OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
e-ISSN: 1647-7251
Vol. 12, Nº. 1 (Maio-Outubro 2021)
168
O QUE OS ESTUDOS ESTRATÉGICOS SÃO OU NÃO SÃO: A PROPÓSITO DE UM
MANIFESTO DE ISABELLE DUYVESTEYN E JAMES WORRAL
ANTÓNIO HORTA FERNANDES
ahf@fcsh.unl.pt
Docente de carreira do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL, Portugal). Investigador do Instituto
Português de Relações Internacionais (IPRI). Auditor da Defesa Nacional.
Estrategista e polemologista.
Resumo
Com o presente artigo pretende-se fazer uma sintética actualização do ser” da estratégia,
evocando os estudos estratégicos, nomeadamente nos aspectos concernentes ao objecto da
estratégia e à relação da estratégia com a política. Esta actualização é realizada confrontando-
a com um recente manifesto, da autoria de Isabelle Duyvestein e James Worral, importante
pelas repercuses que tem na ciência das relações internacionais, o qual padece de muitas
debilidades e não menos aporias. Importa, pois, desconstruir alguns dos seus pressupostos,
que têm sido também aqueles acriticamente aceites quando as Relações Internacionais
afloram a problemática inerente aos estudos estratégicos ou se debruça sobre a guerra.
Palavras-chave
Estratégia, Política, Guerra, Guerra Subversiva, Isabelle Duyvesteyn, James Worral
Como citar este artigo
Fernandes, António Horta (2021). O que os Estudos Estratégicos São ou não São: a propósito
de um manifesto de Isabelle Duyvesteyn e James Worral. Janus.net, e-journal of international
relations. Vol12, Nº. 1, Maio-Outubro 2021. Consultado [online] em data da última consulta,
https://doi.org/10.26619/1647-7251.12.1.9
Artigo recebido em 19 Janeiro 2021 e aceite para publicação em 4 Março 2021
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O que os estudos estratégicos são ou não são:
a propósito de um Manifesto de Isabelle Duyvesteyn e James Worral
António Horta Fernandes
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O QUE OS ESTUDOS ESTRATÉGICOS SÃO OU NÃO SÃO:
A PROPÓSITO DE UM MANIFESTO DE ISABELLE DUYVESTEYN E
JAMES WORRAL
ANTÓNIO HORTA FERNANDES
É sabido que, no âmbito das Relações Internacionais, os estudos estratégicos, ou a
estratégia, como preferimos designar, já conheceram melhores dias, em detrimento dos
estudos críticos de segurança. Todavia, o queremos volver ao debate sobre a confusão
entre estudos estratégicos e estudos de segurança, já antes merecedora de atenção por
parte da escola estratégica portuguesa (Fernandes, 2015). De igual modo, a inserção
ontológica e epistemológica da estratégia na ciência das relações internacionais não é
um ponto central da presente reflexão. Na realidade, não se trata de uma verdadeira
inserção sem mais da estratégia no seio das Relações Internacionais, porquanto a
estratégia é um saber próprio de fronteira. Ainda assim, esse assunto também foi
motivo análise no seio da escola estratégica portuguesa, pelo que nos remetemos ao
precipitado dessa análise (Fernandes, 2010).
Importa antes olhar para uma reflexão publicada em 2017, no muito conceituado Journal
of Strategic Studies, da autoria de dois internacionalistas, Isabelle Duyvesteyn e James
Worral, intitulada Global Strategic Studies: a manifesto. A ideia de um manifesto
apresentada pelos autores com cautelosa humildade acaba por ficar curta, porque se
trata antes de um verdadeiro ponto de situação - não do que melhor se faz em estratégia,
incluindo o mundo anglo-saxónico, pois nomes como os de Colin Gray, Beatrice Heuser
ou Lawrence Freedmann nunca aparecem, ou melhor, o mais inovador das suas
contribuições, isso sim não se deixa luzir no dito manifesto - do que surge como o mais
promissor e actualizado nos estudos estratégicos, de modo a convergir com as Relações
Internacionais. Mais ainda, os autores sintetizam de forma expedita aquilo que passa por
ser o último grito na matéria, ou então imediatamente a haver, e que escorre como boa
ou mesmo muito boa ciência sobre o tratamento a dar à hostilidade e à guerra em
Relações Internacionais, por intermédio do acervo regional dos estudos estratégicos. E é
justamente que reside o problema: o ganho é escasso, o incremento de confusão
significativo e a involução manifesta. Por isso, convém que um tal registo não passe
impune, como se nada fosse, logo em Portugal, onde o só o Journal of Strategic Studies
tem larga audiência nos meios académicos e militares, mas sobretudo por existir uma
longa tradição de estudos sobre estratégia, a par de uma inovadora prática doutrinária e
no terreno, em particular na esfera da guerra subversiva ou insurrecional.
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Acerca do conteúdo da definição de estratégia
O supracitado manifesto começa por dizer, passando por ciência certa, ser a estratégia
um campo interdisciplinar que “examina, no seu cerne, as vias pelas quais o poder militar
e outros instrumentos coercivos podem ser usados para atingir fins políticos no curso de
uma interacção dinâmica de, pelo menos, duas vontades em competição”
1
. Estamos,
desde logo, diante de uma aporia séria. Não nos referimos aos sentidos possíveis que a
agonística competitiva pode ter em inglês, sobraçando eventualmente a competição
regrada, a qual é de muito difícil integração no objecto da estratégia. Pensamos até que
a expressão competing wills”, quiçá pouco rigorosa, quer traduzir, por facilidade de
expressão, no essencial, a hostilidade, a animoadversidade, num senso forte, entre
actores distintos de natureza política. A definição também não se refere à natureza
política das vontades antagonistas, mas o artigo no seu todo vai nesse sentido por
inteiro; a nosso ver bem a transposição integral do edifício estratégico para actores
não-políticos (por exemplo, económicos), fazendo-os agir prevalentemente em torno das
questões de estruturação das comunidades políticas e suas relações e do poder, torná-
los-ia actores políticos, e não de outra natureza (Duarte, 2004:127-131).
O problema reside antes na centralidade atribuída ao vector militar. É certo que se
mencionam outros instrumentos de coerção, mas o foco da análise é de imediato posto
no vector militar. Ora, como é reconhecido, pacífico, o vector militar, que até 70 anos,
sensivelmente, protagonizava o eixo não prático como teórico da estratégia, sendo,
além do mais, o seu eixo fundacional, deixou de o ser. Isto é, a teoria, por exemplo, de
Beaufre (Beaufre, 2004) a Abel Cabral Couto (Couto, 1988), para mencionar um par de
estrategistas que são hoje justamente tidos por clássicos, mas também a prática, usando
igualmente a título de exemplo a estratégia para a guerra subversiva e a estratégia
nuclear, evoluiu no sentido de considerar a par da estratégia militar outras estratégias
gerais, como a económica, a diplomática, a cultural, a informacional, entre várias mais,
todas elas subordinadas à grande manobra geral do actor político, denominada estratégia
integral, sem que o poder militar detenha qualquer primazia de princípio. O poder
militar é um entre vários instrumentos de gestão efectiva ou a haver da coerção, sendo
essa gestão no seu conjunto a ditar o uso ou não da força militar; sem que por isso haja
menos estratégia, no caso de omissão do emprego da força militar. De resto, em
consonância com a evolução da guerra, a qual trouxe ao terreiro novas modalidades que
não apenas a coaão armada, tecnicamente apelidadas de modalidades de guerra fria,
porquanto emergiram, no fundamental, durante a fase histórica conhecida pela
expressão Guerra Fria.
É evidente que quanto à guerra uma precisão a fazer. Enquanto na estratégia, a
estratégia militar não detém qualquer primazia ao nível dos fundamentos, mais ainda,
havendo até modalidades de hostilidade que caem debaixo da alçada da estratégia mas
não são ainda guerra, nem quente nem fria, antes pressão hostil (para além de todas as
regras), o caso das manobras sobre aliados, sobre terceiros, de algumas operações de
1
No original, reza assim a definição: Strategic Studies is an inter-disciplinary field of studies, which at its
core examines the ways in which military power and coercive instruments may be used to achieve political
ends in the course of a dynamic interaction of (at least) two competing wills (Duyvesteyn e Worral, 2017:
347).
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apoio à paz, determinadas sequências na guerra subversiva, ou as estratégias inversas,
as quais agem na hostilidade por anti-hostilidade de meios e quase de fins. No
respeitante à guerra, sim, há uma primazia de fundo da luta armada. E porquê? Não
porque se trate de uma modalidade de luta conceptualmente superior às restantes, o
que as transformaria de imediato em formas de infra-guerra, transtornando por completo
a valorização ontológica e epistemológica da guerra contemporânea, antes porque é a
luta armada aquela que mais se presta ao desencadear da violência sem quartel, ao
incêndio geral provocado pela propagação da violência, à caótica derradeira que
estabelece o preço do fenómeno bélico e lhe permite adquirir singularidade fenómeno
em geral designado pelo sintagma conceptual guerra absoluta
2
.
Poder-se-ia objectar que, tal como aconteceu com o Conceito Estratégico de Defesa
Nacional (CEDN) português, de 2004, a definição em causa de Isabelle Duyvensteyn e
James Worral apenas se limita a constatar um facto consabido: depois de alguns anos
de elevadas expectativas não concretizadas, as restantes estratégias gerais, com
excepção da militar, ainda não atingiram o patamar arquitectural inerente à estratégia
militar. Porém, a definição dos autores é uma proposta conceptual de fundo e o apenas
um ajustamento conjuntural. Além do mais, os diferentes conceitos estratégicos
nacionais, como o português de 2004, foram-se ajustando à conjuntura; foram
sinalizando que contavam com todas as estratégias gerais de forma integrada, mas como
a sua ossatura não estava ainda sedimentada, não poderiam apresentar como tal o que
ainda não era realidade Por outro lado, aquilo que o Conceito de 2004 parecia querer
consagrar era igualmente a revalorização das Forças Armadas como braço de apoio da
política externa do Estado, em missões que evoluíram para além das clássicas operações
de guerra. Mas não nos equivoquemos: o alcance teórico das diversas estratégias está
perfeitamente estabelecido e é pacífico, embora nem sempre tivesse havido arte,
engenho, vontade ou fortuna de concretizar esse empenho teórico. Assim, como o militar
tende a ressurgir, num novo sentido, aliás, muito próximo da estratégia diplomática,
para além do incremento das missões não combativas a acompanhar o recrudescimento
de guerras subversivas, seja qual for o nome que hoje lhe queiramos atribuir, era e é
fácil, se menos atentos, voltar a querer confundir a estratégia com a sua vertente
exclusivamente militar.
À primeira vista, a confusão dos nossos autores seria muito típica do pensamento
estratégico anglo-americano, ou influenciado por este. Porém, mediante o seminal
conceito de grande estratégia, da autoria de Liddell Hart, o próprio estrategista inglês,
bem como Beatrice Heuser, Colin Gray, ou Edward Luttwak vão mais longe e tendem a
considerar esses outros instrumentos coercivos com muito maior vigor. Colin Gray define
a grande estratégia, o termo anglo-saxónico mais próximo para estratégia integral, do
seguinte modo:
the direction and use made of many or all among the total assets of a security
community in support of its policy goals as decided by politics. The theory and
practice of grand strategy is the theory and practice of statecraft itself(Gray,
2010: 18).
2
Sobre a importância da guerra absoluta na guerra contemporânea, veja-se o incontornável polímata e
polemologista Nil Santiáñez (Santiáñez, 2020) (Santiáñez, 2018).
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Beatrice Heuser afirma ser difícil encontrar uma definição universalmente válida de
estratégia através dos tempos. Ainda assim, conclui, com base nos resultados obtidos
por sucessivas gerações de estrategas e de estrategistas, ser a estratégia uma via global
através da qual se procura realizar fins políticos, incluindo a ameaça ou o uso efectivo
da força, no âmbito de uma dialéctica de vontades (Heuser, 2013: 27).
No caso de Colin Gray, constata-se que, para acolher distintas formas de luta, mais, para
que o haja um predonio militar na definição, o autor vê-se obrigado a quase evacuar
o agonismo da estratégia, fazendo com que a grande estratégia coincida com a acção
geral e global do Estado no seu conjunto, a qual, mesmo pressupondo racionais realistas,
não se reduz aos objectivos pasveis de criar hostilidade por parte de uma outra vontade
política. É como se para se centrar na luta propriamente dita o vector militar tivesse de
ser novamente privilegiado de forma tácita. Em relação a Beatrice Heuser, uma vez mais
se corre o risco de evacuar o agonismo,o fosse a importância atribuída à dialéctica de
vontades, mas ainda assim abrindo a porta a considerar todo o agonismo, tanto o hostil
como o competitivo regrado. Todavia, mais importante, se bem que a estrategista de
origem alemã não mencione de que uso da força se trata, podendo, portanto, alargar-se
a formas de confrontação distintas da luta armada, o conjunto da obra em causa dedicada
à história da estratégia e do pensamento estratégico acaba por centrar-se na estratégia
militar, incluindo o século XX.
Afinal, donde derivam todas estas aporias no pensamento anglo-americano, de que nem
os estrategistas mais argutos se livram? Julgamos que as escolas anglo-americanas estão
ainda muito presa às teses de Liddell Hart. O estrategista britânico distingue a estratégia
pura, que é, no fundo, a estratégia militar, da grande estratégia, como dizendo respeito
à política em acto face ao conflito hostil (Liddell Hart, 1991)
3
. Política de defesa
(acentuando o vector militar) e estratégia integral aparecem assim amalgamadas, e se
os académicos anglo-saxónicos contemporâneos sabem perfeitamente que a estratégia
integra hoje outras dimenes que não exclusivamente a militar, como referimos,
quando se referem à estratégia per se, fruto ainda de um enquistamento das teorias
realistas e dos racionais herdados de Liddell Hart, pensam sobremaneira no aparelho
militar, ou se quisermos, no hard power, tendendo a encostar a estratégia ao militar.
Ora, como nem sempre para os próprios é claro (mesmo quando estão conscientes de
que estratégia e estratégia militar não se sobrepõem) se, em última análise, a estratégia
não remete para o militar e a grande estratégia para uma política de defesa escorada
ultimamente no vector militar, a ambiguidade permanece. Isto porque, em última
instância, a literatura anglo-americana acaba por sobrepor em demasia guerra e
estratégia, através do vector militar operacional. Lido este último, por sua vez, e em
3
O original da obra, tal como hoje aparece editada e intitulada, data de 1954. É aí que o estrategista inglês
revê e acrescenta uma primeira versão da obra, datada de 1929, então intitulada, The Decisive Wars of
History, na qual a estratégia é apresentada como estratégia militar. Em 1954, o seu pensamento evolui,
em particular, com o advento do nuclear, adicionando uma quarta parte à obra, na qual passa a considerar
além da estratégia militar, agora denominada estratégia pura, uma grande estratégia enquanto política de
defesa em acto. É igualmente por essa altura que Liddell Hart começa a interpretar o estilo estratégico
indirecto como aquele que se socorre predominantemente das estratégias não militares, ao nível da grande
estratégia, superando a assim a sua anterior concepção, segundo a qual a estratégia indirecta não era mais
do que estratégia militar operacional de aproximação indirecta. De salientar ainda uma nova edição, datada
de 1967, onde Liddell Hart acrescenta à obra um capítulo sobre guerra de guerrilha.
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grande medida, pelas pautas de emprego na guerra convencional, no âmbito da guerra
quente, e pela ideia do combate, mormente o combate clássico, como razão de ser quase
exclusiva para o emprego das forças armadas.
Da relação entre a política e a estratégia
Outrossim, na relação entre estratégia e política, um aspecto decisivo do enquadramento
estrutural da estratégia, por maioria de razão num manifesto que pretende ajudar a
repensar os estudos estratégicos, a posição de Isabelle Duyvesteyn e James Worral não
é clara, até porque o aparece a mediação da grande estratégia, limitando-se os autores
a umas quantas considerações de política internacional prática. Embora não nos
espantaria se estivesse muito próxima daquelas que acabámos de enunciar, revelando
uma tendencial sobreposição entre política e estratégia aquando da definição, ao nível
cimeiro, dos objectivos a atingir e das regras de procedimento em face da confrontação
existente ou a haver. Algo que se pode tornar preocupante em tempo de guerra, dado
esta criar os seus próprios objectivos e facilitar a tentação de inverter a pirâmide
estratégica, enfeudando a político aos objectivos estratégicos, contra o bom desempenho
desta, contra o que esta quer enquanto disciplina de fins intermédios e o meramente
instrumental, e por responsabilidade política. Em rigor, a estratégia visa criar condições
para a consecução dos objectivos políticos que suscitam ou podem suscitar hostilidade
da parte de uma outra vontade política, retroagindo sobre a política, mas sempre com
vista à manutenção do seu lugar próprio subordinado à síntese política superior. Síntese
política superior essa que pondera os objectivos relativos à hostilidade no conjunto dos
demais objectivos, sejam respeitantes à cooperação, acomodação ou competição, em
ordem à realização dos fins políticos e supra-políticos norteadores de uma determinada
comunidade política. Quando os corpos directores da estratégia, hoje os mesmos da
política, ponderam sobre aquilo que se apelida (redutoramente) de estratégia de defesa,
ponderam e, posteriormente, decidem em função da hostilidade em si. Quando os corpos
directores da política (os mesmos da estratégia) ponderam sobre política de defesa
(expressão uma vez mais redutora), ponderam e decidem sobre a hostilidade em
correlação com todos os demais objectivos.
Expresso de uma outra maneira, podemos afirmar ser a estratégia uma disciplina de fins
incompletos, a completar na síntese política superior. Por essa via dos fins estratégicos
específicos mas incompletos, os objectivos estratégicos são tão estratégicos qua
estratégicos quanto objectivos políticos, necessariamente intermédios e subordinados. É
que não obstante a especificidade estratégica, estamos a falar da mesma comunidade
ou social, do mesmo actor que opera politicamente, inserindo-se no campo da hostilidade
política, e sabendo-se que a estratégia, no seu enquadramento vertical, despacha cada
vez mais próximo da política hoje em dia o responsável pela estratégia integral e o
decisor político são a mesma pessoa, que com funções diferentes, como dissemos
acima. O estratega, ao nível da estratégia integral, é o decisor político, e o seu estado-
maior informador, no exacto momento em que directrizes e despacha em razão da
hostilidade qua hostilidade, suscitada por determinados objectivos políticos.
Porém, os objectivos estratégicos não se sobrepõem ou coincidem na totalidade com os
objectivos políticos que suscitam ou podem suscitar hostilidade, porque a punção
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exercida pela conflitualidade hostil, mormente da guerra, alterando o processo social
normal, gera finalidades únicas, no sentido de obrigar a política a enquadrar essa punção
violenta no conjunto dos objectivos e finalidades comunitárias, isto é, a sobredeterminar
a gestão da violência de maneira a evitar a presença solipsista desta não poucas vezes
a estratégia retroage sobre a política no intuito de corrigir a cegueira p-bélica desta.
Por outro lado, olhando agora sob o prisma estrita e propriamente político, e sem prejuízo
de que a remissão da estratégia para a política, em tese, relativiza a hostilidade,
enquadrada que fica esta pelos restantes objectivos políticos que se não esgotam nela,
os objectivos políticos passíveis de hostilidade têm de continuar activos e autónomos em
relação à estratégia para poderem ser ponderados com os restantes: com aqueles
referentes à cooperação, à acomodação, ou à competição. Podendo, em última análise,
a política querer valorizá-los mais, ou relativizá-los profundamente, enquanto síntese
superior, para além, independentemente e até a despeito da ponderação recursiva
exercida pela racionalidade social estratégica sobre o domínio político tout court - pode
muito bem até acontecer que a política aceite, é certo, a racionalização prudencial da
estratégia (no sentido de phronesis), os outputs da racionalidade social estratégica, mas
pretendendo ficar-se por aí, pelos fins incompletos da estratégia, enfeudar-se à
estratégia, apesar da vontade em contrário desta. Quando não queira mesmo perverter
essa prudência para promover uma hostilização mais sofisticada e apurada, a qual, em
vez de controlar danos os incrementa, mas de forma subtil.
Extensões estratégicas
Isabelle Duyvesteyn e James Worral sugerem aos estrategistas levar mais a sérios as
críticas que lhes são feitas a partir das Relações Internacionais, de que os estudos
estratégicos parecem ser apenas o braço armado das teorias realistas; ou lhes falta um
pensamento novo ou novas perspectivas (Duyvesteyn e Worral, 2017: 348). Porém,
como levar a rio tais críticas? A estratégia é mais antiga do que a ciência das relões
internacionais, os seus fundamentos e escolas de interpretação são específicas. Se
autores afins ao realismo, talvez a um realismo aroniano no caso de Beaufre ou Abel
Cabral Couto, e outros são avessos ao realismo, mormente na escola estratégica
portuguesa, alguns mais são difíceis de identificar em qualquer das teorias de Relões
Internacionais, por exemplo Beatrice Heuser, ou Lucien Poirier. Por outro lado, ter de
desconstruir toda a ganga retórica que os estudos de segurança fizeram cair sobre o
objecto da estratégia é uma preocupação de sobra. Recordemos ser o objecto da
estratégia a hostilidade entre actores políticos distintos (ou arrogando-se de que o outro
o é, no caso das guerras internas). Assim, o campo da hostilidade na cena internacional
é o campo operativo da estratégia. Não quer isto dizer que a hostilidade e a estratégia
não se relacionem com outros factores, como a geopolítica dos recursos, a política de
potências, etc. Mas o campo em si mesmo, nos seus fundamentos, nas suas modalidades
de acção específicas, isto é, a gestão da hostilidade em si, é do domínio da estratégia,
subordinada à política. Por conseguinte, a interpretação avisada da cena internacional
sob este prisma específico, isto é, só e somente sob este prisma apenas está ao alcance
da reflexão estratégica; de modo algum, dos estudos de segurança.
Isabelle Duyvesteyn e James Worral afiançam igualmente que os estudos estratégicos,
por mais importantes que sejam os Estados, devem promover uma abordagem menos
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estatocêntrica (Duyvesteyn e Worral, 2017: 348 e ss.). Ao mesmo tempo devem olhar
para além dos conflitos convencionais clássicos como motor interpretativo dos estudos
estratégicos.
Estes racionais viriam muito a propósito se correspondessem à realidade dos estudos
estratégicos no mundo (corresponderá certamente ainda a alguns estudos de inspiração
ptolomaica num mundo copernicano, quântico mesmo, valha a metáfora), e até a um
olhar exclusivo sobre a história. Infelizmente, não é assim. o sabemos se os autores
têm em mente o estereótipo do chamado modo ocidental de fazer a guerra. Mas tenham-
no ou não em mente, o mesmo não corresponde ao evolver da guerra. Na prática,
estamos a falar de um ideal-tipo Oitocentista que sintetiza as convenções criadas
paulatinamente ao longo da Idade Moderna, dizendo respeito ao confronto de exércitos
regulares e fardados, enquadrados como tais, sob pertença de actores estaduais,
digladiando-se de acordo com regras de manobra, atrito e empenhamento em função da
batalha, dos cercos, e mais tarde, da sequência de batalhas. Ora, sabendo como essa
história é curta no tempo e no âmbito (já o mostrava Clausewitz, no Livro VI, do Da
Guerra) e os actores o-estatais voltaram a entrar em liça no após Segunda Guerra
Mundial, os estrategistas contemporâneos cedo começaram a reflectir sobre esses
actores não-estatais e sobre outras modalidades de guerra, para além da convencional,
nomeadamente sobre a guerra subversiva, ou sobre a importância das estratégias
estrutural, genética e declaratória no campo nuclear, dada a proeminência das
estratégias de não-emprego. Há muito que Sun Tzu ou Nguyen Van Giap são lidos, mas
por olhos que há não menos tempo dispõem de boas ferramentas para os ler.
A propósito da guerra subversiva, Duyvesteyn e Worral referem, criticamente, não ser a
contra-insurgência, divorciada de imperativos estratégicos mais amplos, a bala de prata
para tais conflitos Arremetendo, de passada, em referência, também crítica, a David
Kilcullen, contra a ideia consoladora para a opinião pública ocidental deste tipo de guerras
serem uma forma de “trabalho social armado”. Ao que parece, com base num artigo
absolutamente desastrado de Celeste Gventer, David Jones e MLR Smith sobre a COIN
Counter-Insurgency - (Duyvesteyn e Worral, 2017: 348)
4
. Todas estas referências o
feitas, no entanto, como se estivessem a falar de descobertas e derivas de última hora.
4
(Gventer, Jones e Smith, 2015). O artigo em causa questiona-se se mesmo se a COIN configura uma
estratégia, respondendo pela negativa. Uma coisa é podermos criticar os manuais de contra-insurgência
anglo-americanos por serem demasiado tecnocratas e ainda excessivamente focados na primazia da
estratégia militar, por incompreensão relativa do “ser” da estratégia. Outra, é pôr tudo em causa o
revelando o mínimo conhecimento do que é uma guerra subversiva (a qual tem dois lados obrigados a
acções concorrentes), nem inclusive da própria natureza da estratégia e da guerra. Algo aembaraçoso
tendo em atenção que um dos investigadores provém do justamente afamado departamento de estudos da
guerra do King’s College. Um dos principais fios condutores explícitos é de que a COIN não tem presente
ser a guerra sempre distinta. Mas não a guerra é distinta, a política também o é e, em última análise,
tudo na vida; nesse caso nada poderia ser dito ou aprendido. O relativismo, além de auto-contraditório e
auto-refutante, acaba por ter sempre como precipitado último o mero grunhido. Um importante fio condutor
implícito, se acaso lemos bem o texto, diz respeito aos motivos políticos, muitas vezes de inspiração
duvidosa, por detrás tanto da subversão como da contra-subversão. Mas que importância tem esse
elemento para aferir da pertinência dos racionais na leitura estratégica da realidade e na eficácia da acção?
Democracias ou ditaduras, opressores e oprimidos, justos e gente não recomendável, podem pensar bem
ou mal, ser mais ou menos proficientes. Esse é um assunto respeitante aos fins últimos da política e não
ao nível da estratégia; mesmo para uma estratégia como ética do conflito (deve evitar-se a confusão de
níveis, como já vimos, comum no pensamento anglo-americano). Na guerra as vítimas transmutam-se em
verdugos e vice-versa. E mesmo querendo assumir, sem rebuço, haver maus e bons, nem sempre os maus
querem a guerra e os bons a não fazer.
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Pois sim, mas a compreensive approach, e necessita ser bem entendida, mais não é do
que a acção psico-social devidamente enquadrada na conquista das mentes e do coração
da população, isolando os elementos subversivos (ou contra-subversivos, se vista do lado
da subversão) ou até, se possível, fazendo-os baldear para a outra banda. Porém, essa
prática, doutrina e leitura ajustada da natureza desta tipologia de conflito tem, ao menos,
60 anos. A guerra subversiva não é nem nunca foi um conflito predominantemente
militar. Inicia-se como luta armada, mas no seu âmago está a conquista da população e
não a derrota militar dos insurgentes ou contra-insurgentes, sempre subsidiária; muito
menos a aniquilação pura e simples do antagonista, que emerge, como é sabido, no meio
da população, correndo o risco de acarretar uma terrível escalada, numa tipologia de
conflitos de si configurando múltiplas ramificações de natureza insidiosa. Aliás, na
própria definição, corrente e batida por muitos anos de prova (nem por isso menos
acertada), de guerra subversiva
5
, quando se refere não apenas a retirada do poder à
autoridade de facto ou de direito, mas tão-só o bloqueamento da sua acção, fica patente
desde logo uma margem de manobra para que essa autoridade retire as conclusões
devidas, uma margem de desescalada, de contenção, e não o convite à destruição a todo
o transe do adversário enquanto tal, aporque isso poderia ser nefasto para a conquista
da população, o cerne de todo o “jogo”. Da mesma forma, no confronto militar
propriamente dito a brutalidade não só não é de lei como é muito perigosa porque pode
dar a entender à população quão excessivos somos. Pois se dizemos representar
verdadeiramente a população, mas o adversário não deixa também de sair do meio
desta, a desmesura pode pôr em causa a bondade do argumento, como se costuma dizer
no Direito.
Talvez intuitivamente e mercê da sua inteligência, mais que de um saber encartado no
assunto, do qual porventura não dispõe, a filosofa italiana Donatella di Cesare, referindo-
se à figura algo diferente do resistente, traça um notável quadro da guerra subversiva
quando afere que o resistente, no nosso caso, o insurgente,
Não confronta o inimigo para lhe infligir a derrota; antes defende-se do adversário para
o obrigar a largar a presa [- na perspectiva táctica, porque lhe ainda falta força, na
componente estratégica, a decisiva, para poder modelar ele a presa, o povo, de acordo
com o princípio das forças concorrentes -]. Desarma-o com as suas armas, abala as
regras, toma-o de surpresa, desorienta-o. Tenta sempre desta maneira reconquistar
espaço e tempo para se reorganizar. o quer a vitória, a não ser na forma de libertação
[- o é, pois, a vitória militar, antes o trazer a si, “libertar”, o povo -]” (Cesare, 2021:
35).
6
Face a isto, poder, eventualmente, insistir no confronto militar de forças diametralmente
opostas e não de forças concorrentes, afigura-se até um pouco ridículo.
A guerra subversiva, enquanto unidade de tempo por mor da lassidão, é um evento
insidioso, onde se procura levar o inimigo a concluir que mesmo os mais próximos,
incluindo o vizinho, o amigo, os familiares podem não estar com ele e, no limite, é ele o
5
A guerra subversiva como a luta conduzida no interior de um determinado território, por uma parte da sua
população, ajudada ou não do exterior (mas quase sempre envolvendo a componente externa), contra as
autoridades de direito ou de facto estabelecidas, com vista a lhes retirar o poder e o controle sobre esse
território, ou, pelo menos, a paralisar a sua acção.
6
O itálico é nosso.
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próprio inimigo de si mesmo e da comunidade, devendo, portanto, partir ou juntar-se às
forças subversivas. Dito de outra forma, chamando à colação o mais recente romance de
Mia Couto:
“o inimigo é o mainato que cuida dos nossos filhos. É o funcionário que se
senta ao nosso lado. O inimigo somos nós próprios que não sabemos até
quando podemos resistir” (Couto, 2020: 226).
É verdade que Mia Couto não é um escritor qualquer, tem uma longa e profunda
digressão sobre guerra nos seus romances, mas a sua escolha por nós não é inocente.
Quer significar o quanto se ensimesmou e se tomaram por básicos os elementos
nucleares da guerra subversiva, a ponto de uma boa tirada de romance os ilustrar sem
mais, sem necessidade de grandes sustentáculos teóricos; como atrás o fazia, de
alguma maneira, Donatella di Cesare. Assim, a escrita, por parte de Duyvesteyn e Worral,
de um manifesto para promover a invenção da roda (ou mais provavelmente, para a
desacreditar, se é que os autores a compreenderam verdadeiramente) é, no mínimo,
insólito.
Os autores referem-se ainda à necessidade de pôr de lado a unilateralidade das análises
de escolha racional, mais ou menos beahvioristas, incluindo uma justa alusão a
Clausewitz (Duyvesteyn e Worral, 2017: 349)
7
. Uma vez mais estamos diante de uma
redundância. muito que a estratégia, justamente para dar conta da assistematicidade
do fenómeno bélico e da liberdade que caracteriza a acção humana, pôs em jogo a arte,
incluindo racionais estéticos, a intuição, o savoir-faire e, acima de tudo, a sagesse, a
sabedoria prática, essa compenetração com o mundo, saber imersivo rompendo por
dentro da realidade, de baixo para cima e vice-versa, fundamental para uma área que
não perfaz apenas um campo de estudos, com os seus métodos e objectivos próprios,
com um objecto específico e, por conseguinte, com um substrato ôntico regional, mas
sobremodo é uma práxis, uma resposta muito própria das comunidades políticas face às
injunções ditadas pela excepcionalidade da conflitualidade hostil, em particular da
guerra.
A estratégia é a sabedoria prática ao serviço da política, naturalmente num sentido
normativo, ético, prudencial, no senso de phronesis, que gere a confitualidade hostil, a
qual tem o seu valor de utilidade marginal na guerra, com vista não apenas a alcançar a
vitória, a minorar a derrota ou a negociar um impasse aceitável, mas antes de mais fazer
implodir a própria conflitualidade hostil por dentro e para sempre. No fundo, o caminho
da estratégia enquanto ética do conflito, também ele motivo de meditação e debate na
escola estratégica portuguesa. Pois bem, também aqui Isabelle Duyvesteyn e James
Worral pouco têm a dizer de inovador com a sua própria definição e glosa consequente
em função de uma abordagem dita alargada dos estudos estratégicos. É que uma
definição de estratégia não pode reduzir-se à sua parte de leão operativa, a estratégia
integral, por mais importante que esta seja, e é. A estratégia integral não é a estratégia
por antonomásia. A estratégia deve considerar igualmente aquilo que Jean-Paul Charnay
designou por metastratégie (Charnay, 1990a: 188-189) (Charnay, 1990b: 213 e ss.) e
7
Sobre este ponto, veja-se o magnífico estudo de Alan Beyerchen (Beyerchen, 1992-93), e ainda (Engberg-
Pedersen, 2015).
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Lucien Poirier por stratégique (Poirier, 1987: 195, 199-201)
8
. A reflexão sobre a natureza
da estratégia e sobre o seu intrínseco evolver, o seu enquadramento epistemológico
particular (o seu modo de produção), o sentido do agir estratégico com relação aos fins
políticos e aos fins supra-políticos são igualmente concreções da estratégia. Dir-se-ia que
são concreções fundamentais da estratégia, sem as quais a estratégia integral não teria
norte, pois não estaria ancorada na realidade integral, inteira. É por este último motivo
que não nos parece de lei, pace os dois renomados estrategistas franceses, evocar estes
conceitos para acolher as dimensões não operativas da estratégia num espectro à parte,
em que a estratégia propriamente dita, a stratégie, diria então respeito apenas à acção
estratégica e à sua envolvência directa, o ambiente estratégico. A nosso ver, isso seria
dessangrar a estratégia de dimensões nucleares, não exteriores, mas interiores, basilares
ao seu âmago praxista.
De resto, e com respeito à ideia da estratégia como disciplina praxista, ética do conflito,
arte da prudência para além da prudência, um ponto que no discurso de Isabelle
Duyvesteyn e James Worral ofusca pela ausência, mas capaz até de ter importantes
repercussões estratégicas operacionais. Referimo-nos à relação da estratégia com o
ambiente, e não apenas enquanto modelo analógico, embora com todo o cuidado, pois a
guerra, lesiva de tudo, o é também do ecossistema. A estratégia pode bem configurar
um modelo anagico para as campanhas ambientais, porque a sua lógica é a de
racionalizar evitando a delapidação desbragada de recursos humanos e materiais. Uma
frugalidade também inerente, por questões operativas e logísticas, às acções militares.
Na verdade, no concernente à acção militar em si, não se trata de optimizar recursos,
fazendo mais com menos, não degradando o ambiente. O próprio instrumento armado
pode ser pesado de mais para agilizar em determinados conflitos, denominados de baixa
intensidade. Mas não menos importante no domínio das percepções, da estratégia
declaratória é a pegada ecológica deixada, podendo essa pegada ser percepcionada como
fruto de uma postura arrogante e desajeitada, alienando apoios.
Contudo, devemos ir mais longe. Se pensarmos que a estratégia age também sobre a
hostilidade a haver, e que acções de aparente pura incidência ambiental o, além de
um risco estratégico, quiçá também uma ameaça, podendo ser motivo de uma percepção
hostil, porque mesmo não sendo cogitadas e efectuadas com intenção de hostilizar um
outro actor, há, no entanto, hoje a perfeita consciência dos danos (por exemplo, a corrida
aos combustíveis fósseis no Árctico). Então, a estratégia como ética do conflito, visando
limitar e desarmar potenciais conflitos, enquanto atitude prudencial para com o outro e
para consigo mesmo, é, nesse sentido, também uma acçãotica) de abertura ao outro,
com incidência ambiental directa. Porque no seu modelo de frugalidade, de
racionalização, de ponderação fronética de recursos, ao procurar conter na justa medida
ou desarmar conflitos por causa do ambiente, fá-lo por desarme de posturas ambientais
agressivas, contribuindo para a ideia de casa comum.
9
Seria bom que os internacionalistas se inteirassem do manifesto em causa para
compreender, não o ponto da situação dos estudos estratégicos ou de uma renovação a
8
Curiosamente, o termo stratégique deu origem à mais importante publicação periódica com o mesmo nome
dedicada à estratégia.
9
Estas ideias, aqui esboçadas de modo ainda embrionário, foram-nos sugeridas por Abel Cabral Couto, na
sequência de uma oração de sapiência proferida por Viriato Soromenho-Marques, na sessão inaugural do
ano académico do Instituto da Defesa Nacional, em 2019.
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haver, mas quão enviesada está essa formulação da estratégia, de quão redutora e até
redundante é, olhando antes para o que de inovador se faz nacional e internacionalmente
no campo de estudos da estratégia há, pelo menos, 60 a 70 anos. O maior dos problemas
para as Relações Internacionais é que perspectivas como esta, bem como a dos estudos
de segurança, têm deixado cativa essas mesmas Relações Internacionais de uma
compreeno não só errónea, mas também maninha e como se fosse veludo rafado, não
apenas do significado dos estudos estratégicos, mas, acima de tudo da realidade da
conflitualidade internacional, em especial da guerra, infelizmente ainda tão impregnada
no tecido internacional.
Referências
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Beyerchen, Alan (1992-93). “Clausewitz, Nonlinearity and the Unpredictability of War”.
International Security, 17:3, pp.59-90.
Cesare, Donatella di (2021). O Tempo da Revolta, Lisboa: Edições 70.
Couto, Abel Cabral (1988). Elementos de Estratégia. Apontamentos para um curso, 2
vols. Lisboa: IAEM.
Couto, Mia (2020). O Mapeador de Ausências. Alfragide: Caminho.
Duarte, António Paulo (2004). “Os (De)limites da Estratégia. Assomos reflexivos a
propósito de um debate estratégico teórico” in Francisco Abreu e António Horta
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pp.123-138.
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Journal of Strategic Studies, vol.40, Issue 3, pp.347-357.
Engberg-Pedersen, Anders (2015). Empire of Chance. The napoleonic wars and the
disorder of things. Cambridge, Mass: Harvard University Press.
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Defesa, nº36, pp.87-104.
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Relações Internacionais, nº48, Dezembro 2015, pp.139-164.
Gray, Colin (2010). The Strategy Bridge: theory for practice. Oxford: Oxford University
Press.
Gventer, Celeste Ward, Jones, David Martin e Smith, MLR (2015). ”Desconstructing
Counter-Insurgency: COIN discourse and the devaluation of strategy”. Cambridge
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Hart, Basil Liddell (1991). Strategy. New York: Penguin.
Heuser, Beatrice (2013). Penser la Stratégie de l’Antiquité à nos Jours [trad. francesa].
Paris: Picard.
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Santiáñez, Nil (2018). Wittgenstein’s Ethics and Modern Warfare. Walterloo, Ontario:
Wilfrid Laurier University Press.
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II. Cambridge: Cambridge University Press.