fosse Gorbatchov a chegar ao poder em 1985. A sua nomeaço acelerou um processo de
imploso e libertaço que, certamente, viria a acontecer anos mais tarde. Porém, se no
fosse Gorbatchov e o aceleramento por ele provocado, é possvel que este processo no
tivesse sido to pacfico, e isso só a ele se deve.
Mais do que transformar o sistema soviético, Gorbatchov procurou transformar o sistema
que herdou de um conjunto de líderes muito preocupados com a manutenção do seu
poder e com o culto da sua personalidade. Dentro das suas convicções marxistas, as
prioridades deste líder eram bastante distintas das destes seus antecessores: em vez de
uma esfera de influência, procurou construir uma ordem global baseada na cooperação;
em vez da uniformização, procurou dar a cada um a sua própria voz; em vez da força,
procurou usar as palavras. Em última análise, e paradoxalmente, pode dizer-se que os
planos reformistas de Gorbatchov resultaram no no aprofundamento da legitimidade e
do poder do seu pas, mas antes na sua eroso, o que culminou finalmente no seu
desaparecimento definitivo. Conforme frisado no princípio desta reflexão, várias foras
externas contriburam ativamente para este desfecho – desde logo, a perda sucessiva de
meios para manter o nvel da competio com a superpotência rival. Mas foram as forças
internas que tornaram possvel uma imploso to rápida: Gorbatchov criou mais inimigos
dentro do seu pas do que fora dele, subestimando desde sempre o ódio destes inimigos,
alguns deles figuras que lhe eram bastante próximas.
É claro que Gorbatchov é o principal responsável pelos seus erros, pelas decisões que
tomou e pelas que não tomou. Mas é preciso ver no seu percurso político uma tentativa
corajosa de assumir e tentar corrigir as falhas de um sistema incorrigível. Do mesmo
modo, é preciso compreender, como notou o especialista russo Vladislav Zubok, que
“(...) ninguém sabe como transformar um regime totalitário, e por isso só é possível
fazê-lo por tentativa e erro” (Zubok, 2007: 313-314). Só depois de uma primeira
tentativa de reforma – a Perestroika – foi possível perceber que, para além de uma
transformação do seu modelo económico, a União Soviética precisava ser transformada
cultural e socialmente. A passagem do projeto reformista de Gorbatchov para uma
transformação de nível sistémico resulta não das incapacidades do líder, mas das
deficiências crónicas do próprio regime. O que isto significa é que o plano para reformar
este regime só se radicalizou na medida em que o próprio regime foi demonstrando a
sua incapacidade crónica de adaptação a um conjunto de ideias inovadoras.
Só quem tenha a capacidade de ver em Gorbatchov a figura de um libertador,
responsável pelo progresso em que nenhum outro lder soviético esteve interessado,
compreende como o fator humano é fundamental para explicar o processo de implosão
da URSS e os últimos sete anos da Guerra Fria. Quem, por outro lado, vir neste líder a
figura de um traidor, tenderá a considerar que ele se limitou a ceder perante a pressão
interna e externa. Para estes últimos analistas, é difcil ver nas escolhas e cedncias de
Gorbatchov algo de heroico. Mas é preciso sublinhar que, semelhança de todos os seus
antecessores, Gorbatchov teve em mos todo o poder; ao contrário de todos eles, porém,
escolheu limitá-lo. Nenhum elemento alheio personalidade, educaço e formação de
um líder pode explicar isto – é aqui que reside a relevncia do fator humano.