JANUS.NET, e-journal of International Relations
ISSN: 1647-7251
Vol. 6, n.º 1 (Maio-Outubro 2015), pp. 125-149
"Estado Islâmico": percurso e alcance um ano depois da auto-proclamação do "Califado"
Luís Tomé
O alarme provocado pela extensão do “Califado” IS e as respectivas implicações sociais,
económicas, humanitárias e políticas (ver, p.ex., Adams, 2014) levou a uma alteração
súbita do xadrez geopolítico na região e motivou uma muito eclética “frente anti-IS” a
partir do Verão de 2014, incluindo a criação de uma ampla coligação internacional
liderada pelos EUA e actualmente com cerca de 64 participantes
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e a articulação de
posições até então impensável entre, países Ocidentais, países árabes (com destaque
para a Arábia Saudita, o Egipto, o Qatar e a Jordânia), o Irão, a Turquia, o governo
iraquiano, os Pershmerga curdos, diversos grupos insurgentes a operar na Síria ou
ainda o próprio regime sírio de Bashar al-Assad…. Segundo o Departamento de Estado
dos Estados Unidos, no início de Junho de 2015, o IS controla menos 25% de território
no Iraque do que quando a “Coligação internacional” iniciou a sua campanha nove
meses antes
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. Entretanto, na sequência da solicitação do Governo de Bagdade, a NATO
decidiu reactivar a missão de treino e assistência às forças governamentais iraquianas
para um mais eficaz combate ao IS
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Contudo, apesar dos esforços internacionais para o conter, combater e deslegitimar, o
IS não só continua a controlar um vasto território e milhões de pessoas como lançou
inclusivamente novas ofensivas em frentes-chave. No Iraque, em Maio de 2015, o IS
apoderou-se de Ramadi, capital da província de Anbar, avançou para a refinaria
petrolífera de Baiji, a maior do país, e atacou a cidade próxima de Khalidya,
reaproximando-se de Bagdade. Na Síria, e no mesmo mês, o IS atacou Deir ez-Zor
junto ao rio Eufrates, no leste do país, passou a controlar a cidade de Tadmor e as
. Além de um número significativo de militantes do
IS, foram também mortos alguns dirigentes do IS – incluindo o alegado número dois na
hierarquia, Abdul Rahman Mustafa Mohammed al-Qaduli ou Abu Alaa al-Afari e o
considerado “Emir do Petróleo”, Abu Sayyaf -, e o próprio “Califa” Abu Bakr al-Baghdadi
terá sido gravemente ferido na sequência de bombardeamentos americanos, em Março
de 2015. Cessaram, igualmente, alguns anteriores apoios estatais ao ISIS:
actualmente, nenhum Governo apoia o IS, que se colocou numa posição de inimigo de
todos os Estados da região e do mundo. Paralelamente, a indústria da internet e das
redes sociais passou a ser mais vigilante e activa no controlo e na remoção de
conteúdos de cariz terrorista e jihadista, designadamente veiculados pelo IS e seus
apoiantes. Ao longo do último ano, e por diversas vezes, também a Organização da
Cooperação Islâmica e inúmeras autoridades religiosas islâmicas denunciaram a
ilegitimidade do pretenso “Califado” e condenaram a narrativa e os actos do IS por
violarem todos os princípios do Islão.
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Das mais de seis dezenas de participantes da “coligação internacional anti-IS”, só uma parte participa em
operações militares directas ou fornece apoio aéreo e equipamento militar: EUA, Iraque, Jordânia,
Bahrein, Arábia Saudita, Egipto, Emiratos Árabes Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Reino
Unido, Austrália, Itália, Rep. Checa, Albânia, Holanda, Estónia, Hungria, Turquia, Bélgica, Dinamarca e
Líbano. Alguns “aliados” têm fornecido apenas apoio político e “auxílio humanitário” (incluindo a Liga
Árabe e a União Europeia, bem como Suécia, Kuwait, Suíça, Japão, Áustria, Nova Zelândia, Coreia do Sul,
Irlanda, Espanha, Eslováquia, Noruega, Luxemburgo, Qatar), enquanto de outros apenas se conhece a
declaração de apoio e adesão a esta coligação, participando sobretudo ao nível da partilha de informações
- Andorra, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslovénia, Finlândia, Geórgia, Grécia, Israel, Kosovo,
Lituânia, Macedónia, Malta, Marrocos, México, Moldova, Omã, Polónia, Portugal, Roménia, Sérvia,
Singapura, Taiwan, Tunísia e Ucrânia.
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Afirmação de Antony Blinken, US Deputy Secretary of State, num encontro em Paris, em 2 de Junho de
2015, entre representantes de 20 países para ponto de situação no combate ao IS no Iraque (ver BBC,
2015).
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A NATO Training Mission-Iraq (NTM-I) fora estabelecida em 2004 para auxiliar o Iraque a criar efectivas
novas forças armadas depois da deposição do regime de Saddam, mas a missão fora descontinuada em
2011 por ausência de qualquer acordo que desse estatuto legal à presença dos militares da NATO a
operarem no país. Em 2014, perante o avanço do IS, o Governo de Bagdade solicitou nova missão de
assistência, formação e treino às forças governamentais iraquianas.