OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN:
Vol. 5, n.º 2 (novembro
O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
E A CONSTRUÇÃO DE UMA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
Sofia Santos
sofiasantos@ymail.com Doutorada em Direito Internacional Público pela Universidade de Saarland, Alemanha, tendo sido bolseira do Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD). Mestre em Direito Europeu e Direito Internacional Público (Universidade de Saarland). Licenciada em Estudos Europeus (Faculdade de Letras, Universidade do Porto). Professora Auxiliar Convidada da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (Portugal). Investigadora integrada no Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS) na área do Direito Internacional da Segurança. Investigadora associada do OBSERVARE nas áreas da justiça penal internacional e da política de segurança e defesa europeia. Auditora do Curso de Defesa Nacional do Instituto da Defesa Nacional entre outros cursos organizados pelo Instituto. Autora de publicações e comunicações sobre Direito Internacional, Direito Europeu, Organizações Internacionais, Defesa e Segurança Internacional.
Resumo
Pensar uma ordem pública internacional significa pensar uma ordem sustentada por um quadro
O artigo identifica os principais méritos do Estatuto de Roma e da prática do TPI e, em seguida, indica os seus limites, aos quais se encontram subjacentes tensões jurídico- políticas e questões interpretativas respeitantes ao crime de agressão e aos crimes contra a humanidade. Por fim, o artigo argumenta no sentido da indispensabilidade de um repensar da jurisdição do TPI, sustentando a categorização do terrorismo como crime internacional, e da articulação da sua missão com a “responsabilidade de proteger”, o que poderá contribuir para a consolidação do TPI e do Direito Penal Internacional e reforçar o seu papel na construção de uma ordem pública internacional efetiva.
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Palavras chave:
Tribunal Penal Internacional; Ordem Pública Internacional; Estatuto de Roma; Direito Penal Internacional; Crimes Internacionais; Terrorismo; Responsabilidade de Proteger
Como citar este artigo
Santos, Sofia (2014). "O Tribunal Penal Internacional e a construção de uma ordem pública internacional". JANUS.NET
Artigo recebido em 24 de setembro de 2014 e aceite para publicação em 29 de outubro 2014
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O Tribunal penal Internacional e a construção de uma ordem pública internacional
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O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
E A CONSTRUÇÃO DE UMA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL1
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The ICC will not be a panacea for all the ills of humankind. It will not eliminate conflicts, nor return victims to life, nor restore survivors to their prior conditions of
M. Cherif Bassiouni, Ceremony for the Opening for Signature of the Convention on the Establishment of an International Criminal Court, Rome, 18 July 1998
…justice is a fundamental building block of sustainable peace
Kampala Declaration, 11 June 2010
1. Introdução
Pensar uma ordem pública internacional significa pensar uma ordem sustentada por um quadro
Pensar a construção de uma ordem pública internacional significa pensar que este quadro que abarca e promove o respeito pelos direitos humanos com particular enfoque na dignidade da pessoa humana e que pretende salvaguardar a paz, a segurança e o
Os prelúdios de um tribunal penal internacional protetor e impulsionador de uma ordem pública remontam à elaboração da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1948 sob os auspícios da Organização das Nações Unidas2. Com efeito, a Assembleia Geral, tendo em consideração a questão suscitada no debate sobre a punição por crimes de genocídio e a crescente necessidade de um órgão competente
1Artigo elaborado no contexto do projeto de investigação “A Justiça Penal Internacional: Um Diálogo entre Duas Culturas”, em curso no Observatório das Relações Exteriores – Observare / UAL, coordenado por Mateus Kowalski e Patrícia Galvão Teles
2Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, Diário da República, 1ª
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para julgar determinados crimes de Direito Internacional no percurso de desenvolvimento da comunidade internacional, convidou a Comissão de Direito Internacional a estudar a conveniência e a possibilidade do seu estabelecimento3. A resposta afirmativa da Comissão4 resultou num projeto de estatuto, elaborado ao longo de várias décadas e submetido à aprovação da Assembleia Geral em 1994, que preconizava a relevância da criação de um tribunal penal internacional5. Neste sentido, a Assembleia instituiu um comité preparatório em 1996 com o propósito de produzir um texto, que serviu de base de negociação na Conferência de Roma em 1998, culminando com a assinatura do Estatuto.
Armin von Bogdandy e Sergio Dellavalle salientam que o progresso de uma ordem pública internacional e de um Direito Internacional efetivos dependerá em grande medida do destino do Direito Penal Internacional e do sucesso do projeto de regulação do Estatuto (2008: 2). Contudo, de que forma se manifesta essa dependência? De que modo poderá o projeto de regulação e, mais concretamente, o TPI ser mais bem- sucedido e influir mais eficazmente nesta construção?
O artigo analisa os méritos do Estatuto de Roma e da prática do TPI para em seguida explicitar os seus limites. Por último, o artigo argumenta no sentido da indispensabilidade de um processo de aquisição de novas dimensões e de aprofundamento de facetas existentes, formulando algumas propostas.
2.O Estatuto de Roma e a recente praxis do TPI: considerações principais
O Estatuto de Roma de 1998 reafirmou a relevância dos objetivos e princípios da Carta das Nações Unidas6 e reconheceu a existência de valores comuns como a paz, a segurança e o
O Estatuto consagrou a noção de “crimes mais graves” que afetam a comunidade internacional no seu conjunto e que se encontram enunciados no artigo 5º: o crime de genocídio, os crimes de guerra, os crimes contra a humanidade e o crime de agressão. Neste contexto,
3U.N. Doc. A/RES/3/260 B (III), Study by the International Law Commission of the Question of an International Criminal Court, 09.12.1948.
4U.N. Doc. A/CN.4/34, Report of the International Law Commission on its Second Session, 5 June to 29 July 1950, Official Records of the General Assembly, Fifth session, Supplement No.12 (A/1316), Yearbook of the International Law Commission, vol. II, 1950, §140, p. 379. Ricardo J. Alfaro, Relator Especial, tinha salientado no seu relatório apresentado à Comissão que “The community of States is entitled to prevent crimes against the peace and security of mankind and crimes against the dictates of the human conscience, including therein the hideous crime of genocide. If the rule of law is to govern the community of States and protect it against violations of the international public order, it can only be satisfactorily established by the promulgation of an international penal code and by the permanent functioning of an international criminal jurisdiction”, UN. Doc. A/CN.4/15 and Corr.1, Report on the Question of International Criminal Jurisdiction, Question of international criminal jurisdiction, Yearbook of the International Law Commission, vol. II, 1950, §136, p. 17.
5U.N. Doc. A/49/10, Draft Statute for an International Criminal Court, Report of International Law Commission on the work of its
6V. artigos 1º e 2º da Carta das Nações Unidas.
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até então a punição da sua inobservância dependia exclusivamente das jurisdições penais nacionais.
Mais concretamente no que se refere ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Estatuto integrou no artigo 6º, a definição de crime de genocídio estabelecida no artigo
IIda Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Assim, genocídio
A faceta punitiva do Direito Internacional Humanitário
Nos termos do Estatuto, os crimes contra a humanidade
Contrariamente aos crimes de genocídio e crimes de guerra, os crimes contra a humanidade não se encontram codificados numa convenção internacional e uma análise da jurisprudência dos diferentes tribunais penais internacionais ad hoc permite observar entendimentos distintos. A sistematização contida no Estatuto engloba atos que não tinham sido especificados previamente como crimes contra a humanidade,
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Os méritos do Estatuto não se circunscrevem simplesmente à codificação dos crimes mais graves, à exceção do crime de agressão com a procrastinação da sua definição e da determinação das condições para o exercício da jurisdição pelo TPI para uma conferência de revisão (artigo 5º, nº 2). Ao prescrever a observância dos princípios gerais de direito penal (Capítulo III) e dos princípios da presunção de inocência do arguido (artigo 66º) e da proibição de dupla condenação − ne bis in idem (artigo 20º)
–por parte do Tribunal, o Estatuto contribui significativamente para a consolidação e evolução do Direito Penal Internacional (Stein; von Buttlar, 2012: 438).
Este sistema punitivo assenta no princípio de complementaridade (artigo 1º), o qual ainda que constrangendo o poder do Tribunal, lhe permite exercer influência na esfera estatal, facto que se insere num processo gradual de erosão da visão vestefaliana da intocabilidade da soberania e dos assuntos internos. Como argumenta Miguel de Serpa Soares:
"qualquer forma de justiça internacional representa sempre uma forma de limitação das soberanias estatais. No caso do Direito Penal Internacional esta limitação
Efetivamente, o Tribunal é competente para determinar a inexistência de vontade de agir por parte de um Estado: situações em que se comprove que o processo em outro Tribunal foi instaurado ou se encontra pendente ou a decisão foi proferida com o propósito de subtrair a pessoa à responsabilidade por crimes da sua competência, ter havido demora injustificada no processamento ou o processo não ter sido ou não estar a ser conduzido de modo independente ou imparcial, e ter estado ou se encontrar a ser conduzido de uma maneira incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça (artigo 17º, nº 2).
Além disso, o Estatuto preceitua a obrigação de todos os Estados Parte cooperarem com o Tribunal no inquérito e no procedimento criminal (artigo 86º) e de adotarem no Direito Interno procedimentos que permitam responder a todas as formas de cooperação internacional e auxílio judiciário previstas (artigo 88º).
A praxis do Tribunal permite constatar uma atividade crescente, demonstrando um órgão judiciário empenhado em pôr fim à impunidade.
Em 2012, Thomas Lubanga Dyilo foi considerado culpado e condenado a 14 anos de prisão por crimes de guerra: alistamento e recrutamento de crianças com menos de 15 anos para participarem ativamente no conflito armado de caráter não internacional na República Democrática do Congo de 1 de Setembro de 2002 a 13 de Agosto de 20037. Este ano, Germain Katanga foi considerado culpado e condenado a 12 anos de prisão por um crime contra a humanidade (homicídio) e quatro de crimes de guerra
7V.
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(homicídio, ataque a população civil, destruição de propriedade e pilhagem) cometidos a 24 de Fevereiro de 2003 durante um ataque à aldeia de Bogoro na República Democrática do Congo8.
Presentemente, o Gabinete do Procurador
3.Limites do TPI e implicações na aplicabilidade do Direito Penal Internacional
Os limites do TPI resultam, em primeiro lugar, de tensões
3.1.As tensões
8V.
9A resolução 1593 (2005) que submete a situação em Darfur (desde 1 de Julho de 2002) ao TPI não especifica os possíveis crimes internacionais ocorridos nessa região. Contudo, o Conselho de Segurança refere na resolução que tomou nota do relatório da International Commission of Inquiry on Darfur – comissão estabelecida pelo antigo
10Segundo o artigo 21º, nos 1 e 2, as bases do direito aplicável são, em primeiro lugar, o Estatuto, os elementos constitutivos e o Regulamento Processual, em segundo lugar, se for o caso, os tratados e os princípios e normas de Direito Internacional aplicáveis, incluindo os princípios estabelecidos no Direito Internacional dos Conflitos Armados, na falta destes, os princípios gerais do Direito retirados pelo Tribunal dos diferentes sistemas jurídicos nacionais e princípios e normas de Direito tal como já tenham sido interpretados pelo Tribunal em decisões anteriores.
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O artigo 13º, alínea b) do Estatuto consagra a possibilidade de o Conselho de Segurança submeter ao Procurador uma situação ao abrigo do Capítulo VII, o que significa que o consentimento do Estado no qual os atos foram cometidos ou da nacionalidade da pessoa sobre quem existam indícios de responsabilidade por crimes internacionais não é requerido. As submissões deste órgão referentes à situação na região de Darfur, Sudão, em 2005 e à situação na Líbia em 2011 foram consideradas históricas. Contudo, no tocante à primeira, o Conselho de Segurança não tem apoiado ativamente o TPI com respeito à detenção e à obrigação de cooperação por parte dos Estados; relativamente à segunda, apesar da rapidez da reação do Conselho a resolução revelava deficiências à semelhança da resolução respeitante ao Darfur, como por exemplo, a exclusão da jurisdição relativamente a nacionais de Estados não parte do Estatuto (Stahn, 2012: 328).
Mas é sobretudo o artigo 16º, de acordo com o qual um inquérito ou um procedimento criminal não poderão ter início ou prosseguir por um período de 12 meses se o Conselho assim o tiver solicitado numa resolução nos termos do Capítulo VII, pedido que poderá ser renovado, que suscita críticas mais incisivas com base no argumento de esta possibilidade minar a independência do Tribunal11. Jorge Bacelar Gouveia qualifica este mecanismo de “esdrúxulo” e sublinha que:
"É muito dificil aceitar a interferência de um orgão político no coração do exercício do poder público de uma instância que se quer jurisdicional, numa intervenção que, além do mais, não só pode acontecer em qualquer momento processual como pode inclusivamente
A ação do Tribunal em complemento às jurisdições penais nacionais significa, tal como referiu o juiz Philippe Kirsch, que o Estatuto é um sistema de dois pilares: um pilar judicial representado pelo Tribunal e um pilar de execução representado pelos Estados12. Todavia, a inexistência de um mecanismo permanente que assegure a observância das suas decisões dificulta a implementação deste pilar e, consequentemente, o combate à impunidade.
Na verdade, o processo de execução dos mandatos de detenção tem sido em certa medida conturbado. Não se pode considerar, por isso, uma casualidade que as primeiras palavras dos
11A definição do crime de agressão implicou a prescrição de procedimentos que sublinham esta dependência no caso de uma submissão por parte de um Estado Parte ou ação proprio motu do Procurador, embora o nº 9 do artigo 15º bis sublinhe que tal determinação por um órgão externo não é vinculativa para o Tribunal. Segundo os nos 6 e 8 deste artigo respetivamente, quando o Procurador concluir que existe fundamento suficiente para prosseguir com o inquérito, este deve primeiro averiguar se o Conselho de Segurança efetuou tal determinação relativamente ao Estado em causa e notificar o
12ICC, Philippe Kirsch, Opening remarks at the fifth session of the Assembly of State Parties, 23.11.2006.
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um renovado espírito de cooperação e solidariedade, enfatizando o compromisso dos Estados Partes para combater a impunidade e assegurar o respeito duradouro pela implementação da justiça penal internacional.
O caso do presidente sudanês, Omar
Em várias situações, o TPI apelou, sem sucesso, a Estados Partes e Estados não parte do Estatuto para executarem os mandatos de detenção emitidos contra
Um outro caso de relevo é o referente ao atual presidente do Quénia, Uhuru Muigai Kenyatta, que é alvo de acusações do TPI por responsabilidade indireta por crimes contra a humanidade. Este caso
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14V. Theresa Reinold (2012), Constitutionalization? Whose constitutionalization? Africa’s ambivalent engagement with the International Criminal Court, International Journal of Constitutional Law, 10(4):
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Já em Junho deste ano, a UA aprovou uma emenda ao protocolo do futuro Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos com jurisdição sobre crimes internacionais que preceitua a imunidade a Chefes de Estado e altos funcionários do Estado, por oposição ao que estabelece o Estatuto de Roma no artigo 27º17, o que permite prospetivar a persistência das tensões
3.2. Insuficiências na interpretação do Estatuto de Roma
3.2.1. “Crime de Agressão” e “Ato de Agressão”
Da impossibilidade de alcançar um acordo sobre uma definição de “crime de agressão” e respetivos elementos na Conferência de Roma resultou a inclusão no Estatuto de uma cláusula adicional à prescrição deste crime, a qual previa o exercício da jurisdição se numa Conferência de Revisão, conforme previsto nos artigos 121º e 123º, fosse aprovada uma disposição definindo este crime e as condições para esse efeito (artigo 5º, nº 2). Nesse sentido, a resolução F do Anexo I da Ata Final da Conferência de Roma estabeleceu uma comissão preparatória com várias funções entre as quais a elaboração de propostas concernentes a este crime18, missão posteriormente atribuída ao Special Working Group on the Crime of Agression.
A definição de crime de agressão adotada na Conferência de Kampala representa um desenvolvimento significativo no Direito Penal Internacional19 − é inegável que a entrada em vigor de uma jurisdição punindo o crime de agressão constituirá uma evolução, dado que será a primeira vez que um sistema permanente de justiça penal impõe uma responsabilidade criminal pelo uso ilegal da−forçaporém, inclui condicionalismos formais e materiais, suscitando estes últimos questões interpretativas que poderão dificultar a determinação da existência deste crime.
No que toca aos condicionalismos formais, o Tribunal somente poderá exercer jurisdição sobre os crimes cometidos um ano após a aceitação ou ratificação mínima de
16 V. Theresa Reinold (2012), Constitutionalization? Whose constitutionalization? Africa’s ambivalent engagement with the International Criminal Court, International Journal of Constitutional Law, 10(4):
17O artigo 27º, nº 1 determina que “o Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas, sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal, nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per si motivo de redução da pena. O nº 2 do mesmo artigo preceitua que “as imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa, nos termos do Direito Interno ou do Direito Internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa”.
18U.N. Doc. A/CONF.183/13 (Vol. I), United Nations Diplomatic Conference of Plenipotentiaries on the Establishment of an International Criminal Court, Official Records, Rome 15
19V., entre outros, Niels Blokker; Claus Kress (2010), A Consensus Agreement on the Crime of Aggression: Impressions from Kampala, Leiden Journal of International Law, 23(4):
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trinta Estados20 e de uma decisão somente após 1 de Janeiro de 2017 na Assembleia dos Estados Partes de ativar a jurisdição do TPI (artigos 15º bis e 15º ter, nos 2 e 3). Estes condicionalismos têm sido alvo de críticas por parte de certos autores, como por exemplo, Mary Ellen O’Connell e Mirakmal Niyazmatov que qualificam este processo de “bizantino” (2012: 191).
A nível dos pressupostos materiais, o novo artigo 8º bis, nº 1 preceitua o crime de agressão como:
“planning, preparation, initiation or execution, by a person in a position effectively to exercise control over or to direct the political or military action of a State, of an act of aggression which, by its character, gravity and scale, constitutes a manifest violation of the Charter of the United Nations".
A responsabilidade criminal é somente atribuída a indivíduos que se encontrem numa posição de efetivamente exercer controlo e dirigir uma ação política ou militar de um Estado, por outras palavras, a posição de liderança é um fator determinante.
A noção de “ato de agressão”
Os procedimentos segundo os quais o Tribunal pode exercer a jurisdição
A Conferência de Kampala definiu o crime de agressão e as condições de exercício da jurisdição cujo objetivo é clarificar e auxiliar na interpretação e aplicação das emendas ao Estatuto. No entanto, as disposições enunciadas e as próprias clarificações contêm alguns aspetos ambíguos.
20Atualmente, 15 Estados
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No que concerne ao “ato de agressão”, os critérios de “gravidade” e “escala” foram incluídos com o propósito de não sobrecarregar o Tribunal com casos de menor dimensão enquanto que o critério de “caráter” pretendia excluir casos de emprego da força cuja licitude era controversa. (Mancini, 2012: 236). Contudo, os critérios “caráter”, “gravidade” e “escala” que possibilitam avaliar se um ato constitui uma violação manifesta da Carta não se encontram definidos – estes últimos à semelhança do que se verifica com a determinação da existência de um ataque armado nos termos do artigo 51º da Carta das Nações Unidas, o que poderá ser problemático nomeadamente devido às divergências existentes sobre o recurso lícito ao uso da força em legítima de defesa ou no caso da ingerência humanitária (Santos, 2012). Os elementos constitutivos referem que a qualificação de violação “manifesta” da Carta é objetiva, porém este processo no seio das Nações Unidas não é pacífico.
Simultaneamente, a remissão do nº 2 do artigo 8º para a resolução 3314 da Assembleia Geral no sentido de clarificar a noção de “ato de agressão” suscita algumas questões. Em primeiro lugar, algumas formulações contidas na resolução revelam um caráter vago e a lista enunciada não é exaustiva, o que poderá originar situações controversas. Em segundo lugar, o artigo não esclarece se e, em que medida, outros artigos da resolução seriam aplicáveis ou relevantes para o Tribunal (Surendran Koran: 252).
Para além da Definição de Agressão deter um caráter político,
A este propósito cabe referir outros aspetos que têm sido criticados tais como a completa exclusão de atos de nacionais de Estados não parte − ao contrário do que se verifica com os outros “crimes de maior gravidade” − e a “retrograde
Mas uma crítica essencial pode ser apontada ao facto de a definição de agressão adotada em Kampala não contemplar uma possível agressão por parte de atores não estatais. Os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 demonstraram a possibilidade de tal ato poder ser cometido por entidades não estatais bem como a magnitude que tal ato pode assumir, comparável a um ato perpetrado por um Estado.
Efetivamente,
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Internacional, afirmando a imprescindibilidade de esta proibição de agressão não ser minada pelo compromisso político de Kampala (O’Connell; Niyazmatov, 2012: 191, 207).
3.2.2. “Crimes contra a Humanidade”
O artigo 7º
As dificuldades interpretativas e as suas consequências têm sido sublinhadas por vários autores. Jordan J. Paust considera as formulações demasiado restritivas e pouco claras: “Article 7 contains a limiting definition of ‘attack’ that is lacking in common sense. Instead of recognizing that one attack can constitute an ‘attack’, Article 7(2)(a) requires that an ‘attack’ involve ‘a course of conduct involving the multiple commission of acts’” (2010: 691). O autor argumenta ainda que o emprego da palavra “ataque” em vez de, por exemplo, ato(s) cometido(s) (contra) é problemático, uma vez que poderá ter como consequência a impossibilidade de abranger certas situações que têm sido associadas a crimes desta tipologia e que aparecem enunciadas na listagem. De igual modo, de acordo com este autor, as expressões “qualquer conduta que envolva” e “prática múltipla de atos” são discutíveis, dado não incluirem atos de tortura, violação, perseguição entre outros (Ibid.,
Uma crítica que também se pode apontar
Um outro problema interpretativo
Segundo Cameron Russell, um dos problemas interpretativos
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respeita à expressão “política de um Estado ou de uma organização” (2013: 335). Esta
condição para a persecução destes crimes permanece controversa (Ibid.: 352) e deveria ser intepretada em sentido amplo sob pena de resultar na fragmentação do Direito Penal Internacional (Ibid.: 375). A opinião dissidente de
Merece ainda referência a opinião minoritária de Christine Van den Wyngaert em Março deste ano respeitante ao caso de Germain Katanga por ilustrar a problemática e poder ter repercussões em futuros julgamentos. A juíza discordou da condenação de Germain Katanga por considerar que não ficou provada a responsabilidade criminal de contribuir intencionalmente para prática de crimes por um grupo de pessoas com o conhecimento de que este grupo tinha a intenção de cometer tais crimes (artigo 25º, nº 3, alínea d),
vii)e que a interpretação das provas poderia ter sido efetuada de uma forma diferente e mais convincente. Mas no que se refere à acusação de crimes contra a humanidade, a juíza formulou várias linhas de argumentação. Na sua opinião, em primeiro lugar, o número de vítimas não permitiu qualificar os atos como crimes contra a humanidade e, consequentemente, não se poderia considerar que se verificou a prática múltipla de atos; em segundo lugar, não ficou provado de forma incontestável que a população civil era o principal alvo; em terceiro lugar, não ficou provada a existência de uma política e de uma organização e, por último, o ataque ocorrido não poderia ser considerado sistemático21.
Neste contexto, é de saudar que a Comissão de Direito Internacional, em Junho de 2013 − na sequência da recomendação do Working Group on the
“For example, the mass murder of civilians perpetrated as part of an international armed conflict would fall within the grave breaches regime of the 1949 Geneva Conventions, but the same conduct arising as part of an internal armed conflict (as well as internal action below the threshold of armed conflict) would not (…). A global convention on crimes against humanity appears to be a key missing piece in the current framework of international humanitarian law, international criminal law, and international human rights law”22.
Sean Murphy salienta a relevância da elaboração de uma convenção internacional relativa à prevenção e punição de tais atos. Na proposta chama a atenção para aspetos
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22U.N. Doc. A/68/10, Sean D. Murphy, Annex B, Report of the International Law Commission,
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que deveriam ser tidos em conta pela Comissão tais como definir a ofensa de “crimes contra a humanidade” para os propósitos da Convenção como se encontra definida no artigo 7º.
No que se refere à articulação entre a Convenção e o TPI, Sean Murphy afirma que a elaboração da Convenção iria beneficiar consideravelmente da linguagem do Estatuto e instrumentos associados assim como da jurisprudência. Por sua vez, a adoção da Convenção poderia colmatar aspetos que não foram abordados pelo Estatuto e apoiar a missão do TPI23. Isto porque sobretudo, entre outros aspetos enunciados pelo autor, o Estatuto regula assuntos entre Estados Partes e o TPI, mas não entre Estados Parte e entre estes e Estados não parte. A parte IX, epigrafada “cooperação internacional e auxílio judiciário” reconhece implicitamente que a cooperação interestatal relativamente a crimes sob jurisdição do Tribunal poderá ocorrer para além do Estatuto de Roma. A Convenção poderia auxiliar na promoção da cooperação interestatal no que se refere à investigação, detenção, persecução e punição de indivíduos que pratiquem este tipo de crimes, o que seria compatível com o objeto e o fim do Estatuto; a convenção iria requerer a promulgação de legislação nacional que proíba e puna estes crimes, o que na opinião do autor ainda não foi efetuado por vários Estados, ajudando no preenchimento de uma lacuna e, assim, poderia encorajar todos os Estados a ratificar ou aderir ao Estatuto; no caso de Estados que já adotaram legislação, frequentemente esta apenas permite a persecução de crimes cometidos por nacionais desse Estado ou no seu território. A Convenção iria requerer ao Estado Parte que ampliasse a sua legislação para abranger outros indivíduos que se encontrem no seu território – nacionais de outros Estados que cometam uma ofensa no território de um outro Estado Parte da Convenção. Acautelando a eventualidade de um Estado Parte receber um pedido de entrega de uma pessoa formulado pelo Tribunal e, ao mesmo tempo, um pedido de qualquer outro Estado para a sua extradição de acordo com a Convenção, Sean Murphy propõe que a Convenção seja delineada de modo a garantir que os Estados que sejam parte do Estatuto e da Convenção possam continuar a seguir o procedimento previsto no artigo 90º do Estatuto perante pedidos concorrentes24.
4. Multifacetando o TPI
Certos desafios como o terrorismo em todas as suas formas e manifestações, a profusão de conflitos intraestatais com diferentes nuances e complexidades e o fenómeno dos Estados frágeis, falhados ou colapsados evidenciam o número crescente de situações distintas e intricadas em que um Estado não está disposto, não possui capacidade efetiva para conduzir um inquérito ou um procedimento criminal ou se revela incapaz de proteger a sua população de crimes internacionais.
Deste modo, estes desafios justificam a indispensabilidade de repensar o TPI através de um processo de atribuição de novas facetas e de exploração mais aprofundada de facetas já previstas no Estatuto. Mais concretamente, um repensar da competência deste órgão com a sua ampliação ao crime internacional de terrorismo – ou seja, atos terroristas em grande escala, os quais “constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao
23Ibid., §8, §9, p. 142 e s.
24Ibid., §10 e §12. V., artigo 90º do Estatuto de Roma.
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internacional no seu conjunto” parafraseando o preâmbulo, similarmente ao que se verifica com os crimes de maior gravidade sob a alçada do Tribunal− e um repensar da sua atuação com vista à proteção das populações desses crimes que se deverá inscrever no âmbito da conceção da “responsabilidade de proteger”.
4.1. A categorização do terrorismo como “crime internacional”
Os atos, os métodos e as práticas terroristas podem assumir inúmeras formas e manifestações e constituem atividades que visam a destruição dos direitos humanos e das liberdades fundamentais25. A disseminação de um novo tipo de terrorismo de natureza transnacional e a multiplicação de grupos terroristas em diferentes partes do globo, incluindo territórios de Estados Partes do Estatuto, grupos nos quais poderão estar envolvidos nacionais destes Estados implicam retomar a questão sobre a eventual competência do Tribunal nesta matéria.
A ideia de incluir o terrorismo como um dos crimes mais graves que afetam a comunidade internacional
De modo idêntico, o Comité Preparatório para a criação de um Tribunal Penal Internacional estabelecido em 1996 pela Assembleia Geral das Nações Unidas − com o objetivo de preparar um projeto de texto consolidado e amplamente aceite, servindo de base de negociação para o estabelecimento de um tribunal penal internacional− propôs a inclusão de crimes de terrorismo entre outros (artigo 5º, alínea e))27 como uma ofensa prevista nas convenções mencionadas pelo projeto da Comissão (nº 2), mas foi mais além precisando estes crimes da seguinte forma:
“Undertaking, organizing, sponsoring, ordering, facilitating, financing, encouraging or tolerating acts of violence against another State directed at persons or property and of such a nature as to create terror, fear or insecurity in the minds of public figures, groups of persons, the general public or populations, for whatever considerations and purposes of a political, philosophical,
25U.N. Doc. A/RES/60/288, The United Nations Global
26U.N. Doc. A/49/10, Draft Statute for an International Criminal Court, Report of International Law Commission on the work of its
27U.N. Doc. A/CONF.183/13(Vol. III), Report of the Preparatory Committee on the Establishment of an International Criminal Court, United Nations Diplomatic Conference of Plenipotentiaries on the Establishment of an International Criminal Court, Official Records, Rome 15
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ideological, racial, ethnic, religious or such other nature that may be invoked to justify them” (nº 1).
“An offense involving use of firearms, weapons, explosives and dangerous substances when used as a means to perpetrate indiscriminate violence involving death or serious bodily injury to persons or groups of persons or populations or serious damage to property” (nº 3).
O dissenso entre Estados Partes patente na Conferência de Roma impossibilitou a sua incorporação no Estatuto, porém os Estados na resolução E do Anexo I da Ata Final da Conferência reconheceram que “terrorist acts, by whomever and wherever perpetrated and whatever their forms, methods or motives, are serious crimes of concern to the international community” e profundamente apreensivos com a persistência desta grave ameaça à paz e segurança internacionais recomendaram que uma Conferência de Revisão realizada nos termos do artigo 123º do Estatuto28 tivesse em consideração os crimes de terrorismo com vista a alcançar uma definição consensual e a sua inclusão na lista dos crimes mais graves29. Esta temática não foi, contudo, abordada na Conferência de Revisão de Kampala de 2010. Indubitavelmente, a principal dificuldade
Vários autores frisam que atos de terrorismo internacional como os ataques de 11 de Setembro de 2001 poderiam ser considerados como crimes contra a humanidade de acordo com o artigo 7º do Estatuto e julgados pelo TPI. Mireille
28O artigo 123º, nº 1 prescreve que “sete anos após a entrada em vigor do presente Estatuto, o Secretário- Geral da Organização das Nações Unidas convocará uma conferência de revisão para examinar qualquer alteração ao presente Estatuto. A revisão poderá incidir nomeadamente, mas não exclusivamente, sobre a lista de crimes que figura no artigo 5º”.
29U.N. Doc. A/CONF.183/13 (Vol. I), United Nations Diplomatic Conference of Plenipotentiaries on the Establishment of an International Criminal Court, Official Records, Rome 15
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sustenta, ainda, que embora alguns atos de terrorismo possam em certa medida ser considerados como um crime de genocídio− mas a condenação por tais atos dependerá da suficiência da prova para preencher os elementos da definição de genocídio, ou crime de guerra− quando cometidos em conflitos armados, os atos terroristas nem sempre possuirão essas caraterísticas (2008:
Os argumentos esgrimidos a favor do crime de terrorismo recair sob a alçada do Tribunal
Os Países Baixos propuseram uma emenda à lista destes crimes em 2009 e explicitaram a problemática:
“We have all committed ourselves to cooperate fully in the fight against terrorism, in accordance with our obligations under international law, in order to find, deny safe haven and bring to justice, on the basis of the principle of extradite or prosecute, any person who supports, facilitates, participates or attempts to participate in the financing, planning, preparation or perpetration of terrorist acts or provides safe havens. Yet, at the same time, there is all too often impunity for acts of terrorism in cases where states appear unwilling or unable to investigate and prosecute such crimes. (…) In the light of the absence of a generally acceptable definition of terrorism, the Netherlands proposes to use the same approach as has been accepted for the crime of aggression, i.e. the inclusion of the crime of terrorism in the list of crimes laid down in article 5, paragraph 1, of the Statute (…)”30.
De acordo com esta proposta, o crime de terrorismo estaria previsto numa nova alínea (a alínea e)) do nº 1 do artigo 5º. Além disso, este artigo passaria a incluir um terceiro parágrafo que transporia ipsis verbis o conteúdo do segundo parágrafo consagrado no Estatuto concernente ao crime de agressão:
“The Court shall exercise jurisdiction over the crime of terrorism once a provision is adopted in accordance with articles 121 and 123 defining the crime and setting out the conditions under which the Court shall exercise jurisdiction with respect to this crime. Such a provision shall be consistent with the relevant provisions of the Charter of the United Nations” (nº 3 do artigo 5º).
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A proposta previa, ainda, o estabelecimento de um grupo de trabalho informal sobre o crime de terrorismo na Conferência de Kampala cuja missão seria a de analisar em que medida o Estatuto requeriria alterações na sequência da introdução do crime de terrorismo bem como outras questões relevantes decorrentes da ampliação do alcance jurisdicional.
Se os ataques de 11 de Setembro de 2001 relançaram a questão sobre atos terroristas em grande escala poderem constituir “crimes internacionais” e recair sob a alçada do TPI, presentemente
Os ataques supracitados foram considerados pelo Conselho de Segurança como uma ameaça à paz e segurança internacionais (resolução 1368 (2001)). Em várias resoluções, este órgão reafirmou que o terrorismo em todas as suas formas e manifestações constitui uma das ameaças mais graves à paz e segurança internacionais, tendo a Estratégia Global de Combate ao Terrorismo da Assembleia Geral das Nações Unidas de 2006 se referido a este fenómeno nos mesmos termos31.
A sua gravidade é acentuada pelas diferentes e múltiplas formas e manifestações que assume perpetrado também por atores não estatais, grupos que recorrem a diferentes métodos e detêm diferentes motivações.
Sublinhando o facto de o terrorismo não dever e não poder ser associado a nenhuma religião, nacionalidade, civilização ou grupo étnico− tal como o faz o Conselho de Segurança em decisões ao abrigo do Capítulo VII e a Estratégia das Nações Unidas supracitada32 − atualmente as ações de diversos grupos extremistas, na sua maioria considerados grupos terroristas, nos quais poderão participar nacionais de Estados Partes e cujos atos poderão ocorrer nos seus territórios constituem um argumento neste sentido.
Éindubitavelmente significativo que a Procuradora do TPI, Fatou Bensouda, tenha aberto um inquérito (em Janeiro de 2013) devido à existência de fundamentos que permitiram considerar que foram cometidos crimes de guerra desde Janeiro de 2012 atribuídos maioritariamente ao Movimento Nacional de Libertação de Azawad (MNLA), ao grupo Defensores do Islão (Ansar Dine), à Organização da
31U.N. Doc. A/RES/60/288, The United Nations Global
32Ibid., p. 2.
33ICC, The Office of the Prosecutor, Situation in Mali, Article 53 (1) Report, 16.01.2013, pp.
34O Conselho de Segurança associou o grupo Ansar Dine em 20 de Março de 2013 e o MUJAO em 5 de Dezembro de 2012 à
35Em 22 de Maio de 2014, o Conselho de Segurança colocou Boko Haram na lista de entidades associadas com a
36ICC, The Office of the Prosecutor, Report on Preliminary Examination Activities, 2013, §206 e
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Procuradora decidir proceder criminalmente, formulando uma acusação, caberá ainda ao juízo de instrução criminal e, eventualmente, ao juízo de julgamento em 1ª instância corroborar estas avaliações.
Os atos cometidos pelo grupo jihadista “Estado Islâmico”37, grupo dissidente da Al- Qaida, contra forças de segurança e civis iraquianos foram condenados pelo Conselho de Segurança que se referiu a estes como ataques/atos terroristas38, assim como vários Estados Partes do Estatuto. A proclamação de um califado transnacional por parte deste grupo− que engloba o norte do território sírio e o leste do território iraquiano, com tendências expansionistas, ameaçando os países vizinhos entre os quais a Jordânia, Estado Parte − poderá incrementar a execução e a magnitude e diversificar as caraterísticas dos atos terroristas.
A este respeito importa mencionar a resolução 2170 (2014) na qual o Conselho de Segurança:
“Deplores and condemns in the strongest terms the terrorist acts of ISIL and its violent extremist ideology, and its continued gross, systematic and widespread abuses of human rights and violations of international humanitarian law”.
“Recalls that widespread or systematic attacks directed against any civilian populations because of their ethnic or political background, religion or belief may constitute a crime against humanity, emphasizes the need to ensure that ISIL, ANF [Al Nusra Front] and all other individuals, groups, undertakings and entitites associated with
Éigualmente relevante o facto de este órgão aludir à possibilidade de certos atos poderem ser enquadrados como crimes contra a humanidade e, ao mesmo tempo, indiciar a existência de outros tipos de crimes internacionais, reafirmando simultaneamente, contudo, que os atos do ISIL não podem e não devem ser associados a nenhuma religião, nacionalidade e civilização.
No entanto, nem todos os atos terroristas poderão ser enquadrados nas disposições e respetivos elementos constitutivos referentes aos crimes de maior gravidade com alcance internacional.
Enquanto que a qualificação como crimes de guerra implica a existência de um conflito armado, o crime de genocídio, embora faça alusão à “intenção de destruir”, presente em atos terroristas, implica que esta seja com vista a destruir em parte ou no todo um grupo nacional, étnico, rácico ou religioso nos termos do artigo 6º, o que em determinados atos poderá não se verificar ou não ser possível provar inequivocamente.
37Desde Junho, esta designação substituiu a autodenominação anterior do grupo de “Estado Islâmico do Iraque e do Levante”, também conhecido pelos acrónimos ISIS (Islamic State of Iraq and Syria) ou ISIL (Islamic State of Iraq and the Levant).
38U.N. Doc. SC/11437, Security Council Press Statement on Iraq, 11.06.2014. Em 30 de Maio de 2013, o Conselho de Segurança incluiu este grupo e a Frente de
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No tocante aos crimes contra a humanidade, o Estatuto determina que se trata de um ataque generalizado e sistemático - o que impede que um ataque de grande magnitude, mas que não detenha essas caraterísticas possa ser subsumido neste artigo
-e prescreve que um ataque contra a população civil significa a prática de atos de acordo com a política de um Estado ou de uma organização, mas poderá ser difícil estabelecer um elo de ligação com uma política estatal ou de uma organização, uma vez que o terrorismo poderá ser cometido de modo individualizado. O crime de agressão
Além disso, o princípio nullum crimen sine lege ao prever que nenhuma pessoa poderá ser criminalmente responsabilizada pela sua conduta quando esta não constitua, no momento que tiver lugar, um crime de competência do Tribunal (artigo 22º), poderia significar que os autores de atos terroristas, a coberto deste princípio, permaneceriam impunes.
Ao terrorismo
Em alternativa, embora a proposta dos Países Baixos não tenha reunido o apoio suficiente para ser discutida na Conferência de Kampala e apesar de este Estado ter retirado a sua proposta em Junho de 2013, no seio do grupo de trabalho Working Group on Amendments criado pela Assembleia dos Estados Partes para servir como mecanismo para debater as propostas apresentadas39,
4.2. O TPI e a Responsabilidade de Proteger
O repensar da atuação do Tribunal com vista à proteção das populações de crimes internacionais efetuada no presente artigo deve
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Àsemelhança do TPI, esta responsabilidade
O
A exploração mais aprofundada da prevista faceta de prevenção por parte do Tribunal
Por outras palavras, a “prevenção”
“by seeking to end impunity, the International Criminal Court and the United
40U.N. Doc. A/Res/60/1, World Summit Outcome, 24.10.2005, §138 e §139.
41U.N. Doc. A/63/677, Implementing the responsibility to protect, Report of the
42U.N. Doc. A/66/874, Responsibility to protect: timely and decisive response, Report of the Secretary- General, 25.07.2012, §29.
43U.N. Doc. A/63/677, Implementing the responsibility to protect, Report of the
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No mesmo sentido, Phakiso Mochochoko, Diretor da Divisão de Jurisdição, Complementaridade e Cooperação do TPI, refere:
“Prevention is key to all our efforts. For the Office, this preventive role is foreseen in the Rome Statute Preamble and reinforced in the Office’s prosecutorial strategies. In fact, the Preamble makes clear that prevention is a shared responsibility in writing that State Parties are “determined to put an end to impunity for the perpetrators of these crimes and thus to contribute to the prevention of such crimes”. The Office of the Prosecutor will make public statements referring to its mandate when violence escalates in situations under its jurisdiction; it will visit situation countries to remind leaders of the Court’s jurisdiction; it will also use its preliminary examinations activities to encourage genuine national proceedings and thereby attempt to prevent the recurrence of violence. Given that the commission of massive crimes can threaten international peace and security, the Security Council can complement the OTP’s [Office of the Prosecutor’s] preventive efforts”44.
Neste contexto, o Procurador poderá desempenhar um papel importante nos esforços de prevenção, uma vez que por sua própria iniciativa poderá dar início a um inquérito com base em informações sobre a prática de crimes (artigo 15º). O Gabinete do Procurador, órgão autónomo e independente, poderá “recolher comunicações e qualquer outro tipo de informação, devidamente fundamentada (…), a fim de as examinar e investigar e de exercer a ação penal junto do Tribunal” (artigo 42º, nº 1).
A instituição de um conselho científico consultivo (Scientific Advisory Board) em 25 de Junho de 2014 pelo Gabinete do Procurador representa uma alteração de relevo. Este conselho
44ICC, The Office of the Prosecutor, Phakiso Mochochoko, Address on behalf of the Prosecutor, Open Debate of the United Nations Security Council on “Peace and Justice, with a special focus on the role of the International Criminal Court”, 17.10.2012.
45ICC, Press Release, The Office of the Prosecutor of the International Criminal Court Establishes a Scientific Advisory Board, 27.06.2014.
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compromissos internacionais; poderia auxiliar na deteção, chamando a atenção para situações relevantes e apoiando o Procurador e o seu Gabinete bem como auxiliar o Tribunal na verificação se o Estado, por colapso total ou substancial da respetiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não se encontra em condições de conduzir um inquérito ou um processo criminal (artigo 17º, nº 3).
Um estudo conjunto de peritos da Universidade de Oxford e do governo australiano propõe que a vertente preventiva do Tribunal seja implementada através do encorajamento da ratificação do Estatuto, do reforço das capacidades a nível nacional, de atividades de sensibilização de modo a consciencializar as populações sobre os crimes que se encontram sob jurisdição do Tribunal, do desenvolvimento de critérios mais objetivos e claros para as submissões do Conselho de Segurança e da garantia de um alinhamento mais consolidado entre instrumentos de prevenção como medidas coercitivas não militares e a mediação com mecanismos da justiça penal46. Estas medidas poderiam ser implementadas na articulação do TPI com a responsabilidade de proteger.
No que se refere à objetivação desta interligação, a submissão do Conselho de Segurança47 da situação na Líbia em 2011 assumiu um significado paradigmático por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, a resolução 1970 associou o papel do Tribunal à responsabilidade de proteger e, em segundo lugar, ao ser adotada de forma unânime apesar das reticências dos Estados Unidos, da Federação Russa e da China− membros permanentes do Conselho− relativamente ao TPI parece revelar uma mudança de perceção.
Apesar de a resolução não aludir expressamente a uma responsabilidade de proteger por parte da comunidade internacional, esta refere no preâmbulo “recalling the Libyan authorities’ responsibility to protect its population”. Esta decisão impôs a obrigação de as autoridades líbias cooperarem e prestarem o apoio necessário ao Tribunal e ao Procurador. Na resolução 1973 (2011), o Conselho reiterou a responsabilidade das autoridades de proteger a sua população e, paralelamente à autorização de medidas coercitivas militares, relembrou a decisão de submeter a situação ao TPI, enfatizando que os responsáveis ou cúmplices pelos ataques contra a população civil, incluindo ataques aéreos e navais, teriam que ser responsabilizados.
Carsten Stahn (2011) afirmou a respeito da resolução 1970 que:
“This resolution marked the first incident in which the ICC was expressly recognized in Council practice as a core element of preventing and adjudicating atrocities in line with the ‘R2P’ [responsibility to protect] concept (…) With the Security Council referral, international justice has become one of the primary means of constraining violence and securing accountability, not only in the context of hostilities, but also in ensuring justice after conflict”.
46Oxford Institute for Ethics, Law and Armed Conflict, Australian Government, Australian
47A importância da “responsabilidade de proteger” tinha sido salientada, pela primeira vez, pelo Conselho de Segurança na resolução 1674 (2006).
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Contudo, este advertiu que o caso da Líbia se transformou num teste para a gestão da noção de “shared responsibility”, após a detenção de Saif
A articulação entre o TPI e a responsabilidade de proteger, mais concretamente, o papel deste órgão jurisdicional será inevitavelmente condicionada pela atuação do Conselho de Segurança. Ou seja, pela decisão deste em submeter situações referentes a Estados que não são parte ao abrigo do Capítulo VII se houver indícios de ter ocorrido a prática de crimes da competência do Tribunal, após determinar a existência de uma ameaça à paz nos termos do artigo 39º da Carta. O facto de o Conselho de Segurança nunca o ter feito no que respeita ao caso de Estados falhados e as divergências entre os membros permanentes sobre a interpretação de “ameaça à paz” dificultarão certamente a submissão de determinadas situações.
Com efeito, o Conselho de Segurança não possui critérios objetivos e vinculativos para a determinação de uma ameaça a paz e acaba por ficar refém da discricionariedade política. O estabelecimento de critérios a este respeito e a introdução de alterações respeitantes ao direito de veto (Santos, 2012:
O processo teria, assim, que estar aliado a uma aplicação uniforme a situações semelhantes por parte dos membros permanentes e a alterações prévias no sistema de veto para evitar tais situações. De notar que a ICISS no relatório “The Responsibility to Protect” declarou:
“(…) the Commission supports the proposal put to us in an exploratory way by a senior representative of one of the Permanent Five countries, that there be agreed by the Permanent Five a “code of conduct” for the use of the veto with respect to actions that are needed to stop or avert a significant humanitarian crisis. The idea essentially is that a permanent member, in matters where its vital national interests were not claimed to be involved, would not use its veto to obstruct the passage of what would otherwise be a majority resolution. The expression “constructive abstention” has been used in this context in the past (…)”48.
Entre as propostas de reforma do Conselho de Segurança são de notar a introdução de uma conduta voluntária de limitação do exercício deste direito a situações de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou limpeza étnica, a eliminação do direito de veto, o que se não afigura exequível, ou a necessidade de justificação do
48International Commission on Intervention and State Sovereignty (2001), The Responsibility to Protect, §6.21, p. 51.
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recurso a este direito pelos atuais membros permanentes e eventuais novos membros permanentes.
A defesa desta articulação
Este órgão poderia ser relevante na prevenção antes da ocorrência de violência ou durante como mecanismo de reação− que poderia ocorrer a par de uma interven ção com recurso ao uso da força por parte da comunidade internacional − para pôr termo à violência através da sua intervenção, colocando os responsáveis sob a sua custódia, o que se justificaria pelo facto de sistema judiciário de um Estado poder ter dificuldades de funcionamento em tempos de conflito ou mesmo na fase de reconstrução, após a intervenção internacional com recurso ao uso da força, isto é, no processo de reconciliação e retribuição penal. De referir que no tocante à justiça e reconciliação, a ICISS advertiu para a possibilidade de em muitas situações o Estado em cujo território ocorreu a intervenção militar nunca ter tido um sistema judicial incorrupto ou que tenha funcionado adequadamente49.
Os efeitos da responsabilidade de proteger e da missão do TPI deterão uma maior dimensão se esta conceção se estabelecer como uma norma
5. Conclusões
Uma ordem pública internacional efetiva é desejável. A sustentabilidade de uma ordem com tais caraterísticas, porém, requer um processo de construção permanente de modo a enfrentar eficazmente os crescentes e distintos desafios e ultrapassar vulnerabilidades emergentes. O Direito Penal Internacional personificado no TPI será determinante para a concretização dessa aspiração.
Ainda que recorrendo a “uma representação gráfica” se possa concluir “que o Direito substantivo que o TPI aplica é um círculo concêntrico menor dentro de um círculo maior, que representa o Direito Internacional Penal total” (Bacelar Gouveia, 2013: 784) e se lhe possa apontar incontornáveis limitações como a possibilidade de condicionamento da sua atividade pelo Conselho de Segurança, tensões resultantes da natureza complementar da sua jurisdição e problemas interpretativos suscitados por algumas disposições do Estatuto, enfocar somente nesses factos, encerra o risco de se obter uma avaliação redutora dos méritos e potencialidades do TPI.
O projeto de regulação do Estatuto e, mais concretamente, do Tribunal poderá ser mais
49Ibid., §5.13, p. 41.
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Neste sentido,
O Tribunal deverá ainda explorar novas facetas e aprofundar as previstas no Estatuto, tirando partido do seu caráter independente e permanente, o qual lhe permitiu
As distintas e intricadas situações de passividade, inação ou impunidade por parte dos Estados e que exigem a proteção da pessoa humana decorrentes de novos desafios implicam um maior envolvimento do TPI. Assim,
Não obstante a jurisprudência ser ainda escassa, designadamente no que se refere a condenações, não se pode ignorar que o limiar da primeira década do século XXI marca um ponto de viragem na atividade do TPI. A paulatina confluência em torno do Tribunal pelos Estados Partes, Estados que não são parte e pelo Conselho de Segurança evidencia o crescente reconhecimento por parte da comunidade internacional da sua relevância bem como a aplicação do sistema previsto no Estatuto.
Estas razões aliadas às potencialidades do TPI permitem prospetivar uma passagem da atual adolescência (Soares, 2014: 10) à idade adulta caraterizada por passos cada vez mais confiantes, um processo de amadurecimento que desembocará numa justiça penal consolidada e mais efetiva.
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