O quarto e último capítulo, intitulado A Construção de um Povo é o espaço onde a autora
problematiza o processo de radicalização da democracia, que deverá passar pela
construção de um sujeito político que articule diferentes interesses e intensifique a
componente da igualdade, equiparando-a à liberdade. O “povo” do populismo de
esquerda deverá ser constituído por uma causa, definida de forma clara e objetiva e que
articule uma cadeia de equivalências da vontade popular. Um segundo aspeto, é a
emergência e a consolidação da figura de um líder, de preferência com contornos
carismáticos. Esta dupla dimensão da construção de um ator político populista de
esquerda remete-nos para duas importantes observações. Por um lado, o modelo de
democracia subjacente na passagem de uma hegemonia neoliberal para uma hegemonia
populista de esquerda, no qual deverá imperar um papel de cidadão em substituição da
de consumidor. Esta passagem implica um ativo envolvimento da vida coletiva e
comunitária. Por outro lado, a figura do líder populista de esquerda distancia-se do líder
populista de direita com traços autoritários e centralizadores.
Finalmente, na Conclusão, discute o “momento populista” que emerge nas sociedades
contemporâneas ocidentais como o resultado da erosão dos mecanismos institucionais
dos regimes democráticos, que assim vão acumulando tensões e clusters de conflito
social ora latente, ora mesmo em estado manifesto. Em resultado da hegemonia
neoliberal que saiu triunfante nas últimas décadas a condição pós-democrática está
presentemente, de acordo com a autora, minada pelo descontentamento crescente de
largas categorias sociais.
A eclosão do descontentamento de categoriais sociais tão diversas, dá-se de forma muito
distinta, corporizando aquilo que é concebido como “momento populista”: ao nível
discursivo, com a construção de uma categoria discursiva, “o povo”, que agrega
categorias sociais tão diversas. Não havendo critério geral que se aplique
transversalmente às diferentes democracias ocidentais, agregam-se os que se sentem
distantes dos circuitos decisórios e de mobilidade social. É ainda composto pela crescente
preponderância dos afetos na política.
Por isso, mais do que a definição programática de um hipotético populismo de esquerda,
a delimitação de uma fronteira política terá o seu culminar no plano discursivo. Deste
ponto de vista, interessa desmontar a conotação negativa de populismo que prolifera
pelo Ocidente, uma vez que esta não passa de uma estratégia oriunda dos grupos de
interesse da pós-política.
Antagonicamente, o populismo pode assumir-se como uma promissora estratégia de
radicalização democrática e da sua vertente da igualdade e justiça social, como critérios
distintivos do populismo de esquerda relativamente aos demais.
No Apêndice teórico - Uma abordagem antiessencialista, a autora leva a cabo algumas
clarificações conceptuais que, para além de reforçar os alicerces epistemológicos e
teóricos da obra em estudo, também tem o seu lado pedagógico. Começa por esclarecer
que a sua abordagem se situa naquilo que designa como perspetiva dissociativa ao
entender a estrutura política como o espaço onde se digladiam os interesses antagónicos
com potencial conflituante. A análise anti essencialista baseia-se em dois conceitos
basilares: primeiro, as “práticas hegemónicas” que compreendem “todas as ordens
sociais são a articulação temporária e precária de práticas hegemónicas cuja finalidade