Deste modo, a hegemonia de uma conceção universal de dignidade humana subjacente
aos direitos humanos, baseada em pressupostos ocidentais, reduz o mundo ao
entendimento que o ocidente tem dele, ignorando ou trivializando deste modo
experiências culturais e políticas decisivas em países do sul global. Este é o caso dos
movimentos de resistência contra a opressão, marginalização e exclusão que têm vindo
a emergir nas últimas décadas e cujas bases ideológicas pouco ou nada têm que ver com
as referências culturais e políticas ocidentais dominantes ao longo do século XX (Santos,
2019: 54).
O discurso dos direitos humanos desempenha um papel importante no desafio à ordem
do mundo refletida no conceito de “cadeia dos seres” e, apesar de não aparentar,
antecipa o discurso da colonialidade. Com a transição, no século XX, dos “Direitos do
Homem” para os direitos humanos, pode observar-se mais claramente até que ponto
esses direitos constituem um apelo à assimilação do humano e das formações
sociopolíticas por parte do ideário ocidental, assim como substitutos de uma efetiva
descolonização. “Os Direitos do Homem” proclamados até finais do século XVIII podem
ser entendidos como fazendo parte de uma revolta contra a monarquia hereditária, a
nobreza e as hierarquias medievais (Wallerstein, 1991: 95).
Deste modo, numa situação em que os direitos, o Estado de direito e a democracia são
apresentados como o bem supremo, um valor humano universal, uma panaceia para
todos os males em África, é importante recordar que não só a doença, mas também o
medicamento disponível são histórica e socialmente determinados. A natureza não
colocou como condição original, por um lado, o Norte civilizado, desenvolvido, rico e
poderoso e, por outro, o Sul atrasado, subdesenvolvido, pobre e impotente.
Esta condição foi criada historicamente através da aplicação de violência “universal”. Por
sua vez, a violência, a força e a dominação foram legitimadas e racionalizadas através
de camadas, histórica e socialmente determinadas, das linguagens da religião, da raça,
da cultura, da etnicidade, entre outras, tendo todas elas, em momentos diferentes,
alegado a sua superioridade e a sua universalidade, tal como a ideologia dos direitos
humanos o faz hoje (Shivji, 1989: 23).
Os direitos humanos não são atributos absolutos inerentes a todos os seres humanos,
como condição original, para serem descobertos com o progresso e a civilização, neste
caso, presumivelmente, a civilização ocidental, cristã e europeia, são isso sim, um
produto de circunstâncias históricas e de lutas sociais (Shivji, 1989: 24).
É verdade que na maior parte do mundo afro-asiático, antes de pegar em armas, os
povos colonizadores sentiram espontaneamente a necessidade de “purgar” a sua
consciência da inferioridade racial inventada e inculcada pelos senhores coloniais. Esta
necessidade assumiu variadas formas ideológicas em diferentes situações concretas, mas
no fim de contas tratou-se de uma reconstrução da ideologia racial dominante para
produzir “ideologias de resistência” (Gibbon, 1992: 93).
Assim, durante as duas primeiras décadas de independência em África, o discurso dos
direitos humanos evoluiu com um contraponto ao discurso desenvolvimentista. As
variantes dominantes deste último assentavam numa das várias teorias de
desenvolvimento social. Em África, nas duas primeiras décadas do período pós-
independência assistiu-se a um debate intenso entre duas escolas de pensamento, a da
modernização e a do subdesenvolvimento/dependência (Hettne, 1990: 49).