JANUS.NET, e-journal of International Relations
ISSN: 1647-7251
Vol. 6, n.º 1 (Maio-Outubro 2015), pp. 33-55
Os tribunais de opinião e o Tribunal Permanente dos Povos
Luís Moita
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autoridade jurídica, visando reproduzir o seu quadro de actuação, como se situasse ao
“nível pós-convencional” (para usar a expressão divulgada por Lawrence Kohlberg
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Semelhante legitimidade, porém, é reforçada por uma componente das sessões do TPP:
a iniciativa da sociedade civil e, mais ainda, a participação alargada de numerosas
instituições de base que colaboram no estabelecimento dos factos, no testemunho das
situações vividas, na denúncia das violações de direitos. Assim se organiza uma
comprovação factual que é antídoto contra qualquer tentação de arbitrariedade, ao
mesmo tempo que se assegura o enraizamento na realidade social, onde o clamor das
vítimas mais se faz ouvir.
),
no sentido de que o respeito pela norma é superiormente assumido e ultrapassado pela
apreensão de valores. Por alguma razão encontrámos pelo caminho expressões como
“tribunal ético” ou “tribunal de consciência”: elas traduzem este registo ambivalente
onde se cruzam o jurídico e o axiológico, à margem das “razões de Estado” ou das
conveniências das jurisdições internacionais.
Se tomarmos um exemplo entre muitos outros, a sentença do TPP relativa aos crimes
sociais e ambientais na Amazónia brasileira faz o inventário de nada menos que 26
organizações locais que estiveram na base da acusação e que sustentaram a
argumentação de todo o processo
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O TPP beneficia ainda de um outro tipo de legitimidade que é alcançada, digamos, a
posteriori.
da sessão organizada em Paris, em 16 de Outubro
de 1990. Constrói-se assim uma espécie de legitimidade de exercício de cidadania,
oriunda de percepções colectivas, assentes em sentimentos partilhados e sobretudo
numa factualidade verificável, ao mesmo tempo que se dá voz aos que não têm voz. A
ligação aos movimentos sociais permite atribuir ao TPP uma qualidade de contrapoder
que se afirma, no âmbito dos princípios democráticos, face aos poderes estabelecidos,
o que também ajuda a legitimar as suas práticas, pois em qualquer sociedade é
saudável a existência de contrapoderes e a sua acção não deve ser considerada
abusiva, já que funcionam como factores de equilíbrio, justamente de contrapeso,
como precaução contra a patologia da “verdade oficial” ou do pensamento único.
O facto de, por via de regra, a generalidade das suas deliberações ser mais tarde
objecto de reconhecimento pela comunidade internacional pode significar uma espécie
de ratificação ela própria legitimadora. Basta ver processos dos quais o Tribunal se
ocupou, como por exemplo os do Sara Ocidental, da Eritreia e de Timor Leste, para
concluirmos que os direitos invocados vieram a ser amplamente confirmados. Esse
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Ver Kohlberg, Lawrence (1981) Essays on Moral Development, I: The Philosophy of Moral Development:
Moral Stages and the Idea of Justice. San Francisco: Harper & Row.
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Trata-se de: Centro dos Trabalhadores da Amazónia, Associação Brasileira de Reforma Agrária,
Associação dos Geógrafos Brasileiros, Instituto de Apoio Jurídico Popular, Instituto Vianei, Conselho
Indigenista Missionário, Comissão Pró-Índio, Campanha Nacional para a Defesa e o Desenvolvimento da
Amazónia, OIKOS, Salve a Amazónia, Fase (Nacional), Amigos da Terra (Rio Grande do Sul), IBASE
(Instituto Brasileiro de Análises Económicas e Sociais), Movimento Nacional de Defesa dos Direitos
Humanos, Sociedade Parense para a Defesa dos Direitos Humanos, UNI (União das Nações Indígenas),
CPT (Comissão Pastoral da Terra), Campanha Nacional pela Reforma Agrária, Campanha Nacional dos
Seringueiros, CEDI (Centro Ecuménico de Documentação e Informação), IAMA (Instituto de Antropologia
e Meio Ambiente), MAGUTA (Centro de Documentação e Pesquisa do Alto Solimões), NDI (Núcleo de
Direitos Indígenas), CTI (Centro de Trabalho Indigenista), INESC (Instituto de Estudos Sócio-económicos)
e CUT (Central Única dos Trabalhadores). In Tognoni (org) (1998) p.358.