JANUS.NET, e-journal of International Relations
ISSN: 1647-7251
Vol. 6, n.º 1 (Maio-Outubro 2015), pp. 150-168
O procurador como magistrado internacional
Almiro Rodrigues
nacional visa punir e prevenir os crimes; o direito penal internacional destina-se
também a contribuir para paz, segurança e bem-estar da comunidade internacional.
Como caso de violação em massa dos direitos humanos e do direito internacional
humanitário, o genocídio de Srebrenica apresentou desafios legais e logísticos únicos
excepcionais, devido ao grande número de vítimas, testemunhas, perícias médico-
legais, incidentes e documentos probatórios envolvidos
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, bem como as complexidades
jurídicas originais dos vários crimes em questão
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O TPIJ e o TPIR foram criados como órgãos das Nações Unidas, que até então nunca
tinha administrado justiça penal internacional. Por conseguinte, a necessidade de
estabelecer um equilíbrio entre as prioridades das operações de investigação criminal e
a detenção de suspeitos e observância de outros princípios das Nações Unidas criou
desafios legais, institucionais e operacionais específicos para o Procurador no
cumprimento do seu mandato para investigar os crimes e iniciar o procedimento
criminal no Tribunal. Tais desafios foram aumentados com a complexidade dos crimes,
sua magnitude pura, os desafios colocados pelo ambiente físico na ex-Jugoslávia, as
preocupações de segurança das potenciais testemunhas e o facto de que nos primeiros
anos as detenções dos suspeitos frequentemente precederam as investigações.
.
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5. Algumas questões
Os crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra (em geral, crimes de guerra)
são, por definição, de caráter massivo. Os crimes internacionais têm carácter
sistemático ou generalizado. Assim, pode inferir-se que as ações dos autores foram
coordenadas e organizadas por militares e/ou funcionários civis de alto escalão. Por
outro lado, o seu caráter massivo implica uma abordagem diferente da do nível
nacional em "selecionar", investigar, indiciar, provar, julgar, definir responsabilidades,
punir, reparar e executar sanções.
Em suma, isto significa que uma teoria criminal construída com base em casos
individuais de violação criminal não é adequada a ser aplicada como tal em casos de
violações criminais em massa. Ao todo, processar os casos de crimes de guerra não é o
mesmo, nem da mesma maneira, que processar os casos de crime comum.
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Na primeira instância e depois de muito decantado na preparação para julgamento, o processo teve 103
testemunhas chamadas pelo Procurador; 13 testemunhas chamadas pela Defesa (incluindo, o próprio
General Radislav Krstić). O Procurador apresentou 910 documentos (alguns dos quais extensos dossiers)
e a Defesa apresentou 183 documentos.
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Ver ICTY, KRSTIĆ (IT-98-33) "SREBRENICA DRINA CORPS" e outros casos relacionados: BLAGOJEVIĆ &
JOKIĆ (IT-02-60) “SREBRENICA; ERDEMOVIĆ (IT-96-22) “PILICA FARM”; KARADŽIĆ (IT-95-5/18)
“BOSNIA AND HERZEGOVINA” & “SREBRENICA”; MILOŠEVIĆ (IT-02-54) “KOSOVO, CROATIA AND
BOSNIA”; MLADIĆ (IT-09-92) “BOSNIA AND HERZEGOVINA” & “SREBRENICA”; NIKOLIĆ MOMIR (IT-02-
60/1) “SREBRENICA”; OBRENOVIĆ (IT-02-60/2) “SREBRENICA”; ORIĆ (IT-03-68); PERIŠIĆ (IT-04-81);
POPOVIĆ et al. (IT-05-88) “SREBRENICA”; STANIŠIĆ & SIMATOVIĆ (IT-03-69); TOLIMIR (IT-05-88/2)
“SREBRENICA”; TRBIĆ (IT-05-88/1) “SREBRENICA”.
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Na investigação e procedimento criminal por violação massivas dos direitos humanos ou do direito
internacional humanitário, é extremamente importante trabalhar no sentido investigar primeiro as
suspeitas de violação, deduzir depois acusação conjunta dos suspeitos que participaram na mesma
operação criminal, e proceder à detenção dos acusados de forma organizada. Nas violações massivas, os
suspeitos de terem cometido crimes de guerra são heróis para a outro lado do conflito e mantêm circuitos
de comunicação e redes de relações que permitem perturbar as investigações, destruir provas, intimidar
as testemunhas e organizar a fuga à detenção