OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 12, Nº. 1 (Maio-Outubro 2021)
247
OS REFUGIADOS ROHINGYA NO BANGLADESH: UM CAMINHO DIFÍCIL PARA A
INTEGRAÇÃO, ENTRE PREOCUPAÇÕES HUMANITÁRIAS E DE SEGURANÇA
SHAHANAZ PARVEN
arfin.cu29@gmail.com
Doutoranda do Departamento de Processos Políticos e Análise, na Faculdade de Ciências Sociais e
Humanitárias da Universidade da Amizade Popular da Rússia, Moscovo (Rússia). Está a escrever
uma dissertação sobre o tema "Gestão Política da Migração do Bangladesh em Condões
Modernas". Os seus interesses científicos incluem a avaliação das políticas públicas demográficas
e sociais e o seu impacto previsto sobre a população. Obteve um Bacharelato e um Mestrado em
Administração Pública pela Universidade de Chittagong, e tem um segundo Mestrado em Ciência
Política pela Universidade Popular da Amizade da Rússia, Moscovo. Fala bangla, inglês, e russo.
Resumo
Neste artigo, analisamos as tensões entre a promoção dos direitos humanos para os
refugiados Rohingya no Bangladesh e a segurança do país contra o risco de guerra civil. No
quadro teórico dos conflitos etnopolíticos, e da metodologia do modelo de quatro fatores,
desenvolvemos uma avaliação de risco para um conflito civil no Bangladesh com base em
observáveis comportamentais. A avaliação sugere que alguns direitos humanos, se
promovidos, aumentariam os fatores de risco de guerra civil no país anfitrião. Em particular,
a resolução do problema da apatridia dos refugiados através da sua integração política no
país de acolhimento está ligada a um aumento do risco de conflito civil. A promoção de outros
direitos, tais como o acesso à saúde e o direito ao repatriamento, parece diminuir o vel de
risco de conflito. Isto permite-nos formular as características desejáveis de uma política de
integração que não agrava a instabilidade política do país. As implicações deste estudo à luz
da aquisição ilegal de passaportes do Bangladesh por alguns refugiados Rohingya são também
discutidas.
Palavras-chave
Instabilidade política, conflito étnico, crise dos refugiados Rohingya, modelo de quatro fatores,
direitos dos refugiados
Como citar este artigo
Parven, Shahanaz (2021). Os Refugiados Rohingya no Bangladesh: um caminho difícil para a
integração, entre preocupações humanirias e de segurança. Janus.net, e-journal of
international relations. Vol12, Nº. 1, Maio-Outubro 2021. Consultado [online] em data da
última consulta, https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.1.13
Artigo recebido em 16 Maio 2020 e aceite para publicação em 30 Outubro 2020
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Os refugiados Rohingya no Bangladesh:
um caminho difícil para a integração, entre preocupações humanitárias e de segurança
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OS REFUGIADOS ROHINGYA NO BANGLADESH: UM CAMINHO
DIFÍCIL PARA A INTEGRAÇÃO, ENTRE PREOCUPAÇÕES
HUMANITÁRIAS E DE SEGURANÇA
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SHAHANAZ PARVEN
1. Introdução. A tensão entre a proteção dos direitos humanos dos
refugiados Rohingya e a prevenção de conflitos civis no Bangladesh
O Bangladesh é um país que é afetado por um risco significativo de violência política
(Chawdhury, 2016). Nos últimos anos, tem havido ataques terroristas frequentes em
Dhaka (Mehra, 2016), juntamente com protestos violentos conhecidos como hartals
(Hossain, 2011); as eleições parlamentares têm sido sistematicamente acompanhadas
de violência (Akond et al., 2019), e as alterações climáticas têm tido efeitos desastrosos
na terra e na agricultura do país (Islam & van Amstel, 2018). Todos estes o indicadores
que sugerem um futuro incerto para a estabilidade da constituição política do Bangladesh
(Hassan & Nazneen, 2017). Os fatores endógenos que contribuem para o risco de
instabilidade política no país são ainda agravados pela presença de uma crise maciça de
refugiados, com origem na reinstalação nas regiões orientais do país por centenas de
milhares de Rohingyas que fugiram de Mianmar, e que ascendem agora a cerca de um
milhão de indivíduos (IOM, 2018). Desde o início da crise, surgiu uma tensão na
discussão científica entre a necessidade de proteger os direitos humanos dos refugiados
e o imperativo de preservar a estabilidade de uma região frágil e sobrepovoada (Lim,
2015). Neste contexto, estudamos a relação entre os direitos humanos dos refugiados
Rohingya instalados no Bangladesh, e as necessidades de segurança da população
residente na região, contra a ameaça iminente de um conflito civil.
A discussão científica sobre os direitos humanos dos Rohingyas teve início muito antes
do mais recente genocídio (Brinham, 2012), e continua até hoje (Haar et al., 2019). Esta
discussão incidiu, em particular, sobre o direito dos refugiados a serem repatriados na
Birmânia e a regressarem às suas casas (Faulkner & Schiffer, 2019). Mas também, o seu
direito de acesso à saúde (Mahmood et al., 2017) e estruturas educativas (Prodip, 2017),
a proteção contra a discriminação racial (Cheesman, 2017), a sua apatridia tanto em
Mianmar (Ahsan Ullah, 2016) como no Bangladesh (Milton et al., 2017), e também a
interação entre múltiplos destes direitos em simultâneo (Balazo, 2015). Uma ideia
comum na teoria dos direitos humanos (Harvey, 2001) é que deveria ser desejável
proteger todos os direitos humanos dos refugiados, uma vez que isso conduziria a um
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Artigo traduzido por Cláudia Tavares.
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aumento da sua segurança humana (Ogata & Cels, 2003). Esta ideia foi também sugerida
para aplicação no caso dos refugiados Rohingya (Adams, 2019). No entanto,
argumentamos neste artigo que uma abordagem indiscriminada que não distingue entre
classes de direitos humanos e o seu impacto na estabilidade política pode,
inadvertidamente, levar a causar mais danos do que benefícios. A determinação sobre
se a promoção de qualquer direito humano específico afeta a segurança deve, de facto,
ser feita em conformidade com os prognósticos conhecidos de instabilidade política, e
considerando então se a melhoria de qualquer direito humano aumenta ou diminui o risco
de conflito civil. Embora o raciocínio teórico de Thiessen (2019) sugira que deveria ser
possível prevenir o extremismo violento através da promoção dos direitos humanos,
veremos contudo que tal ser possível depende, em última análise, dos fatores que afetam
a segurança e de que forma.
Para prosseguir a nossa tarefa de pesquisa, vamos primeiro discutir a teoria dos conflitos
etnopolíticos, no âmbito da qual foi desenvolvido o modelo que selecionámos para prever
conflitos futuros. Em seguida, descreveremos o funcionamento do próprio modelo e como
pode ser aplicado para estudar a presença de Rohingyas no Bangladesh. Posteriormente,
designaremos quais os indicadores de futuros conflitos civis que seriam modificados pela
promoção de direitos humanos específicos. E por último, identificaremos os direitos
humanos que podem ser promovidos com segurança sem aumentar o risco de conflitos
civis, e os que não podem. Note-se que, no contexto deste artigo, estamos à procura de
uma compreensão causal e explicativa do assunto, não seguimos uma abordagem
interpretativa ou de Verstehen (Parsons, 1978). A implicação para isto é que ignoraremos
todas as características não-comportamentais dos conflitos, e nomeadamente todos os
seus aspetos simbólicos, ideológicos, culturais ou de valor (Harrison, 1995). Se
aceitarmos esta limitação teórica e este pressuposto metodológico, então podemos tirar
algumas conclusões interessantes sobre a relação entre os direitos humanos e a
segurança dos Rohingyas e do Bangladesh, como veremos nas próximas secções, pelo
que, neste caso, a confiança em métodos comportamentais é justificada.
2. A instabilidade política como a probabilidade de guerra intra-estatal
A diversidade étnica num país pode ser um fator de enriquecimento e pode contribuir
para a diversificação cultural da população, mas também pode influenciar negativamente
a paz e a unidade política desse mesmo país. A ausência de paz e de unidade política
num país corresponde a uma situação de conflito internacional ou civil e está
frequentemente associada à ausência de estabilidade política. Na literatura sobre estudos
de conflitos, a estabilidade política é normalmente definida como a estabilidade do
governo de um determinado país (Raval & Salvi, 2017). No entanto, nem todos
concordam com esta definição, tendo sido sugerido que a estabilidade política deve ser
considerada como a perceção pela população de "a probabilidade de o governo ser
desestabilizado ou derrubado por meios inconstitucionais ou violentos, incluindo a
violência doméstica e o terrorismo" (Radu, 2015). Embora concordemos com a utilidade
operacional desta declaração, argumentamos que a definição dada acima descreve o
otimismo ou confiança da população em relação à continuação do governo e, portanto,
uma crença, em vez de um fenómeno físico e social mensurável, como a guerra. Ao
equacionar a estabilidade política com a ausência de guerra, deve contudo notar-se que
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a paz, a ausência de conflito, é a condição mais comum num Estado, e não a guerra
(Levi, 1960). A teoria da paz nos assuntos internacionais sugeriu inicialmente que a paz
não é uma coisa, ou a ausência de algo, mas sim um objetivo que deve ser procurado
com luta e esforço (Galtung, 2007). A definição de paz entre Estados como uma "guerra
negativa", ou a ausência de guerra, veio mais tarde (Martín, 2005), e levou à
consideração teórica de que a estabilidade política, também, é um conceito negativo, no
sentido de que representa a ausência de instabilidade política, sem ter qualquer
significado em si. Foi subsequentemente proposto abandonar o conceito de estabilidade
política da disciplina dos estudos de conflito, e concentrar-se antes na análise do seu
conceito oposto; isto é, o conceito de instabilidade política (Alesina et al., 1996). Outros
propuseram, em vez disso, que a estabilidade política exista efetivamente, e que não
seja simplesmente uma condição negativa relacionada com a ausência de conflitos intra-
estatais (Margolis, 2010); mas acreditamos que as duas palavras, "estabilidade" e
"instabilidade", devem referir-se a conceitos que são de natureza oposta, para que a
produção científica sobre o assunto não corra o risco de perder consistência interna. No
estudo por Alesina et al. (1996) a instabilidade política foi definida simplesmente como
a propensão para o colapso de um governo, e nesse contexto a estabilidade política seria
o seu oposto; ou seja, seria a probabilidade de um governo sobreviver até ao próximo
período de tempo. Por outras palavras, a estabilidade política seria definida como a
situação normal de "business-as-usual".
Para o nosso artigo tomamos uma definição ligeiramente diferente da acima sugerida:
instabilidade política de um país é o risco de uma futura guerra civil, ou seja, um conflito
intra-estatal, em oposição ao colapso genérico de um governo devido a causas externas.
Uma vez que sabemos que a guerra civil é o estatuto menos comum para um Estado, é
importante determinar quais o as características associadas ao seu surgimento num
determinado país. Estas características são também chamadas de "preditores" de
conflitos civis na literatura associada (Couttenier & Soubeyran, 2015), e o modelo que
selecionámos para determinar esses preditores, como veremos mais adiante, sugere que
muitos deles têm algo a ver com etnia e discriminação.
3. Fatores étnicos que afetam a instabilidade política no Bangladesh
Os Rohingyas no Bangladesh não tiram a sua filiação étnica da diferenciação da sua
língua, cultura e valores, dos dos outros grupos étnicos do Bangladesh. Como a
população Rohingya no Bangladesh é composta pela maioria dos refugiados, e não pela
população histórica residente, só pode ser definida como um grupo étnico em relação às
etnias do país do qual se deslocaram nos últimos tempos. Esse país é Mianmar; e nele,
a afiliação étnica dos Rohingyas desenvolveu-se e tornou-se uma construção socialmente
aceite (Alam, 2018). Acredita-se que a religião desempenhou um papel inicial na
formação da identidade étnica dos Rohingyas, que constituiu então a base para a
diferenciação linguística e genética da população (Leider, 2018). Contudo, um papel
ainda mais importante foi desempenhado pela revogação da cidadania ex autoritate do
governo de Myanmar, numa tentativa deste último de consolidar a unidade política dos
restantes componentes étnicos do país (Alam, 2018). Ao deslocar-se de Mianmar para o
Bangladesh nos últimos tempos, a população Rohingya, juntamente com a sua
compreeno da sua própria identidade étnica, juntou-se a um sistema étnico pré-
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existente como o seu novo membro. Um grupo étnico que teve origem num país
diferente, num sistema étnico diferente, foi assim forçosamente importado para o
sistema étnico do Bangladesh (Storai, 2018). No Bangladesh, os Rohingyas são um grupo
étnico que se distingue da maioria étnica do país, os bangladeshis, porque falam uma
língua diferente e porque os seus papéis e regras o diferentes dos das outras
componentes étnicas da sociedade (Kipgen, 2019).
Ao fazer a consideração anterior, determinámos portanto que os Rohingyas existem hoje
como um grupo étnico no sistema étnico do Bangladesh. Após definirmos a instabilidade
política como a probabilidade de um conflito civil num Estado, podemos agora discutir os
fatores étnicos que contribuem para a variação dessa probabilidade. A ideia subjacente
é que, se existem fatores étnicos que prevêem conflitos civis, estes devem ser aplicados
para estudar o impacto da presença dos Rohingyas na probabilidade de conflito civil no
Bangladesh. A literatura sugere que a sua presença é uma ameaça potencial para a
segurança interna do país (Rahman, 2010), mas não é claro de acordo com que
indicadores ou fatores particulares tal julgamento deve ser feito.
A disciplina que é competente para o estudo dos fatores étnicos específicos associados à
emergência de conflitos violentos é denominada estudos de conflitos etnopolíticos
(Horowitz, 2000), e surgiu nos anos 80 para fundir os vários ramos da sociologia, ciência
política e etnografia, que estudavam o assunto de forma independente. Esta teoria já foi
aplicada para estudar a relação entre os Rohingyas e as outras comunidades étnicas de
Mianmar. (Rahman, 2015). Por conseguinte, podemos alargá-lo para estudar a relação
entre os refugiados rohingya e as suas comunidades de acolhimento do Bangladesh, uma
vez que a reinstalação dos primeiros com os segundos dura há vários anos no
momento da redação. De acordo com os fundamentos teóricos dessa disciplina, o sistema
de relações entre grupos étnicos pode ser dividido em duas categorias principais:
sistemas hierarquizados e o hierarquizados (Jenkins, 1987). Os sistemas de
classificação caracterizam-se pela presença de hierarquias sociais estratificadas entre as
diferentes etnias, de tal forma que a competição entre elas se realiza através da dinâmica
de poder e dominação entre grupos. Nos sistemas não hierarquizados, pelo contrário,
não existe uma relação hierárquica única entre os vários grupos étnicos presentes num
Estado. Cada grupo detém a sua estrutura de liderança, cuja legitimidade para governar
é largamente independente do apoio de outros grupos étnicos. De acordo com Horowitz
(2000), os sistemas não classificados caracterizam-se também por um nível geralmente
mais elevado de estabilidade política do que os classificados. Isto porque, em contraste
com os sistemas classificados, os não classificados têm uma competição inter-étnica que
se baseia no princípio da inclusão e exclusão, em oposição ao poder e submissão. O
sistema étnico do Bangladesh parece caracterizar-se pelo facto de um determinado grupo
étnico, o grupo da maioria da população do Bangladesh, ocupar a maior parte das
posições de liderança do país (Khan, 1976). Como consequência disto, acreditamos que
o sistema étnico do Bangladesh hoje em dia pode ser classificado como um sistema étnico
ordenado. As previsões teóricas sugerem portanto que, se reconhecermos o sistema
étnico do Bangladesh como um sistema ordenado, este tem uma probabilidade mais
elevada do que a média de sofrer conflitos civis.
Outra abordagem ao estudo dos conflitos entre etnias é enquadrar os conflitos étnicos
como acontecimentos que ocorrem no processo de formação de um Estado-nação
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(Varshney, 2007). Coloca-se então a questão de saber se, em caso de conflito civil, a
comunidade Rohingya tentaria ou não estabelecer um Estado-nação étnico, e a previsão
teórica sugere que o faria. Existe uma ideologia política que apoia fortemente a
necessidade de criar um Estado independente Rohingya, que é chamado "nacionalismo
Rakhine" (Zöllner, 2017); acreditamos que a questão da independência nacional dos
Rohingyas, e não estritamente religiosa, esteve de facto na base da crise em curso na
Birmânia. A opinião de que um nacionalismo Rohingya latente está a causar a atual crise
humanitária é também discutida por outros estudiosos, tais como McLaughlin (2015) e
Nang (2013), e apoiamos a tese de que a guerra civil em Mianmar é uma guerra pela
repressão da aspiração à independência nacional de uma componente étnica da
população birmanesa.
A última abordagem teórica e metodológica do problema dos conflitos etnopolíticos que
aqui discutimos baseia-se nos paradigmas do positivismo e do comportamentalismo.
Neste contexto, acredita-se que os conflitos civis têm causas que o podem ser
encontradas nos próprios conflitos; mas sim, que estes conflitos são o resultado de
estímulos provenientes do ambiente social, cuja reação conduz à violência. Tal como
Barbashin (2008) assinala, "os conflitos sociais são geralmente explicados ou como
reações ao estímulo social, externas ao ator ou em ligação com as necessidades
psicológicas ou materiais individuais". Aceitamos esta afirmação teórica e, portanto,
assumimos para a parte empírica deste artigo que os fatores relacionados com a futura
emergência de um conflito étnico num país têm de ser encontrados não no próprio
conflito, mas em estímulos externos aos atores do conflito. Ou seja, de estímulos
externos às fações em conflito no conflito futuro. Ao dizermos isto, podemos agora
analisar o modelo que selecionámos para extrair os preditores do conflito civil no
Bangladesh, e ver como a promoção dos direitos humanos dos refugiados Rohingya pode
afetar o risco de conflito civil.
4. A crise dos refugiados Rohingya e o aumento do risco de instabilidade
política
Depois de determinarmos que, de acordo com a nossa atual compreensão teórica da
emergência de conflitos étnicos, os fatores que os provocam devem ser encontrados no
ambiente social onde vivem os atores do conflito, a nossa tarefa é então deslocada para
a determinação dos próprios preditores. Esta determinação foi feita empiricamente por
outros, e aqui descreveremos brevemente o modelo com melhor desempenho, na sua
aplicação ao Bangladesh. Foram feitas várias tentativas no passado para encontrar as
variáveis sociais que melhor prevêem a emergência de um futuro conflito civil, tais como
as que foram conduzidas por Stewart et al. (2002) e Hegre et al. (2013). Após verificação
empírica dos dados mundiais relacionados com os recentes conflitos civis, a determinação
dos preditores mais importantes foi contudo feita e verificada empiricamente. Um certo
modelo estatístico desenvolvido por Goldstone et al. (2010) provou ser o melhor preditor
de futuros conflitos civis, e esse modelo utiliza quatro preditores. Este modelo foi
aplicado com sucesso no passado para realizar avaliações de segurança com respeito
específico aos Rohingyas (Cook et al., 2011, Hangzo & Gong, 2013), e também para o
Bangladesh (Shallcross & Ahner, 2016), independentemente. Assim, consideramos
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apropriado utilizá-lo para estimar o peso da presença dos Rohingyas no Bangladesh, no
que diz respeito ao risco de conflito civil. Os quatro preditores são:
1) Nível de mortalidade infantil.
2) Localização do regime político na tipologia "liberal democrático-autoritário”.
3) Presença de violência entre forças estatais e grupos étnicos locais.
4) Presença de conflitos nos países vizinhos.
Para determinar como a presença dos refugiados Rohingya no Bangladesh afeta a
instabilidade política do país e, portanto, a probabilidade de um futuro conflito civil,
podemos agora julgar se a promoção de alguns direitos humanos dos Rohingyas aumenta
ou não o valor de cada um dos quatro preditores. A previsão teórica que se poderia fazer,
seguindo a teoria segundo a qual os direitos humanos promovem a segurança humana
(Benedek, 2008), é que a promoção de todos os direitos humanos deve ser
correlacionada com uma diminuição do nível de risco, tal como calculado de acordo com
este modelo. Para testar esta teoria, analisaremos cada um destes fatores
individualmente, para ver se existem direitos humanos particulares dos refugiados
Rohingya que, ao serem promovidos, contribuiriam positivamente, eo negativamente,
para o aumento do risco de conflito civil no Bangladesh.
4.1. Nível de mortalidade infantil
Em primeiro lugar, deve notar-se que o nível geral de mortalidade infantil e de menores
de cinco anos entre a população do Bangladesh tem vindo a diminuir nos últimos anos
(Unicef, 2015). Isto deve-se principalmente à melhoria do sistema de saúde do país, e à
melhoria das condições higiénicas da população local (Islam & Biswas, 2014). Em
contraste com isto, os refugiados Rohingya têm um acesso significativamente pior aos
cuidados de saúde e à higiene (Islam & Nuzhath, 2018), e, por conseguinte, as suas
condições de saúde são motivo de preocupação. No contexto deste artigo, assumimos
que a população Rohingya contribui para este fator de risco se o nível de mortalidade
infantil entre eles durante um determinado ano for superior ao nível médio
correspondente da população do Bangladesh durante esse mesmo ano. A fim de verificar
esta hipótese, podemos observar os dados disponíveis sobre o nível de mortalidade
infantil dos residentes gerais do Bangladesh, e compará-los com os disponíveis para a
população Rohingya, o que representa uma amostra não aleatória dos residentes gerais
do país.
A autoridade competente para a recolha e divulgação das figuras relacionadas com este
assunto é o Cirurgião Geral de Cox's Bazar. Embora nem todo o Bazar de Cox's seja
povoado por Rohingyas, eles constituem de facto a maior parte da população local (Bhatia
et al., 2018), e, por conseguinte, todos os fenómenos médicos que afetam os Rohingyas
aí residentes são suscetíveis de ter impacto nos dados agregados relacionados com esse
distrito. conseguimos encontrar números relacionados com o nível de mortalidade
infantil para Cox's Bazar em 2015 (Chaw Nu, 2016), pois parece que os Boletins de Saúde
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Local para outros anos ou não existem ou não são acessíveis. Relatamos aqui o quadro
contido no Boletim de Saúde Local para janeiro - dezembro de 2015.
Figura 1. Mortalidade infantil no Bangladesh
Fonte: (Chaw Nu, 2016). Figura desenhada pela autora
O nível de mortalidade de menores de 5 anos em Cox's Bazar em 2015 foi de 41,4, em
cada 1000 nascidos vivos. Nesse ano, a média nacional de mortalidade infantil foi de
36,4 (Unicef, 2015), o que significa que o nível de mortalidade infantil em Cox's Bazar
foi significativamente mais elevado do que o de todo o país. A partir daqui, podemos
concluir que a presença dos Rohingyas no Bangladesh contribui para aumentar o peso
do primeiro preditor conhecido de conflitos civis. Os números estão ausentes durante
outros anos para além de 2015, pelo que será necessário aprofundar a investigação para
determinar se esta é uma ocorrência única ou uma característica longitudinal da presença
dos Rohingya no Bangladesh.
Da análise dos dados associados a este fator, conclui-se que a promoção do direito de
acesso à saúde da população Rohingya, e em particular dos seus filhos, afetaria o nível
de risco de conflito civil para o Bangladesh, no sentido de que o diminuiria. Parece assim
que a diminuição do nível de mortalidade infantil entre os Rohingyas poderia ser uma
política desejável, o em si mesma, mas também para promover a estabilidade
política da região.
4.2. Classificação do regime sobre a tipologia "democrático-
autocrático”
O segundo preditor conhecido de futuros conflitos civis é a classificação do regime político
do país no eixo "democrático-autocrático". Mais especificamente, acredita-se que quanto
776
2376
2546
2845
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
Still Births Neonatal Deaths Infant Deaths US Deaths
Nº total de nados-vivos em 2015: 68,732
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menos extrema for a posição de um país nesse eixo, maior é a probabilidade de um país
vir a sofrer uma guerra civil no futuro. Para realizar esta classificação, o conjunto de
dados Polity IV é normalmente utilizado (Marshall et al., 2011). A informação nele
relatada está disponível até 2013, pelo que não é utilizada para determinar o atual nível
de risco associado à presença dos Rohingyas, sob este indicador específico. Podemos,
contudo, estudar como é formulada a pontuação Polity, para determinar se a crise dos
refugiados pode, em princípio, influenciar a sua variação numa direção ou noutra. Embora
a discussão do procedimento completo para a atribuição da pontuação de Polity a cada
país esteja fora do âmbito do presente artigo, queremos contudo notar que nenhum dos
fatores utilizados é atualmente afetado pela presença dos Rohingyas. Isto acontece
porque, a partir de hoje, os refugiados têm uma integração política limitada no
Bangladesh (Milton et al., 2017). Embora a discussão do procedimento completo para a
atribuição da pontuação de Polity a cada país esteja fora do âmbito do presente artigo,
queremos contudo notar que nenhum dos fatores utilizados é atualmente afetado pela
presença dos Rohingyas. Isto acontece porque, a partir de hoje, os refugiados têm uma
integração política limitada no Bangladesh.
O argumento sobre como a integração política afetaria a pontuação Polity funciona desta
forma. As minorias étnicas no Bangladesh têm geralmente menos acesso a cargos
públicos do que os etnicos do Bangladesh (Barua, 2010). Caso os Rohingyas sejam
integrados no círculo eleitoral político do país, é de esperar que o recrutamento de
executivos se torne mais restritivo, no sentido de que uma fração proporcionalmente
maior da população não teria acesso a ele. Os dois indicadores Competitividade do
Recrutamento de Executivos e Competitividade da Participação Política, utilizados na
Política para determinar a pontuação do país, são suscetíveis de ser mais orientados para
o autoritarismo. Isto conduziria a um reforço global dos fatores associados ao
autoritarismo e a um subsequente afastamento dos dois polos estáveis das democracias
liberais ou sistemas autoritários, em comparação com os últimos números disponíveis. A
razão pela qual este fator afeta os direitos humanos é que uma solução para o problema
da apatridia dos Rohingyas é dar-lhes passaportes do Bangladesh, e veremos na
discussão no final deste artigo que isto já está a acontecer. Caso se integrem no círculo
eleitoral político do Bangladesh, espera-se que não possam aceder aos cargos públicos,
pelo que este indicador de risco aumentaria.
4.3. Tensões étnicas entre minorias e forças estatais
O terceiro preditor conhecido de conflitos civis é o nível de tensões entre o Estado e as
minorias étnicas do país. Por nível de tensão, entendemos aqui a perceção ou presença
de discriminação económica ou política patrocinada pelo Estado contra uma minoria
(West, 2005). Em conformidade com o conjunto de dados utilizado para dar valores a
este preditor (Gurr, 1995), a minoria Rohingya, juntamente com a Bihari, é considerada
em risco de iniciar um conflito futuro, na medida em que se apercebe de estar sujeita a
discriminação política ou ecomica. Em vez disso, as Tribos Chittagong Hill e os hindus,
que o as duas outras minorias reconhecidas no país, não são afetadas por esta. A razão
pela qual esta consideração é importante é que a minoria Rohingya, mas não as outras
minorias do país, tem um grupo armado capaz de apoiar a população nos confrontos com
as forças governamentais (Bashar, 2017). De acordo com este preditor em particular,
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parece, portanto, que a presença dos Rohingyas no Bangladesh está a contribuir para o
aumento do nível de risco de conflito civil, devido à discriminação real ou percebida dos
Rohingyas pelo Estado (Ullah, 2011). A razão pela qual os Rohingyas não estão incluídos
entre as minorias étnicas adequadas do Bangladesh é que não têm cidadania, mas se
isto ocorrer, então todas as outras condições para este modelo seriam satisfeitas, e este
fator aplicar-se-ia a eles.
É ainda discutível que a questão da discriminação política percebida não pode ser
resolvida facilmente, como políticas oficiais para a inclusão dos Rohingyas na comunidade
política do Bangladesh, uma vez que se espera que os Rohingyas permaneçam apátridas
no futuro próximo (Kiragu et al., 2011). Ora, afirmamos acima que se os Rohingyas não
são cidadãos do Bangladesh, então o problema da discriminação política contra eles não
se aplica. Aplicar-se-ia, contudo, se os direitos políticos fossem concedidos aos Rohingyas
através de medidas de integração, tais como a concessão de cidadania, ou a concessão
de autorizações de residência que permitissem aos refugiados votar nas eleições locais.
Porque as medidas de integração política são variadas e complexas, e porque o seu
estudo esfora do âmbito deste artigo, vamos comprimir o problema de uma forma que
o torne tratável sob o nosso raciocínio teórico. Ou seja, consideramos apenas a
integração política que se processa através da cidadania. Isto porque, de fato, os
passaportes do Bangladesh estão a ser adquiridos por um número significativo de
refugiados Rohingya, o que leva pelo menos uma parte da população refugiada a ter
acesso a direitos políticos. Mais sobre isto na última secção deste artigo, dentro das
conclusões.
No entanto, a discriminação económica pode, em princípio, ser resolúvel se forem
encontradas atividades económicas específicas, adequadas para os refugiados. De facto,
parece que, a partir de hoje, a integração económica dos Rohingyas no Bangladesh não
é possível, principalmente porque a legislação a proíbe (Crabtree, 2010). Os refugiados
Rohingya estão especialmente envolvidos em atividades a nível de sustento, e não podem
exercer atividades económicas legais devido à falta de autorizações de trabalho e vistos,
mas estes poderiam, em princípio, ser autorizados sem a concessão de direitos políticos.
4.4. Presença de outros conflitos na mesma região
O Sudeste Asiático é uma região do mundo geralmente caracterizada por conflitos
(Snitwongse & Thompson, 2005). Diferentes autores teriam, contudo, diferentes
definições de quais os países que se encontram em estado de conflito e quais os que não
se encontram, pelo que o modelo utiliza exclusivamente os dados contidos num
determinado conjunto de dados. No modelo que utilizamos, um país é considerado em
risco de conflito se quatro ou mais países da mesma vizinhança estiverem em conflito.
Esta variável binária é estimada com base na informação contida no conjunto de dados
dos Episódios Principais de Violência Política (Marshall & Cole, 2016). Os vizinhos do
Bangladesh que vivem conflitos internos são o Paquistão, a Índia, Mianmar, o
Afeganistão. Estes Estados o quatro e, portanto, de acordo com o modelo que estamos
a utilizar, têm uma probabilidade mais elevada do que a média de futuros conflitos civis
no Bangladesh. Pode ser imediatamente demonstrado que um deles, Mianmar, está
presente no conjunto de dados exatamente pela mesma razão pela qual os Rohingyas
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também estão presentes no Bangladesh: ou seja, devido ao conflito em curso naquele
país. Em consequência disto, este preditor de conflito civil será relevante enquanto o
conflito em Mianmar persistir. A questão é então se o conflito em Mianmar continuará ou
não no futuro, e se a presença dos Rohingyas no Bangladesh está ligada à continuação
do conflito naquele país. Parece ser este o caso, e foi sugerido por Parnini (2013) que o
fim da guerra pode não ser possível sem o repatriamento dos Rohingyas. Estudos
realizados por Kipgen (2015) associam a presença contínua dos Rohingyas no
Bangladesh ao processo de democratização em Mianmar, e este processo parece também
ser afetado por fatores externos (Kuok, 2014), que não podem ser reduzidos à natureza
dos assuntos internos ou das relações bilaterais entre o Bangladesh e Mianmar. Resta,
portanto, ver como este preditor irá mudar no futuro; a partir de hoje, parece que,
obviamente, a presença dos Rohingyas no Bangladesh está relacionada com o conflito
em Mianmar e, portanto, com o mero de conflitos na região. A promoção do direito
dos Rohingyas ao repatriamento em Mianmar deve ser uma política que diminua o nível
de risco de instabilidade política para o Bangladesh, embora, de acordo com este modelo
de avaliação de riscos.
4.5. Direitos humanos e instabilidade política
Podemos agora fazer a soma da análise escrita acima e determinar quais os direitos
humanos dos refugiados Rohingya que podem ser promovidos com um impacto positivo
na estabilidade política da região. Apresentamos o quadro abaixo como um resumo deste
estudo.
Tabela 1 - Características de uma política de integração que não aumenta a instabilidade política
Preditor de conflito civil
Direitos humanos associados
Pode ser promovido
sem aumentar o risco
de conflito civil?
Acesso à saúde
Sim
Nacionalidade através da
cidadania do Bangladeh
Não
Tensões étnicas entre o governo e as minorias
Nacionalidade através da
cidadania do Bangladesh
Não
Presença de conflitos na região
Repatriamento dos refugiados
Sim
A análise mostra que a promoção indiscriminada de todos os direitos humanos de uma
população refugiada podeo funcionar se se incluírem considerações relacionadas com
a estabilidade política do país onde os refugiados residem.
4.6. Um caso sombra. Integração dos refugiados afegãos no Paquistão
As considerações que fizemos até agora sugerem que uma política de integração que
promova o acesso à saúde e não promova a integração política dos refugiados, deve ter
um impacto positivo na estabilidade política do país. Podemos agora estudar brevemente
como esta ideia se aplica a um caso análogo ao dos refugiados Rohingya no Bangladesh:
o dos refugiados afegãos no Paquistão. Os dois casos são suficientemente semelhantes,
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na medida em que estão ambos localizados na mesma região geográfica, e caracterizam-
se ambos por um afluxo de refugiados ao país vizinho, como consequência de um conflito
no país de origem. São também diferentes, na medida em que a composição étnica dos
refugiados afegãos é mais diversificada do que a composição étnica dos Rohingyas; além
disso, os últimos, mas não os primeiros, têm fugido de um genocídio que visou a sua
etnicidade particular, o que pode limitar a possibilidade de comparar os dois casos. Se,
no entanto, nos concentrarmos nas semelhanças e descartarmos as diferenças, podemos
ver quais são as características da política de integração para os refugiados afegãos no
Paquistão, e observar se estão em conformidade com as características que descrevemos
na secção anterior.
Relativamente à saúde, o governo paquistanês criou as chamadas unidades básicas de
saúde, responsáveis pela prestação de serviços de saúde aos refugiados afegãos (Malik
et al., 2019). Isto pode estar relacionado com o impacto negativo que a presença de
refugiados afegãos teve no perfil epidemiológico de doenças infeciosas no Paquistão, tais
como a malária (Jawaid et al., 2008). Contudo, sugere que o acesso à saúde pelos
refugiados afegãos é geralmente promovido.
Relativamente à identidade política e, por conseguinte, ao acesso aos direitos políticos
no Paquistão, um estudo de Kronenfeld (2008) sugere que "a maioria dos afegãos
atualmente residentes no Paquistão nasceram lá", mas que isto não lhes confere direitos
políticos, porque "os filhos dos refugiados são considerados refugiados e o têm
cidadania paquistanesa" (p.49). Isto sugere que a integração política dos refugiados
afegãos no Paquistão é limitada.
Preliminarmente, portanto, observamos no Paquistão uma política de integração dos
refugiados análoga à que, de acordo com o nosso modelo, deveria favorecer a
estabilidade política. Além disso, a literatura que contém avaliações de risco para a
estabilidade política do Paquistão (Tabassam et al., 2016) não contém menções dos
riscos decorrentes da presença de refugiados afegãos no Paquistão, se não indiretamente
como consequência das condições económicas gerais que afetam indiscriminadamente
toda a população residente. Se utilizarmos o caso dos refugiados afegãos no Paquistão
como um banco de ensaio para a hipótese que formulámos neste artigo, observamos que
foi adotada uma política de integração que possui características como a que estudámos
aqui para o Paquistão. Observamos também que as avaliações de risco para o país não
contêm menções da instabilidade política potencialmente decorrente da presença dos
refugiados. Isto sugere que a linha de raciocínio proposta neste artigo pode ser
generalivel a outros casos para além dos refugiados Rohingya no Bangladesh, desde
que sejam também adoptados outros pressupostos, nomeadamente os relativos à
composição étnica dos refugiados.
5. Conclusões. A promoção indiscriminada de todos os direitos humanos
pode não ser necessariamente boa, se as considerações sobre a
estabilidade política também forem tidas em conta
Neste artigo, analisámos os fatores de risco associados à presença da população de
refugiados Rohingya no Bangladesh. Após definir a instabilidade política como a presença
de um conflito civil, e após discutir as suas causas teóricas gerais, e também após
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analisar o modelo de melhor desempenho para a sua previsão, estudámos como os
fatores de risco conhecidos de conflito civil são afetados por medidas de promoção dos
direitos dos refugiados. Das nossas conclusões, parece que o acesso à saúde e ao
repatriamento dos refugiados poderia ser geralmente promovido, uma vez que teria um
impacto positivo na estabilidade do território; mas a concessão de direitos políticos
através da nacionalidade do Bangladesh não pode. Isto permite-nos sugerir que, embora
a promoção dos direitos humanos seja um objetivo importante, a promoção daqueles
que se espera que iniciem guerras é indesejável. Afinal de contas, os direitos humanos
não são úteis se se estiver morto.
Porque é que tudo isto é importante? A razão pela qual as considerações que aqui
fazemos são particularmente importantes é que os direitos políticos são de facto
concedidos hoje (Chakraborty, 2018; The Straits Times, 2019; The Business Standard,
2020). Os estrangeiros podem adquirir passaportes do Bangladesh por meios ilegais, e
através dos passaportes, adquirem também direitos políticos. Isto é um problema não
porque é um crime, mas também porque é uma prática que, se continuar a alastrar,
pode afetar o risco de guerra civil. De acordo com o quadro teórico acima definido, a
inclusão dos Rohingyas no círculo eleitoral político do Bangladesh irá previsivelmente
aumentar o risco de conflito civil no país. Se forem vistos no futuro sinais de mobilização
política dos refugiados Rohingya que adquiriram os passaportes do Bangladesh, isto deve
ser considerado como um forte indício de que o risco de conflito civil no país está a
aumentar, de acordo com as previsões teóricas do modelo que seguimos. Neste contexto
particular, a continuação da apatridia dos refugiados poderá ser uma opção mais
desejável do que a nacionalidade através do passaporte do Bangladesh. Por outro lado,
porém, a promoção dos direitos relacionados com a saúde pode ser prosseguida com
segurança; porque, como o modelo sugere, se a mortalidade infantil diminuir, o risco de
conflito civil também diminuiria. Uma consideração semelhante é também válida para o
repatriamento dos Rohingyas que, se as condições políticas em Mianmar o permitissem,
poderia ser prosseguida com um impacto positivo na estabilidade do Bangladesh e, por
conseguinte, da região. O desenvolvimento teórico geral sobre o debate sobre direitos
humanos e segurança que propomos com este artigo é o seguinte. Quando uma dada
situação de refugiados es a ser estudada, e quando a presença dos Rohingyas no
Bangladesh está a ser estudada em particular, nem todos os direitos humanos podem
ser promovidos igualmente, e a promoção de alguns deles pode acabar por causar mais
danos do que benefícios.
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