últimos anos, a prover uma
estratégia marítima própria e integrada a seus Estados membros, principalmente quanto
aos ilícitos transnacionais, bem como a possíveis contenciosos acerca de recursos
naturais como o petróleo (ICG, 2012; Zucatto & Baptista, 2014).
Essas Organizações internacionais africanas, embasadas no entendimento da Cúpula de
Yaoundé, tem buscado pela cooperação entre os Estados da região e parceiros
internacionais soluções contra a pirataria, terrorismo, contrabando, descaminho, entre
outras ameaças nesses espaços marinhos.
7
Cabo Verde prepara adesão aos protocolos de segurança e defesa. Disponível em:
http://www.portugaldigital.com.br/lusofonia/ver/20104583-cabo-verde-prepara-adesao-aos-protocolos-
de-seguranca-e-defesa-da-ua-e-da-cedeao Acesso em 25ago.2020.
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Zucatto e Baptista (2014) acrescentam, ainda, que Cabo Verde encontrou como
alternativa para o combate à pirataria a contratação de companhias privadas de
segurança. Em 2012, o governo concedeu licença para a Cape Verde Maritime Security
Services (CVMSS), contratar, de forma exclusiva, empresas privadas de segurança
marítima que pudessem utilizar as ilhas como bases para o embarque e desembarque de
suas equipes de segurança armadas. De acordo com a publicação Shipping News and
Views, de 2012, a empresa britânica SeaMarshals Ltda. foi a primeira a receber
autorização para utilizar Cabo Verde como base para as operações de segurança na
região da África Ocidental. Em matéria dos autores no periódico “Cardo News” (2014), o
país se mostrava confiante numa nova estratégia marítima que deveria prover maior
comunicação entre as Organizações regionais e internacionais para a formação de
militares qualificados, principalmente em sua Guarda Costeira.
Em 02/12/2016, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, Luís Filipe Tavares,
manifestou na abertura da reunião anual do grupo G-7 mais Amigos do Golfo da
Guiné
8
, em Praia, a disponibilidade de Cabo Verde em acolher um dos centros de
coordenação e vigilância marítima na sub-região do Golfo da Guiné, “desde que a
CEDEAO e os parceiros internacionais se comprometam a ajudar na sua
operacionalização, disponibilizando os apoios técnicos e financeiros necessários e pediu
apoio técnico e financeiro para a sua montagem
9
”.
Visando reformar seu Poder Naval, Cabo Verde buscou acordos e projetos mais robustos
na defesa tanto pela via multilateral, quanto bilateral, principalmente com a China, EUA,
Portugal, Espanha e Brasil.
A cooperação chinesa tem ocorrido, em sua maior parte, na área de infraestrutura. Desde
2003, a China aumentou sua cooperação e relações econômicas com toda costa ocidental
africana, principalmente no Golfo da Guiné. Houve cooperação nas áreas de saúde, na
formação e qualificação de quadros com oferecimento de bolsas em graduação e pós-
graduação, doação de equipamentos, inclusive militares, ajuda em segurança alimentar
e em eventos emergenciais, além de cooperação econômica nas áreas de construção
civil, comércio, reparos navais e governança eletrônica
10
. Essa maior presença chinesa,
em África, ressalta seus interesses geopolíticos e econômicos globais, associada ao
projeto “One Belt, One Road”
11
. Segundo a embaixadora brasileira em Cabo Verde
(2007-2010), a presença da cooperação técnica chinesa não seria uma concorrente para
a cooperação brasileira. Nesse aspecto, poderiam ser realizadas cooperações trilaterais
na área da saúde (HIV-AIDS), em transportes e em ciência e tecnologia
12
.
8
O G7 mais amigos do Golfo da Guiné é formado pelos seguintes países: Alemanha, Bélgica, Brasil, Canadá,
Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, EUA, França, Holanda, Itália, Japão, Noruega, Portugal, Reino Unido,
Suíça, Interpol, União Europeia e UNODC United Nations Office on Drugs and Crime, além dos países da
região e das organizações regionais africanas, como: a CEDEAO, CEEAC, CGG e UA.
9
Cabo Verde pode acolher Centro de Coordenação Marítima do Golfo da Guiné. Disponível em:
<http://www.expressodasilhas.sapo.cv/politica/item/51160-cabo-verde-pode-acolher-centro-de-
coordenacao-maritima-do-golfo-da-guine>. Acesso em: 04 dez.2020.
10
Telegrama Brasemb Praia para Sere - 28/01/2006.
11
Refere-se a um projeto de poder que passa pela cooperação em todas as áreas, principalmente em
infraestrutura, visando a integração do Extremo Oriente à Europa Ocidental a partir da Rússia, por via
terrestre, e a partir do Oceano Índico, por via marítima. Ver mais em: Violante, Marroni e Maia (2020) -
“Reflexões sobre guerra hegemônica na atualidade: China e Estados Unidos da América”. Revista Geosul,
v.35, n 77, p 531-552. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/73966>.
Acesso em: 21Fev.2020.
12
Telegrama Brasemb Praia para Sere 04/06/2010.
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Mais especificamente à defesa, China e Cabo Verde assinaram, em dezembro de 2012,
acordo para fornecimento de equipamentos militares. Este termo destinou-se ao
fortalecimento da Guarda Costeira cabo-verdiana, mais precisamente na compra de
embarcações que reforcem suas capacidades de vigilância e patrulha em suas águas
jurisdicionais. No decorrer da última década, foram entregues equipamentos militares
que se aproximaram das cifras de 38,5 milhões, que incluíram dois Navios-Patrulha,
além de dois helicópteros. Como contrapartida, a China tem explorado estaleiros da
empresa cabo-verdiana CABNAVE, na ilha de São Vicente. Em 2016, foi concluído um
complexo portuário, destinado a apoiar os pesqueiros chineses no Atlântico Sul, na ilha
de Santiago.
13
Esse projeto é bem visto em Cabo Verde, pois poderá ser utilizado como
entreposto comercial e de apoio logístico, em um cluster do mar, que pode atende a
demanda de outros países, como os europeus e os da CEDEAO.
Mais precisamente a partir de 2014, os EUA voltaram a atenção de forma mais assertiva
a oportunidades no continente africano. Investimentos na casa dos US$ 33 milhões foram
prometidos em uma cimeira que abrangeu 45 chefes de Estado em Washington, no final
de 2014. Esta foi uma das ões implementadas para tentar conter o avanço da China,
concomitantemente ao fortalecimento de parcerias comerciais e atividades de
infraestrutura. Nas palavras do presidente Obama durante o evento: “queremos que os
africanos comprem mais produtos americanos e que americanos comprem mais produtos
americanos” (Revista África 21, 2014, p. 25). Cabo Verde esteve representado nesta
cimeira.
Os EUA assinaram importantes acordos de cooperação com o governo de Cabo Verde.
Em 24 de março de 2014, foram assinados dois acordos de cooperação para combater
atividades marítimas transnacionais ilícitas, de modo a obter apoio logístico recíproco na
região. Segundo nota do Ministério da Defesa Nacional de Cabo Verde, o primeiro acordo
se enquadrou no reforço às capacidades de respostas conjuntas às chamadas “novas
ameaças”. O segundo se referiu a aquisição de equipamentos e apoio mútuo entre o
Departamento de Defesa estadunidense (DoD) e o Ministério da Defesa de Cabo Verde,
regulamentando exercícios conjuntos, treinamentos, destacamentos, escalas em portos
e outros esforços de cooperação em necessidades de apoio logístico, abastecimento e
serviços
14
.
Portugal tem sido um grande ator na cooperação em diversas áreas com Cabo Verde.
Investimentos na casa dos 10 milhões de euros anuais, em média. Nas duas últimas
décadas, Portugal foi o maior doador liquido de Cabo Verde, destacando-se, também,
nas áreas de educação, formação profissional e saúde. Em 2014, 11 instrumentos de
cooperação em diversas áreas, incluindo memorandos de entendimento nas áreas do
ensino superior e básico e protocolos nos domínios da educação, saúde, linguística e
econômicos foram assinados
15
.
13
Cabo Verde e China são altamente profícuas. Disponível em:
<http://inforpress.publ.cv/cooperacao/126456-as-relacoes-entre-cabo-verde-e-china-sao-altamente-
proficuas-ministro-jorge-tolentino>. Acesso em: 28 jun.2020.
14
Cabo Verde e EUA assinam acordos. Disponível em:
<http://brasilsoberanoelivre.blogspot.com.br/2014/03/cabo-verde-e-eua-assinam-acordos-de.html>.
Acesso em: 28 jun.2016.
15
Portugal e Cabo Verde assinam 11 acordos de cooperação. Disponível em:
<http://www.macauhub.com.mo/pt/2014/12/18/portugal-e-cabo-verde-assinam-11-acordos-de-
cooperacao>. Acesso em: 28jun.2016.
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Portugal tem incrementando a cooperação em defesa, principalmente na formação de
pessoal militar, em exercícios em território cabo-verdiano e também no mar. Como fato
de maior relevância, cita-se a assinatura de novo acordo de cooperação em defesa, em
14/08/2013, que acarretou no estreitamento de ações visando à segurança marítima,
além da integração de militares das Forças Armadas de Cabo Verde em contingentes
portugueses em missões de apoio à paz e assistência humanitária (Diário Oficial de Cabo
Verde - I Série 42, 2013, p. 1084).
Portugal e Cabo Verde assinaram, no âmbito da III Cimeira bilateral, de dezembro de
2014, um protocolo adicional ao tratado para a fiscalização conjunta de espaços
marítimos sob jurisdição deste país. Reforçaram, ainda, o estreitamento na formação
de pessoal militar da Guarda Costeira de Cabo Verde (GCCV), afirmando ainda ser o
mar degnio estratégico dos dois países
16
.
Quanto à Espanha, a visita do Ministro da Defesa espanhol, Pedro Morenés Eulate, em
março de 2013, serviu para renovar os principais compromissos da cooperação em
defesa, com especial destaque às seguintes iniciativas: cumprimento do plano de
patrulhamento marítimo conjunto e o treinamento de militares cabo-verdianos no âmbito
da formação de futura unidade especializada no combate ao terrorismo e na proteção de
infraestruturas estratégicas. O MD espanhol também enquadrou a cooperação bilateral
em andamento no âmbito das iniciativas realizadas pelos países da UE e da OTAN,
visando à promoção da segurança na região do Sahel. Nessa linha, o treinamento das
forças armadas africanas se assegura como um dos principais objetivos da organização
de defesa ocidental em um futuro próximo (Violante, 2017).
As relações bilaterais do Brasil com Cabo Verde, iniciadas de forma positiva no final dos
anos 1970/1980 vêm em um crescente, em que pese o breve afastamento de interações
mais assertivas com a África, ao longo do governo Collor (1990-92) e de maiores
priorizações com os chamados “Grandes PALOP”, em boa parte do governo Cardoso
(1995-2002) (Violante, 2017).
No final do governo Cardoso (1995-2002), visualizou-se maior interação do Brasil com o
eixo horizontal das relações internacionais, o que alcançou Cabo Verde na cooperação
em todas as áreas técnicas, além da cooperação educacional e humanitária. Ao longo
das duas últimas décadas (2001-2020), foram estabelecidos os alicerces de uma
arquitetura de defesa que vem tendo continuidade no tempo presente, independente de
vieses ideológicos governamentais, o que retrata uma relativa continuidade de ões e
de uma política de Estado.
Sobre a cooperação técnica do Brasil na área da defesa, esta se embasa, além de
compromissos éticos e de interdependência, em seus objetivos políticos, quais sejam: a
salvaguarda dos interesses nacionais - ameaçada pela insegurança marítima em seu
entorno estratégico -, a estabilidade regional, paz e segurança no Atlântico Sul, além de
maior inserção internacional nos fóruns multilaterais.
Quanto ao maior interesse no Golfo da Guiné, destaca-se o entendimento havido durante
a XIV Reunião do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
16
Portugal e Cabo Verde assinam 11 acordos de cooperação. Disponível em:
<http://www.macauhub.com.mo/pt/2014/12/18/portugal-e-cabo-verde-assinam-11-acordos-de-
cooperacao>. Acesso em: 28jun.2016.
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(CPLP), em julho de 2009, que visou ao estreitamento de laços cooperativos multilaterais
entre o Brasil e os PALOP. Outro momento a ser considerado foi a visita do presidente
Luiz Icio Lula da Silva (2003-2010) a Praia por ocasião da 1ª Cúpula entre o Brasil e a
Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), em 02/07/2010. Essa
cimeira buscou aproximar o Brasil dos países da costa ocidental africana, comercial e
estrategicamente. A marcação desta cúpula especial foi um desejo do Brasil que
aconteceu por iniciativa da diplomacia cabo-verdiana junto aos demais representantes
17
.
Ao final do encontro, a imprensa de Cabo Verde não poupou elogios ao Brasil por colocar
a África Ocidental novamente em suas prioridades
18
.
Em 2013, o acordo de cooperação em defesa com Cabo Verde, assinado em 1994
19
, foi,
enfim, ratificado pelo Congresso Nacional Brasileiro. O então Ministro da Defesa, Celso
Amorim, ressaltou, pelo oficio 11422/2012/MD, que a cooperação técnico-militar com
Cabo Verde era uma das prioridades do Brasil para o fortalecimento da Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) e da CPLP. Assim, o Comandante da Marinha,
pela Portaria n° 444, de 12/08/2013, criou o Núcleo da Missão Naval do Brasil em Cabo
Verde (NMNBCV), que tem como principais tarefas:
I. efetuar o levantamento das reais necessidades da Guarda Costeira de Cabo Verde,
com a finalidade de elaborar uma proposta de Acordo de Cooperação entre os dois
Países;
II. administrar os recursos humanos, materiais e patrimoniais sob a sua
responsabilidade;
III. assessorar o Embaixador do Brasil em Cabo Verde nos assuntos sob a
responsabilidade do Núcleo (BRASIL, 2013, p.1).
Embora Cabo Verde não enfrente nenhuma questão de disputa internacional ou qualquer
outro contencioso sobre suas águas jurisdicionais, sua vocação marítima é inexorável.
Sua Guarda Costeira inclui o Comando da Guarda Costeira, o Centro de Operações para
a Segurança Marítima (COSMAR
20
), a Esquadrilha Naval e a Esquadrilha Aérea e tem
como uma de suas tarefas: manter o controle e patrulhar e fiscalizar as águas
jurisdicionais do país.
Este Núcleo foi inaugurado em Praia, em 19/11/2013, composto por um chefe, no posto
de Capitão de Fragata, e por um ajudante na graduação de Suboficial. Durante a visita,
o Ministro Amorim enalteceu a importância da formação de efetivos, destacou a
importância dos desafios de segurança marítima e observou que os crimes transnacionais
17
Brasemb Praia para Sere Telegramas: 26/11/2009; 17/02/2010; e 30/04/2010. (Brasemb Praia para
Sere significa telegrama encaminhado da Embaixada brasileira em Praia para o MRE e sua respectiva
Divisão de África). Isso se enquadra, também, para Brasemb São Tomé para Sere. Esses documentos
oficiais estão discriminados em notas de rodapé para deixar o texto mais claro e com menos interrupções,
haja vista suas grandes aparições na pesquisa.
18
Brasemb Praia para Sere 21/07/2010.
19
O acordo está disponível em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-
internacionais/bilaterais/1994/b_96/at_download/ arquivo>. Acesso em: 29 mai.2016.
20
A criação do COSMAR é fruto de parceria com os EUA, o que demonstra interesse do principal partícipe da
OTAN na região do Golfo da Guiné. No entanto, parece que a diversificação de parcerias de Cabo Verde com
o Brasil, com a China, com a América Latina e com a CEDEAO, na área de defesa, apresentou novas
alternativas com menor relativização de sua soberania, evitando-se o conceito de “soberania
compartilhada”.
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têm-se alastrado nas proximidades do entorno estratégico brasileiro, fatores estes que
geram a necessidade de “concertação permanente no âmbito da ZOPACAS”, mas,
também, por meio de acordos bilaterais com países amigos (Violante, 2017).
Dando continuidade às ações afirmativas em defesa, foi criada, em 20/03/2014, a
Adidância de Defesa Naval, do Exército e da Aeronáutica. A Adincia tem como principal
tarefa intensificar os laços bilaterais entre Brasil e Cabo Verde, notadamente na
cooperação em defesa, dentro do contexto do fortalecimento da ZOPACAS e da CPLP.
A presença de militares brasileiros em Cabo Verde é relevante, pois a cooperação
brasileira, diferentemente de outros países, não possui um viés de imposição de normas
ou caráter intervencionista. A cooperação chinesa pode ser considerada complementar à
cooperação brasileira em outras áreas, mas não na defesa. Suas ações mais assertivas
retratam uma concorrência não apenas econômica, mas geoestratégica, principalmente
no estabelecimento de pontos/bases de apoio logístico na região. A China tem investido
agressivamente nesse modelo, com a doação/ financiamento de meios militares
(Violante, Marroni e Maia, 2020).
Tais ações chinesas também ocorreram por ocasião do incremento da cooperação
brasileira na área da defesa do Brasil com a Namíbia, após o estabelecimento de uma
Missão Naval brasileira neste Estado. Fazendo um adendo às relações duradouras e
consistentes estabelecidas na cooperação Brasil-Nabia, via Acordo de Cooperação
Naval
21
, a China tem investido fortemente naquele país, com o financiamento de
aeronaves para sua Força Aérea e, mais recentemente, na aquisição do Navio de Apoio
LogísticoElephant”, que passou a ser o maior navio da Ala Naval da Namíbia. Portanto,
apesar da cooperação brasileira em defesa ter englobado a transferência de doutrina de
material e a capacitação de recursos humanos, bem como a doação de meios, tais ações
não impediram a compra de material bélico junto à China.
O Capitão de Patrulha, Pedro Santana, Comandante da GCCV em 2016, ressaltou que a
atual arquitetura de defesa brasileira marcou “uma posição muito forte por parte do
governo do Brasil”, trazendo outra “dinâmica em termos de cooperação na área
marítima”, principalmente na formação dos quadros da Guarda Costeira. Entretanto,
outras ações cooperativas podem ser incrementadas, como investimentos em
infraestrutura, com “a construção de pontos de apoio naval para seus navios e
embarcações
22
ou seja, o que a China procura implementar, baseada na estratégia
one belt, one road.
Uma postura mais assertiva do Estado brasileiro no financiamento de projetos de
interesse estratégico ao Brasil e Cabo Verde, por empresas nacionais, em que pese a
crise econômica causada pela COVID-19, são oportunidades a serem consideradas, em
curto e médio prazo. Isso ocorreu em outros países da África, por meio do Banco
Nacional de Desenvolvimento Ecomico e Social (BNDES) e outras entidades de
fomento, nos anos 2000 e até a primeira metade da última década (2011-2020).
Outro fator positivo dessa arquitetura de defesa brasileira diz respeito a seu valor: ela é
de baixo custo, principalmente quando comparada a outros projetos que atingem a
21
O acordo busca, entre outras coisas, apoio para criação e fortalecimento de sua “Ala Naval” (Violante,
2017).
22
Violante, 2017 - Entrevista Santana, 2016.
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ordem de grandeza de milhões de dólares e de euros, providas pelos EUA, China e, em
menor escala por Portugal.
O estabelecimento de facilidades portuárias e aeroportuárias pelo Brasil, permanentes
ou temporárias, além de atender a pleitos de Cabo Verde, representaria um fator de força
em caso de crises ou conflitos internacionais, pois poderia proporcionar postos de
controle a navios brasileiros e de outros países que escoam boa parte das exportões
pela via marítima, utilizando-se das principais rotas marítimas da América do Sul em
direção à Europa.
O soft power brasileiro es sendo intensificado por esse processo de cooperação. É
percetível, ainda, que o Núcleo de Missão Naval estabelecido em Cabo Verde pode ser
ampliado, como aconteceu na Namíbia. Quanto às atividades de apoio, muitas
providências que auxiliaram a formação da Ala Naval da Namíbia também podem ser
implementadas em Cabo Verde. O aumento do número de cursos, principalmente com a
ida de militares brasileiros para o território cabo-verdiano, além do
financiamento/doações de meios navais e aéreos incrementaria esse modelo de
cooperação.
Essa arquitetura inserida no conceito estratégico de defesa cabo-verdiano, colocou o
Brasil no rol dos países e instituições internacionais de segurança e defesa que operaram
mais estreitamente na região, como a OTAN, a CEDEAO, Portugal, Espanha, China e EUA.
Cabo Verde tem transformado suas diretrizes da defesa em uma política de Estado, haja
vista a boa governança e o pragmatismo dos últimos governos. Seu papel proativo nas
organizações internacionais, além de reforçar a cooperação internacional com parceiros
tradicionais, estabelece novas parcerias, frente ao cenário complexo da segurança
marítima internacional.
2. Cooperação em defesa com São Tomé e Príncipe: Brasil e outros
atores de relevância
Tal qual Cabo Verde, São Tomé e Príncipe possui fortes ligações históricas com o Brasil.
Entreposto comercial de escravos que vinham para o Caribe e para o Brasil, muitos
negros de toda África e os residentes das ilhas de São Tomé e Príncipe ajudaram a
desenvolver não a cultura, mas também o Estado Nação brasileiro, até a abolição
tardia da escravatura.
Abaixo segue a transcrição da poetisa santomense Olinda Beja ao retratar a vocação ao
mar, o sofrimento da escravio, enfim, a origem de seu povo, que tanto contribuiu para
a formação da Nação brasileira.
QUEM SOMOS?
23
O mar chama por nós, somos ilhéus!
Trazemos nas mãos sal e espuma
cantamos nas canoas
dançamos na bruma
23
Poema do livro “Aromas de Cajamanga”, organizado por Floriano Martins. Disponível em:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/s_tome_princepe/olinda_beja.html. Acesso em:
29jun.2016.
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somos pescadores-marinheiros
de marés vivas onde se escondeu
a nossa alma ignota
o nosso povo ilhéu
a nossa ilha balouça ao sabor das vagas
e traz a espraiar-se no areal da História
a voz do gandu
na nossa memória...
Somos a mestiçagem de um deus que quis mostrar
ao universo a nossa cor tisnada
resistimos à voragem do tempo
aos apelos do nada
continuaremos a plantar café cacau
e a comer por gosto fruta-pão
filhos do sol e do mato
arrancados à dor da escravidão.
Breve Histórico
Oficialmente chamada de República Democrática de São Tomé e Príncipe, este estado
insular, localizado no Golfo da Guiné, é composto por duas ilhas principais: (Ilha de São
Tomé e Ilha do Príncipe) e várias outras ilhotas, em um total de 1001 km², com cerca
de 190 mil habitantes. Do total da população, cerca de 185 mil vivem na ilha de São
Tomé e cerca de 8.500 na Ilha do Príncipe. Todos eles descendem de vários grupos
étnicos que emigraram para as ilhas durante o período colonial português. Como Cabo
Verde, São Tomé e Príncipe pertence à categoria dos microestados insulares.
Entre 1470 e 1471, os navegadores portugueses João de Santarém e Pedro Escobar
descobriram as ilhas de São Tomé, Príncipe e Anobom. A importância estratégica destas
ilhas só passou a ser valorizada pelos portugueses em 1482, quando iniciaram contatos
com o Reino do Congo. Em 1485, Dom João II as determinou como colônia, de forma a
iniciar o cultivo da cana-de-açúcar (Seibert et al., 2002).
A partir de então, iniciou-se, de acordo com Neves e Ceita (2004), o processo de
formação e evolução sócio, política e econômica de São Tomé e Príncipe. Baseado,
inicialmente, no plantio de cana-de-açúcar e no tráfico de escravos, este passou,
posteriormente, ao cultivo e comercialização do cacau e do café. Essa formação pode ser
dividida em três períodos:
I) Século XVI até a primeira metade do século XVII caracterizada pela chegada dos
primeiros habitantes das ilhas, da introdução de novas espécies de fauna e flora, da
produção de açúcar, do tráfico de escravos com destino ao Brasil e às colônias
espanholas da América do Sul;
II) Segunda metade do século XVII e decorrer do século XVIII período de relativa
decadência comercial com o fim do ciclo da cana-de-açúcar. A colônia passou a
sustentar-se com o tráfico de escravos e com a agricultura de subsistência. Em vista
do “abandono” do colonizador, verificou-se o início da formação de grupos
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autóctones (negros e mestiços), o que deu origem a um nacionalismo embrionário;
e
III) Séculos XIX e XX quando ressurgiu o interesse português com a introdução das
culturas de cacau e café pelo plantation. Este fato trouxe mudanças estruturais na
economia e na sociedade que, com o fim do trabalho escravo, resultou na migração
de diversas etnias africanas, como os angolares, os tongas, os serviçais e os cabo-
verdianos, o que impediu a consolidação de uma sociedade crioula típica. Seibert et
al. (2002) e Rizzi (2012) acrescentam que, até 1961, os forros, angolares e cabo-
verdianos eram considerados cidadãos perante a legislação de Portugal, enquanto os
outros africanos eram tratados como indígenas, ou seja, considerados como cidadãos
de segunda classe.
Interessante constatar que o Brasil teve participação ativa em seu processo de formação
social, influenciando diretamente os principais ciclos econômicos de sua história.
Primeiramente, de forma negativa, quando o açúcar brasileiro, de melhor qualidade,
produtividade e preço, provocou o desaparecimento dos engenhos de cana-de-açúcar de
São Tomé; a segunda, também negativa, por ocasião dos 200 anos de ostracismo do
colonizador, quando as ilhas se transformaram em um mero entreposto de escravos
24
,
destinados quase que exclusivamente ao Brasil; e o terceiro, agora de forma positiva,
quando brasileiros do Estado da Bahia introduziram em São Tomé a bem-sucedida cultura
do cacau (Relatório de Gestão - Brasemb São To - 2015).
Pôde-se constatar que tanto São Tomé e Príncipe quanto Cabo Verde tiveram sua
identidade formada por sociedades crioulas. No entanto, o Tomé e Príncipe teve sua
crioulidademodificada
25
por essa nova etapa de colonização. Cabo Verde não teve
o plantation implantado devido a suas peculiaridades climáticas e, até por isso, manteve
certo grau de autonomia na administração local (Violante, 2017).
Este ponto é relevante para se compreender a dependência do português na condução
administrativa da ex-colônia. Até a década de 1840, as ilhas praticamente
autogovernavam-se. Os forros, que pertenciam à elite crioula, eram empregados na
administração, dedicavam-se a serviços urbanos e eram pequenos proprietários,
rendeiros ou sub-rendeiros de roças. Com a chegada do café e de cacau, na segunda
metade do século XIX, esta elite ficou marginalizada política e economicamente,
perdendo suas posições conquistadas com o esgotamento da indústria da cana de açúcar.
Assim, a hierarquia colonial voltou a preponderar (Seibert, 2014; Sanguin, 2014).
Dando um salto no tempo para discorrer sobre seu processo de independência, é
importante perceber que esta não ocorreu de forma tão pacífica. Os movimentos
autonomistas das colônias portuguesas na África, originados e estabelecidos em Lisboa,
marcaram a tomada de consciência da luta organizada, com vistas à autodeterminação
24
A ilha de São Tomé diferiu do entreposto escravista de Cabo verde, pois nela visava-se muito mais à
preparação da mão-de-obra para o trabalho. Assim, quando do retorno à África, alguns ex-escravos no
Brasil preferiam regressar a São Topelos laços familiares estabelecidos que retornar a seus países de
origem,.
25
A miscigenação em Cabo Verde ocorreu, de forma mais presente, entre o branco europeu e negros,
enquanto em São Tomé e Príncipe aconteceu, de forma majoritária, entre os africanos que lá trabalhavam
nas plantações de cana-de-açúcar, café e cacau. (Seibert, 2014).
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política. Em setembro de 1960 foi criado o Comitê de Libertação de São Tomé e Príncipe
(CLSTP), que era constituído por forros da elite no exílio (Neves e Ceita, 2004).
Entre idas e vindas, apenas em julho de 1972, o CLSTP foi reconstituído sob o nome de
Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), fortemente influenciado pelo
PAIGC cabo-verdiano. Em uma crescente de ações, a Revolução dos Cravos (Abril de
1974) acabou incentivando maiores ações políticas nas ilhas. Com isso, as negociações
entre o MLSTP e a metrópole avançaram. Assim, em 26/11/1974, foi assinado o Acordo
de Argel, que acertou a data de 12/07/1975 para a independência do arquipélago (Rizzi,
2012).
Com a distensão do regime autocrático e a chegada do multipartidarismo em 1990 e da
democratização em 1991, as disputas políticas se intensificaram e diversos partidos
foram criados. Porém, diferentemente de Cabo Verde, São To e Príncipe tem sido
marcado por instabilidades políticas ao longo de sua história, o que tem afetado a boa
governança
26
. Segundo Seibert (2008), São Tomé e Príncipe foi e ainda é caracterizado
pela dependência frente aos consultores estrangeiros e pela distribuição de poder em
uma minoria histórica, o que tem dificultado a implantação de políticas públicas
satisfatórias para impulsionar seu desenvolvimento.
Apesar das melhorias apresentadas pela economia santomense, isso não tem sido
suficiente para reduzir os níveis de desemprego, pobreza. As descobertas de jazidas de
petróleo em suas águas jurisdicionais pode ser um caminho para um desenvolvimento
mais acelerado que incremente ganhos econômicos e sociais significativos. Os avanços
tecnológicos atuais viabilizaram a produção de petróleo em águas profundas pela
Nigéria e Guiné Equatorial, vizinhos de São Tomé e Príncipe no Golfo da Guiné.
Relações com São Tomé e Príncipe
São Toe Príncipe possui uma extensa área marítima sob sua jurisdição quase 160
vezes sua área terrestre (ver Quadro 1), o que requer atenção a ameaças tradicionais e
“novas ameaças”, além de possíveis litígios em suas águas jurisdicionais, uma vez que
há interseções em suas fronteiras marítimas com outros Estados do Golfo da Guiné.
Acerca das fronteiras marítimas, Sanguin (2014) lembra que uma das soluções
pragmáticas e pacíficas para a superação desses tipos de conflitos consiste na
implantação de uma zona conjunta de desenvolvimento. Dessa forma, Estados
compartilham áreas em litígio ou em interseções, ao invés de se confrontarem pelo
controle dos recursos marítimos. Esta solução deriva diretamente do artigo 83 da
CNDUM. Assim foi feito, em acordo envolvendo seus vizinhos e, principalmente, a Nigéria,
com o estabelecimento de uma área de exploração conjunta de petróleo, chamada de
Zona de Desenvolvimento Compartilhada (ZDC). Cabe ressaltar que a fiscalização da
ZDC seria realizada por uma força militar conjunta, o que não foi posto em prática até
os dias atuais. A Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe (GCSTP) ainda não possui
capacidade plena de realizar esta tarefa com regularidade. Logo, a segurança marítima
da ZDC tem permanecido, majoritariamente, a cargo da Nigéria.
26
Desde sua democratização, em 1991, houve duas tentativas de Golpe de Estado fracassadas. Com relação
aos primeiros-ministros, desde a independência, até a atualidade (2021), houve 22 primeiros-ministros.
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Dentro do contexto securitário, tanto a CEEAC quanto a Comissão do Golfo da Gui
(CGG) passaram, a partir de outubro de 2009, a trabalhar em uma estratégia de
segurança para a região do Golfo, baseada em dois elementos: a criação de um Centro
de Coordenação Regional de Segurança Marítima da África Central e na promoção de
uma maior sinergia entre os países da CGG e da CEDEAO. Essa estratégia ainda conta
com seis objetivos: o compartilhamento de informação e gestão; a vigilância conjunta
do espaço marítimo; a harmonização das ações no mar; a introdução de um imposto
marítimo regional; a aquisição de equipamentos para uso comum; e a institucionalização
de uma conferência marítima perdica (ICG, 2012; Zucatto e Baptista, 2014).
A CEEAC dividiu a África Central em três zonas geográficas: A, B e D, cobrindo uma faixa
que vai de Angola aàs fronteiras marítimas de Nigéria e Camaes Dentre essas zonas,
a “D” - que alcança Camarões, Gabão, Guiné Equatorial e São Tomé e Príncipe - é vista
como a de maior risco de insegurança marítima. Dessa forma, os países membros
assinaram, em 2009, um acordo de vigilância marítima denominado SECMAR, que previu
a abertura de um centro de coordenação multinacional em seus centros operacionais
marítimos (ICG, 2012; Zucatto e Baptista, 2014).
Figura 1: Zonas Marítimas da CEEAC
Fonte: ICG, 2012.; Zucatto e Baptista, 2014
Como maiores colaboradores da CID, destacam-se, Taiwan (a dezembro de 2016),
China (a partir de 2016), Nigéria, Angola, Cabo Verde, França, Portugal e EUA.
Calcula-se que Taiwan tenha aplicado mais de US$ 240 milhões desde o estabelecimento
das relações diplomáticas com São Tomé e Príncipe em 1997, nomeadamente na saúde,
agricultura, infraestrutura e educação
27
. Mais recentemente, em abril de 2015, Taiwan e
São Tomé e Príncipe assinaram um novo programa de cooperação para o biênio 2015/16,
27
Taiwan assina novo programa de cooperação com STP. Disponível em:
<http://www.macauhub.com.mo/pt/2015/04/24/taiwan-assina-novo-programa-de-cooperacao-com-sao-
tome-e-principe/>
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que contemplou um apoio financeiro superior a US$ 15 milhões, o maior valor até então
(Violante, 2017).
Vale registrar que mesmo após o rompimento de relações diplomáticas com a China, em
1997, o Estado santomense sempre manteve relações amiveis com o poder político
chinês. Em outubro de 2015, São Tomé e Príncipe assinou com a Sociedade China
Harbour Engineering Company um acordo para a construção de um porto de águas
profundas. Esta obra de infraestrutura está avaliada em US$ 800 milhões e deveria ter
a primeira de três fases concluída em 2018
28
. No entanto, até o presente, este projeto
importante para a solidificação da economia santomense ainda se encontra em fase
inicial. Se concluído, o porto de águas profundas oferecerá uma infraestrutura que
atenderá não somente suas necessidades logísticas, mas dos demais países do Golfo da
Guiné, transformando São Tomé e Príncipe em um hub logístico devido à sua posição
estratégica na região.
Esta maior aproximação, conforme o noticioso DW”, resultou no restabelecimento das
relações diplomáticas entre São Tomé e Pequim, em 22/12/2016. Este fato causou
ruptura automática com Taiwan, ao reconhecer “apenas uma China”. Como contraponto,
o governo taiwanês afirmou que São Tomé e Príncipe tentou tirar proveito ao balançar
entre os dois lados do Estreito” e denunciou que o governo santomense pedira “uma
quantia astronômica em apoio financeiro”, da ordem de 100 milhões de dólares (cerca
de 96 milhões de euros), para continuar apoiando Taiwan
29
.
Na década de 2011 a 2020, a Índia tem intensificado projetos e atividades na região do
Golfo da Guiné, de modo a contrabalancear projetos de maior inserção política e
econômica chinesa. A Índia compreende o Golfo da Guiné como fundamental para
diminuir a dependência de importação de petróleo do Oriente Médio, especialmente junto
a Angola, Nigéria e Guiné Equatorial, o que pode resultar em futuros acordos para a
explotação e exploração de petróleo bruto nas ilhas, além de venda de equipamentos
militares (Violante, 2017).
Apesar de ainda não formarem, conjuntamente, uma força militar para a patrulha da
ZDC, a Nigéria tem cobrado maior participação de o Tomé e Príncipe. Em 2013, foi
estabelecido acordo para a formação de Oficiais santomenses no Instituto Superior da
Academia Militar da Niria. Em 2016, havia cerca de 20 militares santomenses neste
programa de cooperação, o que reforça a parceria entre os dois países que partilham de
uma vasta fronteira marítima
30
.
Fruto de um retorno à maior assertividade nas relões com Angola, em junho de 2014
foi assinado um acordo envolvendo a segurança interna, externa e a proteção civil entre
os dois países. Esses acordos visaram ajustar o nível da cooperação alcançado em
décadas anteriores. Assim, os instrumentos permitem que ambos cooperem nas áreas
28
Chineses constroem porto de águas profundas em STP. Disponível em:
<http://www.construir.pt/2015/10/13/chineses-constroem-porto-de-aguas-profundas-em-sao-tome-e-
principe/>. Acesso em: 29 jul.2016.
29
19 anos depois, São Tomé troca Taiwan pela China site. Taipé. Recusou dar 100 Milhões de dólares em
ajuda. Pequim aplaude ruptura que deixa ilha rebelde com 21 aliados diplomáticos Noticioso DN.
Disponível em: <http://www.dn.pt/mundo/interior/19-anos-depois-sao-tome-troca-taiwan-pela-china-
5565650.html.>. Acesso em: 26 dez. 2016.
30
São Tomé quer apoio de Cabo Verde para maior aproximação à CEDEAO. Página do governo cabo-
verdiano. Disponível em: <http://www.governo.cv/index.php/rss/6358-sao-tome-quer-apoio-de-cabo-
verde-para-maior-aproximacao-a-cedeao.>. Acesso em: 26 jun. 2019.
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de formação de quadros, na inteligência criminal, no combate a imigração ilegal, ao
tráfico e venda ilegal de armas de fogo, ao tráfico de drogas, ao combate ao terrorismo
e no assessoramentocnico dessas áreas
31
.
Inserido em uma política de maior aproximação com os países da costa ocidental
africana, houve duas visitas entre os Chefes de Governo de São Tomé e Príncipe e Cabo
Verde. A primeira em Praia, em 11/12/2015, e a segunda em São Tomé, em fevereiro
de 2016. Nessas ocasiões, foram acordadas ões cooperativas nas seguintes áreas:
agropecuária, formação profissional, saúde, marítima, gestão de águas, turismo,
governança eletrônica, administração pública, aviação civil etc. Foi acertada, também, a
criação de uma Cimeira bianual entre os dois governos. São Tomé aproximou-se da
CEDEAO com intermediação de Cabo Verde. Isso resultou na priorização para adoção de
uma nova visão estratégica da CPLP para os oceanos. A ideia de ambos os Estados é
atuar uniformemente no bloco dos pequenos Estados insulares africanos ante
organizações internacionais e fóruns, como os PALOP, a UA, a Comissão do Golfo da
Guiné e a CEEAC, principalmente na área da defesa, de modo que seus interesses não
fiquem restritos às potências regionais da região (Angola e Nigéria)
32
.
Causou surpresa o fechamento da embaixada da França em São Tomé em 24/08/2015.
Segundo o Chefe da Missão de cooperação e ação cultural, Patrick Cohen, a crise
financeira obrigou a França a reduzir a sua presença em países com os quais o nível de
cooperação não justificava manter o funcionamento de uma embaixada
33
. Tal fato
denotou o declínio da cooperação francesa com São Tomé e Príncipe, que chegou a ser
uma das maiores entre os anos 1980 e 2000 (Violante, 2017).
Portugal também é um parceiro de grande importância. Provém deste Estado mais da
metade de tudo que é importado por São Tomé e Príncipe. Em todas as áreas de
cooperação, Portugal se manteve como um dos principais fornecedores de
financiamentos e de doões. Com relação a projetos de cooperação, a Ajuda Pública
para o Desenvolvimento portuguesa a São Tomé e Príncipe situou-se na casa dos €15
milhões anuais (Violante, 2017).
Portugal estabeleceu um programa de cooperação técnico-militar para a cooperação
entre a Marinha portuguesa e sua Guarda Costeira na questão da vigilância e fiscalização
de suas águas jurisdicionais. Tal acordo tencionou impedir o fortalecimento de grupos
criminosos ou ligados a ilícitos internacionais, como a pirataria e o terrorismo. Portugal,
em 2015, doou duas embarcações à Guarda Costeira, com o intuito de reforçar a
capacidade de resposta às ameaças transnacionais (Violante, 2017).
A cooperação em defesa portuguesa tem sido também responsável por formar quadros
de militares, por intermédio de alguns oficiais portugueses destacados no arquilago.
Em entrevista ao site de notícias africano “Pana Express”, em março de 2015, o então
ministro da defesa de São Tomé e Príncipe, Carlos Stock, ressaltou os ganhos da
31
Angola e São Tomé e Príncipe rubricam acordos de cooperação no domínio da segurança. Disponível em:
http://m.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2014/5/26/Angola-Sao-Tome-Principe-
rubricam-acordos-cooperacao-dominio-seguranca,d5f9eaac-a7cc-4d93-bdf6-7bb4dee04fc5.html. Acesso
em: 20 jul.2016.
32
Cabo Verde e São Tomé reforçam cooperação. Vozes do Mundo-RFI-Português. Disponível em:
<http://pt.rfi.fr/cabo-verde/20160222-cabo-verde-e-sao-tome-reforcam-cooperacao>. Acesso em 02 set.
2019.
33
Disponível em: http://www.vitrina.st/vitrina4029.htm. Acesso em: 29 jul.2016.
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cooperação no domínio da defesa com Portugal, afirmando que a formação de fuzileiros
navais e a patrulha de fiscalização aérea das águas territoriais santomenses por aviões
da Força Aérea Portuguesa é um sinal evidente da excelente cooperação existente entre
os dois Estados
34
.
A partir dos anos 2000, os EUA passaram a conferir novo status estratégico à África. Isto
pode ser constatado com a National Strategy for Maritime Security de 2005, que visava
ampliar as plataformas de cooperação nos Estados e em Organizações regionais
africanas, de modo a prevenir conflitos e criar ambientes seguros e favoráveis à
segurança regional e a dos EUA. A criação do United States Africa Command (AFRICOM),
em fevereiro de 2007, para promover objetivos de segurança nacional dos EUA na África
e em seu espaço marítimo adjacente, tem sido utilizada como instrumento de política
externa, cooperação militar, de capacitação técnica de civis e militares, além de ajuda
humanitária.
Figura 2: Comandos Regionais dos EUA
Fonte: Página do Sítio Poder Naval. Disponível em: <www.podernaval.com.br.> Acesso em: 25
mai. 2016.
Assim, esta nova estratégia de inserção estadunidense se voltou de forma mais
intensiva à África como um todo, contudo mais especificamente ao Golfo da Guiné. Sob
a roupagem da segurança marítima internacional, de combate à pirataria e ao
terrorismo, a Marinha estadunidense passou a realizar uma série de patrulhas e
exercícios na região. Tais ações, inclusive, englobaram a reativação da Quarta Frota no
United States Southern Command (USSSOUTHCOM), além de treinamentos de militares
da GCSTP ao longo da década (Violante, 2017) e que se prolongam na atualidade.
Todavia, a maior ação cooperativa em defesa realizada pelos EUA foi a instalação de
radares nas ilhas em 2008. Este projeto denominado Marine Domain Awareness
35
é um
sistema de vigilância para prover segurança às águas jurisdicionais do país e,
34
São Tomé e Príncipe e Portugal renovam acordo de cooperação no domínio da defesa. Disponível em:
<http://www.panapress.com/Sao-Tome-e-Principe-e-Portugal-renovam-acordo-de-cooperacao-no-
dominio-da-defesa---3-630428658-47-lang4-index.html>. Acesso em: 20 jul.2016.
35
O programa permite a detecção dos navios no mar que possuam transmissores para fornecer
ininterruptamente as suas posições, destino e carga. Este dispositivo é chamado de Automatic
Indentification Service (AIS). Estas detecções permitem que os Estados litorâneos controlem o tráfego
marítimo em suas áreas de responsabilidade.
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consequentemente, a todo tfego marítimo no Golfo da Guiné. Importante salientar que
as informações angariadas das embarcações e navios de maior porte são acessíveis aos
EUA, sendo facultada aos países vizinhos
36
.
Essa experiência bem sucedida em segurança marítima pelos EUA fomentou uma maior
sensibilidade para a questão da segurança marítima no arquipélago. A “colaboraçãocom
a segurança e com a manutenção” da soberania dos países do entorno do Golfo da Guiné
derivou, inclusive, na possibilidade noticiada pela imprensa nacional e internacional da
instalação de uma base militar estadunidense em São To e Príncipe. Este intento o
se concretizou, tendo sido negado com certa veemência pelos governantes santomenses
e também por Washington
37
.
Houve, ainda, iniciativas em defesa foram mais abrangentes em exercícios com as
Marinhas e com as Guardas Costeiras dos países do Golfo. Nesse sentido, a Marinha dos
EUA tem visitado regularmente São Tomé e Príncipe, Nigéria e outros países da costa
ocidental africana, como Cabo Verde e Gabão, sob os auspícios do programa African
Partnership Station”. Em conjunto com a OTAN, os EUA também conduziram o exercício
“Obangame Express”, que tem como propósito promover a interoperabilidade e o
treinamento combinado, visando incrementar a segurança marítima na região do Golfo
da Guiné. Este exercício incluiu a participação de Marinhas e Guardas Costeiras da África
Ocidental, contando, inclusive, com a participação da Marinha do Brasil (Violante, Marroni
e Maia, 2020).
Mas São Tomé e Príncipe demandava incrementar sua Guarda Costeira, de modo a
executar ações de vigilância e patrulha de sua extensa área marítima. Desse modo, a
fim de aumentar sua capacidade dissuasória e de vigilância, especialmente na “proteção
dos recursos e para assegurar a tranquilidade no negócio de exploração petrolífera”, nas
palavras da ministra de Defesa Elza Pinto, São Tomé e Príncipe solicitou ajuda ao Brasil.
Retrocedendo no tempo, as relações bilaterais do Brasil com São Tomé e Príncipe,
especialmente nos anos 1970, 1980 e 1990, foram quase nulas. Apesar de ter sido uns
dos primeiros Estados a reconhecer sua indepenncia, em 1975, os vieses ideológicos
que a Guerra Fria imputava fizeram com que São Tomé e Príncipe priorizasse suas
relações internacionais em um alinhamento quase que automático ao bloco socialista
(Violante, 2017).
Diferentemente de Cabo Verde, que já possuía um histórico de cooperação em décadas
anteriores, relações bilaterais ocorreram mais intensamente apenas no final dos anos
2000. A abertura política e econômica de ambos os Estados acabou por diversificar suas
relações internacionais nas mais diversas áreas de cooperação. A formação de quadros
na área administrativa e educacional foi priorizada, e, como novidade, a cooperação em
defesa.
Assim, atendendo ao pedido santomense, em março de 2009 o Ministro da Defesa
brasileiro, Nelson Jobim, visitou São Toe discutiu o apoio ao fortalecimento da GCSTP.
Ficou decidido, após assinatura de memorando de entendimento em defesa, em
23/03/2009, que o Brasil formaria profissionais e proveria a sua Guarda Costeira os
36
Não é a primeira vez que São Tomé e Príncipe serve de base para vigilância militar. Após a independência,
a ex-URSS instalou um sistema de radares na ilha de São Tomé (Nascimento, 2011).
37
Brasemb São Tomé para Sere Telegrama, 14/11/2003.
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equipamentos necessários à fiscalização de suas águas jurisdicionais (Rizzi, 2012;
Correio da Semana, 28/03/2009, p.4 apud Nascimento, 2011).
Em um crescente cooperativo nas relações bilaterais e multilaterais, na 12ª Reunião dos
Ministros da Defesa da CPLP, ocorrida em Brasília, entre os dias 10 e 11/11/2010, foi
assinado um acordo de cooperação no domínio da defesa
38
. De acordo com a Assessora
do Diretor de Defesa Nacional, Lassalete Neto
39
, tal acordo gerou grandes expectativas
quanto à formação de quadros e reestruturação das Forças Armadas em curto, médio e
longo prazo.
Ainda nessa reunião, o Ministro Jobim reiterou a necessidade de que o Atlântico Sul se
mantivesse livre de armas nucleares, sendo imprescindível preservar o atual ambiente
de paz e estabilidade sem a interferência de potências exógenas à região. Jobim foi
apoiado pelos participantes africanos. Sobre o assunto, o Ministro de Defesa português
ressaltou que a OTAN também poderia desempenhar um papel importante na promoção
da estabilidade e da segurança cooperativa, sob os auspícios da ONU. O Ministro afirmou
ter a convicção de que, ao longo do tempo, seria possível desenvolver um diálogo regular,
na área da defesa, entre a OTAN e outros parceiros, incluindo a União Africana, sendo
Portugal um parceiro importante nessa ligação
40
.
Em um crescente de reuniões na CPLP, foi ventilada, em novembro de 2010, uma possível
cooperação multilateral envolvendo Brasil, Portugal, Angola e São Tomé e Príncipe. Para
isso, foi realizada uma missão exploratória conjunta entre Brasil e Portugal. Esta missão
intensificou a troca de informações e avaliou, conjuntamente, as possibilidades de
cooperação na recuperação da infraestrutura militar santomense. Dessa missão,
perceberam-se as possibilidades de cooperação em defesa com São Tomé e Príncipe,
além de seus óbices, principalmente pela inexistência de empresas locais para necessário
apoio logístico na manutenção de embarcações (Violante, 2017).
Entre 2011 a 2020, São Tomé e Príncipe foi um dos países mais beneficiados por projetos
desenvolvidos em parceria com instituições brasileiras, em áreas como saúde, educação,
agropecuária, no fomento de agências reguladoras e na defesa. Isto não quer dizer que
o Brasil está no mesmo patamar dos maiores colaboradores, como os países aqui
apresentados (Violante, 2017).
Na área multilateral, o Brasil alcançou maior espaço nas discussões sobre segurança
marítima nos organismos regionais dos quais São Tomé e Príncipe faz parte, como a
CGG, a CEEAC e o G-7 mais amigos do Golfo da Guiné. Neste último, o Brasil foi
observador por muitos anos, tornando-se membro permanente em 2020. No entanto, é
importante salientar tal organização se encontra sob a liderança dos países mais ricos do
mundo, o que pode não contemplar, de forma direta, os interesses prioritários da região.
A postura mais assertiva do Brasil na continuidade de sua política para a África resultou
na criação do Grupo de Apoio Técnico de Fuzileiros Navais (GAT-FN), em 2014, e, em um
continuum, com a criação do Núcleo de Missão Naval do Brasil em São Tomé e Príncipe
38
O acordo se encontra na íntegra, disponível em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-
internacionais/bilaterais/2010/acordo-entre-o-governo-da-republica-federativa-do-brasil-e-o-governo-da-
republica-democratica-de-sao-tome-e-principe-sobre-cooperacao-no-dominio-da-defesa>. Acesso em: 25
abr.2016. Ele ainda se encontra em tramitação para ratificação.
39
Violante, 2017 - Entrevista Lassalete, 2016.
40
Ibidem.
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(NMNBSTP), pela Portaria 533 do Comandante da Marinha, de 10 de novembro de
2014, com as seguintes atribuições:
I. efetuar o levantamento das reais necessidades da Guarda Costeira de STP, com a
finalidade de elaborar uma proposta de Acordo de Cooperação entre os dois Países;
II. acompanhar e apoiar as atividades do Grupo de Apoio Técnico de Fuzileiros Navais
em São Tomé e Príncipe, subordinado ao Núcleo;
III. administrar os recursos humanos, materiais e patrimoniais sob sua responsabilidade;
e
IV. assessorar o Embaixador do Brasil em São Tomé e Príncipe quanto aos assuntos sob
a responsabilidade do Núcleo (Brasil, 2014, p.1).
Decorrente das demandas reprimidas de São Tomé e Príncipe, foi ativado, em
06/05/2015, tal iniciativa. Durante a reunião de pula dos Ministros de Defesa da CPLP,
em 26/05/2015, o Núcleo foi inaugurado pelos Ministros da Defesa do Brasil e de São
Tomé e Príncipe, Jaques Wagner e Carlos Stock, respectivamente (Violante, 2017).
Constatou-se, então, que o NMNBSTP, seu GAT-FN e sua Adidância de Defesa, mesmo
cumulativamente a Luanda, são os principais projetos de cooperação em defesa do Brasil
com o Tomé e Príncipe. Essa arquitetura de defesa vem sendo considerada como
primordial pelo Ministério da Defesa e do Mar de São Tomé e Príncipe
Em uma análise político-estratégica, o Embaixador Leitão comenta sobre esta arquitetura
cooperativa, implantada durante sua missão em São Tomé e Príncipe (2011- 2016)
Projeto de inegável envergadura e muito bem aceito nos meios locais tem
sido aquele referente à cooperação naval Brasil-São Tomé e Príncipe.
Esboçado desde os primeiros meses de minha gestão, resultado de
conversações entre autoridades dos dois países, o projeto em apreço é de
singular relevância tendo em vista os desafios de segurança marítima pelos
quais passam os países do Golfo da Guiné, entre eles STP. A pirataria
internacional e o contrabando o problemas reais a serem enfrentados por
um país que possui apenas uma Guarda Costeira precariamente equipada.
Assim, a Marinha do Brasil tem notável papel a cumprir neste país (Leitão,
2016).
Nessa linha, o próprio Diretor de Defesa Nacional, Coronel (Ref.) Alfredo Marçal Lima,
acrescentou que o acordo com o Brasil e com outros países, como EUA e Portugal, são
relevantes para que o país possa explorar todas suas potencialidades, ressaltando suas
particularidades e complementaridades. Adicionalmente, ele reiterou que, para a
segurança e defesa do Atlântico Sul, o acordo de Brasil e São Tomé e Príncipe o é
suficiente, sendo necessário firmar protocolos adicionais e novos entendimentos para a
fiscalização e vigilância dessas águas jurisdicionais, em face dos crescentes riscos de
ameaças transnacionais no Golfo da Guiné
41
.
41
Violante, 2017 - Entrevista Lima, Alfredo, 2016.
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O Embaixador Leitão e o Diretor de Defesa Nacional, Alfredo Lima, acreditam que um
projeto para incrementar a vigilância do Atlântico Sul, como o Sistema de Gerenciamento
da Amazônia Azul (SISGAAZ), iria ao encontro das necessidades da soberania marítima
santomense. De acordo com Alfredo Lima:
[...] hoje STP confronta-se com um grande desafio, que é a segurança das
suas águas nacionais. Razão pela qual tem vindo a desenvolver esforços
próprios e junto a parceiros bilaterais e multilaterais, visando garantir a
segurança da navegação, a proteção dos recursos vivos e não vivos que
concorrem para o desenvolvimento do país e a segurança global (Violante,
2017 - Entrevista Lima, Alfredo, 2016).
Leitão complementa:
A criação/implantação de um sistema de vigilância marítima, baseado nos
fundamentos da consciência situacional marítima, nos moldes do SISGAAZ, é
objetivo de qualquer Estado costeiro, e São e Príncipe esconsciente de suas
atribuições na gerência das águas sob sua jurisdição (Violante, 2017 -
Entrevista Leitão, 2016).
Essas ideias permanecem atuais. O SisGAAz é um projeto estratégico que pode atender
não apenas os interesses do Brasil, mas, também, dos países da costa ocidental africana,
como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Desta forma, os radares estadunidenses na ilha
de São Tomé, sob o controle do Departamento de Defesa estadunidense, ganharia uma
alternativa de maior integração e menor ingerência nos assuntos internos santomenses.
Ademais, este sistema pretende, em face de sua maior complexidade, ter um alcance
maior, atendendo todo Atlântico.
Quanto aos gastos dessa arquitetura de defesa estabelecida, permanecem as opiniões
destacadas nas análises acerca da cooperação do Brasil em defesa com Cabo Verde,
sendo muito pequenas, comparativamente a países com nível de cooperação
internacional para o desenvolvimento superior ao Brasil, como EUA, China e Portugal.
Considerações Finais e Perspetivas
Mesmo durante a fase de priorização de centros mais sofisticados de poder, sempre
houve uma política africana do Brasil no Ministério das Relações Exteriores (MRE). Os
PALOP e a CPLP fizeram parte das parcerias seletivas com a África, além da Nigéria,
Namíbia e África do Sul, principalmente. Todavia, dentro da seletividade proposta, os
Estados com maiores capacidades de poder foram mais beneficiados, em detrimento de
outros importantes estrategicamente, como Cabo Verde, o Tomé e Príncipe (Violante,
2017).
Esses Estados da fronteira oriental Atlântica do Brasil angariaram grandes áreas
marítimas sob jurisdição com a entrada em vigor da CNUDM. No entanto, eles necessitam
de meios e capacitação para explorar racionalmente e proteger seus recursos vivos e
não-vivos em suas ZEE, ZDC e PC, haja vista a presença de “novas ameaças” na região
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do Golfo da Guiné e, por que não dizer, das tradicionais ameaças estatais, principalmente
de potências extrarregionais.
A estratégia de defesa cabo-verdiana, por motivos políticos, econômicos e estratégicos,
coaduna-se mais com os Estados europeus, sem, contudo, alinhar-se automaticamente
ou incondicionalmente, o que possibilita a abertura de variadas frentes em suas relações
bilaterais e multilaterais.
Mesmo a instabilidade política, presente ao longo da história de o Tomé e Príncipe,
com a existência de 22 primeiros-ministros nas duas últimas décadas, não impediu
ideologicamente o estreitamento e crescimento das relações bilaterais com o Brasil.
Ambos os Estados possuem interesses políticos, estratégicos, comerciais e diplomáticos
conjuntos.
Na área multilateral, houve interações importantes entre Brasil, Cabo Verde e o To
e Príncipe, principalmente na área de segurança marítima. Nesse contexto, destacaram-
se reuniões com a Comissão do Golfo da Guiné, com a CEEAC, CEDEAO e o G-7, mais
amigos do Golfo da Guiné. Nas últimas reuniões do G-7 mais amigos, foram propostas
soluções para os ilícitos transnacionais na região, inclusive com a criação de um Centro
Regional de Coordenação Marítima a ser construído, possivelmente, em Cabo Verde.
O Brasil buscou, nessas duas décadas (2001-2020), a complementaridade de relações
ganha-ganha na cooperação em defesa com Cabo Verde e o Tomé e Príncipe. Foram
combinados soft e hard power militar em ações de fortalecimento de suas guardas
costeiras, para que elas próprias pudessem lhes prover, em um futuro não muito
distante, suas defesa e segurança marítima sem maiores interferências ou dependências
externas. A criação dos Grupos de Apoio cnicos e dos Núcleos de Missão Naval em
Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, baseados na experiência bem sucedida da Namíbia
(projeto bem menos custoso que outros realizados pelos EUA e China, por exemplo)
formaram uma “arquitetura de defesa” importante para os Estados envolvidos. Tal
projeto pode ser difundido, de forma mais inclusiva, por toda costa ocidental africana,
caso esses Estados assim desejarem. Esses Núcleos ou Missões poderiam funcionar como
hubs logísticos de defesa para treinamento de pessoal e fornecimento de meios militares
a toda região.
A busca pela integração dos espaços marítimos, como por exemplo, em uma rede de
sensores terrestres e marítimos, monitoramento aéreo e ambiental pode ser
implementada a partir dessa arquitetura. Acordos de cooperação entre o Centro
Integrado de Segurança Marítima (CISMAR) do Brasil e o COSMAR cabo-verdiano, por
meio do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), quando implementado,
proporcionará maior mobilidade estratégica de área e pronta resposta a desastres
ambientais, controle de tfego marítimo, além de respostas mais rápidas às ameaças à
segurança marítima.
Ademais, a possibilidade de atuação mais assertiva do Brasil na região, por meio de
solicitações para que o Brasil coopere em ações de vigilância e patrulha de suas águas
jurisdicionais, poderá suscitar questões jurídicas internacionais. A opção de participação
como Componente de uma Força Tarefa Marítima Multinacional, a pedido dos países da
região e chancelada pela ONU, parece uma solução mais exequível, em médio prazo. No
entanto, tal pleito, mesmo que aceito, demandará a elaboração de um arcabouço jurídico
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interno, que legitime o uso do Poder Naval brasileiro, e externo, por meio da consecução
de acordos de cooperação bilaterais e até mesmo multilaterais, mais específicos.
Sobre os investimentos da China e dos EUA no Golfo da Guiné, estes acabam por gerar
ganhos e algumas cessões. As relações são benéficas ao serem compreendidos pelos
Estados receptores como relações de ganho relativo. No entanto, tornam-se, também,
controversas por concederem, por exemplo, o controle de boa parte de seus setores
estratégicos e de infraestrutura portuária a esses países. Essas relações que imiscuem
horizontalidade e verticalidade acabam derivando em relativa interdepenncia na
região. Os EUA importam, atualmente, cerca de 30% das suas necessidades em petróleo
de Estados do Golfo da Guiné. a China importa cerca de 40% de suas necessidades
da região, além de outros insumos importantes para o desenvolvimento de sua economia
em consistente ascensão.
Recentemente, desde 2019, Portugal vem desenvolvendo a ideia de criação de uma
Organização Internacional ou de uma Ancia, chamada Atlantic Centre”, a ser
estabelecida nos Açores, para, principalmente, discutir temas afetos à segurança e defesa
do Atlântico. Cabe ressaltar, no entanto, que, além do Brasil, este fórum abarcaria a
presença de outros atores extrarregionais relevantes, como EUA, Espanha, França, Reino
Unido etc.
O Brasil não pode dispensar possibilidades de acordos com atores detentores de maior
vontade política, capacidade e recursos, pois estes estarão sempre presentes na região.
A política externa portuguesa tem procurado atuar como uma ligação entre o Atlântico
Norte e o Atlântico Sul. Portugal e Brasil são importantes atores e parceiros da
cooperação em África. Suas propostas não se excluem mutuamente, pois não passam,
necessariamente, pelo pertencimento a uma lusofonia ou brasilidade. Assim, uma
possível elaboração combinada de uma estratégia de segurança marítima para a região,
visando à integração e promoção do desenvolvimento sustentável dos oceanos, poderia
passar pela CPLP, por ser um fórum que sempre buscou a cooperação entre os Estados
partícipes. Dessas discussões, não podem ser esquecidos outros fóruns, como a UA,
CEEAC, CEDEAO, G7 mais amigos do Golfo da Guiné, por suas importâncias políticas,
econômicas e estratégicas na costa ocidental africana.
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Vol. 12, Nº. 2 (Novembro 2021-Abril 2022), pp. 114-143
Cabo Verde e São Tomé e Príncipe: uma nova arquitetura de defesa brasileira no Golfo da Guiné?
Alexandre Rocha Violante
143
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OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
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MODELO DE NEGÓCIO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS PARA O
DESENVOLVIMENTO DO SETOR DA EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE:
UMA ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA
PEDRO CABRITA
pncabrita@gmail.com
Investigador independente (Portugal) focado na problemática do desenvolvimento organizacional
em África, em particular na África lusófona. Mestre em Estudos de Desenvolvimento pela Escola
de Ciências Sociais e Humanas do ISCTE Instituto Universitário de Lisboa e Licenciado em
Gestão pela Universidade Autónoma de Lisboa
RENATO PEREIRA
renato.pereira@iscte-iul.pt
Professor de Gestão Geral da Iscte Business School, ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.
Investigador da Business Research Unit (ISCTE-IUL, Portugal), do Observatório de Relações
Exteriores (Universidade Autónoma de Lisboa) e do Centro de Investigação em Mercados
Emergentes (ISCIM, Maputo, Moçambique). Doutor em Ciências de Gestão pela Université Paris
Dauphine
MAOMEDE NAGUIB OMAR
manotio@yahoo.com.br
Pós-Doutorado e Investigador do OBSERVARE-UAL. Professor Associado do ISCIM Instituto
Superior de Comunicação e Imagem de Moçambique (Moçambique) e Investigador do Centro de
Investigação em Mercados Emergentes. Doutor em Estudos em Ensino Superior e Mestre em
Gestão Pública, ambos pela Universidade de Aveiro. Pós-Graduado pela University of
Witwatersrand
Resumo
A presente investigação visa determinar o modelo de negócio das Organizações Não
Governamentais para o Desenvolvimento (ONGDs)do setor da educação em Moçambique. O
trabalho adota uma abordagem metodológica construtivista em duas etapas: (i) indutiva,
centrada na construção de uma proposta de modelo de negócio social Canvas a partir da
observação de 15 ONGDs que atuam no setor da educação no país, com base num quadro
teóricosolidamente suportado na literatura; (ii) dedutiva, testando o modelo
propostoatravés da utilização de uma técnica de painel que permitiu o refinamento e a
reconstrução da proposta inicialmente formulada. O artigo contribui para a literatura em
modelos de negócio sociaisfazendo uma validação pioneira de conhecimento construído
nesta área e num campo de aplicação ainda o explorado. O contributo para as relações
internacionais situa-se ao nível dos dados recolhidos e informação produzida sobre
cooperação internacional em Moçambique.
Palavras-chave
Cooperação internacional, Moçambique, Modelo de negócio social Canvas, ONGDs, Educação
Como citar este artigo
Cabrita, Pedro; Pereira, Renato; Omar, Maomede Naguib (2021). Modelo de negócio das
Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento do setor da educação em
Moçambique: uma abordagem construtivista. Janus.net, e-journal of international relations.
Vol12, Nº. 2, November 2021-April 2022. Consultado [em linha] em data da última
consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.9
Artigo recebido em 16 Junho 2021 e aceite para publicação em 9 Setembro 2021
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do setor da educação em Moçambique: Uma abordagem construtivista
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MODELO DE NEGÓCIO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO
GOVERNAMENTAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DO SETOR DA
EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE: UMA ABORDAGEM
CONSTRUTIVISTA
PEDRO CABRITA
RENATO PEREIRA
MAOMEDE NAGUIB OMAR
Introdução
As Organizações o Governamentais para o Desenvolvimento (ONGDs) têm um papel
cada vez mais importante em África porque, entre outras razões, a recente pandemia
de Covid-19 e o crescimento populacional acelerado levantam desafios difíceis de dar
resposta apenas com a intervenção dos atores tradicionais Estado, famílias e
empresas.
A importância destas organizações é particularmente notada em Moçambique, um dos
países da lista dos least developed countriesda ONU, que apresenta carências muito
pronunciadas em setores estruturais como a educação, a saúde e a alimentação.
O modelo de negócio destas organizações é no geral difícil de apreender, o que dificulta
a avaliação do valor criado por estas e a exteno das externalidades (positivas e
negativas) geradas para a sociedade moçambicana.
Assim, a presente investigação contribui para o conhecimento sobre esta temática
fornecendo um estudo pioneiro sobre modelos de negócio de ONGDs em Moçambique,
centrado no setor da educação.
1. Revisão da literatura
1.1. Os negócios do “terceiro setor”
Em Moçambique, existiam em 2015 mais de 11.000 instituições não financeiras, 9%
das quais no setor da educação e pesquisa, superado apenas pelas organizações
religiosas (26%) e comerciais (20%). Apesar disso, em termos de despesa por serviços
prestados, as Instituições sem Fins Lucrativos (ISFL) associadas à educação são as que
apresentam a segunda maior percentagem, sendo apenas superadas pelos serviços
sociais. Deste total, apenas 285 são ONGDs, sendo que 53% delas são nacionais, 32%
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são estrangeiras e 15% são instituições não classificadas.35dedicavam-seapena
educação, ocupando a segunda maior percentagem a seguir às atividades de saúde
humana e ação social. A sua presença é mais notória nas províncias de Inhambane,
Sofala e Manica, encontrando-se maioritariamente nas zonas municipais em
comparação com os distritos sem autarquia. O número de organizações desta natureza
apresenta um crescimento connuo desde 1975, alcançando um máximo de
582.Empregam cerca de 17.000 pessoas, na sua maioria homens. Em comparação com
as outras áreas, o crescimento deste setor tem sido constante enquanto nos outros
setores varia consoante a época e o volume de investimento (INE, 2015).
A atividade destas organizações de âmbito social enquadra-se no chamado terceiro
setor”. Este epíteto deve-se à terminologia de organizações da sociedade civil” (OSCs)
que não se enquadram nas outras duas categorias de negócio (primeiro setor, o
governamental; e, segundo setor, o do mercado) (Aveni, 2018; Osborne, 2008).
O terceiro setor é formado por organizações que têm como missão contribuir
diretamente e especificamente para o bem-estar de uma comunidade em que os
recursos o extremamente limitados, adquirindo a natureza de fundações,
associações, organizações religiosas, cooperativas, entre outras organizações de
atividades civis criadas por iniciativa de cidadãos, daí terem sido apelidadas de
“Organizações o Governamentais” (Defourny & Nyssens, 2008). Atuamnas principais
áreas de serviço público como na saúde, na educação, na cultura, nos direitos
humanos, na habitação, na proteção do ambiente, no desenvolvimento local, ou no
desenvolvimento pessoal” (Salvatore, 2004, p. 27).
Estas organizações contribuem para a produção, distribuição, prestação de serviços,
assistência, poupança e segurança de uma forma democrática, coletiva e associada à
livre iniciativa e ao direito de liberdade individual. Elas criaram um novo conceito de
economia, chamado de “economia solidária” por o reconhecer o mercado como área
de atuação do seu modelo de negócio (Singer, 2002).
A estratégia e a estrutura destas organizações variam muito, podendo-se identificar
três casos diferentes. Num primeiro grupo, encontramos organizações que têm uma
missão social, estando por isso totalmente inseridas na economia solidária. Num
segundo grupo, encontramos organizações que atuam com dois modelos de negócio
interligados, um orientado para o sucesso competitivo no mercado e o segundo que
canaliza os seus recursos para fins sociais. Por fim, temos um terceiro grupo que tem
dois negócios totalmente separados e em que a angariação de recursos é
completamente autónoma da causa social tendo uma finalidade meramente lucrativa
(Aveni, 2018).
O espaço de atuação e a capacidade de angariação de apoios de organismos públicos e
de outras entidades por parte destas organizações tem aumentado substancialmente,
surgindo também críticas teóricas e ideológicas na senda das críticas à relação entre
capitalismo, desigualdades sociais e pobreza (Singer& Brandt, 1980). Com estas
críticas surgiu também a fragmentação por áreas de atuação, levando a uma
especialização que não procurasse resolver todos os problemas sociais ao mesmo
tempo (Gohn, 1997).
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É neste contexto que as ONGs da área da educação começam a surgir em força,
apresentando perspetivas paliativas, de mudança, inovação e pressão política, pondo a
nuas lacunas do poder político no que tange à garantia de acesso à educação.
Inicialmente, eram iniciativas isoladas, de baixa visibilidade e escassa sustentabilidade.
Porém, com a melhoria dos resultados e com o aumento de estudos e de atenção por
parte de académicos, as suas iniciativas ganharam importância e notoriedade social,
apesar de se registarem também impactos negativos (Coutinho, 2004).
Segundo Freire (1987,1989, 1992), o papel destas organizações na educação popular
tem sido extremamente positivo. Isto tem-lhes conferido um papel de “protetoras” das
populações, o que reforçou substancialmente a sua legitimidade social.
Com o aumento da importância das ONGs e com a evolução do conceito de
“desenvolvimento”, surge o conceito de “ONGDs” (organizações não governamentais
para o desenvolvimento), surgindo também a necessidade de se especificar áreas
concretas de atuação destas organizações (Calheiros, 2003; Seers, 1969).
A institucionalização do conceito de “desenvolvimento surge da necessidade de
validação científica e de reconhecimento político-institucional no pós segunda guerra
mundial, por várias razões, sendo as mais citadas a independência das antigas colónias
europeias e a necessidade de reconstruir a Europa, ambas ligadas à fundamentação
dos processos de acumulação, à necessidade de criar ordem social e à convergência
das lógicas intervencionistas do Estado na economia (Roque-Amaro, 2017).
Este conceito tem vindo a complexificar-se com a evolução teórica tanto de inspiração
keynesiana como marxista-leninista, na dicotomia capitalismo socialismo, que tem
mobilizado políticos e cidadãos anónimos, estratégias e planos, teorias e práticas. A
partir de 1992, vai ser apelidado de “pós-desenvolvimento”, ou início de uma nova era,
a partir das diferentes experiências de industrialização e crescimento económico,
valores culturais e interesses geoestratégicos, assentando por fim nas lógicas de
desigualdade e de dominação de género (Roque-Amaro, 2003).
Tal como a discussão à volta do conceito mobiliza diferentes posições e argumentos, os
projetos das organizações não governamentais para o desenvolvimento variam também
de forma, organização e objetivos por causa do constante aparecimento de novos
problemas. A esfera de atuação destas organizações divide-se em três áreas principais:
a cooperação para o desenvolvimento, a educação para a cidadania global, e a ação
humanitária e de emergência (Plataforma Portuguesa das ONGD, 2020).
O número destas organizações tem vindo a aumentar continuamente, sendo
acompanhado pela expansão da literatura relacionada com o tema (Bendell, 2000).
Este crescimento tem levado ao aparecimento de institutos e fundações para medir,
facilitar e certificar os impactos reais das mesmas, assim como para conectar as partes
associadas e envolvidas, como o governo, as pessoas singulares e coletivas,
organismos públicos e instituições comunitárias (Patrocínio, 2020). Recentemente, uma
das qualificações associadas às ONGDs que mais tem vindo a ganhar importância é a
de “OSCIP” (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que as reconhece
como parceiras das autoridades públicas (Neto, 2017).
Com o aumento da sua importância, surgiu a necessidade de se medir o impacto destas
organizações. Para tal, têm vindo a ser criados indicadores de desempenho ao nível da
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monitorização e gestão das operações e recursos e alcance dos objetivos, tanto para
medir o impacto das organizações de uma forma individual como também de forma
conjunta (Lugoboni et al, 2016).Os indicadores devem focar-se “num processo tão
sistemático e objetivo quanto possível, que consista em avaliar um projeto, programa
ou política, a sua conceção, execução e resultados. Destina-se a determinar a
relevância e o grau de consecução dos objetivos, bem como a eficiência, eficácia,
impacto e sustentabilidade em termos de desenvolvimento. Uma avaliação deve
fornecer informações credíveis e úteis e, ainda, permitir que as lições aprendidas sejam
incorporadas no processo de decisão dos beneficiários e dos doadores” (CICLP, 2014,
p.8).É ainda necessário seguir um processo para a avaliação sendo por isso obrigatório
que os indicadores assentem em fórmulas reconhecidas para aumentar a sua
credibilidade e realismo (Cohen & Franco, 1999).
1.2. Modelo de negócio Canvas e Modelo de negócio social Canvas
O modelo de negócio é um layer intermédio entre as dimensões estratégica e
operacional de uma organização e descreve a forma como esta cria, entrega e retém
valor económico (Osterwalder, 2004). A sua estrutura assenta num conjunto de
building blocks que permitem compreender como esse processo ocorre (Osterwalder &
Pigneur, 2010).
Osterwalder & Pigneur (2010) desenvolveram a ferramenta de modelização de negócios
conhecida como Business Model Canvas,visando especificamente organizações com fins
lucrativos, assente em 9 building blocks: “segmentação de clientes”, “propostas de
valor”, “canais”, “relacionamento com clientes”, “fontes de rendimento”, “recursos-
chave”, “atividades-chave”, “parcerias-chave”, e “estrutura de custos”.
Com a utilização extensiva e bem-sucedida desta ferramenta, surgiram sugestões de
alargamento da utilização da mesma a negócios sem fins lucrativos ou com impactos
sociais (Resende, 2016). Apesar do Business Model Canvas ter sido criado para todo o
tipo de negócios que visem a criação de valor, a sua utilização por organizações sociais
implicou adaptações consideráveis (Doherty, 2019).
Foi com esta preocupação em mente que se procurou desenvolver um Social Business
Model Canvas. A partir de várias propostas avançadas (e.g., Agafonow & Donaldson,
2015; Canestrino et al., 2019; Carayannis, 2021; Czinkota et al., 2020; Gauthier et al.,
2020; Maurya, 2010; Sabatier et al., 2017; Sparviero, 2019; Spiess-Knafl et al., 2015;
Umar et al., 2020), a Social Entrepreneurship Agency, entre outros,foi desenvolvendo e
refinando um framework completo de Social Business Model Canvas (SEA, 2020).
A escolha destes building blocks visou garantir: a validação da ideia base; a diminuição
dos riscos; a obtenção dos recursos; a reflexão sobre si mesmo e sobre o seu negócio;
os meios de comunicação; e, por fim, o apoio à gestão.Isto levou à necessidade de
contemplar a estrutura do plano de negócios através de: histórico da entidade;
mercado subjacente; posicionamento no mercado; conceito de projeto/ ideia/ produto;
estratégia comercial; gestão e controlo do negócio; investimento necessário; e suas
projeções financeiras.
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Figura 1 Representação do modelo de negócio social Canvas
Estrutura de Custos
Quais os principais custos a ter em conta na elaboração estratégica dos
planos?
Missão
Qual o principal objetivo e propósito? Este deve ser o espaço ligado às origens organizacionais, pessoais e ainda apresentar as decisões
protagonistas e atividades de suporte à Missão
Parceiros
Quem são os parceiros
chave que podem
contribuir para o sucesso?
Externalidades
Negativas
Quais são os efeitos
colaterais no grupo
alvo e seus
terceiros? Perceber
como mitigar estes.
Sustentabilidade Financeira
Quais são os limites orçamentais e como manter o equilíbrio entre
gastos e receitas?
Externalidades
Positivas
Quais são os
benefícios e
impactos positivos
principais das
atividades
desempenhadas pela
organização?
Atividades-Chave
Quais são as principais
ações a realizar para cumprir
os objetivos?
Proposta de Valor
Através da entrega do valor
ao grupo alvo quais são os
resultados esperados?
Relação com os
beneficiários
Quem é que vai receber
a proposta de valor?
Qual a relação a ter com
o grupo alvo e quais os
pontos a ter em conta?
Relação com os
Contribuintes
Quem é que pode
contribuir para a
organização e como
manter a relação entre
partes?
Indicadores / Resultados
Quais são os indicadores
escolhidos para medir os
impacto? Sejam eles
sociais, políticos, ambientais
ou económicos.
Canais
Como ter acesso aos
recursos e como fazê-los
chegar aos seus
destinos?
Problema
Qual o principal problema do
grupo e qual a sua
perspetiva?
Solução
Qual a solução proposta
para resolver o problema
detetado?
Fonte: Adaptado de SEA (2020)
Todas as informações devem estar presentes no quadro final e o mesmo deve ser
acompanhado de uma metodologia de aprendizagem visual através de cores que
facilitem a distinção das áreas relacionadas, ficando-se com um plano de ação em 4
etapas e grupos: a criação de valor (verde); a proposta de valor (laranja); a entrega do
valor (amarelo); e a captura e partilha de valor (azul). Para além destes existe ainda a
Missão do valor (cinzento escuro) e as Externalidades do mesmo (cinzento claro). Por
fim, o modelo deve ser acompanhado da explicação de cada escolha com uma
linguagem acessível e direta e, se possível, deve referir o prazo de cada objetivo.
No âmbito das ONGDs, a abordagem é adaptada consoante os públicos-alvo, suas
atividades, relões e resultados pretendidos, de forma que a organização em causa
cumpra competentemente a sua missão. Esta segmentação justifica-se pela variedade
de ONGDs e de respostas a dar aos diferentes grupos e realidades dos mais diversos
desafios ao desenvolvimento. Para além da variedade de segmentos de beneficiários,
dentro de cada uma das áreas o aparecimento de novas desigualdades e entraves ao
desenvolvimento faz com que novos segmentos vão surgindo acompanhados de novas
abordagens e fatores de distinção.
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2. Estudo empírico
2.1. Metodologia da investigação
O objetivo deste trabalho é a construção de uma proposta de modelo de negócio das
ONGDs do setor da educação em Moçambique. Considerando que um estudo desta
natureza nunca antes tinha sido efetuado neste país, formulámos as seguintes
questões de investigação: Como se caracteriza o modelo de negócio (social) das
ONGDs moçambicanas do setor da educação? Será que a utilização da ferramenta
Social Business Model Canvas permite descrever este modelo de negócio?
Para dar resposta a estas questões, dividimos o trabalho empírico em duas etapas: (i)
uma etapa indutiva, baseada na observação, análise, descrição e interpretação dos
modelos de negócio de quinze ONGDs do setor da educação a atuar em Moçambique.
Estas organizações foram selecionadas com base na sua abordagem, resultados
alcançados e disponibilidade de informação. A amostra foi estratificada por dimensão
(pequenas, médias e grandes), foco regional (internacional, nacional e local) e ainda
por motivação (política, religiosa, social, etc.), culminando na construção de uma
proposta provisória de modelo de negócio representativo da realidade estudada
segundo o frameworkSocial Business Model Canvas (SEA, 2020); (ii) uma etapa
dedutiva e confirmatória, através de uma metodologia de focus group, em que um
painel de observadores avalizados cuidadosamente selecionado para o efeito foi
convidado a apreciar a proposta provisória, extraindo-se do respetivo feedback
elementos que permitiram o refinamento do modelo e a apresentação de uma segunda
proposta, empiricamente suportada.
A análise dos dados, em ambas as etapas, foi efetuada através de técnicas de
modelização qualitativa e quantitativa com recurso ao software Microsoft Excel.
2.2. Problema e Solução
O problema fundamental é a falta de acesso à educação em Moçambique. A solução é a
disponibilização dos recursos que possam fazer a diferença gerando um efeito em
cadeia que mude não a disponibilização de educação, mas todos os fatores a ela
ligados. Contudo, nem todas as realidades têm os mesmos problemas nem a mesma
capacidade de resposta, pelo que a principal diferença entre as ONGDs estudadas situa-
se precisamente nas diferentes abordagens e respostas mobilizadas.
2.3. Segmentação - Beneficrios
Existindo três tipos de educação - formal, não-formal e informal - e vários níveis de
evolução dentro de cada um deles, o primeiro desafio que se coloca às ONGDs na área
da educação é a escolha da abordagem a seguir tendo em conta a população existente,
o contexto histórico, as condições existentes, as potencialidades, os interesses e ainda
a duração do projeto.
Todas as quinze ONGDs estudadas fizeram o processo de avaliação para a decisão e
optaram por criar escolas com modelos de educação formal em locais isolados,
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escolhendo por isso populações segregadas com difícil acesso à educação e aos centros
urbanos. Apesar do Estado Moçambicano disponibilizar escolas por todo o território
nacional, as mesmas não o de acesso generalizado nem existem respostas para as
populações isoladas.
O tipo de ensino escolhido é o ensino formal por ser o tipo de ensino promovido pelo
Estado moçambicano. Existem, no entanto, diferenças na seleção dos alunos e
formandos para os programas e no nível de educação disponibilizado.
Nas ONGDs estudadas, catorze das quinze têm como objeto a educação infantil e
básica, sendo que uma delas apenas se foca na educação infantil e outra apenas no
ensino básico. Das mesmas catorze, apenas seis têm projetos com alunos do ensino
secundário, sete com alunos universitários e nove com professores e comunidades.
Com base nos dados recolhidos, é possível perceber que a preferência vai para os
níveis mais básicos. Os indivíduos mais crescidos têm maiores obrigações de contribuir
para o sustento familiar e tendem a abandonar a escola antes de chegar ao nível
secundário. Isto periga a sustentabilidade dos projetos por falta de audiência,
obrigando a enviar os alunos interessados para outras localidades com bolsas de
estudo.
O número de ONGDs com formação para adultos e para a comunidade mostra que
existe interesse e beneficiários disponíveis. Estes projetos variam de abordagem e
intuito de grupo para grupo e de localidade para localidade.
2.4. Atividades-chave e recursos - Beneficiários
Na área da educação, os elementos-chave são:
Espaço/salas;
Professores/Formadores
Alunos/Formandos
Conteúdos educativos/formativos;
Material escolar.
Todos os demais recursos necessários, como uniformes, dispositivos informáticos,
sanitários, cantina, entre outros, não são prioritários.
Em dez das ONGDs analisadas, foi por iniciativa própria e com recurso a fundos
próprios que o espaço para as aulas foi criado. Estes espaços acabam por ser
multiusos,permitindo reuniões comunitárias, postos de saúde provisórios, entre outros.
Os professores/formadores são normalmentemoçambicanos. Os alunos são
maioritariamente locais da zona onde as aulas se desenrolam edas periferias dessas
localidades. Quando têm que haver deslocações significativas, são criadas redes de
ligação entre comunidades para assegurar a segurançados estudantes. Neste estudo,
três das ONGDs tinham esta rede criada. Raramente existe recusa de alunos,mesmo
quando o efetivo excedelargamente a capacidade máxima.
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Os conteúdos lecionados são os oficiais e definidospelo governo. Estes programas são
geralmente adaptados à realidade local, ao nível dalíngua, práticas e costumes, no
intuito de potenciar a adesão e os resultados. Dependendo do nível de educação e da
abordagem da ONGD, o ainda ensinados ofícios locais, visandofixar as populaçõese
aumentar o impacto sobre o desenvolvimento local.
A maior parte dos projetos decorre em zonas isoladas onde não existe acesso
amateriais escolares.Por isso,têm de ser comprados noutras localidades, chegando em
último caso a vir diretamente do estrangeiro.
Tendo em conta as profundas carências das populações em que se inserem, as ONGDs
acabam por desenvolver outras atividades em áreas fundamentais como a saúde, a
nutrição,a água, a participação comunitária, a inovação tecnológica,os serviços e o
meio ambiente.
As organizações analisadas têm atividades em três áreas diferentes, para além da
educação, sendo que unicamente uma delas tem participação em apenas uma área
extra e também uma únicaorganização participa emtodas as outras áreas.
Todas têm projetos comunitários, privilegiando uma abordagem integrada de
desenvolvimento.A saúde é o segundo principal foco de atenção, centrando-se a
açãona educação de práticas saudáveis, realização de exames médicos
edisponibilização de medicamentos. De seguida encontramos a preocupação pelas
carências de nutrição e água,ao abrigo da xima que “um aluno com fome não
aprende”, materializada pela disponibilizão de refeições na escolaque
paramuitosrepresentaa única refeição quente que têm no dia.
Por fim, nas duas áreas menos participadas encontramos a inovação tecnológica
eserviços (oito) e o meio ambiente (quatro). É de notar que não existe umarelação
padronizadaentre a dimeno das ONGDs e a sua presença nas diferentes
áreas,parecendo mais uma questão de opção estratégica.
Somando todos os projetos de todas as ONGDs, temos um total de setenta e dois na
área da educação, com um máximo de quinze e um mínimo de apenas um por
organização. Ao contrário das atividades extra,nas atividades de educação a dimensão
é crítica.As ONGDs de grande dimensão têm um espaço de atuação maior e mais
descentralizado, chegando a ter quinze projetos a decorrer em simultâneo em quinze
diferentes localidades.As pequenas, apesar de terem normalmente mais do que um
projeto em simultâneo, centram-senuma mesma localidade visando sinergiasde
Resultados/Impactos.
2.5. Canais
Sendo os canais a forma de ligar as partes tendo em conta as atividades e recursos
chave, é possível definir estrategicamente os 3 seguintes: comunicação, distribuição,
vendas e doações.
Começando pelo canal de comunicação, o objetivo é apresentar e dar a conhecer o que
tem vindo e vai ser feito para reforçar ou criar relações com os associados alvo, ao
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mesmo tempo que se dissemina informação relevante. Esta comunicação tem uma
componente interna e uma componente externa:
Comunicação interna - entre os participantes da organização. O resultado principal é
o relatório de contas e atividades onde são divulgados os resultados das atividades
internas.
Comunicação externa - com a sociedade civil, com os beneficiários e com os
contribuintes.
Na nossa amostra, apenas quatro das quinze optaram por subcontratar a comunicação.
Todas as ONGDs estudadas têm contas nas redes sociais - Facebook, Instagram,
Twitter, LinkedIn, entre outras - um website e ainda uma newsletter. Em todas estas
plataformas existem links para o sítio na internet. Estes tendencialmente são
transparentes nos seus conteúdos, de fácil navegação e orientados para atrair possíveis
apoiantes da causa, sejam eles sócios, doadores, voluntários ou parceiros. Muitos
incluem ainda um blog ou mural de notícias. As newsletters variam a periodicidade
entre mensal, trimestral, semestral e anual. o quase todas digitais e entregues por
email. Quatro das organizações estudadas entregam revistas, cartas e boletins em
papel.
Para além destes, existem outros canais de comunicação como televisão, telefone e
rádio, sendo que o último apenas é utilizado por uma delas. Com base na nossa recolha
de dados é possível afirmar que apesar de existirem investimentos em comunicação,
estes são na sua maioria reduzidos e não são utilizados de forma diferenciadora.
Quanto aos canais de distribuição, estes são utilizados, na maioria dos casos, tanto
para a atividade principal como para as atividades secundárias. Relativamente à
atividade principal, estão em causa os materiais escolares tanto dos alunos como dos
professores, podendo também incluir outros bens. Há três origens principais: as
próprias localidades (seis de quinze), outras localidades nacionais (quatorze de quinze)
ou estrangeiro (doze de quinze). A distribuição local é comum nos projetos que se
encontram há mais tempo no terreno, revelando que os canais de distribuição evoluem
ao longo do tempo. Quanto às outras duas origens, as trocas são maiores a nível
nacional, exceto num caso que privilegia o estrangeiro.
Por último, nos canais de vendas e doões é possível detetar um padrão no tipo de
contacto pois todas privilegiam a comunicação eletrónica com os seus doadores, sócios
e clientes, incluindo a assinatura digital de contratos, recebimento de contribuições por
transferência bancária e comunicações/reuniões em plataformas virtuais. Quanto ao
contacto físico, doze ONGDs fazem-no para aprofundar a relação entre as partes,
utilizando dinâmicas de participação ativa, divulgação de dados e realização de eventos
presenciais. As três que não o fazem recebem os seus contributos financeiros quase
exclusivamente das mesmas fontes de financiamento.
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2.6. Relacionamento com os beneficiários
Conhecendo-seas necessidades e condicionantes dos beneficiários é possível não
definir a estratégia de implementação do projeto, mas também do acompanhamento
dos seus participantes:
A priori - Antes da implementação dos projetos, os seus responsáveis foram às
localidades averiguar do interesse de potenciais alunos e familiares, estudar a
cultura, levantar as necessidades, definir objetivos e preparar uma proposta inicial.
Na grande maioria dos casos, foram feitos acordos formais ou informais com os
deres das comunidades locais e ainda com os responsáveis de educação de forma a
garantir o compromisso das várias partes.
Durante Identificou-se que alguns dos projetos não têm prazo definido e outros
têm apenas um prazo genérico (ex: último trimestre do ano x, ou quando outro
objetivo estiver atingido). Isto torna a avaliação durante crucial, incidindo sobre o
relacionamento com os beneficiários através da mensuração dos níveis de interesse
escolar e adaptação às necessidades. O foco está tanto no resultado como na adesão
dos estudantes, dos professores e da comunidade onde o projeto se insere, uma vez
que sem esta dificilmente aquele será bem-sucedido.
posteriori - Chegando ao fim do ciclo do projeto, é necessário medir o nível de
concretização do mesmo. Para além disso, é preciso fazer a ponte com futuras
propostas da mesma ou de outras organizações.
2.7. Relacionamento com os clientes/contribuintes
Nas ONGDs estudadas, a importância dos clientes/contribuintes que se assumem como
financiadores/investidores da organização esligada aos canais de comunicação e de
vendas/doações. Ambas as partes procuram a realização do interesse, a retenção dos
interessados e a ampliação da oferta, não só para aumentar a rede de contatos como o
valor das angariações, o que incrementará a sustentabilidade financeira. Com essa
finalidade, para além da utilização do canal de comunicação, as organizações procuram
atrair, manter e alargar o interesse, da seguinte forma:
Padrinhos/associados - A angariação faz-se de duas formas principais: a indireta,
através da informação disponibilizada nos canais de comunicação e do passa-palavra
entre conhecidos da organização; e a direta, nos eventos da organização e em
programas tête-à-tête. A angariação direta é considerada mais eficaz.
Doações - Funcionam para os interessados em apoiar, mas sem disponibilidade ou
interesse em ficar associados, ou seja, sem compromissos ou responsabilidades
adicionais. Pode ser constante ou pontual e ter como objeto o mais variado tipo de
bens ou serviços. Quanto mais espefico for o pedido de doação, mais elevada será
a probabilidade de se obter um valor mais elevado.
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Vendas Realizam-se através de um negócio independente/autónomo, mas
associado à causa, sendo a proposta de valor o apoio à educação embora a utilidade
dos produtos e serviços seja distinta desta.
Fundos e subsídios Via privilegiada de financiamento de organizações sem fins
lucrativos, é uma fonte que está sempre no topo das prioridades das ONGDs.
Eventos São um dos meios mais eficazes para alcançar os três objetivos da relação
com os clientes. Permitem criar um espaço híbrido entre formal/informal e
exclusivo/aberto. Contudo, implicam encargos acrescidos.
Com base nos dados recolhidos, é possível perceber que todas as quinze ONGDs usam
as doões, doze delas recorrem a fundos e subsídios, e dez têm padrinhos/associados.
Das doze organizações que recebem fundos e subsídios, apenas oito têm ao mesmo
tempo padrinhos/associados. Nos outros casos, quando não têm padrinhos/associados
têm fundos e subsídios, e vice-versa, exceto num caso em que se optou por não usar
nenhum destes mecanismos. A organização de eventos foi observada em oito
organizações e seis delas efetuam vendas a clientes.
Em média, o utilizados três destes mecanismos por cada organização, sendo que
duas delas utilizam todos, quatro delas utilizam quatro, sete delas utilizam três e duas
delas apenas utilizam dois. o é possível identificar uma relação entre a escolha das
formas de relacionamento e a dimensão da organização, origem da mesma ou taxa de
sucesso. É, contudo, possível detetar que quando as organizações estão em fase de
expansão, optam por duas abordagens principais para aumentar o número de
clientes/contribuintes.
Os resultados obtidos permitem concluir que as contribuições por doação são uma fonte
de financiamento geralmente usada, tanto pelas razões anteriormente enumeradas
como pela sua versatilidade, fácil adaptação às necessidades das ONGDs e ainda pela
reduzida necessidade de compromisso. As doações materializam-se de diferentes
formas: dinheiro, material escolar, roupa, cabazes e até milhas aéreas, não tendo sido
identificado nenhum padrão dominante. Para se fazer a recolha das doações, para além
do mecanismo da transferência bancária aberto em permanência, muitas organizações
escolhem momentos específicos, divulgando antecipadamente o calendário dessas
recolhas. Outro meio possível é a consignação fiscal, nos países em que a mesma
existe, que apesar de não atingir valores significativos contribui para a notoriedade
pública da ONGD.
O auxílio por fundos e subsídios tem vindo a crescer e a mostrar-se uma das principais
formas de apoio para novas organizações que precisam de investimento inicial. Os
fundos variam quanto à origem, mas a maior parte são privados de instituições,
fundações, empresas e organizações. Há, contudo, uma utilização significativa de
fundos públicos. Na sua maioria as candidaturas são renovadas quando se chega ao fim
do fundo, sendo por isso importante manter a relação e ir mostrando os resultados e os
impactos. Nas organizações analisadas, apenas uma utiliza fundos e subsídios para
além das doações o que mostra a preocupação destas em associar-se à sociedade civil.
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A utilização do conceito de padrinho/associado é bastante popular entre as ONGDs na
área da educação. Aqueles recebem informões periódicas sobre os seus afilhados,
reforçando constantemente os los entre as partes. De forma a terem o maior número
possível de padrinhos, as organizações disponibilizam esquemas flexíveis de
contribuição financeira. Esta componente não é normalmente suficiente para sustentar
as despesas dos projetos, obrigando as organizações a procurar formas
complementares de financiamento.
Os eventos têm uma diversidade difícil de padronizar. Incluem workshops, formações,
atividades de grupo, refeições, sessões lúdicas, caminhadas, entre outras. Existe
também uma grande variedade de resultados, seja em termos de lucros, aumento da
rede de associados, divulgação de um dado projeto, entre outros, independentemente
da dimensão da ONGD ou do nível de notoriedade da mesma. Na amostra analisada,
cinco em oito das que optaram por apostar nos eventos tinham padrinhos/associados.
Por fim, a opção de tornar os associados em clientes tem sido uma opção pouco
utilizada na amostra estudada. Todas as ONGDs que o fazem têm produtos associados
à educação e produtos produzidos nas localidades dos projetos ou que são tradicionais
dessas zonas. Das seis que o fazem, apenas uma se foca exclusivamente nas vendas
como fonte de rendimento, para além das doações. Contudo, todas têm um modelo de
organização de impacto social.
2.8. Estrutura de custos
Conhecendo as atividades principais e secundárias, os seus fatores associados, os
canais utilizados e as necessidades específicas dos beneficiários e dos
contribuintes/clientes, é possível ter uma visão completa dos custos que a organização
vai incorrer no seu projeto. Os dados recolhidos neste estudo não permitem assinalar
um padrão para as duas categorias referidas na contextualização teórica (custos fixos e
custos variáveis) nem para as duas estruturas (economias de escala e economias de
escopo) devido à falta de informação e às diversas abordagens e estratégias
específicas. Contudo, é possível assinalar e relacionar os principais gastos detetados.
Custos fixos:
Gastos com o pessoal do projeto - Os quatro principais centros de custos
identificados nas escolas são: os professores, os formadores e os educadores; os
contínuos e auxiliares da escola; as cozinheiras (quando existe cantina); e o material
escolar (incluindo os seguros escolares). Para além destes, existem os serviços
administrativos ea gestão e coordenação que tanto quanto possível são assegurados
por pessoas locais com o intuito de reforçar a sustentabilidade organizacional.
Gastos com o pessoal da organização - Para além dos recursos humanos dos
projetos, existem ainda as pessoas que trabalham na gestão da própria organização.
As principais áreas funcionais identificadas são as de estratégia, financiamento,
comunicação, contabilidade, recursos humanos e gestão de projetos.
Material de expediente - À maioria dos trabalhadores está associado o consumo de
materiais. Tendencialmente, consegue-se fazer uma previsão desses consumos ou
até uma delimitação das possibilidades orçamentais de modo a fixar esses custos.
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Comunicações - Para se criar um canal de comunicação entre os projetos e a
organização é necessário desenvolver uma abordagem segura, estável e rentável.
Apesar de o ser uma realidade comum a todas as ONGDs estudadas, a maioria
delas privilegia a internet para este efeito.
Locação - Tanto nos projetos como nas sedes das organizações existem locações
associadas, principalmente de equipamentos e instalações. Na amostra estudada, as
locações justificam-se por serem menos onerosas do que a aquisição. É possível,
contudo, constatar que os casos mais comuns de locação se referem a imóveis.
Prestações de serviços - Ao contrário da locação de equipamentos e instalações, na
prestação de serviços existe uma divisão equilibrada entre os gastos dos projetos e
os da administração geral.
Custos variáveis:
Energia e água - Estes custos decorrem tanto dos consumos básicos como dos
supérfluos pois a utilidade difere. Nas ONGDs avaliadas o foi encontrada muita
informação sobre eles.
Depreciações - Com base no estudo feito, é possível detetar que este tipo de custo é
reduzido comparativamente com os outros encargos dos projetos.
Alimentação - Nas ONGDs que tinham cantinas de alimentação para os seus alunos,
os custos variam frequentemente impossibilitando a sua classificação como custo
fixo. Apesar disso, na amostra estes custos o apresentados como custos fixos por
ser feita uma média que varia consoante a localidade e outras condicionantes
relevantes.
Outros gastos - Todos os outros gastos necessários.
Com os seus custos elencados, conseguimos perceber que os custos fixos o mais
significativos que os variáveis nas ONGDs da área da educação, preponderando as
economias de escopo. Em simultâneo, existem economias de escala nos bens
exportados, desde roupas a material escolar assim como nos produtos alimentares.
2.9. Sustentabilidade financeira
Sustentabilidade financeira é a capacidade de longo prazo da ONGD em gerar os
recursos financeiros necessários ao desenvolvimento do seu propósito estratégico. Para
tal, é preciso garantir que as fontes de receita são suficientes para cobrir as despesas
necessárias à realização do planeamento estratégico, contabilístico,
flexibilidade/adaptabilidade e visão de futuro.
O valor e o número de fontes de rendimentos têm vindo a aumentar nas ONGDs,
potenciando o aparecimento e a expansão deste tipo de organizações. As suas
principais fontes de recursos são as seguintes:
Patrocínio de pessoas coletivas;
Apoio de pessoas singulares;
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Doações de fundações e órgãos internacionais;
Parcerias com órgãos governamentais;
Consignação de impostos.
2.10. Parcerias principais
As parcerias têm diferentes origens, mas a finalidade comum de otimizar os modelos
de negócio, reduzindo riscos e aumentando capacidades. Variam de tipo e de
motivação, consoante o foco específico, podendo por isso alcançar diferentes elementos
do modelo de negócio.
Os principais tipos o quatro, tendo como elemento comum a lógica win-win que
determina as bases de uma parceria-chave:
Alianças estratégicas Parceria entre organizações não concorrentes que procuram
complementaridade;
Coopetição Cooperação entre organizações concorrentes que desejam divisão de
riscos;
Joint-ventures Criação conjunta de novos negócios temporários, normalmente para
dar resposta a um concurso/call em que individualmente nenhum deles conseguiria
ganhar;
Acordos comprador-fornecedor - Visando suprimentos previsíveis e estáveis,
sobretudo em mercados caracterizados pela volatilidade.
Em termos de motivações, podemos encontrar quatro tipos principais: otimização e
economia de escala; redução do custo através de subcontratação e partilha de
infraestruturas; redução do risco de incerteza através do envolvimento de parceiros; e
aquisição de recursos e atividades particulares, como know-how, licenças ou até
capacidade de investimento.
As parcerias dentro das ONGDs são feitas normalmente com um foco particular. Para
além da associação a pequenas entidades e a pessoas singulares, uma cada vez
maior preocupação com o impacto que decorre do envolvimento com grandes empresas
que cada vez mais apelam à responsabilidade social empresarial.
2.11. Proposta de valor
Ao terem um problema e objetivos estratégicos comuns, as ONGDs estudadas
convergem numa proposta de valor semelhante. A principal diferença entre elas situa-
se ao nível dos canais de comunicação, das abordagens de angariação de fundos e das
localidades onde incidem.
Analisando a proposta de valor de uma forma aprofundada, identifica-se que a maior
diferença se situa nos canais de comunicação, em particular nos websites, pois existe
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uma variação apreciável de qualidade e acessibilidade, facilidade de navegação,
disponibilização de informações e rapidez de resposta a contatos.
A criação de valor para o possível contribuinte faz-se através da divulgação da
realidade objeto de intervenção com recurso a imagens e deos de pessoas locais, na
grande generalidade crianças, que apesar de viverem em contextos fortemente
desfavorecidos mostram grande felicidade por poderem ir à escola. Outra abordagem é
a apresentação de resultados que dão uma perspetiva de eficácia, sucesso e impacto
sobre o desenvolvimento.
2.12. Resultados / Impacto
As quinze ONGDs estudadas apresentam indicadores e resultados diferentes, mas todas
têm em conta a eficiência, a eficácia, a relevância e o impacto. Todas mostram a
evolução do aproveitamento escolar, o número de estudantes e ainda o número de
ações executadas.
Relativamente à evolução do aproveitamento escolar, os indicadores mais utilizados
são: a taxa de alfabetização; o índice de desenvolvimento humano; a idade média de
escolaridade; a taxa de mortalidade/esperança média de vida nos primeiros cinco anos;
os rendimentos familiares; e a redução da pobreza.
Em termos do número de estudantes, este indicador não mede apenas os
participantes/influenciados mas também os bens materiais associados, de forma a ir
além do simples registo dos alunos presentes através de: taxas de assiduidade;
número de inscritos; progressão escolar; média etária; recursos disponíveis por aluno;
número de manuais; número de bolsas disponíveis; material escolar, entre outros.
Relativamente ao número de ações executadas, consideram-se tanto as atividades
escolares como as extracurriculares fazendo com que todas as dinâmicas do processo
de ensino-aprendizagem sejam tomadas em conta. São considerados: o número de
escolas; o número de aulas dadas por turma; os intercâmbios feitos; o número de
refeições servidas; o número de exames de saúde realizados; o número de sessões
com a comunidade; e o número de projetos desenvolvidos.
A evolução local decorrente das ONGDs estudadas é notória e apresenta vários
resultados/impactos estimulantes para os beneficiários, os trabalhadores e os
contribuintes.
2.13. Externalidades positivas e negativas
Nas externalidades positivas, temos a evolução positiva do índice de desenvolvimento
humano local.
Começando pelo combate à pobreza, ao haver uma capacitação da população as
atividades económicas existentes sofrem um processo de upgrade ao mesmo tempo
que se cria espaço para que outras atividades se desenvolvam. Com esta evolução,
libertam-se recursos para se investir mais em saúde o que leva ao aumento da
esperança e da qualidade de vida das populações. Um outro aspeto importante,
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relacionado com o comércio local, é que este tende a aumentar nas áreas próximas das
escolas, criando-se um ciclo virtuoso.
Paralelamente à educação formal existe um ensino geral e comunitário onde se
transmite educação moral e cívica, favorecendo a cidadania e o reforço dos valores
democráticos. Redes de educação bem estruturadas tornam mais fácil a implementação
local de políticas, medidas e ações nacionais e internacionais, favorecendo e acelerando
a sua evolução. Existem ainda outros fatores associados à educação promovida por
estas ONGDs, como a redução do trabalho infantil e o desenvolvimento de talentos.
Do lado das externalidades negativas temos a dependência das comunidades locais
relativamente às ONGDs. Esta depenncia torna as comunidades locais vulneráveis às
oscilações conjunturais dos países onde as fontes de rendimento se localizam e ainda
às alterações de interesse dos contribuintes. Por outro lado, ao sentirem este apoio, as
autoridades nacionais relaxam os seus esforços e investimentos próprios, dificultando a
uniformização da educação ao nível do país, criando e aprofundando diferenças entre
comunidades. Podem ainda surgir desequilíbrios nas atividades comerciais locais
levando à segregação de certas comunidades e fazendo surgir novas comunidades
carenciadas.
2.14. Missão
Apesar das diferenças nas estratégias, atividades principais, organização interna,
proposta de valor, projetos, beneficiários, clientes, canais, estrutura de custos,
sustentabilidade financeira, problemas e soluções, é possível concluir que a missão das
ONGDs na área da educação em Moçambique é a promoção da educação como forma
de combate às desigualdades e de incremento do desenvolvimento do país, procurando
a mudança para melhor.
3. Modelo de negócio social Canvas das ONGDs de educação em
Moçambique
3.1. Apresentação do modelo proposto
Com base na análise empírica desenvolvida no ponto anterior, avançamos com a
seguinte proposta de modelo de negócio social Canvas para as ONGDs na área da
educação em Moçambique:
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Figura 2 Proposta de modelo de negócio social Canvas para as ONGDs na área da
educação em Moçambique
Estrutura de Custos
Procurar definir os custos fixos e custos variáveis de forma a reduzir os
riscos e procurar parceiros que possam ajudar a reduzir estes.
Sustentabilidade Financeira
- Procurar fazer uma previsão dos custos para que no final do ano
as despesas não superem as receitas.
- Criar uma almofada financeira para reduzir riscos
Missão
Promover a educação como forma de reduzir as desigualdades específicas de cada localidade e como fator crucial para o progresso em termos
de desenvolvimento.
Externalidades
Positivas
- Capacitação da
população
- Aumento da
produtividade
- Surgimento de
novas atividades
- Estimulação das
economias
- Melhorias no setor
da saúde
- Comunitarismo
democrático
Externalidades
Negativas
- Dependência da
população da ONG
- Atuação no terceiro
setor
- Diversidade dos
meios de entre
ONGs
- Possibilidade de
desiquilibrio da
economia
- Criação de
comunidades
segregadas
Atividades-Chave
- Aulas / formações
- Participação Comunitária
- Angariação de fundos
Atividades Secundárias
- Saúde e bem-estar
Nota: Com base nas
atividades definir todos os
recursos necessários
Solução
Possibilitar o acesso à
educação a todos os que
estejam interessados do
público-alvo
Indicadores / Resultados
- Nº de Alunos
- Evolução do aproveitamento
escolar
- Nº de ações feitas
Proposta de Valor
Passar a proposta de valor
da maneira mais impactante,
visual e atrativa, mostrando
que:
- Apoiar o desenvolvimento
de realidades necessitadas é
acessível
- Todos têm a possibilidade
de dar o seu contributo.
- Os resultados são notórios
e quanto mais possibilidades
haja, mais se muda.
Relação com os
beneficiários
Medir o seu interesse e
evolução para dar uma
resposta completa e
adaptada
- A Priori
- Durante
- Posteriori
Relação com os
Contribuintes
Definir uma estratégia
para atrair interesse e
recolher fundos através de:
- Padrinhos/associados
- Doações
- Vendas
- Eventos
- Fundos e Subsídios
Canais de
Comunicação
- Redes Sociais
- WebSite
- Newsletter
Canais de Distribuição
- Internacional
- Nacional
- Local
Canais de Vendas
- Direto
- Indireto
Parceiros
Detetar todos aqueles que
possam dar algum
contributo seja em bens
ou servos
- Associações/Instituições
- Empresas
- Entidades públicas
- Parceiros locais
Problema
Vulnerabilidade de
comunidades devido ao nível
baixo de educação.
Fonte: Elaboração própria
3.2. Validação do modelo
Com vista a validar o modelo construído, utilizou-se uma técnica de focus group,
materializada num painel de cinco observadores qualificados convidados
propositadamente para o efeito e a quem foi pedido que se pronunciasse sobre a
aderência do modelo proposto à realidade representada.
Foram organizadas três sessões com a duração de 60 minutos cada e um intervalo de
24 horas entre cada uma delas. Dada a situação pandémica vigente, as sessões
decorreram virtualmente, com recurso à plataforma digital Zoom.
Os cinco especialistas foram:
- O representante de uma ONGD da área da educação a atuar em Moçambique,
exterior à amostra estudada;
- Um beneficiário de um projeto de educação de uma ONGD da área da educação a
atuar em Moçambique, com 18 anos de idade;
- Um cliente/contribuinte de uma ONGD da área da educação a atuar em
Moçambique;
- Um parceiro de uma ONGD da área da educação a atuar em Moçambique;
- Um representante do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano de
Moçambique.
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O teste do modelo foi efetuado de acordo com a abordagem proposta por Fern (1982).
Começou-se pela discussão da Missão. Apesar de se ter verificado uma concordância
generalizada com a mesma, os membros do painel sugeriram que a formulação
existente fosse complementada com “humano e económico” para precisar o tipo de
desenvolvimento visado pelas ONGDs de educação.
De seguida, analisou-se o Problema. Houve um consenso no painel sobre a importância
dos elementos formulados. No entanto, foi salientada a pertinência de se acrescentar
indivíduos e famílias e não restringir a problemática apenas às comunidades.
Relativamente às atividades-chave, o painel entendeu como válidas as atividades
avançadas, mas sugeriu que se acrescentasse uma componente relativa à mobilização
de voluntários. Considerando a realidade concreta do país, e a experiência específica
dos membros do painel, os voluntários são uma componente determinante do sucesso
destas organizações.
Quanto à Proposta de Valor, o painel achou interessante os elementos incluídos nesta
secção, mas sugeriu uma reformulação para deixar mais claro quer o conceito de valor
num modelo de negócio social quer o alcance do mesmo.
Quanto à relação com os beneficiários, o painel considerou particularmente pertinente a
objetivação por etapas temporais. Propôs, no entanto, que se especificassem os
beneficiários não vendo vantagem em ficarem subentendidos.
O bloco Relação com os Contribuintes encontrou um suporte unânime, tendo sido
considerado que o mesmo reflete a realidade da população estudada.
Na análise dos Parceiros, o painel considerou que o estudo feito é correto, mas que a
enumeração dos mesmos não deveria ser restringida, tendo por isso sido sugerido
acrescentar-se “nomeadamente, mas não exclusivamente”.
No bloco dos Canais, o painel considerou particularmente pertinente a apresentação
desenvolvida em três subgrupos. Houve, portanto, suporte à formulação efetuada deste
bloco.
Na discussão dos elementos colocados na Solução, o painel entendeu que era clara a
formulação desenvolvida, mas que seria pertinente juntar, no final, “de cada projeto
e/ou ONGD específica”.
Quanto aos Indicadores / Resultados, o painel concordou com os elementos escolhidos
e discutiu alguns outros que se poderiam juntar a estes. No entanto, dessa análise não
resultou propriamente uma proposta concreta de junção de indicadores, mas apenas
uma recomendação no sentido de se consideraram mais alternativas.
A apreciação do painel sobre a sustentabilidade financeira é que, no modelo proposto,
os elementos apresentados refletem uma resposta satisfatória às exigências do modelo
utilizado, dando assim suporte à proposta feita.
Relativamente à Estrutura de Custos, o painel entendeu que poderia haver uma maior
precisão deste elemento, tendo em conta as informações recolhidas aquando da
apreciação dos dados coletados.
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Relativamente à apreciação das externalidades, e começando pelas positivas, o painel
sugeriu pequenas melhorias de pormenor que foram prontamente atendidas e
reapresentadas ao mesmo painel para validação final.
Sobre as externalidades negativas, foram também sugeridas pequenas alterações e
precisões tendo sido referido que, globalmente, a proposta apresentada refletia a
opinião dos elementos deste focus group.
Assim sendo, o modelo validado apresenta a seguinte configuração:
Figura 3 - Modelo de negócio social Canvas para as ONGDs na área da educação em
Moçambique, após validação por focus group
Fonte: Elaboração própria
Conclusão
O presente trabalho representa o primeiro caso identificado na literatura de aplicação e
validação do Social Business Model Canvas em ONGDs em Moçambique. Os resultados
alcançados e descritos na presente investigação sustentam a pertinência de se utilizar o
Parceiros
Detetar todos aqueles que
possam dar algum
contributo, seja em bens
ou serviços,
nomeadamente mas não
exclusivamente:
- Associações/Instituições
- Empresas
- Entidades públicas
- Parceiros locais
Externalidades
Negativas
- Dependência da
população relativamente
às ONG
- Aumento da atuação no
terceiro setor e recuo
simultâneo dos demais
- Possibilidade de maiores
desiquilibrios económicos
- Aumento potencial da
segregação de algumas
comunidades
Estrutura de Custos
Fazer previamente uma análise de risco operacional para
determinar o nível de custos fixos sustentável procurando, sempre
que possível, substituí-los por custos variáveis já que a
alavancagem operacionalo é um objetivo destas organizações.
Sustentabilidade Financeira
- Procurar fazer uma previsão dos custos para que no final do ano
as despesas não superem as receitas.
- Criar uma almofada financeira para reduzir riscos
Missão
Promover a educação como forma de reduzir as desigualdades específicas de cada localidade e como fator crucial para o progresso
em termos de desenvolvimento humano e económico.
Externalidades Positivas
- Capacitação da
população em
competências
fundamentais
- Aumento da
produtividade da economia
moçambicana
- Desenvolvimento de
novas atividades
económicas
- Dinamização de
atividades económicas
deprimidas
- Melhorias no setor da
saúde
- Incremento do
comunitarismo
democrático
Problema
Vulnerabilidade de
indivíduos, famílias e
comunidades devido ao
nível baixo de educação.
Atividades-Chave
- Aulas / formações
- Participação Comunitária
- Angariação de fundos
- Mobilização de
voluntários
Atividades Secundárias
- Saúde e bem-estar
Nota: Com base nas
atividades definir todos os
recursos necessários
Proposta de Valor
O benefícios genérico
oferecido é a
EDUCAÇÃO. Assim:
- Apoiar o
desenvolvimento de
realidades necessitadas é
possível
- Todos encontrarão um
espaço de intervenção
para dar o seu contributo
- Os resultados são
expressivos e claramente
mensuráveis
Os beneficiários são os
indivíduos carenciados
de educação, por
grupos etários, níveis de
qualificações prévias e
áreas geográficas
Medir o seu interesse e
evolução para dar uma
resposta completa e
adaptada nas várias
etapas:
- A Priori
- Durante
- Posteriori
Relação com os
Contribuintes
Definir uma estratégia
para atrair interesse e
recolher fundos através
de:
- Padrinhos/associados
- Doações
- Vendas
- Eventos
- Fundos e Subsídios
Solução
Possibilitar o acesso à
educação a todos os que
estejam interessados do
público-alvo de cada
projeto e/ou ONGD
específica
Indicadores / Resultados
- Nº de Alunos
- Evolução do
aproveitamento escolar
- Nº de ações feitas
Canais de Comunicação
- Redes Sociais
- WebSite
- Newsletter
Canais de Distribuição
- Internacional
- Nacional
- Local
Canais de Vendas
- Direto
- Indireto
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modelo de negócio enquanto framework fundamental na avaliação das atividades de
organizações do terceiro setor.
Importantes implicações podem ser retiradas quer para a gestão destas organizações
quer para a gestão da educação em Moçambique. A participação de um representante
do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano de Moçambique permitiu
considerar esta segunda visão no modelo validado.
Por fim, referem-se como principais limitações o facto de não ter sido possível incluir
mais observações na nossa amostra nem dados detalhados dos custos das ONGDs
avaliadas.
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O FUNDO DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA DA UNIÃO EUROPEIA, NO
CONTEXTO DO PROJETO DE INTEGRAÇÃO EUROPEU
E AS SUAS PERSPETIVAS FUTURAS
FILIPE GUERRA
Filipe.guerra@ua.pt
Jurista. Mestrando no Departamento de Cincias Sociais, Polticas e do Territrio da Universidade
de Aveiro no curso de Administração e Gestão Pública(Portugal). Pós-Graduado em Direito do
Trabalho pelo Instituto do Direito do Trabalho e das Empresas da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra e ainda Licenciado em Direito pela Universidade Lusíada do Porto.
Resumo
O processo de integração europeu foi projetado ao longo da sua História com a sobreposição
de sucssivas etapas de transferências de competências e poderes dos Estados-Membros para
a União Europeia e as suas instituições. Simultaneamente, e com períodos de latência
progressivamente mais curtos, diversos momentos de crises do processo de integração foram-
se registando. Destes momentos de crise, a crise financeira que se iniciou em 2008 assumiu
particular relevo, demonstrando dificuldades na obtenção de consensos e fragmentação de
interesses no interior do processo de integração europeu.
Este artigo pretende fazer uma revisitação histórica sobre vários momentos de crise do
processo de integração europeu, com especial atenção sobre as pretéritas crises das dívidas
soberanas e da denominada Zona Euro. A partir dessa exposição, argumenta-se sobre a
suscetibilidade de fragmentação de interesses no interior da União Europeia, quais as causas
e consequências dessa fragmentação e como esta se reproduziu ao longo do ano de 2020 na
construção do Fundo de Recuperação e Resiliência, lançado pela União Europeia em resposta
à crise despoletada pela pandemia Covid-19. Adicionalmente apresenta-se um conjunto
diverso de perspetivas sobre Fundo de Recuperação e Resiliência e a sua relevância no quadro
de continuidade do processo de integração europeu.
Por fim, conclui-se que o processo de integração europeu é novamente marcado pelo reforço
da sua agenda política e pelos recentes sinais de adaptão das instituições da União Europeia
à gestão de constantes ciclos de crise, permitindo ao processo de integração prosseguir.
Palavras-chave
União Europeia, Fundo de Recuperação e Resiliência, Integração, Crise, COVID-19
Como citar este artigo
Guerra, Filipe (2021). O Fundo de Recuperação e Resiliência da União Europeia, no contexto
do projeto de integração Europeu e as suas perspetivas futuras. In Janus.net, e-journal of
international relations. Vol. 12, Nº 2, Novembro 2021-Abril 2022. Consultado [em linha] em
data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.10
Artigo recebido em 31 Março 2021 e aceite para publicação em 7 Setembro 2021
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O Fundo de Recuperação e Resiliência da União Europeia, no contexto do projeto de integração europeu
e as suas perspetivas futuras
Filipe Guerra
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O FUNDO DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA DA UNIÃO
EUROPEIA, NO CONTEXTO DO PROJETO DE INTEGRAÇÃO
EUROPEU E AS SUAS PERSPETIVAS FUTURAS
FILIPE GUERRA
Introdução
O processo de integração europeu é composto do ponto de vista geográfico por
sucessivos alargamentos, a novos Estados-membros, incorporando assim uma crescente
diversificação de realidades nacionais e de novas escalas sub-regionais com diferentes
níveis de desenvolvimento.
Ao longo da sua História o processo de integração tem enfrentado diversos momentos
de crise, expondo crescentes assimetrias e divergências de interesses, com destaque
para o processo de Brexit, que levou ao abandono do Reino Unido da União Europeia
(UE), um precedente nunca experimentado.
A crise sanitária gerada pela pandemia Covid-19, a partir do início de 2020, em poucas
semanas atingiu todos os países da UE. Contudo, os impactos desta crise, não foram
iguais em todos os Estados-membros, não só do ponto de vista sanitário, mas também
quanto aos seus efeitos nas economias nacionais. Neste quadro, as condições económicas
pré-pandemia dos Estados-membros e as suas resiliências às diversas tipologias de
crises, constituíam-se como alguns elementos criadores de diferenças relevantes.
Perante o quadro político-judico da UE, ao qual os Estados-membros se entregaram
livremente, e perante uma crise que, mesmo com escalas e dimensões diferentes, a
todos atingiu, as instituições europeias iniciaram a construção de um plano económico
para a rápida recuperação das economias nacionais. Contudo, desde cedo, nas diversas
arenas negociais, se encontraram diversas divergências de fundo quanto à sua
constituição, emergindo a repetição de desencontros anteriormente expressos em
crises anteriores, nomeadamente a partir de 2008.
Ao longo do ano de 2020, a UE transpareceu sinais de fragmentação, incluindo a
constituição e solidificação política de blocos nacionais com interesses divergentes dentro
das suas instituições. Não obstante a emergência sanitária e económica, apenas no final
de 2020 a UE conseguiu um acordo final entre as suas instituições e os Estados-membros,
através de uma negociação com solução conjunta entre o Fundo de Recuperação e
Resiliência e o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027.
Neste artigo apresenta-se inicialmente os aspetos fundadores das crises políticas e
financeiras anteriores, quais as suas consequências económicas e políticas e como estas
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se projetaram nas negociações do Fundo de Recuperação e Resiliência. De seguida,
observam-se as principais divergências negociais e os momentos-chave, ao longo de
2020, quais as características e expectativas sobre o futuro do Fundo de Recuperação e
Resiliência. E por fim, assinalam-se as alterações e diferenças políticas adotadas pela
UE, na resolução das crises, quais os sinais de transformação que se permitem observar
no presente e a sua relevância no contexto de continuidade do processo de integração
europeu.
Enquadramento teórico: as lições da crise da Eurozona e a sua projeção
em 2020
A par dos sucessivos alargamentos a novos Estados-membros e do reforço das
competências das suas instituições, o processo de integração europeu, em torno da UE,
foi simultaneamente marcado por diversos momentos de divergência e tensão entre
Estados-membros. Ao longo das décadas essas tensões foram frequentes, mas tem-se
vindo a registar que períodos de latência entre crises são progressivamente menores.
Desde 2008, assinalam-se quatro momentos de crise particularmente visíveis,
nomeadamente a crise da Zona Euro, a crise migratória, o processo de brexit, e o
denominado iliberalismo (Hooghe & Marks, 2019).
A crise em torno da pandemia Covid-19, ao longo de 2020, na UE, produziu
consequências em vários níveis, destacando-se os seus impactos sanitários, económicos
e sociais. A capacidade das instituições da UE resolverem o conjunto de problemas
despoletados pela crise pandémica, seria um novo teste à resiliência das suas
instituições, à sua capacidade de construir consensos e soluções comuns, no sentido da
prossecução do processo de integração. Do ponto de vista económico, político e social, a
denominada crise da Zona Euro, em 2008, tinha deixado relevantes sequelas e aberto
desagradáveis precedentes políticos. Importaria agora reconhecer, se a UE conseguiria
desenvolver uma resolução da crise económica diferente.
A crise da Zona Euro, em 2008 foi despoletada após os sucessivos colapsos de diversas
instituições financeiras nos EUA, desde logo, pelo notório caso da Lehman Brothers. A
partir destes colapsos, no outro lado do Atlântico, e da exposição a esta crise pelos
bancos europeus, constituiu-se uma crise das vidas soberanas, na medida em que
alguns Estados-membros da UE não possuíam a liquidez necessária para salvar os seus
sistemas bancários, necessitando assim de assistência externa (Glencross, 2014).
Perante este quadro, no designado mercado das dívidas soberanas, alguns Estados do
Sul como a Grécia, Espanha, Portugal (e ainda a Irlanda), tornaram-se devedores, ao
passo que os Estados do Centro, se tornaram credores, na medida em que permitiram a
continuidade do financiamento dos Estados devedores, no mercado das dívidas
soberanas (Grauwe, 2016). No entanto, os Estados credores impuseram como
contrapartida para a sua assistência financeira, a imposição de medidas de austeridade
domésticas nos Estados devedores, como garantia do ressarcimento dos valores
emprestados. (Grauwe, 2016).
Neste processo, a Comissão Europeia não permaneceu equidistante, aceitando tornar-se
agente de pressão política em defesa dos países credores, pressionando os países
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devedores para a tomada de medidas de austeridade e das denominadas reformas
estruturais (Grauwe, 2016). A solução encontrada e a sua construção política, com
diferentes níveis institucionais, constituiu uma combinação de coordenação
intergovernamental e hierarquia supranacional (Börzel, 2016).
Os impactos das medidas de austeridade, como o aumento de desemprego ou os cortes
nos sistemas de pensões, nos países devedores, originaram uma forte contestação das
suas opiniões públicas, o que produziu imediatos efeitos políticos, nomeadamente
eleitorais, com a subida dos movimentos populistas, de eurocéticos, entre outros partidos
extremistas. Relevantes sectores dos eleitorados dos países devedores culpabilizavam a
UE pelas medidas de austeridade e os seus efeitos (Ceballos, 2015). Em suma, a crise
de 2008, demonstrava uma correspondência, entre os efeitos das políticas prosseguidas
a partir das instituições da UE, a sua natureza e o seu impacto na vida dos cidadãos, e
as provas de solidariedade entre Estados-membros, com a aceitação do processo de
integração europeu.
As crises económicas a partir de 2008 e em 2020, ainda que na sua origem tenham
naturezas completamente diferentes, relativamente às matérias e aos blocos negociais
formados, de que resultaram divergências negociais, encontram algumas similitudes
relevantes, ainda que na projeção da sua conclusão haja diferenças significativas.
No âmbito das similitudes entre crises, a que se aludiu, destaca-se, a forma como estes
períodos de crise expuseram profundas assimetria existentes entre as economias dos
Estados-membros, e os respetivos interesses políticos, por um lado, e por outro, pela
visível suscetibilidade à divisão entre Estados-membros nas instituições da UE,
verificando-se uma tendência para a formação de blocos negociais defendo interesses
díspares e com propostas diferentes. A UE aparenta conjugar na sua atualidade
divergências estruturais, que não obstante, revelam uma forte interdependência entre
Estados-membros.
A crise de 2008, e as soluções encontradas, nomeadamente com a imposição de medidas
de austeridade sobre os países devedores, abrira precedentes quanto à forma e
conteúdos da sua resolução, de que resultou sintomatologia de grave crise política, com
sinais de descontentamento na continuidade do processo de integração. O risco de
eventual repetição em 2020 das soluções e formulas pretéritas colocava-se perante a
crise da pandemia Covid-19. Neste quadro, pairava a questão se se assistiría à repetição
de políticas ou se a UE tinha compreendido as potenciais consequências disruptivas das
suas soluções no aprofundamento do seu processo de integração. Sendo que importantes
personalidades políticas em 2020, também estiveram presentes nas definições políticas
de 2008, como Christine Lagarde, atual Presidente do Banco Central Europeu, ou Angela
Merkel, Chanceler da Alemanha.
Metodologia
Este artigo foi realizado através da atenção dedicada a uma multiplicidade de fontes,
procurando assegurar a sua multidisciplinaridade, diversidade analítica e a sua
fidedignidade. Nesse sentido foi realizado um levantamento de dados a partir de
declarações e publicações de representantes da UE, e dos seus Estados-Membros,
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recolhidos através dos websites certificados e oficiais das instituições da UE. Noutros
casos, a recolha foi realizada a partir de reproduções publicadas em vários órgãos de
comunicação social e agencias noticiosas de referencia internacional, preferencialmente
especializadas em matérias de Política, Economia e da UE. Esta recolha foi realizada ao
longo dos anos de 2020 e 2021.
A pesquisa por literatura académica, para a revisão de literatura, procurou concentrar-
se em publicações cuja análise incidisse sobre as matérias relacionadas com o processo
de integração europeu, as crises de integração europeia, a crise Zona Euro e das dívidas
soberanas, o Fundo de Recuperação e Resiliência e a crise pandémica Covid-19. Nesse
sentido, selecionou-se uma conjunto de publicações que apresentassem perspetivas
variadas, procurando-se maior amplitude e variedade analítica e multidisciplinar, no que
também se encontrou casos de complementaridade analítica. A maioria das fontes
selecionadas, quanto aos autores e local de publicação, é de origem europeia. Neste
exercício de pesquisa e seleção, procurou-se ainda incluir as publicações mais recentes,
sendo a sua seleção final, representativa do período entre 2014 e 2021.
O Plano de Recuperação e Resiliência: caracterização
Ao longo do ano de 2020, as instituições europeias enfrentaram a necessidade de suster
as graves consequências económicas da pandemia Covid-19. A crise de 2020, estava a
concretizar o maior choque na Economia Europeia desde a 2ª Guerra Mundial, segundo
as palavras de Christine Lagarde (2020). A UE deveria estar à altura dos acontecimentos,
e a resposta que a UE seria capaz de dar à grave crise, seria uma responsabilidade, cujo
insucesso poderia representar uma potencial crise existencial (Ladi & Tsarouhas, 2020).
Perante a conjuntura de centralidade política da crise sanitária, e nos sistemas de saúde
nacionais, as instituições da UE iniciaram logo no primeiro trimestre os primeiros passos
para contrariar a crise crescente, que se vertia sobre a economia dos Estados-
membros. Assim, em 26 de março de 2020, um envelope de 37 mil milhões de euros, foi
aprovado no Parlamento Europeu, a partir de valores realocados de dotações para fundos
estruturais e outros cofinanciamentos em que não foram gastos (Parlamento Europeu,
2020a). Mas perante a dimeno da crise seria necessário muito mais e as negociações
começavam ao mais alto nível para a formação de um grande plano de recuperação pós-
crise.
No final da cimeira extraordinária de chefes de Estado, de 26 de Março, as perspetivas
não eram animadoras. Os Estados-membros estavam divididos sobre o lançamento de
ttulos de dvida europeia (os denominados coronabonds”) e a natureza de outros
eventuais instrumentos financeiros (Siza & Aníbal, 2020). O clima político apresentava
uma grande teno e potencial de discórdia, como se comprova pelas declarações do
Primeiro-Ministro Português, António Costa, ante a proposta dos Países Baixos de uma
investigação às condições orçamentais dos países do Sul, não hesitando em considerar
que “essa declaração é repugnante no quadro de uma União Europeia. E a expressão é
mesmo essa: repugnante (...) ninguém quer voltar a ouvir ministros das finanças
holandeses, como ouvimos em 2008, 2009, 2010” (O’Leary, 2020). A referncia à crise
de 2008 e às suas divisões era evidente.
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Dias depois desta cimeira, Pedro Sanchez, Primeiro-Ministro de Espanha, país duramente
atingido pela crise pandémica, fazia publicar em vários jornais europeus, um artigo claro
sobre a magnitude da crise e a relevância do que estava em causa, ligando a
solidariedade europeia com a necessidade de coesão, arguindo que sem essa coesão a
credibilidade do projeto europeu estaria comprometida (Sanchez, 2020). A UE precisava
de encontrar soluções que assegurassem os seus laços de solidariedade.
Em 18 de maio, Angela Merkel e Emmanuel Macron, líderes do denominado eixo franco-
alemão, realizaram um importante encontro visando a futura resposta da UE à crise.
Desse momento saiu a proposta de constituição de um fundo composto por 500 mil
milhões de euros, a distribuir pelos Estados-membros, e a reembolsar no futuro (Boffey,
2020). Este encontro e as respetivas conclusões, foi particularmente relevante porque
revela uma estratégia de governação económica diferente da seguida na crise de 2008,
através de uma saída financeira comum a todos os Estados-membros, com recurso a um
“Fundo de Recuperação (Bundesregierung, 2020).
A proposta da Comissão Europeia para o Fundo de Recuperação, apresentada a 27 de
maio, reproduzia o essencial do ideário da proposta franco-alemã, mas aumentando os
seus valores, para 750 mil milhões, divididos entre subvenções e empréstimos,
concretizáveis através de um empréstimo da UE, junto dos mercados financeiros, e
tornado possível através de um novo limite máximo dos recursos pprios, a título
temporário, de 2,00% do rendimento nacional bruto da UE (Comissão Europeia, 2020a).
A UE parecia ter compreendido que, ao contrário da solução adotada para a crise da zona
Euro, os empréstimos não são suficientes para estabilizar situações de crise,
comportando um significativo potencial de divergência entre nações, paralelo às suas
assimetrias.
Ainda assim, vários países não se encontravam satisfeitos com esta proposta da
Comissão Europeia, nomeadamente os denominados “frugais” Países Baixos, Áustria,
Suécia e Dinamarca - que não se coibiram de publicamente apresentarem nos dias e
semanas seguintes várias declarações públicas de desacordo. Entre os seus principais
motivos encontrava-se o peso considerado excessivo das suas contribuições (Euroactiv,
2020), a pressa nas negociações (Reuters, 2020), a desproporção excessiva das
subvenções sobre os empréstimos (Lovfen, 2020), ou a ausência de necessárias reformas
estruturais nos países assistidos (Politico, 2020). A sua postura discordante impunha a
continuidade de negociações e recordava algumas exigências dos países credores
durante a crise da Zona Euro.
Após intensas negociões, em 21 de Julho, o Presidente do Conselho, Charles Mitchell
anunciava “we did it” (Herszenhorn & Bayer, 2020). Haveria acordo sobre o Fundo de
Recuperação e Resiliência, negociado em paralelo com o Quadro Financeiro Plurianual
2021-2027, apresentando-se prevendo a sua dotação em 750 mil milhões de euros,
distribuídos entre 390 mil milhões em subvenções e 360 mil milhões em empréstimos,
integrado num pacote global de 1824,3 mil milhões de euros, batizado de ‘Next
Generation EU’. O resultado deste programa, permitia a leitura de que os denominados
frugais também conseguiram algumas vitórias da sua agenda, como a redução do
montante previsto inicialmente de subvenções ou o alargamento para si do mecanismo
de rebate (que permite a diminuição de contribuições para o Orçamento comunitário),
entre outros aspetos (Conselho Europeu, 2020a).
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Os meses seguintes conheceram novas rondas negociais sobre o Fundo de Recuperação
e Resiliência e o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, verificando-se dificuldades de
acordo entre o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu, nomeadamente em torno de
novas fontes de receitas e de financiamento, sobre o pagamento dos juros (se seriam
alocados dentro ou fora do Orçamento Comunitário) ou sobre as verbas atribdas a
diversos programas comunitários. Dificuldades apenas ultrapassadas em 10 de novembro
(Conselho Europeu, 2020b).
O processo de aprovação do Fundo de Recuperação e Resiliência e do Quadro Financeiro
Plurianual 2021-2027 (a sua negociação conjunta criara uma dependência reciproca)
ainda conheceria novas dificuldades no final do ano, com os Estados-membros,
denominados iliberais (Hungria e Ponia) obstaculizando a sua aprovação final devido
ao mecanismo de defesa do Estado de Direito (Struczewski, 2020). Este, um mecanismo
que condicionava o acesso às verbas comunitárias à verificação da proteção do Estado
de Direito, em matérias como a independência dos sistemas judiciais. Após semanas de
negociações, que incluíram acusações públicas pouco abonatórias para Hungria e Polónia
(Hall, 2020) e até referencias à exclusão destes países no processo em curso (Baume &
Burchard, 2020), foi possível chegar a um acordo através de recurso a um atraso na
implementação desse mecanismo. Assim, as ambas as partes pareciam satisfeitas
(Bayer, 2020).
O eventual insucesso final das negociações, e a incapacidade de ação em unidade da UE,
num momento de grave crise, poderia ter um alto custo na continuidade do processo de
integração, a UE poderia colocar-se numa bifurcação entre a sua reforma e até dissolução
(Celi et al., 2020).
Ao longo de meses, as sucessivas negociações, em diversas arenas, revelavam, a
suscetibilidade da UE à constituição de blocos de países no interior das suas instituições,
de acordo com os respetivos interesses e que em larga medida refletem as tensões
anteriores e as diferentes agendas, já conhecidas de 2008. Em 2020, registou-se ainda
a afirmação de uma nova tipologia de bloco, nomeadamente o grupo dos denominados
iliberais. Por outro lado, e significativamente, registava-se uma diferente tipologia de
abordagem da UE à crise, aparentemente impulsionada a partir do eixo franco-alemão.
Plano de Recuperação e Resiliência: uma reação à crise em projeto
estrutural
A crise económica, desencadeada pela pandemia COVID-19, não obstante ter atingido os
diversos Estados-membros, não os atingiu a todos de igual forma, registando-se
diferenças de impacto significativas. Entre vários fatores contributivos para esta
assimetrias, podem destacar-se os diferentes níveis de confinamento e de restrições
económicas e sociais impostas pelos países; as maiores perdas em economias mais
dependentes de serviços e turismo; o maior impacto em países com maior nível de
endividamento e por conseguinte com menor capacidade de tomar medidas fiscais ou de
endividamento junto dos mercados; ou ainda a diferente qualidade e eficácia da resposta
dos governos nacionais (Sapir, 2020). Pode-se ainda referir que os diferentes impactos
da pandemia nos sistemas de saúde é outro um fator relevante.
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Segundo dados apresentados por André Sapir (2020), o impacto da pandemia no PIB dos
Estados-Membros foi particularmente significativo na Croácia (-13,4%), Espanha (-
12,5%), Irlanda (-12,1%), França (-11,7%) e Itália (-11,5%). Enquanto países como
Suécia, Dinamarca, Alemanha, Finlândia e Polónia foram os menos atingidos. Pelo que,
a partir destes dados, se antevê diferentes necessidades de auxílio.
O Mecanismo de Recuperação e Resiliência apresentado como eixo central do Programa
‘Next Generation EU’, dispõe de 672,5 mil milhões de euros, dos quais 360 mil milhões
são empréstimos e 312,5 mil milhões em subvenções, de acordo com as conclusões do
Conselho Europeu de 21 de Julho de 2020 (Conselho Europeu, 2020c). Segundo
diferentes análises, os principais beneficiários do Programa ‘Next Generation EU’ serão
os países do Sul e do Leste da Europa (Alcidi & Gros, 2020), podendo este Mecanismo,
assim contribuir, para a diminuição de assimetrias económicas entre Estados-membros
(Watzka & Watt, 2020).
De acordo com Watzka e Watt (2020), se o destino dos fundos servir para financiar
investimento público (como está planeado), várias consequênciaso expectáveis, entre
as quais se destacam: o aumento dos stocks de capital público em todo o espaço da UE,
em especial nos países do Sul e de Leste; diminuição das assimetrias económicas; como
consequência do aumento do PIB, os rácios de dívida pública tenderão a baixar; e por
último, nos países mais atingidos pela crise, o plano poderá compensar as perdas
produtivas na pandemia. Ou seja, deteta-se um caráter redistributivo deste projeto, no
sentido de benefício dos países menos desenvolvidos. Sendo que este aspeto, também
beneficia indiretamente as economias mais fortes, como a da Alemanha, que também
precisam de estabilidade económica dos Estados-membros para os seus mercados de
exportações.
A política seguida de redistribuição entre países, na base de conjugação entre subsídios
e empréstimos, além de combater as assimetrias entre Estados-membros (o que o
acontecera anteriormente), reforça a legitimidade da UE e das suas instituições, através
desta contribuição para uma maior coesão económica e social.
O acesso aos fundos alocados ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência, pelos Estados-
membros, está condicionado à apresentação dos seus planos de recuperação nacionais,
que deverão corresponder aos diversos critérios apresentados pela Comissão Europeia,
e à qual deverão ser submetidos, por norma aao final de Abril de 2021, dependendo
de posterior aprovação final pelo Conselho Europeu (Conselho Europeu, 2021). Os
respetivos pagamentos serão realizados consoante o cumprimento de diversos objetivos,
podendo ser interrompidos em caso de desvio destes objetivos. De resto, este
condicionamento e possibilidade de interrupção nos pagamentos foi uma das vitórias
obtidas nas rondas negociais, protagonizada em larga medida pelo denominado grupo de
frugais (Pses Baixos, Áustria, Dinamarca e Suécia).
Contudo, a disponibilidade financeira deste estímulo, e a sua execução prática, não se
afiguram lineares, comportando alguns riscos de insucesso, destacando-se pelo menos
duas dificuldades. Por um lado, estando a atribuição de fundos prevista durante o período
entre 2021 e 2023, e o seu desembolso até 2026, é ainda desconhecido como será
realizada a sua distribuição ao longo do tempo (Watzka & Watt, 2020), e por outro,
devem ser considerados, os diferentes níveis de capacidade de absorção de fundos
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europeus pelos Estados-membros, como na disparidade observável entre a Estónia com
95% e a Croácia com apenas 48%, de taxas de absorção. Verificando-se assim, também
aqui, assimetrias significativas que perigam a utilidade do plano (Darvas, 2020).
Assim, dois tipos de riscos que se podem colocar, o primeiro relacionado com a
tradicional lentidão de absorção dos fundos estruturais e de investimento pelos Estados,
e o segundo pelos próprios limites na capacidade dos governos nacionais em canalizarem
largas somas de dinheiros públicos (Alcidi & Gros, 2020). Será um desafio para muitos
Estados-membros atender em simultâneo a uma rápida implementação de quantias tão
significativas, e ainda, pela perspetiva comunitária, um significativo risco de perda de
oportunidade de afirmação do seu projeto.
A operacionalização tradicional dos programas comunitários carece sempre de
procedimentos de definição, aprovação e implementação, tendencialmente demorados e
prolongados no tempo (Darvas, 2020), e este mecanismo não se apresenta de exceção.
Esta será uma dificuldade, cuja celeridade na ultrapassagem, será crucial para a sua
eficácia perante um momento de crise que exigi respostas eficazes e igualmente
céleres, sob pena de frustração e descontentamento nas economias mais necessitadas e
em opiniões públicas expectantes após anúncios mediatizados e esperançosos.
Por outro lado, sempre se poderá arguir que os mercados financeiros poderão ajudar a
resolver este problema de celeridade através de empréstimos imediatos aos países,
assim ainda evitando, ou diminuindo, o recurso a empréstimos posteriormente. Contudo,
esta possibilidade não ilude a necessidade de procedimentos e pagamentos rápidos ante
a magnitude da crise económica nos Estados-membros (Darvas, 2020)
O acesso aos fundos deste novo instrumento esainda condicionado a um conjunto de
opções e objetivos predefinidos pela Comissão Europeia (Comissão Europeia, 2020b), de
sinal, bem mais ambiciosos que uma resposta estritamente direcionada para os desafios
colocados pela pandemia, correspondendo na sua discrição a um conjunto de objetivos
de importância estratégica para a estabilidade política e económica da UE (Alcidi & Gros,
2020). Dificilmente se observa uma relação direta entre a “luta contra as alterações
climáticas” ou a transição digital” como respostas imediatas perante o aumento do
desemprego relacionado com as ondas de choque económicas despoletadas pela
pandemia. A partir desta aparente dualidade de objetivos, torna-se mais complexa uma
definição clara das reais possibilidades e critérios de direção dos fundos.
Segundo Iain Begg (2021), verifica-se na UE uma reafirmação das suas políticas
industriais e uma mudança de paradigma em torno da liberalização dos mercados, de
acordo com um passado mais recente. Entre outros elementos potencialmente
explicativos para esta mudança de paradigma encontram-se preocupações sobre as
baixas taxas de crescimento na UE, o crescente papel da China e a perda de influência
da Europa, ou ainda as mudanças tecnológicas e produtivas em campos como a
automatização ou digitalização. O Plano de Recuperação e Resiliência procura dar
respostas a estes e a outros problemas contemporâneos, como as mudanças cliticas.
Como reflexo destas preocupações, verifica-se a crescente visibilidade do termo
“autonomia estratégica” no discurso europeu.
O programa ‘Next Generation EU’ é ainda alvo de desconfiança, por centrar a atribuição
das suas verbas nos programas nacionais de recuperação e na sua infraestruturação,
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carecendo de uma perspetiva de longo prazo de investimentos a uma escala europeia,
mais panorâmica sobre o conjunto dos Estados-membros e não apenas às sucessivas
escalas nacionais (Watzka & Watt, 2020).
O Plano e o Futuro da integração na União Europeia
Segundo Charles Michel, Presidente do Conselho Europeu, na apresentação da sua
proposta para o Quadro Financeiro Plurianual e pacote de recuperação, “os objetivos da
nossa recuperação podem resumir-se em ts palavras: convergência, resiliência e
transformação. Mais concretamente isto significa: sanar os danos causados pela Covid-
19, reformar as nossas economias e remodelar as nossas sociedades” (Conselho
Europeu, 2020d).
As declarações de Charles Michel transmitem a ideia de que a sua proposta não visa
apenas o saneamento dos danos causados pela Covid-19, existindo objetivos muito
superiores com implicações futuras, económicas e sociais. Assim, pela dimensão dos
pacotes financeiros e pela caracterização dos seus objetivos, o seu sucesso poderá
contribuir para esbater assimetrias existentes e criar uma maior interdependência entre
Estados-membros, reforçando a sua vinculação à UE e às suas instituições, aprofundando
o processo de integração e augurando soluções para uma nova fase de construção
institucional (Braun, 2015).
De acordo com Jean Pisany-Ferry (2020a), o Plano de Recuperação e Resiliência é uma
aposta arriscada da UE e das suas instituições. Caso este Plano consiga atingir, ou até
superar, os seus objetivos, poderá abrir caminho para novos passos no processo de
integração europeu, recuperando as expetativas que criou, alargando-se a novas áreas
como na unificação fiscal a par da unidade monetária (recordemos que a unidade
monetária não comportou também unidade de sistema bancário). Contudo, em caso de
insucesso, tal poderá transformar o Plano num duro golpe quanto à credibilidade, eficácia
e qualidade das repostas que a UE pode dar em situações de emergência e crise,
frustrando as aspirações federalistas ou outras que apontem no sentido do
aprofundamento da integração europeia.
Para evitar eventuais frustrações e descontentamentos, a UE poderia ter sido mais clara
no papel transformador e estrutural do seu Plano de Recuperação e Resiliência, por
melhor impacto imediato que este possa ter nas economias menos avançadas e mais
duramente atingidas (Pisany-Ferry, 2020b). Para a recuperação económica dos Estados-
membros será ainda relevante a ultrapassagem da crise sanitária, uma eficiente
massificação da distribuição das vacinas disponíveis (assunto em que a UE e a sua
Comissão têm sido alvo de críticas) e o fim dos sucessivos confinamentos da população
com a libertação de atividades económicas relevantes e em constrangimento.
Conclusão
Apresenta-se complexa a conjugação entre a necessidade de uma resposta rápida à crise
económica, e os processos políticos, tendencialmente lentos de decisão e execução das
instituições da UE. Perante uma urgência com a gravidade da crise económica atual,
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seriam necessárias respostas céleres e eficazes sobre as enormes perdas que os Estados-
membros enfrentam. E a arquitetura do Plano de Recuperação não parece preencher
este requisito. De resto, mesmo no contexto da sua aprovação, terão de ser ponderadas
as tradicionais dificuldades e a lentidão de vários Estados-membros na absorção de
fundos comunitários.
A UE deu sinais de compreensão sobre eventuais custos da sua inação perante uma crise
sem precedentes desde a sua fundação, e iniciou a construção da sua reação. Desta
forma, revelou uma capacidade reativa mais célere que em crises anteriores,
demonstrando também, capacidade de aprendizagem e de melhor gestão de crise,
provavelmente ganhas através da sua experiência acumulada (Wolf & Ladi, 2020). Ainda
assim, o período de negociações para a constituição do Fundo de Recuperação e
Resiliência, como se referiu, não escondeu a existência de diversas tipologias de
assimetrias entre Estados-membros, e consequentemente a existência de divergências
internas na UE, confirmando uma tendência ainda persistente.
Ao contrário da crise de 2008, em que apenas após a falência de bancos e a instalação
do caos económico, a UE se sentiu forçada a intervir e a encetar diligências, em 2020 a
intervenção iniciou-se mais cedo, com premissas políticas e objetivos diferentes, e a
salvo da desconfiança de favorecimento dos países mais desenvolvidos. Pelo contrário, a
UE procurou uma resposta concertada e participada pelos Estados-membros, de perfil
redistributivo, em favor das economias mais débeis e duramente atingidas pela
pandemia, construindo um Plano de Recuperação e Resiliência que, entre outros aspetos,
privilegia as subvenções sobre os empréstimos.
O facto da UE ter conseguido o acordo em matérias tão relevantes, sobre a resposta à
crise atual mas também projetando um conjunto de políticas estruturais e objetivos de
desenvolvimento económico sobre o seu futuro, tendenciais à sua coesão económica e
correção de assimetrias, revela novas ambições e a renovação do compromisso entre os
Estados-membros, com novos elementos de natureza política e económica, no sentido
do reforço da sua interdependência e cooperação. Em suma, de continuidade do processo
de integração.
Nos momentos mais duros da crise da Zona Euro, a UE foi acusada de despolitizar os
programas de ajustamento económico nos Estados devedores, momento caraterizado
por Schmidt como de ‘poltica sem polticas’ (2020) com consequncias na perceção das
populações sobre o seu papel, subalternizado perante a imagem pública de instituições
de cariz tecnocrático como a denominada “Troika. Em 2020, por contraste, as principais
personalidades políticas nacionais e institucionais deram visibilidade ao seu papel político,
bom como das suas instituições europeias. A linha política da tecnocracia submergia
novamente, verificando-se um regresso da denominada politização (Wolf & Ladi, 2020).
Personalidades como Merkel, Macron, von der Leyen ou Mark Rutte foram presenças
constantes nos espaços mediáticos e decisivas no desenrolar das negociações.
Em suma, na confluência destes elementos, pode-se ainda referir que o papel da UE e
das suas instituições, na crise de 2020, como se apresentou neste artigo, revela uma
crescente capacidade política de adaptação às crises. A sucessão de crises num curto
espaço de tempo te construído essa capacidade, através da adaptação a um
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permanente estado de adversidade e divergência, moldando o interior das instituições e
capacitando-as para as respostas necessárias.
Contudo, persistem diversos desafios e riscos. Ao construir uma solução conjunta entre
o programa ‘Next Generation EU e o Quadro Financeiro Multianual 2021-2027, e
assumindo simultaneidade negocial e interdependência entre os programas, e que estes
não se limitam apenas a solucionar a crise presente, mas também a remodelar as
economias dos Estados-membros, a UE e os seus dirigentes estão a assumir
responsabilidades e encargos que não estão isentos de riscos em caso de insucesso.
No presente, como se referiu, se colocam sérias reservas sobre a eficácia destes
fundos, a propósito da adequação dos seus montantes e a celeridade da sua execução,
perante a dimensão da crise atual (Celi et al., 2020), assim como sobre a capacidade dos
Estados-membros os absorverem. Confirmando-se a sua ineficácia, e num contexto de
assimetrias e divergências políticas, por enquanto novamente discretas, novas formas
de crise do processo de integração podem emergir, quer ao nível das lideranças políticas
quer nas opiniões públicas nacionais, como se verificou no passado. A título de exemplo,
sobre as várias fragilidades que continuam a percorrer a UE, registam-se as reações
negativas de vários atores políticos a propósito dos problemas na contratação e
distribuição das vacinas para a pandemia Covid-19.
Em conclusão, a UE corrigiu alguns erros cometidos no passado, e prossegue uma
aparente linha de crescente politização e responsabilização das suas instituições.
Perante as expetativas criadas junto das opiniões públicas nacionais, o sucesso do
programa ‘Next Generation EU’, será relevante no desenvolvimento presente e futuro do
processo de integração europeu, mas também, na definição da relevância da UE no
contexto internacional.
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UMA ABORDAGEM ADAPTATIVA DE KUZNETS À ESPERANÇA DE VIDA À
NASCENÇA: UMA APLICAÇÃO SOBRE PODERES CRESCENTES
HÜSEYIN ÜNAL
huseyin.unal@ktu.edu.tr
Universidade Técnica de Karadeniz (Turquia), Departamento de Econometria
HÜLYA KINIK
hulya.ercan@ktu.edu.tr
Universidade Técnica de Karadeniz (Turquia), Departamento de Relações Internacionais
Resumo
Este estudo visa testar a validade da hipótese de Kuznets nas principais potências
emergentes, entre os anos de 2000 e 2018, no âmbito das relações entre a esperança de vida
à nascença (ao longo do artigo - esperança de vida - EV) e o crescimento económico.
Utilizando o método de análise de dados do painel, investigamos se existe uma curva como a
Curva da Saúde de Kuznets (HKC) para a esperança de vida. Os resultados empíricos indicam
que a validade da hipótese HKC não pôde ser obtida para o Brasil, México, Federação Russa,
África do Sul e Turquia. Existe uma relação em forma de U entre estas duas variáveis para
estes países. Noutros aspetos, encontramos provas empíricas de uma Curva de Kuznets e
relações em forma de U invertida entre o crescimento económico e a esperança de vida para
a Austrália, China, Indonésia e Coreia. As evidências empíricas sugerem também que não
existe qualquer relação entre o crescimento económico e a esperança de vida na Índia.
Palavras-chave
Esperança de vida, potências em ascensão, crescimento económico, análise de dados
de painel, hipótese de Kuznets.
Como citar este artigo
Ünal, Hüseyin; Kinik, Hülya (2021). Uma abordagem adaptativa de Kuznets à Esperança de
Vida à Nascença: Uma aplicação sobre poderes crescentes. Janus.net, e-journal of
international relations. Vol12, Nº. 2, November 2021-April 2022. Consultado [em linha] em
data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.11
Artigo recebido em 17 Outubro 2020 e aceite para publicação em 19 Março 2021
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Uma abordagem adaptativa de Kuznets à Esperança de Vida à Nascença:
uma aplicação sobre poderes crescentes.
Hüseyin Ünal, Hülya Kınık
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UMA ABORDAGEM ADAPTATIVA DE KUZNETS À ESPERANÇA DE
VIDA À NASCENÇA: UMA APLICAÇÃO SOBRE PODERES
CRESCENTES
1
HÜSEYIN ÜNAL
HÜLYA KINIK
Introdução
A esperança de vida está entre os indicadores mais significativos de saúde e bem-estar
público amplamente utilizados para medir o estado geral de saúde de uma população.
Na prática, é um indicador razoável da saúde da população (Canning 2012: 1784) e uma
medida que resume o nível de mortalidade de uma determinada população num
determinado ano. Fornece-nos informação-chave sobre o nível de desenvolvimento do
Estado-Providência de um país (Bayın, 2016: 94). As questões de saúde tornaram-se
essenciais, uma vez que os países com maior esperança de vida têm tendência para
mostrar um melhor vel de desenvolvimento e alcançar um desenvolvimento económico
a longo prazo (Hassan et al, 2016: 105).
Neste contexto, analisamos a relação e causalidade entre a esperança de vida e o
crescimento ecomico e diferentes variáveis de controlo sob a "hipótese de curva em U
invertida" de Simon Kuznets para 10 potências em asceno denominadas grupo BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) e países MIKTA (México, Indonésia, Coreia,
Turquia e Austrália) durante o período 2000-2018, utilizando o método de dados de
painel. Embora o fenómeno das potências em ascenção seja um conceito novo, tem sido
objeto de muitos estudos, mas tem havido muito pouca publicação sobre o seu estado
de saúde. Estes países não só o prioridade ao desenvolvimento económico, como
também colocam a ênfase na cooperação no domínio da saúde global. Foram
reconhecidos pela sua capacidade e potencial para influenciar a saúde global. Por outro
lado, os países BRICS e MIKTA representam em conjunto quase 50% da população
mundial. Por conseguinte, é crucial analisar a sua situação em termos de esperança de
vida como uma representação-chave do estado geral de saúde de uma população.
Ao longo das últimas décadas, novas potências em ascensão alcançaram um sucesso
notável no que diz respeito à sua esperança de vida. Estas melhorias têm sido o resultado
de vários fatores, tais como rendimentos crescentes e maior escolaridade, bem como das
tentativas dos governos para desenvolver o estado de saúde dos seus cidadãos. A
esperança de vida global à nascença em 2018 era de 72,5 anos, variando entre os mais
1
Artigo traduzido por Cláudia Tavares.
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uma aplicação sobre poderes crescentes.
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baixos, 63,9 anos para a África do Sul, e os mais altos, 82,7 anos para a Austrália, entre
países selecionados. Como mostra a Figura 1., durante o período em questão, houve um
aumento da esperança de vida na África do Sul, mas esta está ainda abaixo da média
mundial. Por outro lado, a Austrália e a Coreia figuram entre as dez nações com a maior
esperança de vida. A esperança de vida à nascença é de 77,4 anos para a população
total da Turquia, que em 2018 ocupava o 52º lugar no ranking mundial.
Figura 1 - Esperança de vida à nascença (ambos os sexos combinados, nível mundial,
2018)
Fonte: Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial
Neste contexto, este estudo está organizado da seguinte forma: a primeira parte resume
a literatura existente sobre os determinantes da esperança de vida; a secção 2 revê a
Hipótese Kuznets como base teórica e descreve o método de recolha de dados e a
metodologia do estudo; a secção 3 examina os resultados do estudo e a última secção
relata as conclusões.
1. Revisão da Literatura sobre os Determinantes da Esperança de Vida
Numerosos estudos anteriores, dedicados a investigar diferentes determinantes da
esperança de vida, tomaram em consideração vários fatores como rendimento, inflação,
escolaridade, despesas de saúde, melhor cobertura de água e saneamento, taxa de
emprego, urbanização, e muitos outros. No entanto, existe uma falta de consenso sobre
as variáveis que determinam a esperança de vida na avaliação empírica. O único
consenso é que os rendimentos afetam positivamente a esperança de vida.
No seu estudo transversal, Grossman (1972) investigou que a inflação afeta
negativamente a esperança de vida, e que o bem-estar das famílias era geralmente
50
55
60
65
70
75
80
85
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Brasil (74) China (51) Indonésia (124)
Austrália (6) Federação Russa (105) África do Sul (153)
Coreia, Rep. (9) India (124) México (48)
Turquia (52) Mundo (Total)
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prejudicado devido ao aumento dos preços. Preston (1976) avaliou a importância relativa
do rendimento e as variações no rendimento na determinação dos níveis e flutuações no
nível de esperança de vida. O principal resultado do seu estudo é que a esperança de
vida estava correlacionada com o rendimento per capita, mas com o passar do tempo as
mudanças no rendimento têm sido bastante insignificantes desde a Segunda Guerra
Mundial para afetar as mudanças na esperança de vida.
No seu estudo, Rogers e Wofford (1989) descobriram que a urbanização, a população
agrária, a taxa de analfabetismo, a água potável, as calorias médias por pessoa e o
médico por população tinham um papel significativo na esperança de vida dos estados
em desenvolvimento. Gulis (2000) constatou que o rendimento per capita, a despesa
pública em saúde, o acesso à água, o consumo calórico e a taxa de alfabetização são
altamente eficazes na determinação da esperança de vida para 156 países do mundo.
Kalediene e Petrauskiene (2000) indicaram que a urbanização está entre os principais
fatores determinantes da esperança de vida, tanto para os países desenvolvidos como
para os países em desenvolvimento, uma vez que o capazes de alcançar uma melhor
ajuda médica, mais oportunidades de educação e um contexto social e económico
avançado que afeta positivamente a saúde.
Hussain (2002) também estudou fatores que afetam a esperança de vida com base nos
dados transversais utilizando múltiplos OLS. O resultado do seu estudo sugeriu que a
esperança de vida nos países em desenvolvimento poderia ser significativamente
desenvolvida se fosse dada muita atenção à diminuição da fertilidade e ao aumento do
consumo de calorias.
Yavari e Mehrnoosh (2006) examinaram como os fatores socioeconómicos afetam a
esperança de vida com base na análise de regressão múltipla. Os resultados do seu
estudo sugerem uma interação positiva e forte entre esperança de vida e rendimento per
capita, despesas de saúde, taxa de alfabetização e consumo calórico diário. O seu estudo
também mostra que o número de pessoas por médico afeta negativamente a esperança
de vida nos países africanos. Erdogan e Bozkurt (2008) analisaram a correlação entre a
esperança de vida e o desenvolvimento económico na Turquia entre 1980-2005 com base
no modelo de teste de fronteira ARDL. Afirmaram que o crescimento económico afeta
positivamente a esperança de vida na Turquia.
Kabir (2008) examinou os fatores socioeconómicos que têm efeito na esperança de vida
com dez variáveis amplamente utilizadas para 91 países em desenvolvimento, aplicando
modelos de sondas de regressão múltipla. Os resultados sugerem que quase todas as
variáveis explicativas se revelaram sem importância, mostrando que as condições
socioeconómicas não podem ser consideradas como influentes na esperança de vida das
nações em desenvolvimento a todo o momento.
Lei et al. (2009) exploraram os determinantes socioeconómicos da esperança de vida em
Pequim, utilizando o modelo de regressão linear por etapas. Os resultados mostram que
o espaço disponível por residente rural e o PIB per capita têm uma relação positiva com
a esperança de vida, ao passo que existe uma relação negativa entre a esperança de
vida e a proporção da população rural e a taxa de analfabetismo.
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Balan e Jaba (2014) investigaram os fatores que determinam a esperança de vida na
Roménia entre 1970 e 2008. Os resultados do seu estudo revelam que existe uma relação
positiva entre a duração da vida e os salários, o número de camas nos hospitais, o
número de médicos, e o número de leitores subscritos em bibliotecas. Além disso, a
proporção da população cigana e a proporção da população analfabeta têm efeitos
negativos sobre a esperança de vida.
Bilas et al. (2014) examinaram a esperança de vida para 28 países da União Europeia
durante 2001-2011 utilizando o método de análise de dados de painel. Salientaram que
tanto o PIB per capita como o nível de escolaridade explicavam entre 72,6% e 82,6%
das diferenças na esperança de vida.
Com base em dados de 1970 a 2012, Ali e Ahmad (2014) também estudaram
determinantes da esperança de vida para Omã, utilizando o método de teste de fronteira
ARDL. Na sua análise, incluíram os seguintes fatores determinantes: rendimento per
capita, produção alimentar, taxa de escolaridade, crescimento populacional, inflação e
emissões de CO2. De acordo com os resultados, a produção alimentar e a taxa de
escolaridade afetam positivamente a esperança de vida e têm efeitos estatisticamente
significativos na esperança de vida, enquanto a inflação e o rendimento per capita
tiveram impactos negativos e não razoáveis na esperança de vida. Os resultados também
sugerem que o crescimento da população teve um efeito negativo e significativo na
esperança de vida, enquanto as emissões de CO2 tiveram um impacto positivo e
estatisticamente insignificante na esperança de vida a longo prazo e um efeito negativo
e estatisticamente significativo a curto prazo.
Jaba et al. (2014) estudaram a correlação das despesas de saúde com a esperança de
vida em 175 países selecionados, entre 1995 e 2010, utilizando o método de dados de
painel. Existe uma correlação significativa entre estas duas variáveis.
Memarian (2015) analisou a relação entre as despesas de saúde, esperança de vida e
crescimento económico no Irão, de 1989 a 2011, implementando o modelo econométrico
ARDL. Constatou que à medida que a esperança de vida e a despesa com a saúde
aumentavam, o crescimento económico também.
Com base no método de análise A Vector Autoregression (VAR), Sede e Ohemeng (2015)
analisaram os determinantes socioeconómicos da esperança de vida na Nigéria entre
1980 e 2011. Mediram os efeitos de diferentes variáveis independentes da seguinte
forma: rendimento per capita, matrícula no ensino secundário, despesas públicas em
saúde, taxa de desemprego e taxa de câmbio de Naira. A taxa de escolarização no ensino
secundário, o rendimento per capita e as despesas governamentais com a saúde não
foram significativos na determinação da esperança de vida na Nigéria. No entanto, o
desemprego e a taxa de câmbio tiveram um efeito significativo na esperança de vida.
Şahbudak e Şahin (2015) estudaram a relação entre os indicadores de saúde e o
crescimento económico nos países BRIC entre 1995 e 2013, utilizando o método de dados
de painel. Utilizaram o PIB como variável dependente e incluíram a percentagem das
despesas de saúde no PIB, a esperança de vida à nascença e as taxas de mortalidade
infantil como variáveis independentes. Os resultados mostraram que existe uma relação
positiva entre a parte das despesas de saúde no PIB, a esperança de vida à nascença e
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o crescimento económico; mas existe uma correlação negativa entre o crescimento
económico e as taxas de mortalidade infantil.
Monsef e Mehrjardi (2015) estudaram os determinantes da esperança de vida em 136
países durante 2002 e 2010 com base no método de análise de dados do painel. O seu
estudo mostra que o desemprego e a inflação têm um efeito negativo significativo na
esperança de vida. Contudo, existe uma relão positiva entre a formação bruta de
capital, o rendimento nacional e a esperança de vida.
Hassan et al. (2016) pesquisaram a relação entre a taxa de esperança de vida e as
despesas de saúde, PIB, índice de escolaridade, melhor cobertura de água e saneamento
melhorado em 108 países em desenvolvimento durante 2006-2010, com base na análise
de dados de painel. Os resultados empíricos indicam que existe uma correlação positiva
entre a taxa de esperança de vida e todos os indicadores selecionados.
Dentro deste quadro, este documento tenta responder que fatores determinam a
esperança de vida como um elemento-chave para o estado de saúde da nação para os
grupos BRICS e MIKTA com base na análise de dados de painel como um paralelo do
modelo teórico de Kuznetz. Vários autores examinaram a hipótese de Kuznets com dados
de vários países, mas estes estudos testaram geralmente a validade desta hipótese,
analisando a relação entre o crescimento dos rendimentos e a poluição ambiental. Por
conseguinte, este estudo dará uma contribuição significativa à escassa literatura que
testou a validade da hipótese de Kuznets em matéria de saúde. No entanto, a seleção de
países é outra contribuição substancial para a literatura existente sobre o aumento das
grandes potências. Com base na revio da literatura, os dados utilizados neste estudo
foram listados abaixo e todos eles foram obtidos a partir do website do Banco Mundial.
EV = Esperança de vida à nascença, total (anos)
PIB = PIB real per capita (constante 2010)
TINF = Taxa de inflação (anual %)
DP = Densidade populacional (pessoas por km
2
)
DcS per capita = Despesas correntes de saúde per capita (% do PIB)
TF = Taxa de fertilidade (nascimentos por mulher)
2. Teste para uma curva de Kuznets: Metodologia Econométrica
A "hipótese da curva em U invertida de Simon Kuznets" está entre os argumentos mais
duradouros e significativos da história das ciências sociais. O objetivo central de Kuznets
era questionar se a desigualdade na distribuição do rendimento aumenta ou diminui
durante o crescimento económico de um país (Kuznets, 2015: 1). Na fase inicial de
desenvolvimento, verifica-se pouca desigualdade num país pobre. Mais tarde, a
desigualdade piora à medida que os rendimentos aumentam, mas depois de atingir um
pico, a desigualdade começa a diminuir com mais aumento do crescimento. Estudos
atuais que referiram e testaram uma hipótese de saúde de Kuznets são bastante raros.
Enquanto alguns dos estudos confirmaram uma curva de Kuznets, outros o
encontraram qualquer prova. Por exemplo, Sahn e Younger (2009) examinaram a relação
entre o nível de bem-estar e a desigualdade a nível inter-país e intra-domiciliário,
aplicando o índice de massa corporal (IMC) dos indivíduos como o indicador de bem-
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estar. Não encontraram provas de uma curva quadrática para a qualidade do IMC. Molini
et al. (2010) exploraram também uma relação entre o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) e o índice de concentração do IMC nos países em desenvolvimento que
aplicam especificações quadráticas. Encontraram uma relação em forma de U entre as
desigualdades no IMC e o IDH para o Vietname.
No estudo, a hipótese Kuznet adaptada para 10 potências crescentes entre 2000 e 2018
é testada com o seguinte modelo:


 


 

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 

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



 

(1)
onde, i denota poderes crescentes, t denota o ano 2000-2018 sob observação, γ_0
denota um termo constante,
,
,
,
,
e
denotam os efeitos dos regressores
na esperança de vida, e e_it denota o termo de erro. Além destes, 

é a esperança
de vida transformada em log, 

é o PIB real per capita real log-transformado, 

é a despesa corrente de saúde transformada em log, 

é a densidade populacional
transformada em log, 

é a taxa de fertilidade transformada em log e 

é a taxa
de inflação. Os dados sobre a esperança de vida (ano), PIB real per capita (constante
2010), taxa de fertilidade (nascimentos por mulher), despesas correntes de saúde (%
do PIB), densidade populacional (pessoas por km2) e taxa de inflação (% anual) são
obtidos a partir dos Indicadores de Desenvolvimento Mundial.
A equação (1) indica os efeitos do crescimento económico, da taxa de inflação, das
despesas de saúde, da densidade populacional e da taxa de fertilidade na esperança de
vida. Apresentamos também um modelo experimental para examinar se existe um KC
para a esperança de vida, acrescentando 

ao modelo. Se
e
, haverá
uma relação em U entre a esperança de vida e a taxa de crescimento real do PIB, mas
se
e
, haverá uma relação inversa em forma de U entre a taxa de crescimento
real do PIB e a esperança de vida (HKC válido).
2.1. Teste de dependência transversal
É importante testar a Dependência Transversal (CD) na estimativa de modelos de dados
do painel. Se o CD for verificado, os resultados estimativos podem ser imparciais e
consistentes (Pesaran, 2004; Breusch & Pagan, 1980). Por conseguinte, a dependência
da secção transversal deve ser determinada em dados de painel. O teste LM proposto
por Breusch e Pagan (1980) é utilizado para dados de painel cuja dimensão de secção
transversal (N) é menor do que a dimensão temporal (T). A estatística do teste LM é
calculada da seguinte forma:
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uma aplicação sobre poderes crescentes.
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189








  

No qual

denota os coeficientes de correlação e calculados da seguinte forma:











Para o teste LM, a hipótese nula é





(as secções transversais o
independentes) e a hipótese alternativa é




 

(as secções
transversais são dependentes).
2.2. Teste de raiz da unidade de painel
Na literatura existente, de acordo com a dependência transversal, os testes de raiz da
unidade de painel são examinados em dois grupos como primeira geração e segunda
geração. Os testes de raiz da primeira geração de unidades dão resultados pouco fiáveis
na ocorrência de CD. Os testes de raiz de unidades de segunda geração são testes que
são robustos ao CD (Pesaran, 2007; Phillips & Sul, 2003). Neste estudo, utilizamos os
testes de segunda geração de unidades CADF (ADF de secção transversal aumentada) e
CIPS (IPS de secção transversal aumentada) para examinar a estacionaridade da série
(Pesaran, 2007). A regressão CADF é identificada em Eq.(4).


 

 

 

 


Em primeiro lugar, as estatísticas do CADF o calculadas para cada secção transversal
dos dados do painel a partir dos rácios t statistcs de β_i na Eq.(4) apresentada. Em
seguida, as estatísticas CIPS são calculadas para todo o painel, tomando a média das
estatísticas de teste do CADF.




Em Eq. (5) os valores estatísticos CIPS são comparados com a tabela Valores Críticos
(CV) calculados pela simulação de Pesaran de Monte Carlo, que testa as hipóteses
estacionárias. Se os valores estatísticos CIPS calculados forem menores do que a tabela
CV, a hipótese nula, que pressupõe a existência da raiz unitária, é recusada. Caso
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190
contrário, a hipótese nula é aceite e diz-se que as séries não são estacionárias (Pesaran,
2007: 277-278).
2.3. Teste de homogeneidade em declive
É importante verificar a homogeneidade da inclinação das unidades de secção transversal
nos dados do painel, na ocorrência de CD. Isto porque as unidades no painel de dados
podem interagir entre si e pode ocorrer uma heterogeneidade de declives. Por
conseguinte, é necessário verificar a homogeneidade da inclinação a fim de fazer uma
estimativa fiável (Breitung, 2005). Os primeiros estudos conhecidos na literatura sobre
heterogeneidade com dados de painel foram conduzidos por Swamy (1970). A próxima
estatística de dispersão padronizada 
 e a que foi ajustada de forma tendenciosa 


foi proposta por Pesaran e Yamagata (2008). Estass estatística, que utilizam


and 




, são descritas nas seguintes equações










onde
denota estatística do teste Swamy. No teste de heterogeneidade, a hipótese nula
é definida como sendo os coeficientes de inclinação homogéneos.
2.4. O medidor AMG
Este artigo faz uso do medidor do Grupo de Média Aumentada (AMG) que é imune à
heterogeneidade de declives e CD. O medidor AMG foi proposto por Eberhardt e Teal
(2010) e Eberhardt e Bond (2009). O procedimento para o teste AMG é mostrado em
Eq.(8) e Eq.(9).


 



 

 





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em Eq.(8) exprimem uma regreso OLS na primeira diferença, θ e Δ representam o
coeficiente da variável fictícia e o operador da primeira ordem de diferença,
respetivamente, em Eq.(9) cujo
indica as estimativas de
.
3. Resultados empíricos e discussão
Neste artigo, foram analisados os impactos do crescimento económico, da taxa de
inflação, das despesas de saúde, da densidade populacional e da taxa de fertilidade na
esperança de vida à nascença para 10 potências crescentes, usando o método de dados
de painel, durante o período de 2000 a 2018. A tabela 1. mostra a soma das estatísticas
dos países selecionados com base nestas variáveis. Utilizando estes dados, em primeiro
lugar, a dependência transversal da série (desde T> N) foi examinada com o teste LM
Breusch e Pagan (1980). De acordo com os resultados do CD, a estabilidade das variáveis
foi testada com o teste CIPS, um dos testes de raiz de unidade de segunda geração, e
os resultados dos testes foram apresentados na Tabela 2. Na segunda etapa, a
heterogeneidade dos parâmetros de inclinação foi verificada com o teste de Pesaran e
Yamagata (2008) e os resultados foram resumidos na Tabela 3. Na fase final, a relação
entre as séries foi estimada utilizando o medidor AMG que é resistente ao CD e à
heterogeneidade do coeficiente de inclinação, e os resultados foram apresentados na
Tabela 4.
Tabela 1 - Estatísticas sumárias dos pses BRICS e MIKTA
País
EV
PIB
HE
POPD
FR
INF
Austrália
81.360
51209.913
8.449
2.838
1.837
2.694
Brasil
73.130
10468.200
8.393
23.122
1.901
6.495
China
74.127
4361.510
4.443
141.673
1.632
2.196
India
66.157
1334.378
3.678
407.740
2.697
6.363
Indonésia
68.742
3073.312
2.691
132.004
2.460
6.788
Coreia, Rep.
79.656
22021.771
5.865
508.278
1.195
2.525
México
75.005
9545.083
5.618
57.856
2.390
4.638
Federação Russa
68.465
9996.949
5.100
8.790
1.498
10.727
África do Sul
57.844
7048.591
7.355
41.959
2.568
5.360
Turquia
74.010
11091.942
4.769
93.621
2.215
16.364
Estatísticas Descritivas
dia
71.850
13015.170
5.636
141.788
2.039
6.415
Mediana
72.760
9139.397
5.237
73.542
2.099
4.920
ximo
82.749
56864.330
9.467
529.359
3.311
54.915
Mínimo
53.444
826.593
1.909
2.493
0.977
-0.732
Desvio padrão
6.858
14041.350
1.916
166.825
0.506
6.923
Enviesamento
-0.679
1.995
0.243
1.314
-0.048
4.668
Curtose
3.285
5.999
2.030
3.211
2.293
30.717
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A Tabela 1. ilustra que a Austrália tem o valor mais elevado em termos de esperança de
vida, rendimento per capita e despesas de saúde, e tem o valor mais baixo em termos
de densidade populacional. Embora a Coreia tenha a mais baixa taxa de fertilidade, é o
país com a mais alta densidade populacional. A Turquia e depois a Rússia diferem muito
dos outros países em termos de altas taxas de inflação. Com exceção da Coreia do Sul,
Austrália e China, todos os países da tabela têm taxas de inflação acima da média
mundial. Embora a Índia chame a atenção como o país com a taxa de fertilidade mais
elevada, tem geralmente o último lugar entre os países em termos de outras variáveis.
A esperança de vida da Índia é inferior à de outros países da tabela.
Tabela 2 - Resultados da dependência da secção transversal e dos testes de raiz da
unidade de painel
Breusch-Pagan LM [valor-p]
CIPS-stat. (nível)
InEVN
646.60*** [0,000]
-2.599***
InPIB
725.02*** [0,000]
-2.671***
InPIB
2
723.02*** [0,000]
-2.597***
InDcS per capita
266.68*** [0,000]
-2.575***
InDP
702.39*** [0,000]
-3.089***
InTF
464.53*** [0,000]
-2.316**
TINF
107.81*** [0,000]
-2.898***
Notas: ** e *** denotam os níveis de significância de 5% e 1%, respetivamente. Os valores
críticos para o teste CIPS são -2.560, -2.290 e -2.150 a 1,5, e 10 por cento a nível,
respetivamente.
De acordo com os resultados Breusch-Pagan LM apresentados na Tabela 2, a hipótese
nula é recusada e a hipótese alternativa, que afirma que existe um CD, foi aceite. Por
conseguinte, foi decidido que existe um CD entre as unidades. As estatísticas CIPS,
utilizadas na ocorrência do CD, apresentadas à direita da Tabela 2. demonstraram que
todas as variáveis são estacionárias nos níveis.
Tabela 3- Resultados do teste de heterogeneidade do declive
Homogeneidade do declive
Estatísticas de teste
Valor-p
5.556***
0.000

7.301***
0.000
Nota: *** indica 1% de nível de significância
Os testes de homogeneidade dos coeficientes de declive foram verificados pelo teste de
Pesaran e Yamagata (2008). De acordo com todas as estatísticas padronizadas de
dispersão
e ajustadas por enviesamento

apresentadas na Tabela 3., a hipótese
nula que assume que os coeficientes de inclinação o homogéneos é rejeitada ao nível
de significância de 1%.
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A Tabela 4. mostra que a hipótese HKC é válida na Austlia, China, Indonésia e Coreia,
sugerindo que a esperança de vida aumenta com o desenvolvimento económico até um
ponto de viragem, enquanto o crescimento económico continua a aumentar, a esperança
de vida começa a diminuir após este ponto de viragem. Por outro lado, existe uma relação
em U entre a esperança de vida e o crescimento económico para o Brasil, México,
Federação Russa, África do Sul e Turquia. Por outras palavras, para estes países, à
medida que o crescimento económico aumenta, a esperança de vida diminui até um
ponto de viragem e depois estas variáveis começam a aumentar em conjunto. A
densidade populacional e a taxa de fertilidade afetam positivamente a esperança de vida
à nascença na Índia, e não existe qualquer relação entre o crescimento económico e a
esperança de vida à nascença.
Tabela 4- Resultados da estimativa de parâmetros AMG do painel para a Esperança de
Vida
País
InGDP
InGDP
2
InHE
InPOPD
InFR
INF
HKC
Austrália
17.666***
[0.000]
-0.813***
[0.001]
-0.048
[0.342]
-0.204***
[0.008]
-0.058**
[0.013]
-0.001
[0.680]
Brasil
-3.428**
[0.031]
0.180**
[0.034]
-0.012
[0.272]
-0.266***
[0.000]
-0.242***
[0.000]
-0.001
[0.339]
Em
forma
de U
China
0.173**
[0.014]
-0.015***
[0.000]
-0.005
[0.257]
1.060***
[0.000]
0.015
[0.917]
-0.001
[0.781]
India
0.177
[0.270]
-0.015
[0.146]
0.006
[0.396]
0.412***
[0.000]
0.113***
[0.000]
-0.001
[0.257]
X
Indonésia
2.194***
[0.008]
-0.146***
[0.004]
0.002
[0.674]
0.308***
[0.008]
-0.391**
[0.014]
-0.001
[0.385]
Rep. Coreia
2.144***
[0.000]
-0.108***
[0.000]
0.012
[0.361]
-0.164
[0.391]
-0.022***
[0.000]
-0.001
[0.610]
México
-7.041***
[0.006]
0.385***
[0.006]
0.031***
[0.002]
-0.917***
[0.000]
-0.559***
[0.000]
-0.001***
[0.006]
Em
forma
de U
Federação
russa
-3.071***
[0.006]
0.172***
[0.005]
0.049**
[0.029]
0.151
[0.665]
-0.025
[0.234]
-0.001
[0.643]
Em
forma
de U
África do Sul
-51.547***
[0.000]
2.906***
[0.000]
0.082
[0.170]
0.769***
[0.000]
0.491*
[0.053]
-0.001
[0.498]
Em
forma
de U
Turquia
-1.994***
[0.002]
0.108***
[0.002]
0.009
[0.358]
-0.118
[0.134]
-0.144*
[0.078]
-0.001***
[0.000]
Em
forma
de U
Painel
-4.473
[0.427]
0.266
[0.392]
0.013
[0.258]
0.103
[0.565]
-0.082
[0.363]
-0.001***
[0.000]
X
Notas: ***, ** e * denotam, respetivamente, 1, 5 e 10 por cento nos veis. Os coeficientes INF são
tomados como -0,001 porque os parâmetros são inferiores a -0,001 nos modelos.
De acordo com os resultados da Tabela 4, as despesas de saúde afetam positivamente a
esperança de vida apenas no México e na Federação Russa, e não existe qualquer relação
entre as variáveis dadas noutros países. Os resultados também demonstram que a taxa
de fertilidade tem um efeito negativo na esperança de vida em geral. O coeficiente da
taxa de inflação é negativo para cada país, mas esta variável o afeta a esperança de
vida no período em questão, exceto na Turquia e no México. Embora a densidade
populacional afete negativamente a esperança de vida na Austrália, Brasil e México, tem
um efeito positivo na esperança de vida na China, Índia, Indonésia e África do Sul.
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Conclusão
A esperança de vida é um dos indicadores mais importantes de saúde e bem-estar da
comunidade, utilizado para medir o estado geral de saúde da população. É uma medida
identificável do nível global de mortalidade de uma dada população durante um
determinado período de tempo e é frequentemente utilizada para comparar as
disparidades do estado de saúde entre países. A esperança de vida é também um
indicador do desenvolvimento económico e social de um país. Existem vários estudos que
visam revelar o nível de esperança de vida e as variáveis que a afetam. Alguns destes
estudos visavam analisar as tendências da esperança de vida ao longo do tempo; alguns
deles visavam comparar o estado de saúde dos países; outros visavam examinar a
relação entre a esperança de vida e as variáveis que afetam a esperança de vida. Espera-
se que a identificação dos fatores que afetam a esperança de vida contribua para o
planeamento dos futuros recursos e serviços de saúde. Além disso, aprender mais sobre
as relações entre estas duas variáveis é significativo para a implementação de políticas
para os governos enfrentarem os desafios resultantes do aumento da esperança de vida.
Neste estudo, examinamos a existência de uma relação quadrática entre o crescimento
económico e a esperança de vida à nascença para os países BRICS e MIKTA e testamos
a curva de Kuznets de saúde e que tem sido amplamente ignorada na literatura,
utilizando o método de dados de painel. Os resultados do modelo AMG aplicado no estudo
sugerem que a relação entre o crescimento económico e a esperança de vida parece
encaixar numa curva de Kuznets para a Austlia, China, Indonésia e Coreia. Por outro
lado, a validade da hitese de HKC não pôde ser obtida para o Brasil, México, Federação
Russa, África do Sul e Turquia. Existe uma relação em forma de U entre o crescimento
económico e a esperança de vida à nascença para estes países. Não encontrámos
qualquer evidência de uma curva quadrática para a Índia, o que significa que não existe
uma relação quadrática entre o crescimento económico e a esperança de vida à nascença.
Neste caso, pensa-se que pode haver uma relação linear entre o crescimento económico
e a esperança de vida à nascença para a Índia no período examinado, e recomenda-se a
realização de mais estudos para revelar até que ponto e como exatamente estes ou
outros fatores afetam a esperança de vida nas grandes potências em ascensão.
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SOB A BRISA DO ÍNDICO PORTUGUÊS:
TURISMO E PATRIMÓNIO EM ZANZIBAR
MARIA JOÃO CASTRO
mariajoaocastro@fcsh.unl.pt
Doutorada em História da Arte Contemporânea e investigadora integrada do Centro de
Humanidades (CHAM) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa (NOVA/FCSH, Portugal). Integrou comissões científicas, organizou e participou em eventos
académicos, ações levadas a cabo em Portugal, Espanha, França, Escócia, Ronia, Itália,
Dubai, Brasil, Nova Zelândia e Zanzibar, dos quais resultou a publicação de artigos. Os seus
domínios de especialização centram-se na História da Arte e Cultura Contemporânea, infletindo
na ligação da Arte com o Poder quer em relação à Viagem e aos Estudos (Pós) Coloniais, quer no
que concerne ao Turismo. É presentemente bolseira de Pós-Doutoramento da Fundação para a
Ciência e a Tecnologia com o projeto “ArTravel. Viagem e Arte Colonial na Cultura
Contemporânea”.
Resumo
O turismo é, em pleno século XXI,a maior indústria a nível mundial constituindo
umfenómenoestruturadoa partirde uma articulaçãodinâmica e tentacular.De entre
asformasque o fenómeno consagra, o chamado “turismo de memória” tem vindo a
ganharrelevância,assente numa herança colonial cujas valências se formulam segundo
umareminiscênciade uma cultura/património outrora partilhada: a dos imrios
ultramarinos.Ao ganharem um novo protagonismo, esteslugarespós-coloniaisabrem-se a
novasleituras,respondendo a um desafio societal da mobilidade contemporânea através
doolhar para a viagem como forma de construir cultura e definir identidades, pelo que se
propõe cartografar o patrimóniode raiz portuguesa no arquipélago de Zanzibar,lugar integra
dono império lusitano durante duzentos anos e fonte de multiculturismo e alteridadede que
o nosso tempo é herdeiro.
Palavras-chave
Impérios Coloniais, Índico, Património, Turismo, Contemporaneidade.
Como citar este artigo
Castro, Maria João (2021). Sob a Brisa do Índico português: turismo e património em
Zanzibar. Janus.net, e-journal of international relations. Vol12, .2, Novembro 2021-Abril
2022. Consultado [em linha] em data da última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-
7251.12.2.12
Artigo recebido em 22 Abril 2021 e aceite para publicação em 10 Agosto 2021
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Sob a Brisa do Índico português: turismo e património em Zanzibar
Maria João Castro
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SOB A BRISA DO ÍNDICO PORTUGUÊS:
TURISMO E PATRIMÓNIO EM ZANZIBAR
MARIA JOÃO CASTRO
Introdução
O turismo é hoje a indústria com maior impacto na economia mundial, constituindo um
fenómeno global e transversal de âmbito tentacular. Na sua génese, turismo e
colonialismo não são fenómenos da mesma ordem, mas a atividade turística e o
imperialismo são produtos fruto de um mesmo contexto encontrando-se
intrinsecamente ligados uma vez que passam ambos pela posse de um território e da
sua exploração.Certo é que a ascendência dos impérios europeus no desenvolvimento
do turismo tem um forte impulso nas Exposições Universais, montras dos territórios
ultramarinos que, ao cristalizarem toda uma imagética exótica e longínqua,
impulsionaram uma elite a embarcar na viagem colonial que em breve se massificaria,
contribuindo para o fenómeno turístico global contemporâneo.
1
As motivações por trás
de tal ímpeto assentam em razões distintas, mas uma há que tem vindo a ganhar peso
quando se trata de eleger um destino de viagem: a nostalgia pós-colonial que aspira a
visitarlugares parados num certo tempo-pedra, ainda não totalmente contaminados por
uma urbanidade acelerada, devolvendo momentaneamente uma vivência que o
quotidiano da sociedade ocidental há muito excluiu. Esta espécie de “turismo da
saudade” tem vindo a ganhar adeptos e percebe-se porquê. Seja pela arquitetura, pela
herança cultural, pelo apelo ao “Bom Selvagem” que em nós, pelo legado artístico
ou outro motivo enraizado num pretérito comum, as ex-colónias europeias têm vindo a
tornar-se em destinos turísticos de eleição. Por outro lado, o facto de o turismo ser um
aliado basilar do desenvolvimento económico, social e cultural, gerando importantes
receitas, tem aumentado a pressão sobre as tutelas, havendo a necessidade de
administrá-lo de forma responsável e com pensamento crítico, pelo que é um assunto
presente nas agendas dos governos, nomeadamente no que concerne ao património a
preservar, seja ela material ou imaterial.
Neste sentido, o chamado “Turismo de Memóriatem vindo a ganhar um protagonismo
cada vez maior não só dentro das políticas nacionais e regionais dos governos como no
âmbito da investigação académica. Daí que esta reflexão proponha criar uma rota de
“Turismo de Memória” de herança portuguesa em Zanzibarrespondendo à questão: que
1
Claro que o turismo enquanto fenómeno social o surgiu nas Exposições; ele tem a sua genealogia nos
finais do século XVII, início do XVIII com o Grand Tour, movimento nascido no seio da aristocracia inglesa
que se propôs concluir a sua educação através da verificação/visitação do passado civilizacional. Porém,
essa viagem foi sempre canalizada para os grandes centros artísticos europeus (primeiro Itália, depois
França e Grécia) pelo que não contemplou os territórios do império cujos residentes/visitantes eram
maioritariamente, compostos por missionários, administradores e tropas.
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herança patrimonial de raiz portuguesa se pode encontrar no arquipélago de Zanzibar?
A sua justificação assenta na centralidade no património enquanto legado de uma
memória partilhada e tem objetivo basilar ser um facilitador da integração do turista na
História tornando-se parte dela. Por outras palavras: o estimular pelo conhecimento
pelo “outro” faz com que nos conheçamos melhor a nós mesmos numa
interculturalidade efetiva e plena. A concretização deste objetivo central obriga a uma
investigação em sinergia daí a metodologia eleita se ancorar na interdisciplinaridade
(ciência histórica, património, arqueologia e história da arte) de vocação e valorização
transfronteiriça com ênfase pluricontinental.Porquanto se trate de património material e
imaterial, as fontes são, sobretudo, bibliográficas e arqueológicas e estendem-se dos
arquivos nacionais portugueses às instituições tutelares de conservação do arquipélago
de Zanzibar. Quanto à sua relevância esta assenta no facto de responder a um desafio
societal tentacular da mobilidade contemponea através do olhar para a viagem como
forma de construir cultura e definir identidades entre visitantes e visitados produzindo
conhecimento e experiências capazes de contribuir para uma ciência cidadã e
esclarecida.
I. Contexto Histórico-Patrimonial
Como se sabe, o patrinio é na sua essência de ordem memorial e que o que o
caracteriza é o seu carácter simbólico uma espécie de aura imortalizante” (Lourenço,
2015a: 54), de um momento transcorrido, uma vez que todas as obras humanas têm
o seu tempo contado. Ora a diversidade cultural decorrente da ação humana ao longo
do tempo num determinado lugar tem vindo a ser valorizada pelo seu pluralismo,
característica que permite desenvolver um conhecimento plurívoco. Depois de um
período em que o anticolonialismo dominava a opiniãoblica, a crispação pós-
colonial foi lentamente dando lugar a um entendimento menos exclusivo do encontro
de culturas cuja preocupação se veio a centrar na preservação do património legado.
Um dos exemplos de tal atitude foi a criação em 1998 da rede do Comité Científico
Internacional do ICOMOS
2
e, no seio deste, do Comité para a Partilha da Herança
Colonial.
3
Esta organização tem vindo a chamar a atenção para a necessidade de unir
esforços no sentido de preservar, estudar e promover os bens patrimoniais, dada a
importância da diversidade cultural enquanto fonte de intercâmbios, inovação e
criatividade das gerações presentes e futuras.
Assim, e dentro desta dinâmica dual (turismo-património) a UNESCO
4
tem vindo a
classificar lugares, práticas e expressões, reconhecidas como parte integrante de uma
cultura. E foi o que aconteceu em 2000 com Stone Town, a parte antiga da cidade de
Zanzibar na ilha homónima que viu chegar os primeiros europeus em 1503, aquando
das viagens de exploração do Caminho Marítimo para a Índia.
Conforme rezam as crónicas, os portugueses foram os primeiros europeus a
instalarem-se em Zanzibar. Vasco da Gama (1469-1524) no regresso da Índia
2
International Council on Monuments and Sites. Em linha: https://www.icomos.org/fr (acedido a
24.4.2021).
3
Em linha: https://www.icomos.org/risk/2001/colonial2001.htm (acedido a 23.4.2021).
4
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
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assinalou a ilha, conforme rezam os anais da manhã de 29 de janeiro de 1499, quando
os portugueses passaram em frente de Zanzibar (Fonseca, 1998:56):
E a um domingo, que foram vinte e sete dias do s (27.1.1499), nos
partimos daqui (baixos de S. Rafael) com mui bom vento à popa e à noite
seguinte pairámos. E quando veio a manhã nos achámos junto com uma
ilha muito grande, que se chama Zamgibar, a qual é povoada de muitos
mouros, a qual estará de terra bem a dez léguas. E ao primeiro dia de
fevereiro, à tarde, fomos pousar avante as ilhas de S. Jorge, em
Moçambique.
5
Em 1503, Rui Lourenço Ravascoimpôs ao sultão de Zanzibartributação à coroa
portuguesa. Anos depois, e firmemente estabelecidos em Moçambique e Melinde, os
sucessores de Vasco da Gama monopolizaram o tráfico da África Oriental fazendo com
que, desde 1522 (Campos, 1935:1-20), Zanzibar se tornasse num protetorado
português,embora a feitoria e a casa de hospitalização fossem estabelecidas após a
visita de Nuno da Cunha (1487-1539) à ilha, em 1527.
Em 1580, com a perda de indepenncia da coroa portuguesa para Espanha e o
consequenteenfraquecimento do império d’além mar originaria, em breve, a perda de
algumas possessões d’além mar, nomeadamenteMascate (em 1650), Melinde (em
1660) e, finalmente, Zanzibar, no ano de 1698.
Desde então, e entre os finais do século XVII e o século XIX, a genealogia que reinou
sobre a ilha deu-lhe um novo impulso, arabizando-a e preenchendo-a com edifícios de
nítidos traços islâmicos, por entre os quais surgiram arquiteturas de influências
indianas, africanas e coloniais, esta última já no século XIX, quando os ingleses
tomaram conta do governoda ilha transformando-a num protetorado. É precisamente
por essa altura em 1879 que o sultão Barghash(1870-1888) assina com o rei de
Portugal, o famoso Tratado de Amizade e Comércio. Em 1885, o reino de Portugal abre
um consulado na ilha e nomeia como primeiro cônsul Alexandre de Serpa Pinto (1846-
1900) e no século XX, entre 1911 e 1918, Aristides de Sousa Mendes (1885-
1954).Nesses tempos, opredomínio da população de raiz portuguesa na ilha era
originária de Goa, tendo-se aqui fixado dezenas de famílias que se dedicavam
maioritariamente ao comércio sendo a colónia portuguesa, a segunda em número
(cerca de 400 pessoas), a seguir à britânica (Mello, 1890:89).
5
Convém referir que antes de Vasco da Gama, Pêro da Covilhã havia avançado pela costa oriental
africana passando ao largo da ilha, disso dando conta no seu diário,ainda que de modo pouco claro. Sabe-
se que percorreu demoradamente a costa litoral da Azania, tendo integrado embarcações de comerciantes
árabes que visitavam com regularidade os portos como Mombaça, Melinde,Zanzibar, Kilwa ou Sofala. Ver
Leal Freire, Pêro da Covilhã, Gráfica S. José, Castelo Branco, 1964, p. 10.
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Imagem 1 - Reprodução do frontispício do Tratado de Amisade e Commercio, Lisboa.
Fonte: Imprensa Nacional (1940). Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios
Estrangeiros.
Centrando a atenção no património português na ilha, durante os duzentos anos que
capitaneou Zanzibar, a coroa do reino de Portugal e dos Algarves procedeu a
edificações (feitoria, igreja, hospital) e movimentações (mudança da capital) que
reconfigurariam o seu território ainda que pouco tenha subsistido até hoje. Mas
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vestígios sabem falar a quem es disposto a ouvi-los; basta atender nalguns
testemunhos para se conseguir formular um roteiro heterogéneo capaz de fazer
redescobrir parte da herança lusitana na ilha.
Contudo, esta presença e edificação patrimonial no arquipélago de Zanzibar é uma das
facetas menos estudadas sobre a expansão e presença portuguesa na África Oriental.
São conhecidos, os contributos diretos de Duarte Barbosa (c. 1480-1521), Gaspar
Correia (1492-c. 1561) e João de Barros (c. 1496-1570). Entretanto, vieram a lume os
estudos mais recentes de Abdul Sheriff e de Mark Horton que realçaram a temática,
mas só agora com a crescente importância do turismo nos PIBs dos países, foi lançado
o repto para que outros historiadores explorem o tema. Duas ordens de razão podem
justificar tal lacuna. Desde logo, o foco no destino-objetivo Índia relevando-se
para segundo plano os lugares ancoradouros da Rota; depois as fontes reduzidas e
pontuais, dispersas por documentação de natureza assaz diversa dificultam o
desenhar de um quadro nítido sobre a presença e vivência dos portugueses em terras
de Zinj. Dados com hiatos cronológicos largos, documentos disseminados por vários
arquivos sem estarem catalogados e que incluem crónicas, relatos, apontamentos
administrativos e cartas trocadas entre oficiais de Zanzibar e as instâncias de poder
sediadas em Lisboa, condicionam e explicam a raridade (para não dizer ausência) de
estudos desta realidade histórica específica. Ainda assim, a informação reunida
perspetiva linhas mestras sobre a presença portuguesa no arquipélago de Zanzibar
numa inflexão de grande potencialidade histórico-cultural.
II. Subsídios para um itinerário português em Zanzibar
Desenhar um roteiro turístico pelo património material e imaterial de herança
portuguesa em Zanzibar resgata uma história inscrita aquando da navegação e da
exploração dos contornos do mundo, em consequentes viagens que o configuraram a
uma escala global introduzindo a época moderna. Interessa por isso ter em conta que a
história é feita por camadas, camadas essas que se vão sobrepondo umas sobre as
outras, afundando-se as mais antigas sob as mais recentes, num acumular de
sedimentos e testemunhos que consubstanciam frações da narrativa histórica. Aliás, é
nesse substrato pretérito que se encerra e justifica parte da Zanzibar contemponea
pelo que elencar esse legado constitui um excelente acesso para, na atualidade,
compreender e promover turisticamente o destino Zanzibar.
Adverte-se, porém, que não se trata de elaborar uma lista exaustiva da herança
lusitana em solo Zinj mas propõe-se sim a criação um corpus patrimonial com
identidade própria, sendo que este levantamento será sempre provisório e de múltiplas
leituras.
ARQUIPÉLAGO DE ZANZIBAR
UNGUJA (Ilha de Zanzibar)
I Património Material
1. Stone Town.
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Estabelecidas guarnições nos portos de Zanzibar, Pemba e Mombaça, a velha
capital de Zanzibar situada em UngujaUkuu, a cerca de vinte e quatro
quilómetros a sul da atual capital, foi sendo gradualmente preterida para um
local mais a noroeste, e que mais tarde viria a ser conhecido como Stone Town,
a Cidade de Pedra. Como se refere no manuscrito português da Relação feita
pelo padre Francisco de Monclaro da Companhia de Jesus, tal deveu-se ao porto
a sul, que era pequeno
6
para as naus portuguesas fundearem. Com a afluência
crescente das naus vindas da Índia a nova capital possibilitou um aumento das
escalas do tfico marítimo em Zanzibar, reiterando a importância deste porto
na costa do Índico.
2. Feitoria, Hospital, Igreja.
Em Stone Town, e após a visita de Nuno da Cunha em 1527, seria erguida uma
feitoria e uma casa de hospitalização, que seguramente acoplava uma capela-
igreja. Esta situava-se no chamado Forte Antigo (re) construído pelos árabes
após a conquista da ilha aos portugueses nos finais do século XVII. Os indícios
apontam no sentido de que, em 1612, terá havido aí uma igreja agostiniana,
aparecendo tal ocorrência na bula papal (Gray, 1958:174) de 21 de janeiro
desse ano, o que mostra o empenho eclesiástico lusitano para a África oriental.
Do pouco se conhece, parece que o poder missionário lusitano encontrou aqui
uma sociedade tolerante mas profundamente convicta da sua religiosidade
(muçulmana) pelo que a evangelização se reduziu a conversões pontuais.
Segundo o artigo de J. J. Campos, havia um edifício onde funcionaria a feitoria e
a igreja portuguesa que seria protegido por um muramento erguido
posteriormente pelos árabes. Em 1774, AlexanderDalrymple o geógrafo
escocês afirmaria no seu Collection of Charts etc. in theIndianNavigation, que
essa “fortaleza” parecia uma igreja em ruínas. Uma inscrição no museu da Beit
al Ajaib informa:
Remanescentes Portugueses indicando ter existido uma capela portuguesa
de traça cruciforme, com janelas retangulares, construída no século XVI, e
da qual restam vestígios na parede oeste do velho forte.
E, a poucos metros, no Velho Forte, uma placa reitera que este foi:
Erguido pelos árabes omanis cerca de 1700 com base nos materiais da
antiga capela portuguesa e residência contígua.
6
Relação feita pelo padre Francisco de Monclaro da Companhia de Jesus, da expedição ao Monomotapa,
comandada por Francisco Barreto, Manuscrito português nº 8, fls. 241-265, V., BNP, Lisboa, 1573, p. 344
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Imagem 2 - Placa informativa à entrada do Forte Velho, Stone Town.
Fonte: Fotografia de Maria João Castro.
Estudos e escavações recentes em 2017 e 2019 confirmam a autoria da igreja
7
e
avançam para novas formulações de interrogações no que concerne
Quanto ao antigo hospital, este foi edificado a seguir à visita do futuro governador da
Índia, Nuno da Cunha que, ao conquistar definitivamente Mombaça em 1527,
desembarcou com o seu capitão da guarda Manoel Machado em Zanzibar onde
deixando duzentos enfermos ao cuidado de Aleixo e Sousa Chichorro. Desde essa data,
a ilha iria figurar como um porto de hospitalização de doentes na Rota da Índia, uma
vez que era menos palustre do que Moçambique (Strandes, 1961:118) e foi só com a
expulsão dos portugueses, em 1698, que o Real Hospital (na ilha) de Moçambique se
tornou basilar enquanto local de cura dos soldados e tripulantes enfermos vindos nas
naus do reino.
8
7
Em linha: https://www.bristol.ac.uk/news/2017/august/early-portuguese-churches.html(acedido a
24.5.2021).
8
A criação do Real Hospital (na Ilha) de Moçambiqueremonta ao século XVI tendo sido confiada, em 1681,
a sua administração aos religiosos da Ordem de São João de Deus. No ano seguinte, 1682, os
hospitaleiros transferiram o hospital para o sul da povoação, numa zona considerada de melhores ares.
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3. Beit al Ajaib (Casa das Maravilhas).
3.1. Canhões.
À entrada da maior construção de Stone Town até ao século passado
figuram dois canhões portugueses.
9
Ambas as peças, fundidas em bronze,
trazem em relevo as armas de D. João III (1502-1557) com a coroa e a
cifra real “J” em ornato, sendo o estandarte real sustentado por um leão
heráldico. Uma das peças mede 3.7 metros e tem calibre de 20
centímetros e diâmetro de 55 centímetros; a outra tem 3.12 metros de
cumprimento, calibre de 18 centímetros e diâmetro de 44 centímetros.
ainda um outro canhão, o maior de todos, que se encontra no jardim do
Palácio do Residente inglês com 4.15 metros de cumprimento.
Numa legenda em persa gravada posteriormente pode ler-se:
Imagens 3, 4, 5 - Canhões Portugueses à entrada da Beit al Ajaib, Stone Town.
Fonte: Fotografia de Maria João Castro.
Em nome de Deus e por graça de Mahomed Ali comunica-se aos verdadeiros
crentes congregados para guerrear, as boas notícias do sucesso e vitória no
ano de 1031 da Hegira.
10
No reinado de Shah Abbas, Safawi, Rei da Terra e
do tempo, cujo poder sempre aumenta, imamKuliKhan, pela graça de Shah,
Defensor da Fé, conquistou Fars, Lar, Monte Kaiwan, Bahrein e a Fortelaza
de Ormuz e prendeu Ibn Ayyub.
9
Em linha: http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/BIVG/BIVG-N026&p=24
(acedido a 21.4.2021).
10
1622 da nossa Era Comum.
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Depreende-se da inscrição que os canhões terão vindo de Ormuz, após o
cerco de 1622 e que terão sido os árabes de Omã a transportar as peças
para terras de Zinj.
3.2. Pedra.
No Museu do rés-do-chão da Beit al Ajaib, a um canto e protegida por uma
vitrina, jaz uma pedra de arenito cinza, cujos sulcos desenham letras que
se agrupam em palavras portuguesas. O cinzel gravou uma frase da qual
são hoje legíveis as seguintes letras:
VEL
11
LEITAO
12
G…SEM
TÃO MOR
13
MEMDES
14
SELO
15
Este tipo de pedra não existe em Zanzibar pelo que se supõe que a pedra
terá vindo de Portugal.
Imagem 6 - Pedra com inscrição em Beit al Ajaib, Stone Town.
Fonte: Fotografia de Maria João Castro.
11
Fragmento da palavra Notável?
12
Palavra referente ao nome próprio Leitão?
13
Fragmento da palavraCapitão-mor?
14
Palavra referente ao nome próprioMendes?
15
Palavra referente ao apelidoVasconselos?
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Quanto ao nome, sabe-se que em Mombaça, as obras na fortaleza de Jesus
foram iniciadas pelo seu primeiro capitão, Mateus Mendes de Vasconcelos
entre 1593 e 1596, e sabe-se igualmente que o capitão morto aquando do
assalto ao mesmo baluarte em 1631 se chamava Pedro Leitão de Gamboa.
A datação aponta para o século XVII pelo que ambas as hipóteses são
plausíveis carecendo de um estudo mais aprofundado.
Quanto à sua função, a legenda que acompanha a pedra diz que esta é um
testemunho de uma lápide de sepultura do Velho Leitão, aparentemente
encontrada na zona de Uroa, na parte este da ilha. Contudo, o seu
tamanho e as palavras inscritas apontam mais no sentido de ter sido uma
pedra comemorativa, uma vez que numa lápide de túmulo tende a gravar-
se outro tipo de epígrafes.
4. Arco Português.
Na esquina do cruzamento das ruas Kanuda e Vuga, e inserido num pequeno
jardim, encontra-se o chamado Velho Arco Português. Não obstante a sua
construção e edificação se encontrar envolta em mistério, a sua estrutura e
elementos decorativos são idênticos a outros portugueses espalhados pelo
mundo. Sem se encontrar datado, o arco ogival com capiteis laterais coríntios
poderá ser um vestígio da presença portuguesa na ilha ou, simplesmente, ter
sido construído com base na influência arquitetónica religiosa disseminada pela
costa oriental africana de origem lusitana.
Imagem 7 - Arco Português, Stone Town.
Fonte: Fotografia de Maria João Castro.
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5. Ruas.
5.1. Rua Portugueza.
A rua Portuguezaficava por detrás do forte velho e foi rebatizada de
Gizenga. Hoje, continua a ser uma das mais movimentadas da capital tal
como o era há mais de um século quando aí se encontravam a maior parte
das lojas dos comerciantes portugueses vindos Goa. Em fotografias de
época pode observar-se os letreiros com apelidos portugueses como Silva,
Paixão de Noronha, e que anunciavam as lojas de especialidades várias
como medicina, vinhos e fotografia.
Imagem 8 - Antiga Rua Portuguesa hoje renomeada Gizenga Street, Stone Town,c.
1930. Postal de época.
Fonte: Coleção da autora.
5.2. Rua Souza.
Sobre esta rua há um testemunho do século XIX que a enuncia da
seguinte forma:
Avolumavam os portugueses indianos, que em Zanzibar compõem uma
numerosa colonia, cujos membros quasi todos se apelidam de Souza e
vendiam bebidas alcoólicas. até na cidade uma rua dos Sousas
(Anónimo, 1851: s.p.).
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Imagem 9 - Anúncio ao estabelecimento Sequeira & Souza, Stone Town, 1924.
Fonte: Coleção RohitRamezOza, Capital ArtStudio.
6. Ruínas de Fukuchani e Mvuleni.
No museu daBeit al Ajaib,em Stone Town, uma inscrição assinala:
Em Fukuchani e Mvuleni existia um conjunto de herdades ou feitorias nestas
zonas rurais com portas em arco e brechas nas paredes exteriores que, de
modo defensivo, serviam para colocar armas de fogo.
Os vestígios das habitações portuguesas de Fukuchanie Mvuleni situam-se no
norte da ilha. Provavelmente eram antigas casas de comerciantes, ambas
datadas do século XVI.
Em Fukuchani, frente à ilha de Tumbatu, o recinto em torno da habitação
principal mostra uma cercania de paredes com altura de dois metros e que
mostra, sem grande dificuldade, orifícios perfurados destinados a neles colocar
armas. Cada uma destas aberturas tem uma orientação diferente consoante o
ângulo do alvo que se pretendia atingir. O edifício principal encontra-se agora
protegido por uma estrutura de colmo que abriga as paredes que dividem
quartos dispostos em torno de um corredor central de leste a oeste, com
varandas na parte da frente e nas traseiras. As portas foram desenhadas em
arcos vidaka, típicos da arquitetura local. As autoridades ligadas ao património
procederam a várias escavações mas poucos indícios foram resgatados
16
não
permitindo apurar o seu real propósito.
A menos de um quilómetro a sul de Fukuchani, uma muralha rematada por um
portão ferrugento, guarda Mvuleni. O plano da construção de Mvuleni é quase
16
Nas imediações, achados recentes puseram a descoberto missangas, potes chineses e cerâmica vermelha
polida, bem como duas moedas do Império do Meio datadas do século XIV, confirmando estes artefactos
a presença dos chineses antes da chegada dos portugueses.
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idêntico ao de Fukuchani. Também aqui se observa aberturas na muralha
defensiva que serviam para colocar as armas dos seus proprietários. A parede
leste do recinto delimita um tanque subterrâneo alimentado uma por fonte de
água doce. Ao contrário de Fukuchani, as ruínas de Mvuleni encontram-se
submersos de vegetação patente em fotografias do início do culo XX e
pertencentes aos Arquivos Nacionais. Na parte central da fachada sobressai uma
enfiada de portas lateralizadas por janelas de arcos ogivais de nítida influência
árabe.
Imagem 10 - Fachada da antiga habitação portuguesa em Mvuleni, Unguja.
Fonte: Fotografia de Maria João Castro.
7. Arcas/baús
Feitas em madeiras nobres e decoradas com embutidos em latão, prata e
madrepérola as arcas de Zanzibar refletem o estilo indo-português importado de
Goa. Conhecidas como sanduku(do árabe sanduq) ou kasha(do português caixa)
estas peças de mobiliário substituem cómodas, armários e roupeiros e são
herdadas de uma geração para a seguinte como bens de grande valor.
II Património Imaterial
1. Vocabulário
Subsiste hoje no vocabulário suaíli um conjunto de palavras cuja origem
remonta aos portugueses. A maior parte destas palavras liga-se ao mar e
percebe-se porquê: porque foram eles os primeiros a dinamizar o comércio
marítimo na costa suaíli, apesar de anteriormente haver tráfico na região.A
título de exemplo enunciam-se as seguintes que, por mais comuns, são
facilmente audíveis nas conversas do quotidiano:
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Quadro 1 - Exemplos de vocábulos suaíli de origem portuguesa:
almirante
almiranti
amarra
amari
bandeira
bendera
barquinha
barikinya
batel
batela
bomba
bereu
boia
boya
bolo
boleo
bule
buli
caixa
kasha
cárcere
gereza
17
cana
kana
chapéu
chepeo
companhia
kompania
copo
kopo
fronha
foronya
lenço
leso
limão
mlimau
manteiga
manteka
mesa
meza
padre
padri
pão
pao
parafuso
parafujo
pistola
batola
roda
roda
sapato
sapatu
tabaco
tumbako
vinho
mvinyo
xaile
shali
No conjunto, perto de sessenta palavras de raiz portuguesa ainda hoje utilizadas no
vocabulário suaíli em Zanzibar.
2. Fotógrafos
Variados fotogramas de época, tirados por profissionais com apelidos como
Gomes, Coutinho, Souza, Almeida ou Silva, subsistem até aos dias de hoje num
“sultanato” de fotógrafos de ascenncia portuguesa que tem vindo a ser
estudada, permitindo começar a perceber a dimica da viagem dos residentes
da Índia portuguesa para a ilha de Zanzibar.
18
Este movimento inscreve-se no final do século XIX quando desembarcam
famílias goesas vindas da Índia Portuguesa para abriram estúdios fotográficos. A
Coutinho Bros foi provavelmente a primeira casa fotográfica comercial na África
17
Este é o termo suaíli para cárcere e vem do português igreja, tendo a sua origem no facto de muitas
igrejas e fortes portugueses espalhados ao longo da costa africana terem sido posteriormente convertidos
(pelos árabes e ingleses) em cárceres. Daí a analogia.
18
Ver estudos de Pamila Gupta. Em linha:
https://www.researchgate.net/publication/325077977_Sensuous_Ways_of_Seeing_in_Stone_Town_Zanzi
bar_Patina_Pose_Punctum(acedido a 20.4.2021).
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do leste tendo feito, em 1890, sociedade com aA. C. Gomes (que tinha um
estúdio na ilha do Zanzibar desde 1870), dos irmãos Coutinho, ambos de origem
portuguesa. Os filhos de A. C. Gomes continuaram o negócio da família
assinando A. C. Gomes & Cº, photographers, Zanzibar; alguns anos depois
encontramos carimbos com Copyright issuedby A. C. Gomes & Cº, Son, Zanzibar
e finalmente A. C. Gomes & Cº, Sons, Zanzibar.
Hoje sobra uma única loja aberta, a Capital Art Estúdio, na KenyattaRoad. Em
atividade desde 1930, teve como fundador Ronchad T. Oza(? 1993) que,
apesar de não ser de origem goesa, começou a trabalhar como aprendiz de
fotógrafo para a casa A.C.Gomes & Cº, Sons em 1925. Ronchad tornou-se o
fotógrafo oficial do sultão Khalifa bin Haroub (1879-1960). Em 1979 o seu filho,
RohitRamezOza, ficou à frente da loja, um espaço que remete para um tempo
pretérito dadopelas paredes forradas a fotografias a preto e branco. Em muitos
destes registos, as ruas retratadas exibem tabuletas penduradas anunciando
apelidos de origem portuguesa mostrando a profusão de famílias eu até à meio
século habitava as ruas de Stone Town.
Imagem 11 - Capital Art Studio, Rohit Oza, Stone Town.
Fonte: Fotografia de Maria João Castro.
3. Toda a documentação relativa às relações Zanzibar-Portugal que se encontra
nos National Zanzibar Archives (ZNA), Arquivo da Torre do Tombo, Biblioteca do
Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Arquivo Histórico Ultramarino e que
contém variados documentos entre os sultões de Zanzibar e a monarquia
portuguesa.
ILHA DE PEMBA
1. Fortaleza ChakeChake.
Acredita-se que a fortaleza de Chake Chake
19
teve origem portuguesa (1594).
20
O
antigo espaço uma espécie de quartel seiscentista acredita-se que tenha
19
Em linha: http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/BIVG/BIVG-N026&p=17 (acedido a
21.4.2021).
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sido destruído pelos omanitas para dar lugar a um novo edifício defensivo, uma
fortaleza. Os vestígios da guarnição portuguesa não o visíveis mas registos
datados do início do século XIX que a descrevem como sendo de planta
retangular, com duas torres quadradas e duas redondas nos cantos, encimadas
por telhados de colmo. Como se sabe, as torres redondas são típicas da
arquitetura árabe e suaíli da época, mas as torres quadradas são incomuns e
indicam a possível influência portuguesa. Hoje alberga o Pemba Museum
showing, History and Culture of the Island including early history, polity,
maritime culture, colonial occupation and ways against it, years of politics,
independence and revolution.
2. Touradas.
Introduzidas em Pemba durante a colonização portuguesa as touradas têm lugar
durante as mais variadas comemorações na ilha, como, por exemplo, no dia de
Ano Novo. Reminiscências de uma tradição implantada no século XVII, as
touradas o vistas como um teste de bravura dos homens que possuem gado
bovino mantém-se dentro de um forte cunho comunitário e festivo em pequenas
aldeias como Chuale e Kangagani.
Concluída a elencagem não exaustiva, e ao contrário do que Oliver e Mathew
escreveram de que “a presença portuguesa durante 200 anos não contribuiu em nada
para a arte e a arquitetura” e de que a sua passagem foi “um mero sonho perdido
(Oliver, 1963:168), constata-se que esta não foi meramente residual mas relevante
no sentido de ter deixado um legado que o tempo se encarregou de extinguir. Porém,
nas últimas décadas começou-se a perceber o seu alcance, mercê de novas
investigações, escavações e análises que têm vindo a ser concretizados através de
parcerias e protocolos com entidades estrangeiras e que têm trazido à luz da
contemporaneidade alguns dados significativos com que se colmatam zonas menos
claras da história.
Dito isto é preciso não esquecer que a vitória definitiva dos árabes de Muscate sobre
os portugueses em 1698 e o colonialismo inglês que tornou a ilha num protetorado
britânico durante parte do século XIX e XX em muito contribuíram para uma diluição
de vestígios de culturas anteriores, como aliás acontece em todos os processos
históricos.
III. Considerações não finais
Traçado o itinerário de parte da herança portuguesa em Zanzibar interessa perceber
que a história é uma descoberta em permanente crescendo que se constrói e
perspetiva numa dinâmica de múltiplas abordagens. A própria visão dos bens culturais
e artísticos que integram o património de um país encontra-se em constante
20
Em linha: https://books.google.pt/books?id=Zlqv0gSkk-
kC&pg=PA8&lpg=PA8&dq=dhow+zanzibar+portuguese&source=bl&ots=mQ6k3Whbvt&sig=ACfU3U2-
xP1nOSvgTxn3wVb6sOxmoQnzOg&hl=pt-
PT&sa=X&ved=2ahUKEwi1lpSt6ZXpAhVE4eAKHQuKBVgQ6AEwBnoECAoQAQ#v=onepage&q=dhow%20za
nzibar%20portuguese&f=false (acedido a 2.5.2021).
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reconfiguração pelo que o há olhares unifocais ou definitivos; há sim aproximações
que, sendo interdisciplinares, transnacionais e intercomunitárias alavancam a
construção de uma política de património cultural responsável e atenta. Porque o
património pode ser um instrumento de resiliência das comunidades locais, sendo
elemento basilar na manutenção de uma identidade comum. Na verdade, ele tem
vindo a ser usado como força prospetiva capaz de promover o bem-estar e a coesão,
contribuindo para uma sociedade mais inclusiva e sustentável, dentro de uma
dinâmica geopolítica mais altruísta e solidária.
Nesse sentido, se se tiver em atenção o crescimento de um mercado turístico
sustentado com os recursos de Zanzibar, este poderá ser o catalisador para uma
melhoria da qualidade de vida da sua população e da sedimentação da sua identidade
cultural. Claro que o equilíbrio desta equação é desafiante e coloca uma série de
questões aos governantes. Sendo o turismo um fenómeno recente (anos 1970) no
arquipélago impulsionado pelo declínio da cultura do cravinho a partir de 1975 ,
este foi visto como substituto da entrada de divisas na ilha, com base numa oferta que
alia não lazer (vilegiatura) mas igualmente uma cultura própria árabe-suaíli.O
sucesso desta aposta traduz-se no facto de o turismo contribuir com mais de 27% do
produto interno bruto (Keshodkar, 2013:71) dados de 2012 o que não só mostra a
ascendência do setor na economia como equaciona novos reptos à preservação da
mesma (Zanzibar Mail, 2020:7).
No campo de uma filosofia, etnologia, antropologia ou historiografia da arte, a
compreeno da natureza de uma dada herança artística foi frequentemente ancorada
num pensamento de matriz ocidental (Palmeirim, 2006: 14) que os estudos pós-
coloniais vieram agitar. O que será, porventura, parece basilar neste âmbito é que,
independentemente de correntes, linhas de pensamento ou tomadas de posição
etnocêntricas, a herança cultural-artística cartografada num dado território integra
uma genealogia estética e simbólica que determina o tempo e a vivência presente.
Nesse sentido, a pesquisa visual de uma fenomenologia do lugar construído sob várias
camadas histórico-artísticas realiza-se plenamente em Zanzibar.
Seja como for, no palimpsesto diáfano e mefluo que é Zanzibar, a ilha-joia da
civilização islâmica e suaíli apresenta-se hoje como um foco turístico de eleição que
vai muito para além da oferta unívoca do destino praia. Porque a riqueza do
património e da memória resultante de uma narrativa fundamentada na miscigenação
das culturas árabe, africana, indiana e também lusitana, coloca o seu território como
um destino referencial da cultura do Índico. Tal circunstância constitui um desafio para
a tutela do arquipélago pois centra-se num equilíbrio de uma equação de grande
fragilidade e complexidade: conservação, desenvolvimento e sustentabilidade.
Um digno ponto de partida foi o reconhecimento de Stone Town como Património
Mundial pela UNESCO em 2000. Encontrar o equilíbrio certo entre a qualidade de vida
dos habitantes e a qualidade da experiência dos visitantes, garantindo sobretudo
que os valores patrimoniais não o postos em causa, é sempre um desafio, não
obstante o potencial dos recursos de Zanzibar não se esgotarem na Cidade de Pedra
indo muito para além dela. Resta crer que, sob a brisa do Índico, o legado de um
tempo em que a expansão portuguesa passava pela instalação de empórios e tratos
de comércio junto ao mar constitui uma memória e um património capaz de
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aprofundar a dimensão histórica o para quem procura reminiscências de um
pretérito partilhado como, principalmente, sabe que só conhecendo o passado se pode
ter em perspetiva o porvir porque a verdade última é que nós só existimos no
espelho dos outros” (Lourenço, 2015b).
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NOTAS E REFLEXÕES
NOTA SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE A PROTEÇÃO DIPLOMÁTICA
E A PROTÃO CONSULAR
EDUARDO PIMENTEL DE FARIAS
eduardopimentelf@hotmail.com
Doutor em Direito na área de especialização em ciência jurídico-internacionais (Portugal).
O que se chama na linguagem corrente de proteção diplotica significa, na maioria
dos casos, uma ação de proteção consular. A noção genérica de proteção diplomática é
empregue para definir uma variedade de formas possíveis de proteção do nacional no
estrangeiro. Esse texto busca refletir sobre o que estaria por trás da recorrente
imprecisão ou do erro na aplicação da semântica correta ao tipo de proteção do
nacional no estrangeiro. Utilizando-se do método hipotético dedutivo, apuramos que
em teoria a proteção diplomática e consular se diferenciam claramente por dois eixos
principais. Na prática, porém, esses dois institutos se sobrepõem e se confundem com
frequência. A solução para o problema referido não estaria apoiada na dúvida sobre a
teoria, mas na atuação prática dos próprios atores internacionais. A falta de uma
distinção precisa entre os dois conceitos de proteção ocorreria mais pela combinação de
fatores decorrentes do exercício da proteção do que propriamente de uma hesitação
sobre a teoria.
Para o Direito Internacional, o Estado pode exercer dois tipos de proteção em benecio
do seu nacional: a proteção diplotica e a proteção consular.Éfrequente, contudo,
ocorrer uma confusão semântica na aplicação desses dois conceitos. O que se chama
na linguagem corrente de proteção diplomática significa, na maioria dos casos, uma
ação de proteção consular. Ou seja, emprega-se a noção genérica de proteção
diplomática para definir uma variedadede formas possíveis de proteção do nacional no
estrangeiro.
Em teoria, porém, a distinção entre a proteção diplotica e a proteção consular
éclara. Elas se diferenciam por dois eixos principais:
1) pelo caráter preventivo da proteção consular em oposição ao caráter corretivo da
proteção diplomática;
2) pelo contraste no nível de representação. Assim sendo, enquanto a proteção
diplomática sedestinaa corrigir oureparar um dano, a proteção consular tem
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naturezapreventiva e visa principalmente impedir que o nacional seja vítima de
um fato ilícito.
É evidente, portanto, que na proteção consular não é necessário esgotar os recursos
internos, pois se trata de uma assistência “técnica” prestada aos nacionais em
dificuldade antes da comissão de fato ilícito.
1
A outra distinção importante diz respeito ao nível de representação, uma vez que a
proteção diplomática é exercida por representantes dos interesses do Estado lesado
perante o governo do Estado infrator,ao passo que a proteção consular representa
diretamente os interesses do indivíduo em face dos órgãoscentrais do Estado de
acolhimento.Isso significa que na proteção consular não representação política do
Estado de nacionalidade. Talproteção visa, antes de mais nada, a proteção dos direitos
do indivíduo e exige, portanto, o seuconsentimento. Por outro lado, o desinteresse do
indivíduo ou mesmo a sua oposição expressaà demanda não impede o exercício da
proteção diplomática, pois se trata de uma ação de interesse do seu Estado de
nacionalidade.
2
De forma sintética, CAFLISCH esclarece que a proteção diplomática é uma intervenção
formal que se funda no direito e se destina à execução da responsabilidade
internacional. E que a proteção consular consiste na assistência prestada pelos postos
consulares no estrangeiro a nacionais em dificuldades. Para ele,são dois mecanismos
diferentes, mesmo quando a ação de proteção consular conduz ao exercício da
proteção diplomática. O que acontece, aliás, comcerta frequência visto que a proteção
consular se revela como um meio mais simples e menos formal de ação do Estado.
3
Efetivamente, a proteção diplomática émais rara do que a proteção consular. É
necessárioque a violação seja excecionalmente grave para que o Estado aceite
transformá-la numa ação de responsabilidade internacional. Nessa medida, o fato
gerador da ação de proteção diplotica, diferentemente da proteção consular, deve
ter uma dimensão ou um interesse internacional próprio capaz de motivar a vontade de
intervir do Estado de nacionalidade. Essa motivação, contudo, não depende apenas da
ordem jurídica, mas igualmenteda oportunidade política. Lembre-se que na proteção
diplomática o Estado exerce um direito considerado discricionário.
4
Contudo, não obstante a distinção clara entre a proteção diplomática e a proteção
consular, na prática, essas duas instituições se sobrepõem e se confundem com
frequência. No mencionado caso LaGrand, por exemplo, os Estados Unidos tentaram
convencer a Corte Internacional de que a Alemanha confundiaa proteção consular com
1
Cf. Artigo 55 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963; SHAW, Malcom N. International
Law. Op. cit. p.688; TAXIL, Bérangère. L´Individu, entre Ordre Interne et Ordre International:
Recherches sur la Personnalité Juridique Internationale.p.493; DUGARD, John. Septième Rapport sur la
Protection Diplomatique.pp.7-8,11.
2
Cf. Parágrafo 1 do Artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963; TAXIL,
Bérangère. L´Individu, entre Ordre Interne et Ordre International: Recherches sur la Personnalité
Juridique Internationale. Op. cit, p.493; DUGARD, John. Septième Rapport sur la Protection Diplomatique.
Op. cit. pp.7-8 e 11.
3
CAFLISCH, Lucius. La Pratique Suisse de la Protection Diplomatique.p.77.
4
PANCRACIO, Jean-Paul et al. Communication sur la Protection Consulaire et Diplomatique: Concurrence
ou Complementarite? p.80. Ver também, Julgamento do caso Barcelona Traction, Light and Power
Company, Limited, Judgment, I.C.J. Reports 1970, par.79.
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a proteção diplomática. De fato, o fundamento do caso versava sobre o exercício da
proteção consular ao mesmo tempo em que o mecanismo utilizado para acionar a Corte
é o da proteção diplomática. A Corte Internacional de Justiçaaceitou, no entanto, a
queixa como um exercício da proteção diplomática e considerou que tanto a
Alemanhacomo os seus nacionais foram lesados pela violação do direito de proteção
consular. Por outro lado, no caso Avenaa Corte decidiu de outramaneira e julgou que a
lesão ao artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares causava um
prejuízo direto ao México. Para a CIJ, o era necessário tratar a queixa mexicana
relativa à violação do direito de proteção consular sob o angulo distinto da proteção
diplomática.
5
Outro exemplo prático de confusão entre os conceitos de proteção diplomática e
proteção consular deriva do artigo23ºdo Tratado sobre o Funcionamento da União
Europeia (TFUE).Esse artigo dispõe que todos os cidadãos da União beneficiam, no
território estrangeiro, de proteção por partedas autoridades diplomáticas e consulares
de qualquer Estado-membro. A norma europeiaignora, porém,as diferenças
fundamentais que existem entre esses dois mecanismos, particularmente,no que diz
respeito às condições de exercício da proteção diplomática.
6
A confusão é tamanha que uma parte significativa da doutrina defende que o artigo 2
do TFUE ilustra um caso de proteção consular e não de proteção diplomática. Para eles,
a natureza amistosa da proteção consular seria capaz de justificar o conceito de
cooperação proposto no TFUE. Além disso, a noção de cidadania da União europeia
também não satisfaria o requisito de nacionalidade na proteção diplomática, porque é
mediada pela nacionalidade de um dos Estados-membros da União.
7
Entre a proteção diplomática e a proteção consular ainda encontramos um último
problema de identificaçãorelacionado com a prática internacional.Estatem largamente
demonstrado que os Estados reagem comuma duplafinalidade: uma reparadora, com
objetivo de constituir a satisfação do prejuízoe outra de caráter preventivo, visando
garantir o direito à vida e à propriedade dos nacionais no estrangeiro.CONDORELLI
desenvolveu, assim, o conceito de proteção diplomática preventiva. Ele considera que
as ações preventivas do Estado contra a ameaça ou o risco de violação da norma
internacional também deveriamfazer parte de uma noção mais larga de proteção
diplomática. Essa noçãoincluiria, portanto, o conceito tradicional de proteção
diplomática, que ele chama de proteção diplomática stricto sensue que representa a
reação do Estado lesado contra um fato ilícito já perpetrado com o conceito de proteção
5
Caso LaGrand (Allemagne c. Etats-Unis d'Amérique), CIJ Recueil 2001, par.77; Avena et autres
Ressortissants Mexicains (Mexique c. Etats- Unis d'Amerique),CIJ Recueil 2004, par.40. Ver também,
DEEN-RACSMÁNY, Zsuzanna. Diplomatic Protection and the LaGrand Case. p.93; ROBERT, Eric. La
Protection Consulaire des Nationaux en ril? Les Ordennances en Indication de Mesures Conservatoires
redues par la Cour Internationale de Justice dans les Affaires Bread (Paraguay c. États-Unis) et LaGrand
(Allemagne c. États-Unis). pp.413 e ss; DUPUY, Pierre-Marie. La Protection Consulaire sous les Feux de la
Jurisprudence Internationale.p.39 e ss.
6
Cf. Artigo 23 do TFUE. Ver comentário de Moura Ramos sobre o tema in PORTO, Manuel Lopes;
ANASTÁCIO, Gonçalo.Tratado de Lisboa- Anotado e Comentado.pp.262-263.
7
Cf. STEIN, Torsten. Interim Report on “Diplomatic Protection Under the European Union Treaty”. p.36-37;
PANCRACIO, Jean-Paul et al. Communication sur la Protection Consulaire et Diplomatique: Concurrence
ou Complementarite? Op. cit. p.83.
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consular, que ele prefere chamar deproteção diplomática preventiva,mas que é a
reação do Estado contra o risco.
8
Essesentidodainterpretação mais larga da proteção diplomática não foi, contudo,
acolhido pelo projeto de artigo 1º da CDI de 2006 sobre a proteção diplomática.O seu
comentário esclarece, que apesar de não ser obrigatoriamente contenciosa, a proteção
diplomática é uma ação posterior ao fato ilícito.O que é, na opinião de TAXIL, uma
atitude lógica, pois o projeto de artigos sobre a proteçãodiplomática deve ser
compreendido em forte ligação com o texto sobre a responsabilidade internacional do
Estado.
9
Para a CDI, portanto,a proteção diplomática consiste na invocação por um Estado,
através da ação diplomática ou de outros meios de solução pacífica, da
responsabilidade internacional de outro Estado em face de um prejuízo causado por um
fato internacionalmente ilícito praticado contra um sujeito de nacionalidade do primeiro
Estado.
10
O projeto de artigos da CDI conserva, desse modo, a distinçãoentre a ação diplomática
e a ação judicial enquanto meios de exercício da proteção diplomática. Essa última,
aliás, insere-sena expressão “outros meios de solução pacífica”, que abarca todas as
formas lícitas de resolução de diferendos, que vão desde a negociação, da mediação e
conciliação até a arbitragem e à solução judicial. Por outro lado, o termo“ação
diplomática”estende-se a todos os procedimentos lícitos empregues pelos Estados para
se informar mutuamente das suas opiniões e preocupações, incluindo-se o protesto e o
pedido de investigação sobre a disputa.
11
A jurisprudência internacional vai nesse mesmo sentido econsente que proteção
diplomática seja admissível se baseada na invocação do interesse lesado. Inclusive,
no paradigmático caso Barcelona Traction, a Corte Internacional de Justiça afirma
claramente que há responsabilidade internacional se o direito foi lesado e não
apenas afetado.
12
A Convenção de Viena sobre relações diplomáticas de 1961 prevê, ainda assim, que as
missões diplomáticas têm competência legal para o exercício da proteção consular.De
acordo com o parágrafo 2 do seu artigo 3º, nenhuma disposição desta Convenção pode
ser interpretada como impedindo o exercício de funções consulares pela missão
diplomática.
13
Os agentes consularestambém podem intervir para apoiar as autoridades centrais do
Estado que envia ou a própria missão diplomática na verificação de fatos no terreno e
mesmo na solução de um caso de proteção diplomática. Contudo, a ação diplomática
propriamente ditaprecisa de ser mantida ao nível dos serviços centrais do Estado que
envia, pois revela uma dimensão jurídica particularmente demarcada por um interesse
8
CONDORELLI, Luigi.La Protection Diplomatique et l´Evolution de son Domaine d´Application
Actuelle.pp.7-8.
9
TAXIL, Bérangère. L´Individu, entre Ordre Interne et Ordre International: Recherches sur la Personnalité
Juridique Internationale. Op. cit. p.496.
10
Cf. Artigo 1 do Projeto de Artigos sobre a Proteção Diplomática da CDI de 2006.
11
Projet d´Articles sur la Protection Diplomatique et Commentaires y Relatifs (2006). p. 27. Ver também,
DUGARD, John. Septième Rapport sur la Protection Diplomatique. Op. cit. p.7.
12
Cf. Barcelona Traction, Light and Power Company, Limited, arrêt, C.I.J. Recueil 1970. par.46.
13
Cf. Artigo 3º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, 1961.
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duplo. É inegável que toda ação diplomática atende ao interessedo particular lesado,
mas também o interesse do seu Estado de nacionalidade enquanto sujeito do Direito
Internacional.
Vale mencionar, entretanto, que a proteção consular ainda se desdobra na da figura da
assistência consular. Segundo as alíneas a) e e) do artigo da Convenção de Viena
sobre relações consulares de 1963, a proteção e a assistência tratam-se de duas
funções consulares diferentes. Enquanto na proteção consular uma atividade
prestada pela oficina consular de forma regular e habitual, a assistência consular é
dispensada de maneira ocasional, com o objetivo de prestar socorro a pessoas físicas
ou jurídicas do Estado que envia.
Por tudo isto, entende-se por atividade de proteção consular os seguintes tipos de
intervenções: o apoio ao nacional preso, a ação contra o tratamento discriminatório de
nacionais no Estado de acolhimento, o suporte técnico num procedimento judiciário em
que o nacional seja vítima ou autor, bem como a proteção dos interesses patrimoniais
do nacional ameaçado por uma decisão de nacionalização, de expropriação ou de
requisição. Por oposição, são da alçada da assistência consular a ajuda prestada a
nacionais indigentes ou hospitalizados, o auxílio logístico e material em caso de
repatriação ou de evacuação, assim como o suporte no repatriamento de cidadãos
enfermos e na trasladação de restos mortais, entre outras hipóteses. Enquanto a
assistência consular só exige uma situação de desgraça ou de necessidade do nacional,
a proteção consular é motivada pela possibilidade de violação do direito interno ou
internacional.
14
Esclarecida a distinção entre a proteção diplomática e a proteção consular na teoria,
ainda nos restacompreender por que tal confusão persiste na prática internacional.O
que estaria por trás da recorrente imprecisão oudo erro na aplicação da
semânticacorretaao tipo de proteção do nacional no estrangeiro, se a teoria sobre o
tema é clara e certa?
Asolução para o problema acima referido não estaria, contudo, apoiada na incerteza ou
na dúvida sobre a teoria, mas na atuação prática dos próprios atores internacionais
encarregados daquela proteção. Nós acreditamos quea falta de uma distinção precisa
entre os dois conceitos de proteção ocorremais pela combinação de fatores decorrentes
do exercício da proteção do que propriamente de uma hesitação sobre ateoria. Entre os
diversos fatoresadvindos do exercício da proteção, podemos listar, pelos menos três,
que consideramos decisivosao fomento da confusão entre os conceitos de proteção
consular e diplomática: 1)na prática internacional, frequentemente, os atores
institucionais são os mesmos para a ação de proteção consular e para a ação de
proteção diplomática; 2) os agentes diploticos e consulares não costumam utilizar
uma linguagem rigorosa que permita dissociar de forma infalível as duas modalidades
de proteção; e 3) tanto a proteção diplotica e como a proteção consular têm mesmo
o propósito de proteger direitos e interesses dos seus nacionais no território de um
Estado estrangeiro.
14
Cf. Artigo 5 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963; PANCRACIO, Jean-Paul et al.
Communication sur la Protection Consulaire et Diplomatique: Concurrence ou Complementarite? Op. cit.
p.79; BROTÓNS, Antonio Remiro et al. Derecho Internacional.p.500; LICERAS, Juan Soroeta. La
Protección de la Persona Humana en Derecho internacional.p.26; RIDRUEJO, JoAntonio Pastor. Curso
de Derecho Internacional Público y Organizaciones Internacionales.p.246.
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Cumpre mencionar, por fim, que no mesmo sentido em quesustentamos que a razão
daconfuo entre os conceitos de proteção consular e diplomática reside na atuação
dos próprios agentes internacionais,também defendemosque a solução para tal
imprecisão virá necessariamente da prática desses mesmos agentes. Eles são, afinal,
os maiores interessados no esclarecimento dos limites atuais e possíveis avanços quese
observam na matéria da proteção do nacional no estrangeiro.
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orientada por Brigitte Stern). Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne. Lille: Atelier
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Como citar esta nota
Farias, Eduardo Pimentel de (2021). Nota sobre a distinção entre a proteção diplomática e a
proteção consular. Janus.net, e-journal of international relations. Vol12, Nº. 2, Novembro
2021-Abril 2022. Consultado [em linha] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.2.01