OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 5, n.º 1 (Maio-Outubro 2014), pp. 67-86

PAÍSES MANGANÊS

Maria Sousa Galito

maria.sousa.galito@hotmail.com Investigadora de pós-doutoramento no Centro de Estudos Africanos, Asiáticos e Latino- americanos (CEsA) do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa (Portugal). Doutorada e Pós-Graduada em Ciências Políticas e Relações Internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica de Lisboa (Portugal); Mestre em Economia pela Universidade de Nantes (França): licenciada em Economia pela Universidade de Évora (Portugal); concluiu o Curso de Defesa Nacional no Instituto de Defesa Nacional (Ministério dos Negócios Estrangeiros). Participa regularmente em conferências nacionais e internacionais. Autora de artigos em revistas científicas nacionais e internacionais com revisão por pares. As suas principais áreas de investigação são a geopolítica, o terrorismo e a economia.

Resumo

Cheickna Bounajim Cissé escreveu um artigo em Março de 2013 na revista Les Afriques N.º 237, propondo um novo acrónimo, MANGANÊS, para os nove países africanos (Argélia, Angola, Egipto, Etiópia, Gana, Marrocos, Namíbia, Nigéria e África do Sul) que, na sua opinião, irão crescer rapidamente nos próximos anos. O artigo testa a relevância do acrónimo, discute a ideia de agrupar estes países comparando alguns indicadores socioeconómicos, o facto de estes países terem problemas, alguns deles relacionados com o tráfico de droga e terrorismo, que podem colocar em risco a sua sustentabilidade presente e futura.

Palavras-chave

Manganês, economias emergentes, terrorismo, drogas, tráfico.

Como citar este artigo

Galito, Maria Sousa (2014). "Países Manganês". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 5, N.º 1, Maio-Outubro 2014. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol5_n1_art5

Artigo recebido em 2 de Dezembro de 2013 e aceite para publicação em 31 de Janeiro de 2014

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Países Manganês

Maria Sousa Galito

PAÍSES MANGANÊS

Maria Sousa Galito

Introdução

Cissé (2013) escreveu um artigo na revista Les Afriques, em que propôs um novo acrónimo para nove países africanos, MANGANÊS, baseando-se no seu rápido crescimento económico, crescimento esse que irá continuar nos próximos anos. Os países incluídos eram a Argélia, Angola, o Egipto, o Gana, Marrocos, a Namíbia, a Nigéria e a África do Sul.

Considerando que esta é uma perspetiva suficientemente interessante para merecer uma análise detalhada, o presente artigo divide-se em cinco partes: a primeira analisa algumas estatísticas sobre África, comparando este continente com outras áreas geoeconómicas de interesse; a segunda discute a pertinência do acrónimo e alguns indicadores socioeconómicos; a terceira debruça-se sobre alguns indicadores sociopolíticos.

Após debater se os níveis de crescimento económico destes países são sustentáveis, também do ponto de vista sociopolítico (se alguns destes países são, ou não, países falhados), na quarta e quinta partes o artigo foca questões de segurança, considerando o nível de ameaça terrorista e a relação entre terrorismo e tráfico de droga nestes Estados.

Este artigo analisa estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI),do Fundo para a Paz e do Institute for Economics and Peace, e apresenta tabelas e mapas para uma melhor compreensão e visualização da realidade dos países em questão.

África - um grande continente; novos desafios

O grupo africano das Nações Unidas é constituído por 54 Estados-membro. África é o segundo maior continente do mundo, tanto em área como em população (a seguir à Ásia) com cerca de 20% do território do planeta. A Tabela 1 permite analisar algumas estatísticas básicas sobre África.

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Tabela 1: Potencial Económico Futuro da África

Nome de Grupo de

 

 

 

 

 

 

Países

Descritores de assunto

2000

2005

2010

2013*

2015*

Mundo

PIB pc (%)

4,8

4,6

5,2

3,3

4,4

Zona Euro

PIB pc (%)

3,8

1,7

2,0

-0,3

1,4

Zona Euro

BPI PPC (% mundo)

18,3

16,5

14,5

13,2

12,5

União Europeia

PIB pc (%)

4,0

2,3

2,0

0,0

1,7

União Europeia

BPI PPC (% mundo)

24,9

23,0

20,4

18,7

17,8

Médio Oriente e

 

 

 

 

 

 

Norte de África

PIB pc (%)

5,7

5,8

5,5

3,1

4,5

Médio Oriente e

 

 

 

 

 

 

Norte de África

BPI PPC (% mundo)

4,3

4,9

5,3

5,2

5,2

África Subsaariana

PIB pc (%)

3,6

6,2

5,4

5,6

5,9

África Subsaariana

BPI PPC (% mundo)

2,0

2,2

2,4

2,6

2,7

Fonte: FMI (2013)

 

 

 

 

 

 

*(previsões)

 

 

 

 

 

 

O FMI tem disponíveis dados sobre o Médio Oriente e o Norte de África em conjunto, o que pode levar a algum desvio na sua interpretação. De qualquer modo, o Produto Interno Bruto a preços constantes (PIBpc) para esta grande região até 2010 era mais alta do que a média mundial; espera-se que as taxas de crescimento desçam um pouco mas que continuem acima dos 3% no fim de 2013 e cheguem aos 4,5% em 2015 se ceteris paribus. O produto interno bruto baseado na paridade de poder de compra no mundo (PIB PPC % mundial) era 4,3% em 2000, chegou a 5,3% em 2010 e espera-se que continue a ser cerca de 5,3% em 2013 e 2015.

A Tabela 1 mostra que as estatísticas para o PIBpc para a África Subsaariana estavam abaixo da média mundial em 2000. Mas em 2005, 2010 estavam acima do desempenho padrão e espera-se que continuem assim no fim de 2013 e 2015. No entanto, os países subsaarianos representam uma pequena percentagem do comércio mundial (2% em 2000, 2,2 em 2005, 2,4 em 2010, sendo expectável que cresça gradualmente em 2013 e 2015).

Este comportamento económico é especialmente interessante quando comparado com as taxas de crescimento europeias. A Zona Euro (17), por exemplo, tinha 3,8% PIB pc em 2000; 1,7 em 2005; e 2,0 em 2010; espera-se que cresça negativamente como grupo em 2013 (-0,3%), representando uma cada vez menor proporção relativamente ao total mundial de PIB pc (de18,3 em 2000 para 13,2 esperados em 2013).

Enquanto a União Europeia e, em particular, a Zona Euro, estão a perder a sua quota no mercado mundial, o Médio Oriente e o Norte de África, e especialmente a África Subsaariana, estão a tornar-se mais atrativos com base numa boa dinâmica de crescimento.

Mas a África é demasiado vasta para ser analisada como um todo. É considerado um continente desafiante e heterogéneo, tanto em termos de padrões como de riscos. No século XXI, nem todos os países enfrentam os mesmos desafios económicos, políticos e sociais, e os próximos 25 anos serão determinantes para perceber se pelo menos os mercados africanos mais fortes irão corresponder às suas potencialidades.

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«A tendência desde a independência nos anos sessenta do século

XXé de que o continente se torne mais heterogéneo e não há dúvida de que essa tendência permanecerá nos próximos 14 anos. Mais países irão ruir sob o peso de perturbações civis, da bancarrota económica e da doença. No entanto, há também a possibilidade de que alguns países comecem a consolidar a ordem política, se integrem na economia global e desenvolvam práticas de governação que permitam que os seus cidadãos prosperem.» (Herbst and Mills, 2006: 2)

Os "outros países" a integrar na economia global poderiam ser Marrocos, Angola, Namíbia, Gana, Argélia, Nigéria, Egipto, África do Sul e Etiópia. Este é o argumento utilizado por Cissé (2013) num artigo de Março de 2013, publicado na revista Les Afriques N.º 237, propondo um novo acrónimo para estas nove economias emergentes (os países MANGANÊS) que poderão evidenciar-se na África do futuro com base nos seus atuais índices de crescimento. Cissé (2013) propõe um interessante critério unificador baseado na comparação do desempenho de crescimento desde o início do milénio. Cissé (2013) é um economista reconhecido mas, embora Les Afriques, fundado em 20071, se intitule o primeiro jornal financeiro pan-africano, não deixa de ser um semanário em formato de tabloide.

Assim, será que se trata de uma bomba jornalística com um título forte para promover a venda do jornal? O assunto em questão requer uma análise crítica e alguma reserva.

Éverdade que as ideias de Cissé (2013), apesar de originais e interessantes, devem ser testadas de modo mais sistemático no contexto atual. E "Será que estamos a caminhar para um mundo às avessas?” (Cissé, 2013: 40) é a pergunta colocada pelo banqueiro, ao mesmo tempo que defende que as principais potências mundiais enfrentam restrições sociais e económicas pressionadas pela crise económica internacional (também na Zona Euro) enquanto a África (ou mais especificamente, alguns países africanos) cresce após várias décadas de fraqueza. Vamos analisar estra possibilidade para verificar se se trata de um cenário provável.

O acrónimo manganês e indicadores sócio-económicos

MANGANÊS é o acrónimo sugerido por Cissé (2013) para agrupar nove países africanos: a Argélia, Angola, o Egipto, a Etiópia, o Gana, Marrocos, a Namíbia, a Nigéria e a África do Sul. Mas qual a razão para a escolha desta palavra? Será que estes países são os maiores produtores de manganês? Será que têm as maiores reservas mundiais deste mineral?

1Gbadamassi, Falila (2007). “Les Afriques”: Nouveau Journal de la Finance Africaine. In Afrik.com, 11

Juillet. Disponível online em: http://www.afrik.com/article12098.html, consultado em Maio 2013.

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Tabela 2: Produção Mineira e Reservas Mundiais de Manganês

País

 

Reservas

Produção Mineira

 

2011

2012

 

 

 

África do Sul

 

150.000

3.400

3.500

Ucrânia

 

140.000

330

310

Brasil

 

110.000

1.210

1.100

Austrália

 

97.000

3.200

3.400

Birmânia

 

NA

234

230

Gabão

 

27.000

1.860

2.000

Índia

 

49.000

895

810

Cazaquistão

 

5.000

390

390

Malásia

 

NA

225

230

México

 

5.000

171

170

Outros Países

 

Pequenos

1.740

1.700

Total mundial

 

630.000

16.000

16.000

Fonte: Corathers (2013)

 

 

 

O manganês é o décimo segundo componente mais comum da crosta terrestre (Virga et al., 2012, p. 11) mas as suas reservas não estão espalhadas pelo mundo ou mesmo por África. Cerca de 75% da reserva mundial está na África do Sul. Simultaneamente, dos nove países sugeridos por Cissé (2013) para serem incluídos no acrónimo MANGANÊS, só a África do Sul aparece na lista dos Estados como produções mineiras e reservas mais elevadas (Tabela 2). Assim, talvez o acrónimo represente bem a África do Sul mas não os outros oito países.

Neste ponto, colocamos de novo a questão relativa à escolha desta palavra para definir o grupo. Porquê esta palavra? Talvez a resposta assente na análise de alguns indicadores socioeconómicos.

A Tabela 3 mostra alguns indicadores como a percentagem de alteração no Produto Interno Bruto a preços constantes (PIB pc), o Produto Interno Bruto Baseado na Paridade do Poder de Compra (PIB PPC) e a população dos nove países africanos selecionados: Marrocos, Angola, Namíbia, Gana, Argélia, Nigéria, Egipto, África do Sul e Etiópia. Com base nos dados, todos estes mercados estão em rápido crescimento económico.

De acordo com as previsões do FMI (na Tabela 3), o crescimento económico da Argélia e de Marrocos pode continuar elevado. Na última década, Marrocos estabilizou os preços, melhorou a sua posição internacional e lançou um programa ambicioso de reformas estruturais mas terá de acelerar o seu crescimento económico e criar mais emprego para conseguir evitar problemas sociais. Na Argélia, o envolvimento do Estado na economia aumentou e há empresas paraestatais envolvidas no sector do petróleo e do gás (pouco menos de metade do PIB), na banca e telecomunicações e na indústria pesada.

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Tabela 3: Indicadores Socioeconómicos

País

Descritores de assunto

2000

2005

2010

2013*

2018*

 

PIB pc%

3,8

5,9

3,6

3,3

3,9

 

GDP PPC (PIB per capita)

4438,8

6068,0

7059,6

7736,9

9541,4

Algéria

População

30,5

32,9

35,4

37,0

39,9

 

PIB pc%

 

 

3,0

20,6

3,4

6,2

6,0

 

GDP PPC (PIB per capita)

2243,9

3328,6

5.748.9

6650,3

8481,6

Angola

População

14,4

16,6

19,1

20,8

24,1

 

PIB pc%

 

 

5,4

4,5

5,1

2,0

6,5

 

GDP PPC (PIB per capita)

3912,1

4762,1

6343,9

6652,9

8748,0

Egipto

População

63,3

70,0

78,7

84,2

93,8

 

PIB pc%

5,9

12,6

8,0

6,5

6,5

 

GDP PPC (PIB per capita)

474,7

636,1

1041,5

1258,6

1713,4

Etiópia

População

65,6

74,3

82,9

88,9

99,1

 

PIB pc%

4,2

6,0

8,0

6,9

5,8

 

GDP PPC (PIB per capita)

1443,0

2030,0

2732,6

3501,5

4603,9

Gana

População

18,4

20,9

23,7

25,6

29,0

 

PIB pc%

1,6

3,0

3,6

4,5

5,8

 

GDP PPC (PIB per capita)

2667,1

3585,1

4782,7

5537,5

7582,2

Marrocos

População

 

 

28,5

30,2

31,9

32,9

34,5

 

PIB pc%

 

 

4,1

2,5

6,6

4,2

4,3

 

GDP PPC (PIB per capita)

4064,4

5532,2

6967,9

8159,9

10683,8

Namíbia

População

1,8

2,0

2,1

2,2

2,3

 

PIB pc%

5,3

5,4

8,0

7,2

6,7

 

GDP PPC (PIB per capita)

1129,8

1795,5

2419,8

2883,4

3908,1

Nigéria

População

 

 

119,0

136,3

156,1

169,3

193,9

 

PIB pc%

 

 

4,2

5,3

3,1

2,8

3,1

África do

GDP PPC (PIB per capita)

6643,1

8653,7

10562,6

11750,4

14393,7

 

Sul

População

44,5

46,9

50,0

51,8

55,0

Fonte: Base de dados do FMI População (milhões) *(previsões)

GDP PPC (Current international dollar).

A Nigéria, de todo o grupo MANGANÊS, é o país com maior população. As suas receitas são maioritariamente provenientes dos sectores do petróleo e da energia que empregam muita da mão-de-obra. A segunda maior economia africana tem tido um dos desempenhos mais consistentes do continente nos últimos anos, tendo o produto interno bruto crescido entre 5% (2005) e 7,2% (esperado para 2013). O comércio e a agricultura são os responsáveis por grande parte da expansão económica. A perspetiva macroeconómica a curto prazo é, no geral, razoavelmente forte, com uma inflação provavelmente baixa e uma acumulação e um crescimento contínuo de reservas (espera-se 6,7% em 2018).

Angola está em expansão económica há uma década, após o fim da guerra civil em 2012. A indústria petrolífera é predominante e ajuda a manter a estabilidade macroeconómica. No entanto, o alto nível de corrupção, as barreiras tarifárias ou não-

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tarifárias ao comércio internacional representam limitações para um mercado com taxas de crescimento mais baixas. Mas se o crescimento continuar, assim como a paz e a estabilidade social, Angola pode tornar-se uma forte potência regional e inclusivamente já foi convidada para o encontro dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que se realizou em Durban em 2013.

Moçambique, muito mesmo competitivo, com potencial por exemplo no gás, foi um mercado atrativo até a instabilidade política voltar em Outubro de 2013 (a paz dará lugar à guerra?)

A Namíbia e a África do Sul são dois dos países com o mais alto PIB PPC PIB per capita em África. As perspetivas da Namíbia a médio prazo permanecem favoráveis, espera-se que o crescimento do PIB continue a recuperar através da manufatura, das colheitas, da construção e da criação de gado, mas a reduzida procura de minerais (urânio, diamantes, zinco, prata, chumbo e tungsténio) numa economia global fraca pode ser uma limitação.

A África do Sul tem o nível de crescimento de PIB pc mais baixo do grupo mas tem o PIB PPC PIB per capita mais alto de todos eles. Para além disso, é membro dos BRICS. A sua lucrativa indústria mineira foi recentemente assolada por tumultos com mortes devido a salários, o que prejudicou mercados exportadores e alienou investidores estrangeiros. Tem também muito desemprego e grandes desigualdades de rendimentos.

O Gana, o primeiro país da África colonial a obter a independência, é uma democracia estável desde 1992. É um país rico em recursos minerais como diamantes, minério de manganês e cacau, ouro e produção de petróleo. O seu sector industrial é provavelmente um dos mais desenvolvidos de entre os países do grupo. Espera-se que a economia do Gana continue forte, com base na credibilidade internacional na sequência de um ambiente comercial estável e forte aumento dos preços das matérias- primas e um governo democrático.

O Egipto enfrenta um período de transição após a chamada Primavera Árabe de 201, que levou a uma alteração do regime e a um abrandamento económico com volatilidade na moeda, saída de capitais e enfraquecimento da situação fiscal. Dado a alteração política e económica, a economia do Egipto tem passado por um longo período de instabilidade e incerteza. Algumas reformas políticas foram adiadas e, na ausência de programas de estabilização macroeconómica, a situação irá continuar a deteriorar-se, traduzindo-se num baixo crescimento e aumento do desemprego e da inflação.

A Etiópia, o segundo país mais populoso do grupo MANGANÊS, tem cerca de noventa milhões de habitante e é atualmente a quarta maior economia africana e a maior da África Oriental. A maior parte do seu crescimento baseia-se no sector público, cujos novos e melhorados serviços nas áreas da educação, da saúde, da água potável e da agricultura, promovem o desenvolvimento e não apenas o crescimento económico, o que é muito importante para a população.

Mas será que estes esforços são o suficiente? «Os países pobres com alto crescimento da população só tem hipóteses de desenvolvimento se o crescimento abrandar e as taxas de natalidade baixarem» (Sippel, Kiziak, Woellert and Klingholz, 2011: 4). Os países MANGANÊS registam taxas de crescimento fortes e, em geral, têm recursos

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naturais que atraem interesse mundial, mas enfrentam desafios demográficos. As taxas de crescimento demográfico em África, especialmente nos países subsaarianos, são muito elevadas, exigindo maior cooperação ao nível das políticas educativas, de saúde e de planeamento familiar (Sippel, Kiziak, Woellert and Klingholz, 2011: 5) de modo a promover o desenvolvimento e afastar a população de tensões sociais.

Assim, a África do Sul tem o PIB PPC PIB per capita mais alto do grupo, tem uma percentagem de crescimento do PIB pc sustentável e é um grande mercado consumidor de 51,8 milhões de pessoas em 2013. A África do Sul é um país MANGANÊS. Quanto aos outros países, é algo que ainda está por provar. Mas iremos utilizar o acrónimo para efeitos de argumentação.

Indicadores sócio-políticos

Os países MANGANÊS estão distribuídos pela África, o que implica que não estão concentrados no Norte ou no Sul (áreas de referência típicas). Com recursos naturais disputados e impressionantes taxas de crescimento económico, estes países parecem ter boas condições para prosperidade e estabilidade. A verdade, no entanto, é que estes elementos não são o suficiente. Fora das principais cidades não há muito crescimento de grande escala e as populações rurais são frequentemente pobres. Para além da insegurança em termos alimentares e de disputas sobre recursos naturais como a água, o petróleo e o gás, as elevadas taxas de desemprego e falta de esperança podem causar graves problemas sociais. O investimento estrangeiro é atraído pelo lucro mas não é fácil fazer negócio nos países MANGANÊS devido às alterações internas. Quais os desafios? Neste momento, é importante saber se os países MANGANÊS são estáveis, estruturados e democráticos ou se há tendência para um Estado fraco, em que a capacidade de fornecer bens públicos é volátil num contexto de violência já de si frágil.

Não é a intensidade da violência que define um "Estado falhado", mas sim o carácter duradouro dessa violência (como nos casos de Angola, Burundi e Sudão) e se a hostilidade é dirigida contra o governo ou regime estabelecido, assim como a força das exigências políticas ou geográficas relativamente à partilha de poder ou à autonomia que racionaliza ou justifica essa violência.

O conceito de "Estado falhado" não é consensual2, mas é publicado anualmente pelo Fundo para a Paz um índice que nos ajuda relativamente a esta importante questão. O Índice de Estados Falhados (FSI) para 2012 estabelece uma listagem de “1º” (o pior) a 177º (o melhor). O FSI dos países MANGANÊS está patente na Tabela 4.

Este indicador é liderado pela Somália (1º), pela República Democrática do Congo (2º) e pelo Sudão do Norte (3º). Os primeiros catorze países são considerados os Estados mais falhados do mundo. Existe ainda um segundo grupo muito problemático entre as

2«O conceito de estados falhados atraiu a atenção de muitos especialistas e existem 3 grandes polos de opinião. Alguns pensadores aceitam, de forma acrítica, este conceito como uma alteração do paradigma de política internacional, o que tem implicações sobre como consideramos e lidamos com a insegurança. Assim, 'estados fracos e falhados tornaram-se o problema isolado mais importante da ordem internacional'. Outros analistas têm uma posição cética relativamente ao valor analítico do conceito com base em argumentos epistemológicos; na sua opinião, é difícil definir, identificar e analisar estados falhados de modo objetivo e com rigor metodológico. Um outro argumento da literatura rejeita a ideia de estados falhados como um conceito politizado, etnocêntrico e hegemónico com conotações intervencionistas.» (Newman, 2009: 421)

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posições 15º (Guiné Bissau) e 33º (República do Congo); e um terceiro grupo difícil entre as posições 34º e 67º.

Tabela 4: Índice de Estados Falhados 2012 para Países Produtores de Manganês

Ranking

País

Total

14º

Nigéria

101,1

17º

Etiópia

97,9

31º

Egipto

90,4

48º

Angola

85,1

77º

Argélia

78,1

87º

Marrocos

76,1

106º

Namíbia

71,0

112º

Gana

67,5

115º

África do Sul

66,8

Fonte: Fundo para a Paz (2012)

A Tabela 4 mostra apenas o ranking dos países MANGANÊS. A Nigéria pertence ao primeiro grupo, a Etiópia e o Egipto pertencem ao segundo e Angola ao terceiro.

Angola, a Etiópia e a África do Sul são países que, há algumas décadas atrás, poderiam ser considerados "países falhados", mas Angola, depois de 2002 (acordos de paz), a África do Sul, depois do fim do apartheid, e a Etiópia, depois de 2000 (fim do conflito entre a Eritreia e a Etiópia), são Estados provavelmente menos vulneráveis e sociedades mais estáveis do que anteriormente.

Mas Angola faz fronteira com a República Democrática do Congo, conhecida por um longo ciclo de morte e sofrimento que justifica o recurso às forças da paz das NU desde a sua independência em 1960 e com indicadores de desenvolvimento dos piores do mundo. A África do Sul faz fronteira com o Zimbabwe, governado pelo presidente Robert Mugabe (após resultados eleitorais ambíguos), um país com muitos problemas estruturais internos causado por má gestão e corrupção. Por outro lado, a Etiópia faz fronteira com países não sustentáveis como a Somália, o Sudão do Norte e o Sudão do Sul, para além de que as relações entre a Etiópia e a Eritreia são muito provavelmente tensas. Assim, o futuro de economias emergentes como Angola, a África do Sul e a Etiópia não é seguro.

Duas décadas após o colapso do apartheid, a África do Sul é um país empenhado no estado de direito. É uma democracia pluralista com uma imprensa livre e poder judicial independente.

A Namíbia, localizado entre Angola e a África do Sul, é um país rico em urânio. A elite da Namíbia, uma sociedade classista, é acusada de gastar os recursos do país. O governo tentou implementar algumas reformas mas a falta de um poder judicial independente e justo enfraquece o estado de direito, a liberalização económica não tem sido consistente e a economia do país tem ficado aquém do esperado a muitos níveis importantes.

O Estado do Gana habitualmente não discrimina os investidores estrangeiros exceto em sectores chave. No entanto, em geral, o regime de investimento é pouco eficiente e pouco transparente. O Gana tem também um historial positivo na promoção dos direitos humanos e boa governança e em tornar-se, tanto quanto possível, um país modelo em África.

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Angola está em paz desde 2002, após 27 anos de guerra civil (provavelmente um dos conflitos mais longos em África no século XX). Mas o sistema de distribuição de rendimentos não é transparente, mas sim baseada em lutas de poder, influências e regras ambíguas.

«Angola tem falta de quatro importantes, nomeadamente: uma elite determinada e guiada por uma visão de modernizar toda a nação; um Estado independente de grupos de interesses; uma burocracia económica competente isolada de interesses especiais e a capacidade para uma gestão eficiente de interesses económicos provados. Angola te, no entanto (...) uma sociedade civil fraca e subordinada e uma mistura de repressão, falta de direitos humanos e legitimidade.» (Sogge, 2009: 24)

Na Nigéria, o estado de direito é fraco em todo o país e há cada vez mais tensões sociais entre grupos étnicos, políticos e religiosos rivais que ameaçam a estabilidade e a sustentabilidade da nação.

A Etiópia tem grandes problemas fronteiriços com os países vizinhos. Na sequência da guerra com a Eritreia nos anos noventa, a missão de paz das NU estabeleceu-se na fronteira entre os dois países. A missão terminou em 2008 mas as relações entre os dois países mantêm-se tensas. Os ataques terroristas são um grave problema e o país está no Top 20 do FSI de 2012.

A Argélia é o quarto maior exportador de gás natural e tem a oitava maior reserva de gás e a décima sexta maior reserva de petróleo. Embora os protestos da "Primavera Árabe" nas vizinhas Tunísia e Líbia terem incentivado algumas reformas governamentais no país, a fraqueza institucional continua a minar as perspetivas de um desenvolvimento económico sustentado de longo prazo.

Marrocos é uma monarquia constitucional, governada pelo Rei Mohammed VI, que introduziu algumas reformas institucionais depois de 2011 e da Primavera Árabe, de modo a satisfazer alguns dos movimentos populares e promover estabilidade social no país. O rei propôs uma nova constituição que dá maior independência ao Primeiro- ministro e aos poderes legislativos e judiciais.

O Egipto é um dos dez países que piorou no ranking: entre 2011/12 era 45º e, após as alterações ao regime, está em 31º. A primeira eleição democrática do presidente no Egipto é um marco histórico para o país. Mas, e mesmo por causa disso, o país enfrenta desafios graves, imediatos e de longo prazo, em termos de tensão política/social.

Na Nigéria, o estado de direito é fraco em todo o país e há cada vez mais tensões sociais entre grupos étnicos, políticos e religiosos rivais que ameaçam a estabilidade e a sustentabilidade da nação. E as tensões podem facilmente tornar-se conflitos se houver descontrolo. Devem ser evitados os choques violentos na Nigéria e na África em geral devido aos resultados drásticos que podem ter. Os países africanos conhecem bem este risco graças à sua história.

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"O conflito não pode ser força motora do continente. Os sangrentos anos noventa do seculo XX ensinaram duas coisas aos países africanos. Primeiro, conflito nos países têm um efeito devastador em todos os diretamente envolvidos no combate e nos países vizinhos. (...) Segundo, o fim da guerra depende apenas dos países africanos. A comunidade internacional é inconstante quanto a decidir envolver-se nos conflitos africanos e não estão suficientemente envolvidos para levar questões políticas difíceis a uma conclusão satisfatória" (Herbst and Mills, 2006: 5).

Assim, as nações MANGANÊS são muito heterogéneas para serem consideradas um grupo, são Estados frágeis com muitos problemas fronteiriços não resolvidos e têm de lidar com muitas tensões internas e problemas sociais que podem, em última análise, minar a sua estabilidade e sustentabilidade futuras.

Países produtores de manganês e terrorismo

Após analisar alguns indicadores, incluindo o ranking dos Estados fracos (uma vez que nem todos são "Falhados"), a nossa conclusão é que o acrónimo MANGANÊS tem as suas fraquezas. A análise é ainda mais complexa do ponto de vista da segurança nos nove países (Argélia, Angola, Egipto, Etiópia, Gana, Marrocos, Namíbia, Nigéria e África do Sul).

A Tabela 5 lista os países MANGANÊS de acordo com o Índice de Terrorismo Global de 2011. A Nigéria é o primeiro dos nove países. Acima da linha laranja estão também a Argélia, o Egipto, a Etiópia e Marrocos. Angola surge na 65ª posição. Os três restantes países (a África do Sul, a Namíbia e o Gana) não têm, em 2011, nenhum registo ou um registo reduzido de ataques terroristas, o que é positivo.

Tabela 5: Índice de Terrorismo Global 2011 para Países Produtores de Manganês

Ranking

País

Total

Nigéria

7,242

15º

Argélia

5,831

27º

Egipto

4,576

37º

Etiópia

3,732

40º

Marrocos

3,599

65º

Angola

1,696

111º

África do Sul

0,054

116º

Namíbia

0,000

116º

Gana

0,000

Fonte: The Institute for Economics & Peace (2012)

As redes transnacionais de terrorismo (incluindo a Al-Qaeda e redes associadas como a AQIM) também parecem encarar os outros países MANGANÊS como a Argélia e a Nigéria, assim como o Egipto, a Etiópia e Marrocos, um terreno favorável para espalhar o extremismo e o terrorismo com o objetivo de estabelecerem um novo califado.

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«Não há dúvida que o Norte de África permanece uma área crítica para a expansão do Islamismo radical (jidahismo salafista) que afeta cada país do Norte de África idiossincrática e transnacionalmente. Ao longo dos últimos 20 nos, a ameaça de terrorismo foi reforçada pela emergência de redes organizacionais e institucionais de movimentos Islamitas radicais nacionais com ligações na Europa e no Médio Oriente, em particular o grupo mais ativo no Norte de África, a AQIM (Al-Qa‘ida in the Islamic Maghreb)» (Roussellier, Jacques: 4).

Em primeiro lugar, o Corno de África (a Etiópia, o Djibuti, a Eritreia e a Somália) foi durante muito tempo considerado a linha da frente na guerra global contra o terrorismo e o governo dos Estados Unidos investiu no desmantelamento das atividades da Al- Qaeda na região enquanto outras áreas do continente africano, como a Nigéria e a Africa do Sul, eram consideradas menos críticas em termos de terrorismo. Esta ideia poderá estar a mudar devido às necessidades sentidas. (Lyman and Morrison, 2004: 75-76).

Em segundo lugar, o Egipto há muito que é uma incubadora da militância islamita. O líder da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, é egípcio. O presidente Hosni Mubarak enfrentou violência de militantes, incluindo uma insurreição islamita, mas a segurança diminuiu bastante desde a sua queda em 2011. Islamitas e rebeldes estão a aumentar na península de Sinai. A militância é menos evidente no Delta do Nilo, onde a maioria dos egípcios vivem e onde a vigilância é um pouco mais alta.

Em terceiro lugar, Marrocos ocupa grande parte de um território no noroeste de África, maioritariamente deserto, que se chama Saara Ocidental. Assim, a luta contra grupos de autodeterminação, que começou há décadas, ainda continua. É o caso da Frente Polisário, que declarou a República Democrática Árabe do Saara (SADR) a 27 de Fevereiro de 1976 e anunciou o seu primeiro governo a 4 de Março. Esta reivindicação não foi reconhecida por Marrocos que, por sua vez, acusa a Frente Polisário de cometer ataques terroristas. As relações entre Marrocos e a Argélia são tensas desde que Argel expressou o seu apoio aos rebeldes, e declarou ser a favor da autodeterminação contra o colonialismo em África. Em Marrocos há também o problema do radicalismo contra os expatriados marroquinos:

«A monarquia há muito declarou que a legitimidade dos proclamados descendentes do Profeta Maomé era um Escudo contra a militância islamita. Esta opinião foi posta em causa na última década, dado que expatriados marroquinos têm estado envolvidos em terrorismo no exterior e Marrocos tem sofrido ataques terroristas no seu seio. (...) Inúmeras células pequenas, isoladas, taticamente limitadas, adeptas da ideologia Salafiya Jihadiya (Guerra Santa Reformista/Jihadista), são vistas como a maior ameaça à segurança interna de Marrocos» (Arieff, 2012: 5- 6).

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Em quarto lugar, os países em volta do chamado arco de instabilidade no Saara Africano/Sahel, como é o caso da Argélia, são particularmente vulneráveis aos terroristas e militantes ligados à Al-Qaeda, incluindo a AQIM. As montanhas do Atlas, na Argélia, são zonas pobres do outro lado da fronteira da Tunísia, onde polícias e soldados procuram radicais islamitas e terroristas. A AQIM, no entanto, inclui várias brigadas que operam em diferentes regiões do país. Assim, embora as raízes do grupo forem encontradas no centro da Argélia, este estende-se pelo deserto e pelas áreas menos ocupadas do Sahel (a Mauritânia, o Mali e o Níger). Têm líderes nativos e espalham o medo através de ataques suicidas.

«A Al-Qaeda no Magreb islâmico, estabelecido em Janeiro de 2007,

éo último de uma longa lista de grupos jihadistas argelinos. Como muitas organizações terroristas, a AQIM tem uma exposição mediática a nível global em websites de ativistas mas, ao contrário de outros parentes da Al-Qaeda, tem conseguido manter a liderança nativa. O grupo tornou-se conhecido pelos seus ataques suicidas, algo que era anteriormente desconhecido na Argélia, mas não conseguiu incorporar as aparências jihadistas dos vizinhos Marrocos e Tunísia. A AQIM tem-se concentrado no norte do Saara, conseguindo criar locais seguros para si e ameaçando as fracas forças governamentais (...)» (Filiu, 2009: 1).

Em quinto lugar, a Nigéria é um país cada vez mais problemático, com mortes regulares devido a questões relacionadas com o petróleo, assim como raptos e assassínios cada vez mais atribuídos a grupos de islamitas rebeldes como o Boko Haram.

"O número de mortos na Nigéria tem constantemente aumentado ao longo da última década e um crescimento acelerado em 2011, com 165 mortos, enquanto em 2010 morreram 57 pessoas. Até há pouco tempo atrás, a maioria da atividade terrorista estava associada à disputa do Delta do Níger e à extração e exploração de petróleo. O grupo mais ativo nesse período era o Movimento para a Emancipação do Delta do Níger. Nos últimos anos, Boko Haram, um grupo terrorista islamita, tem operado no norte/noroeste do país onde despoletou uma onda de ataques contra igrejas cristãs e escolas locais" (The Institute for Economics & Peace, 2012: 19).

Apesar da violência brutal dos ataques, considerar Boko Haram um grupo terrorista não

éalgo consensual; este é muitas vezes visto como um mero grupo de criminosos ou de combatentes pela liberdade em nome de interesses religiosos. Apesar de tudo, parecem estar dispostos a utilizar todos os meios, incluindo assalto à mão armada e bombardeamento, para implementar a Sharia no país.

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Angola e a Nigéria são frequentemente associados, pois ambos são grandes exportadores de petróleo. No entanto, o terrorismo em Angola não é uma possibilidade muito discutida em termos académicos. Após anos de guerra colonial (1961/1975) e da guerra civil depois da independência (1975/2002), o país considera-se em paz. A verdade é que a província de Cabinda, rica em petróleo, tem estado no centro de conflitos entre combatentes pela autodeterminação da região e as Forças Armadas Angolanas (FAA). A chamada Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) e outros grupos de milícia na região são acusados de levar a cabo ataques terroristas que ameaçam a segurança do país. A 8 de Janeiro de 2010, a FLEC reclamou a autoria dos ataques à equipa de futebol do Togo e "Foram acusados de «crimes terroristas contra a segurança do Estado»." (Ojakorotu, 2011: 103-104) Não há registo de quaisquer ataques desde essa data.

O Mapa 1 ajuda a visualizar as tendências terroristas discutidas neste artigo, que se baseiam nos dados incluídos no Índice de Terrorismo Global para o período de 2002/11. A parte vermelha assinala os ataques terroristas.

Mapa 1: África – Índice de Terrorismo Global 2002/2011

Fonte: The Institute for Economics & Peace (2012)

A distribuição de pontos vermelhos no mapa confirma a tese de que os países MANGANÊS, embora com número diferente de ataques terroristas e de intensidades diferentes, têm enfrentado este tipo de ameaça no seu território ou no dos países vizinhos. A zona vermelha é mais evidente no mapa na zona do norte e sul da Argélia, na Etiópia e em toda a Nigéria.

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Terrorismo e tráfico de droga

O ataque à fábrica de gás de Amenas, no sul da Argélia, perto da fronteira com a Líbia, levou à morte de muitos trabalhadores argelinos e estrangeiros após terem estado reféns durante os quatro dias do ataque em Janeiro de 2013, prova a relação entre o crime organizado e o terrorismo na África Ocidental. Isto tem grandes implicações para a comunidade internacional e exige maior apoio aos governos da região.

A ameaça terrorista em África junta extremismo político, religioso e ideológico e crime organizado. Diferenças históricas e culturais dificultam esforços para resolver o problema.

Alguns rebeldes lutam por questões políticas, outros por causas políticas mas a maioria deles têm interesses económicos/financeiros e usam o contrabando, o tráfico e a lavagem de dinheiro de recursos naturais e centros de produção locais. Porquê? Os grupos terroristas precisam de dinheiro para as suas atividades e o tráfico de droga é um negócio lucrativo. "O tráfico de drogas ilícitas, uma das grandes atividades do crime organizado a nível mundial, beneficiam da deficiente cooperação internacional, das inconsistências legais, de obstáculos políticos e falta de governança relativamente aos mercados financeiros globais." (Comissão Europeia, 2011: 11)

Mapa 2: Principais Rotas do Tráfico de Cocaína

Fonte: EMCDDA e EUROPOL (2013)

O aumento do tráfico de droga, na produção e consumo de droga, está rapidamente a revelar-se o maior desafio para a prossecução da paz, da estabilidade e da segurança. O tráfico de droga está entre as atividades primárias de grupos de crime organizado

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nos países MANGANÊS. As rotas mais conhecidas a partir da América Latina passando por África até à Europa são as da cocaína, como indicadas no Mapa 2.

O Mapa 2 mostra as diferentes Rotas de Tráfico de Cocaína, algumas por via marítima (a azul escuro), outras por via aérea (a vermelho e amarelo) e outras ainda por via terrestre (a azul claro). Uma coisa é clara: África parece ser o objetivo pelo Ocidente e pelo Sul - as drogas entram pela África Ocidental e seguem pela região do Sahel por via terrestre até à Europa, ou então seguem através da África do Sul utilizando rotas do Norte/Sul.

Mapa 3: Terrorismo e tráfico de droga

Fonte: Yonah Alexander (2011)

O Mapa 3 mostra o terrorismo com as rotas de cocaína que usam a África Ocidental e a região do Sahel para os seus crimes. Mostra o tráfico ilegal de terroristas como a Al- Qaeda e seus associados africanos como a AQIM. Nestas rotas, os lucros obtidos com as drogas ilegais compram armas para conflitos regionais. Por esta razão, o Sahel representa um enorme arco de instabilidade na região do Norte de África.

«O envolvimento potencial da AQIM com o comércio de cocaína que entra na Europa Ocidental vindo da América Latina através da África Ocidental é um outro fator crítico. Se esta tendência se confirmar, as capacidades de expansão operacional da AQIM, em conjunto com perturbações e uma situação de segurança volátil no Magrebe, podem piorar a instabilidade em toda a região.» (Roussellier, 2011: 8)

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O conflito no Mali projetou internacionalmente a luta dos rebeldes Tuaregues nas áreas desertas do Mali, Níger, sul da Argélia e sul da Líbia, mas o arco estende-se ao Chade, ao Sudão do Norte e ao Sudão do Sul, à Etiópia e à Somália, razão pela qual a atenção está agora voltada para os países MANGANÊS como a Argélia e a Etiópia.

A corrupção ligada ao tráfico de droga e lavagem de dinheiro evidenciam a pobreza crónica de Estados da África ocidental, perturbam o eficaz governo económico ao mesmo tempo que alguns grupos rebeldes e importantes organizações criminosas traficam narcóticos pela África ocidental e fazem o transbordo de narcóticos da América Latina através da África até à Europa, fazendo pequenas fortunas com o negócio. Mas estas rotas de tráfico não são feitas por extremistas apenas. Numa região onde as taxas de desemprego e de pobreza são elevadas, jovens africanos são atraídos para o tráfico de droga com o objetivo de ganhar muito dinheiro num curto espaço de tempo.

Os países aparentemente mais ricos em recursos naturais ou até mesmo economias emergentes como as nações MANGANÊS não estão livres da corrupção e de relações criminosas de cruzarem o seu território. O Mapa 4 ilustra a situação geral em África, assim como as rotas do Sul do tráfico de droga.

Mapa 4: Tráfico de Droga em África

Fonte: Riccardo Pravettoni (2010)

O Mapa 4 mostra que os países MANGANÊS como Marrocos, a Argélia, o Egipto, a Nigéria e a África do Sul, Angola e a Namíbia estão no centro do tráfico de droga. Em 2007, foram apreendidas grandes quantidades de haxixe e cocaína em Marrocos e na

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Argélia e de haxixe (maioritariamente) no Egipto. A marijuana é contrabandeada essencialmente na Nigéria e na África do Sul, assim como na Namíbia e em Angola. Em Angola e na Nigéria foi apreendida alguma cocaína. No continente da Nigéria também foram apreendidos heroína e opiáceos.

Conclusão

Cissé (2013) escreveu um artigo sobre os países MANGANÊS, um acrónimo que juntava nove economias emergentes: Marrocos, Angola, Namíbia, Gana, Argélia, Nigéria, Egipto, África do Sul e Etiópia. De acordo com o autor, estes Estados devem ser analisados em conjunto porque, com base no seu crescimento, se irão destacar no futuro. No entanto, este artigo não compreende a relevância de juntar países tão diferentes uns dos outros em termos de indicadores socioeconómicos e sociopolíticos, utilizando uma nomenclatura que parece apenas ter significado para a África do Sul (que tem as maiores reservas e a maior produção mineira de elementos de manganês). Os argumentos caiem por terra se tomarmos em consideração outras variáveis também ou ainda mais importantes do que as taxas de crescimento económico, como é o caso das taxas de crescimento demográfico, do índice de Estados falhados, do terrorismo e do tráfico de droga.

A Argélia e Marrocos, de acordo com as previsões do FMI, possivelmente continuarão a ter altas taxas de crescimento mas algumas da mais importantes rotas de tráfico e de terrorismo internacional atravessam as suas fronteiras, o que implica que o seu futuro

éincerto. A Argélia e a Etiópia estão sob o arco de instabilidade do Sahel. Angola e a África do Sul recebem agora menos atenção mediática mas nos últimos anos também sofreram episódios de violência que poderiam ser classificados como ataques terroristas.

O Gana e a Namíbia são provavelmente os dois menos vulneráveis dos nove países MANGANÊS numa avaliação global que inclua o crescimento económico, o crescimento demográfico, o índice de Estados falhados, o terrorismo e o tráfico de droga. Entretanto, a África do Sul e Angola são provavelmente aqueles que irão ganhar mais poder político e regional em África nos anos futuros, se a Nigéria se desintegrar internamente.

Em geral, o crescimento demográfico pode ser a maior ameaça à estabilidade e sustentabilidade das taxas económicas, especialmente quando as políticas de desenvolvimento não se centram no planeamento familiar, na saúde e na educação de modo a melhorar as políticas públicas e diminuir a tensão social. Simultaneamente, o terrorismo e o tráfico de droga são máquinas de fazer dinheiro que seduzem ou intimidam populações famintas e revoltadas que não têm emprego ou esperança no futuro. A agenda criminosa de grupos rebeldes políticos/religiosos/étnicos ameaçam o normal funcionamento do estado de direito, em particular em Estados como a Nigéria, a Argélia, o Egipto e a Etiópia. A corrupção e a violência são variáveis capazes de minar a segurança nestes territórios, ou pelo menos nas suas fronteiras, um ambiente que não atrai investidores estrangeiros e afeta negativamente o normal progresso dos mercados, o que enfraquece governos e populações.

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Assim, um futuro brilhante não é garantia para alguns dos nove países selecionados por Cissé (2013), como é o caso do Egipto, da Etiópia e da Nigéria, essencialmente por motivos geopolíticos. Um país MANGANÊS é provavelmente a África do Sul, mas mesmo este Estado enfrenta desafios socioeconómicos e sociopolíticos que não devem ser vistos com ligeireza. Mas outros países podem ser considerados uma esperança em África e associados ao xadrez deste "mundo ao avesso" apresentado pelo autor, onde as maiores potências mundiais enfrentam restrições sociais e económicas impostas pela crise económica internacional enquanto alguns países africanos crescem e têm boas perspetivas depois de décadas de grande fraqueza. Estes três Estados são Angola, o Gana e a Namíbia. O futuro o dirá.

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