JANUS.NET, e-journal of International Relations
ISSN: 1647-7251
Vol. 6, n.º 1 (Maio-Outubro 2015), pp. 93-107
Regulação do ciberespaço: cesuristas e tradicionalistas
Lino Santos
Também Trachtman insiste que “vale a pena idealizar uma solução institucional mais
forte” (1998: 569) para a regulação do ciberespaço.
Um das áreas onde esta soberania desagregada tem vindo a produzir efeitos é a do
combate ao cibercrime. Muito cedo se percebeu a necessidade de uma abordagem
transnacional aos desafios colocados pelo crime nas redes de computadores. Em 1990
a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou uma primeira resolução onde se
identifica como necessário o desenvolvimento de formas e instrumentos de cooperação
internacional para o combate ao cibercrime
16
. Ainda no quadro da Nações Unidas, e do
11.º congresso sobre prevenção e justiça criminal, realizado em 2005, resultou uma
declaração onde foi expressa a necessidade de harmonização legislativa no combate ao
cibercrime
17
. A concretização desse objectivo surge em 2004, da reunião dos Ministros
da Administração Interna do G8, realizada em Washington, da qual resulta um plano de
acção para o combate ao crime high-tech onde se destaca o incentivo à adopção, por
parte de todos os países, da Convenção para o Cibercrime, do Conselho da Europa, de
2001
18
Ainda no quadro das Nações Unidas, foram feitas algumas tentativas, sem sucesso,
para celebrar um acordo com vista à limitação do uso de ciberarmas por parte de um
Estado. Por desconfiança na eficácia de tal acordo — nomeadamente quanto à
possibilidade de verificação —, ou porque simplesmente não existe vantagem
estratégica para si, este acordo tem sido rejeitado sistematicamente pelos Estados
Unidos (Clark & Knake, 2010: 219-225).
. Esta Convenção é muitas vezes referida como o primeiro documento de
trabalho internacional resultado de uma reflexão profunda sobre o tema (Verdelho et
al., 2003). Um dos seus principais objectivos é a harmonização das várias legislações
nacionais relativamente a crimes cometidos contra redes de computadores ou crimes
de conteúdo nas redes de computadores. Para além do direito penal material, a
Convenção visa, igualmente, uma cooperação transnacional mais eficaz, para o que
contribui com um conjunto de institutos de direito processual penal e com a criação de
instrumentos de cooperação judiciária transnacional.
No mesmo sentido e como resposta a uma crescente centralidade do ciberespaço na
actividade terrorista - seja como instrumento, seja como potencial alvo -, a União
Europeia prepara-se para aprovar medidas tendentes a um maior controlo e vigilância
da actividade jihadista na internet. De entre estas, destacam-se a criação de uma
unidade especial, dentro da Europol, para monitorização da internet e o reforço da
16
Resolução A/RES/45/121, Eighth United Nations Congress on the Prevention of Crime and the Treatment
of Offenders, disponível em
http://www.un.org/documents/ga/res/45/a45r121.htm, consultado em Maio
de 2014. Dessa resolução resultou um manual sobre prevenção e controlo de crimes relacionados com
computadores. Ver United Nations Manual on the Prevention of Computer-related Crime, disponível em
http://www.uncjin.org/Documents/irpc4344.pdf, consultado em Maio de 2014. Em 2000, a mesma
Assembleia Geral adoptou uma nova resolução em matéria de combate à utilização criminosa de
tecnologias da informação, onde se reforça a necessidade de os Estados membros assegurarem que os
seus regimes legais não criem zonas francas para o exercício de actividades criminosas desta natureza e
apela a uma maior cooperação na investigação criminal e judiciária transnacional. Ver Resolução
A/RES/55/63, Combating the criminal misuse of information technologies, disponível em
http://www.unodc.org/pdf/crime/a_res_55/res5563e.pdf, consultado em Maio de 2014.
17
Ver Synergies and Responses: Strategic Alliances in Crime Prevention and Criminal Justice, “Declaração
de Bangkok”, disponível em
http://www.unodc.org/pdf/crime/congress11/BangkokDeclaration.pdf,
consultado em Maio de 2009.
18
Texto integral em http://conventions.coe.int/Treaty/en/Treaties/Html/185.htm, consultado em Maio de
2009. Para um sumário da génese e objectivos da Convenção sobre o Cibercrime, ver
http://conventions.coe.int/Treaty/en/Summaries/Html/185.htm, consultado em Maio de 2014.