OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN:
Vol. 4, n.º 2 (Novembro
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PAPEL DO FEDERALISMO NA GESTÃO DA
PLURIDADE ÉTNICA EM ESTADOS MULTINACIONAIS
E NA PREVENÇÃO DE CONFLITOS
Daniel Rodrigues
Professor Auxiliar Convidado em Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal) e Investigador Integrado do OBSERVARE da Universidade Autónoma de Lisboa.
Resumo
A existência de vários grupos étnicos, religiosos e/ou linguísticos cujos direitos não são reconhecidos ou são continuamente violados cria situações de tensão cujas consequências são imprevisíveis. Se, nalguns casos, aqueles grupos procuram de forma pacífica um mero reconhecimento das suas particularidades, existem outros em que o recurso à violência tem sido frequente. Conflitos como aqueles que assolaram os Balcãs ocidentais na década de 1990 ou que continuam a devastar regiões como o Cáucaso, a República Democrática do Congo, a Nigéria ou o Myanmar encontram no factor étnico, associado nalguns casos à questão religiosa, uma das suas principais causas.
Se é verdade que foram várias as soluções apresentadas com o objectivo de responder positivamente às tensões inerentes à complexidade étnica de Estados multinacionais, não é menos verdade que a existência desta variedade de modelos
Palavras chave:
Direito das minorias; federalismo; prevenção de conflitos; etnonacionalismo
Como citar este artigo
Rodrigues, Daniel (2013). "Considerações sobre o papel do federalismo na gestão da pluralidade étnica em Estados multinacionais e na prevenção de conflitos". JANUS.NET e- journal of International Relations, Vol. 4, N.º 2, Novembro
Artigo recebido em 23 de Setembro de 2013 e aceite para publicação em 17 de Outubro de 2013
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Considerações sobre o papel do federalismo na gestão da pluralidade étnica em Estados multinacional e na prevenção de conflitos Daniel Rodrigues
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PAPEL DO FEDERALISMO NA GESTÃO DA
PLURIDADE ÉTNICA EM ESTADOS MULTINACIONAIS
E NA PREVENÇÃO DE CONFLITOS
Daniel Rodrigues
Introdução
Este artigo pretende, tal como o título indica, tecer algumas considerações genéricas sobre o papel do federalismo na gestão da pluralidade étnica em Estados multinacionais e, por conseguinte, na prevenção de conflitos cuja justificação resida em parte ou totalmente em questões de etnicidade aliadas ao nacionalismo de um ou mais actores em confronto. A questão é tanto ou mais complexa quantas as implicações que esta tem a vários níveis da organização política e administrativa de um Estado.
Assim, é fundamental ter presente que uma abordagem a esta problemática envolve, não apenas uma apresentação do modelo federal como uma solução viável na prevenção de conflitos de índole etnonacional, mas também um entendimento das dificuldades encontradas por Estados multinacionais na gestão da sua pluralidade étnica. Por conseguinte, o artigo procura numa primeira fase analisar esta questão à luz do direito das minorias e da sua aceitação e aplicação por este tipo de Estados para depois passar à observação do modelo federal, assumindo que o
O artigo não procura definir o conceito de federalismo nem tão pouco tem a intenção de apresentar o modelo federal como o único desfecho possível em contextos de tensão étnica. O seu objectivo passa pela apresentação de elementos que possibilitem avaliar as potencialidades deste modelo, tendo presente as suas vantagens na promoção de uma maior igualdade entre grupos étnicos no seio do mesmo Estado.
Estados multinacionais e o reconhecimento das idiossincrasias ao nível interno
Se a criação de Estados multinacionais obedece às mais diversas razões (históricas, económicas, culturais, religiosas), a sua sobrevivência constitui uma tarefa complexa, independentemente do tipo de estrutura estatal existente
Segundo Jennifer Jackson Preece,
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[a]s minorias não são mais do que etnonações que não conseguiram alcançar o objectivo final do nacionalismo étnico – a independência em relação ao seu próprio
São estas anomalias que vários Estados têm tentado corrigir, na maioria dos casos após o surgimento de movimentos internos reivindicando a pertença a essas “etnonações”, ou “nações sem Estado”. As últimas décadas do século XX viram o desenvolvimento de soluções devolucionárias enquanto respostas estatais a tendências centrífugas internas, nomeadamente no espaço europeu. O Reino Unido, a Espanha, a Itália, a Bélgica e até a França são exemplos de democracias ocidentais que deram um passo nesse sentido ao optarem por uma restruturação política e administrativa com o objectivo claro de pôr um termo às reivindicações de carácter etnonacionalista e etnoregionalista. Semelhantes na sua capacidade de destabilização da harmonia e da unidade do espaço nacional, estas reivindicações são distintas e específicas em termos de percepção. E porque cada Estado tem os seus próprios problemas, a solução encontrada é também ela diferente consoante os casos e as especificidades locais. A profícua bibliografia sobre conflitos étnicos e arranjos institucionais, enquanto reguladores das tensões entre o Estado e os diferentes grupos que o compõem numa base de rejeição da violência, tem apresentado inúmeras soluções visando a prevenção, a gestão e a resolução de conflitos. E se alguns autores se limitam a uma referência genérica das possibilidades existentes, outros não hesitam em apresentar listas intermináveis. De forma sucinta, podemos afirmar que a resolução assim como a prevenção de conflitos étnicos através da elaboração de arranjos institucionais passa pela criação de mecanismos como sejam um
&Wolff, 2010: 87). Aprofundando estas opções, William Safran (1994) apresenta várias políticas estatais que o próprio define como sendo de cariz positivista/pluralista; federalismo segundo critérios étnicos;
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respostas estatais, todas procuram na descentralização territorial (e frequentemente na federalização ou
O direito das minorias como resposta às reivindicações das “etnonações”
Limitando a nossa análise ao contexto europeu, é possível verificar que a protecção das minorias nacionais entrou definitivamente na esfera de intervenção de várias organizações internacionais (por ex.: Conselho da Europa, UE, OSCE, Conselho dos Estados do Mar Báltico, Iniciativa Central Europeia). O papel desempenhado por estas organizações tem sido objecto de estudo por parte de diversos autores que abordam a questão do direito das minorias sob os mais diversos prismas (Pentassuglia, 2004;
A protecção das minorias nacionais não é um fenómeno recente. Esta
De entre as várias convenções europeias que abordam esta questão, a mais conhecida
éa
1A este respeito, ver também Rechel (2009); Packer (2005); Philips (2005); Alcock (2000).
2As outras excepções são Andorra, Mónaco e a Turquia.
3Os países que não ratificaram a
4A “Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias” não foi ratificada pelo Azerbaijão, França, Islândia, Itália, Malta, Moldova, Federação Russa e Macedónia. Para além destes países, há quatorze que
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como a não ratificação da Carta
O
não a assinaram. É o caso dos três países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia), Albânia, Andorra, Bélgica, Bulgária, Geórgia, Grécia, Irlanda, Mónaco, Portugal, São Marino e Turquia.
5De destacar o ECMI, ou European Centre for Minority Issues, sediado na cidade alemã de Flensburg.
6As autoridades russas reagiram com indignação ao resultado do referendo através do ministro dos Negócios Estrangeiros Aleksander Lukashevich. Segundo ele, os direitos dos russófonos estão a ser desrespeitados pelo Estado letão, estando este a desrespeitar as suas obrigações internacionais (http://en.rian.ru/russia/20120219/171400820.html, último acesso a
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enraízadas nem tão pouco à simples inexistência de minorias nacionais no seio de um dado Estado. Para além das convenções internacionais, existem vários acordos bilaterais com o objectivo anunciado de corrigir “erros” históricos. Estes fazem, de certa forma, parte de um processo de reconciliação histórica tanto mais importante quanto resulta frequentemente de negociações internacionais tendo por vista a adesão a instituições ou organismos
O federalismo enquanto instrumento de prevenção de conflitos
Se é verdade que o federalismo não está na origem do direito das minorias, não é menos verdade que o direito das minorias pode dar origem a regimes federais. Nos casos em que tal sucede, o federalismo surge como a solução definitiva, isto é, quando a gestão pacífica das diferenças locais e regionais resultantes da existência de minorias etnonacionais não foi conseguida através de outros mecanismos
Em décadas anteriores, a violência e a dissidência política no País Basco, na Córsega e na Irlanda do Norte, por exemplo, foram consideradas como a evidência do fracasso da integração estatal. Presentemente, um certo reconhecimento nacional e a autonomia
Tendo por base as teorias sobre a origem dos Estados federais, que razões justificam a adopção de um regime federal por oposição à existência de Estados separados ou a secessão de partes de um dado Estado? O que estará na origem de federalismos centrípetos ou centrífugos?
Em primeiro lugar, é possível verificar que, segundo vários autores, as federações (e em especial as federações multinacionais) são entendidas como um instrumento viável na promoção da paz dada o seu recurso enquanto instrumento de prevenção de conflitos. Muitas nascem, portanto, como uma resposta aos receios provocados pela possibilidade de um conflito. Ao formarem uma federação, Estados previamente independentes procuram uma sensação de poder, real ou imaginada ou ainda dependendo da percepção que se tenha ou se queira dar dela, superior àquela que era detida por cada um individualmente. Esta sensação pode ser real ou imaginária (e imaginada) mas tem a capacidade de dissuadir eventuais agressores e/ou evitar conflitos entre os membros da federação, como era o caso da Confederação Iroquesa. Neta C. Crawford argumenta que,
[e]nquanto regime de segurança, a Liga Iroquesa funcionou bem para diminuir a conflitualidade entre os seus membros. Mais tarde, foi também parcialmente bem sucedida ao permitir às nações iroquesas
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Esta ideia está presente na obra de vários pensadores europeus que fizeram a apologia do federalismo aplicado ao Velho Continente. É o caso dos italianos Altiero Spinelli e Ernesto Rossi (1941) no seu famoso Manifesto de Ventotene, publicado em 1941, como resposta à violência provocada pela Segunda Guerra mundial e os regimes autoritários europeus. John Stuart Mill argumenta, contudo, que para que um regime federal (ou confederal) possa
Em segundo lugar, o argumento segundo o qual existe uma maior eficiência económica nas federações aparece com frequência como um dos seus aspectos positivos, sendo aquelas entendidas como sendo mais capazes de promover a sua prosperidade económica. Este é um ponto altamente questionável mas que é detentor de um grande poder de atracção. São avançadas ideias como as da criação de um maior mercado interno livre de barreiras7 ou ainda a transformação das federações em importantes actores globais com a capacidade de influenciar as regras do comércio internacional (o que poderá ser o caso de algumas federações mas em caso algum de todas). A referência à dualidade comércio/prosperidade económica enquanto factores positivos de paz é frequente, sendo possível
Por outro lado, é também necessário perceber porque razão escolher um regime de tipo federal em vez de um Estado unitário. Também neste caso as justificações
7Não é, pois, um acaso que a unificação da Alemanha tenha sido precedida pela eliminação das taxas aduaneiras nos territórios alemães com criação do Zollverein em 1818 e o seu posterior desenvolvimento e alargamento à maioria dos Estados alemães.
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apresentadas são várias e diversas, algumas delas
[o]sistema federativo corta pela raíz a efervescência das massas, a todas as ambições e exaltações da demagogia: é o fim do regime da praça pública, dos triunfos dos tribunos, como da absorção das capitais. […] A federação
O federalismo como complemento ao direito das minorias
Como foi visto antes, uma das críticas feitas aos Estados unitários tem a ver com as suas políticas em relação às minorias existentes no seu território. Sendo eles o resultado de um processo de centralização do poder e de assimilação das periferias,
[o]s sistemas federais decidem pela descentralização territorial quem tem o poder, que soberania. As instituições do federalismo são ideologicamente neutras, e servem para descentralizar um Estado ou proteger identidades étnicas no seu seio. Os marxistas favoreceram governos unitários, aceitando o federalismo como um meio de evitar a dissolução do Estado. […] A secessão é geralmente resistida pela força […]. O federalismo tem um futuro! (1984: 359)
Em terceiro lugar, o modelo federal cria as condições para uma maior participação dos cidadãos nas tomadas de decisão públicas, através da deliberação ou da ocupação de posições nas entidades federadas ou estruturas do Estado federal. Finalmente, os arranjos de tipo federal, e em particular as federações assimétricas, podem abrigar grupos étnicos territorialmente localizados num dado território ao mesmo tempo, não os sujeitando a um regime jurídico uniforme à totalidade do território e, desta forma,
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Não sendo um apanágio de Estados multinacionais, as teorias federalistas encontram nestes um terreno fértil para o desenvolvimento de propostas visando a prevenção de conflitos, a gestão de tensões interétnicas violentas e, em última instância, a manutenção da integridade territorial dos mesmos. De um ponto de vista político, a adopção de medidas federalisantes em contextos de violência (real ou previsível) procura ser uma resposta adequada ao secessionismo territorial, entendido pelas autoridades como a violação de um princípio sagrado: a unidade e indivisibilidade do Estado. Nalguns casos, a manutenção da integridade territorial de dado Estado passa pela necessidade de redefinir as estruturas internas da administração
A referência ao modelo federal como meio efectivo de promoção e defesa das diferenças no seio de um mesmo território não é uma novidade. A sua apologia tem, contudo, sido mais frequente quando as estruturas políticas em vigor não têm dado a resposta adequada a reivindicações que possam colocar em causa a própria existência de um Estado e a sua integridade territorial. A introdução precoce de mecanismos de partilha de poder tem o potencial para evitar que conflitos étnicos ou identitários se transformem em conflitos mortais (Sisk, 1998: 139).
8É bastante usual existirem várias posições e reivindicações no seio de alguns movimentos nacionalistas e/ou autonomistas. Se a independência é com frequência apresentada como a única solução possível e desejável em situações em que existe uma percepção de injustiça política, económica e cultural por parte de um dado grupo étnico; as correntes defendendo a implementação de soluções de cariz federalista existem como alternativa ao independentismo. Os casos da Galiza e da Bretanha são alguns dos exemplos que ilustram esta situação. Ramón Maiz (1984) divide o regionalismo galego de entre 1886 e 1907 em três tendências ideológicas: liberal, católico tradicionalista, e federal. A respeito do nacionalismo / regionalismo galego, veja também Duran (1984). De igual modo, o papel do pensamento federalista na Bretanha não deve ser subestimado devido ao forte papel histórico que desempenhou no seio do movimento nacionalista local (Nicolas, 2001; Barbin, 1937). Curiosamente, o nacionalismo basco também viu emergir uma corrente federalista, a saber através do Mouvement Démocrate Basque, que emergiu em França na década de 1960 (Gurrutxaga, 2005: 78; Izquierdo, 2001:
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o federalismo, em ambas as suas manifestações institucionais e características sociológicas, constitui uma solução promissora na gestão de comunidades políticas coexistentes e na afirmação de identidades colectivas em Estados constituídos por duas ou mais nações (2010: 1).
Àprimeira vista, o modelo federal aparenta ser um instrumento de prevenção e gestão de conflitos quase perfeito. Pelo menos tanto quanto outros mecanismos político- institucionais e estruturais criados ou potencialmente adaptados para o efeito. É contudo utópico acreditar que existe perfeição quando o objecto de análise é a prevenção e gestão de conflitos e, em última instância, o indivíduo. Nem o federalismo tem essa aura de perfeição, nem tão pouco o têm outros mecanismos. Ao observar o papel desempenhado pelo federalismo na Índia e no Paquistão
[a]inda que não promova necessariamente a segurança e a paz étnica, não pode ser acusado de aumentar o conflito, especialmente quando é combinado com mecanismos consociativos (2007: 181).
A capacidade do modelo federal enquanto instrumento de prevenção e gestão de conflitos tem, contudo, granjeado de alguma popularidade, com particular ênfase em contextos multinacionais nos quais a manutenção da unidade do território nacional tem sido ameaçada por reivindicações de carácter autonomista, secessionista ou irredentista. A questão da Transnístria, que continua em aberto desde a implosão da União Soviética e a independência da Moldova, tem sido um desafio para o qual ainda não foi encontrada uma solução. Têm sido elaboradas várias propostas de federalização daquele país com o intuito de pôr termo ao conflito, embora sem qualquer sucesso (VVAA, 2009; Löwenhardt, 2004). Segundo Andrey Safonov,
[p]arece que, no nosso caso específico, a resolução pode ser conseguida apenas através da federalização da antiga República Socialista Soviética da Moldávia com elementos de confederação. A Moldova deve abandonar a sua abordagem unitária e a Transnístria deve desistir das suas pretensões de independência total ao nível de um
Outro exemplo de uma proposta conceptual promovendo o federalismo como meio de gestão de conflitos pode ser encontrada na análise efectuada por Bruno Coppieters sobre o conflito opondo as regiões georgianas da Abcásia e da Ossétia do Sul e as autoridades de Tbilisi. Coppieters propunha transformar a Geórgia numa república federal, na qual aquelas regiões gozariam de uma autonomia local alargada (2003). O conflito que opôs a Geórgia à Federação Russa no verão de 2008 veio destruir qualquer hipótese de redefinição administrativa interna, pelo menos no curto prazo. A proclamação de independência daquelas duas regiões, reconhecida e apoiada política,
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económica e militarmente por Moscovo, veio apenas agravar a situação sem ter resolvido de forma definitiva o conflito opondo Tbilisi às suas regiões.
Contudo, vários exemplos de federações falhadas ou, nas palavras de Emilian Kavalski e Magdalena Zolkos (2008, 163), “federalismos defuntos”, mostraram os limites deste modelo de construção do Estado, pondo igualmente termo à ideia segundo a qual o federalismo seria uma panaceia para contextos como os anteriormente referidos. Significa isto que este modelo político deve ser abandonado ou, pelo menos, ser recusado enquanto uma das soluções mais adequadas para a gestão da diversidade étnica em Estados onde a situação é potencialmente explosiva? Ou quererá isto dizer que é necessário reformular o que se entende por federalismo de acordo com situações específicas e aceitar que este pode
O objectivo da resolução de conflitos é estabelecer um quadro institucional em que os interesses conflituosos das principais diferentes entidades em conflito […] se possam de tal forma acomodar que os incentivos para a cooperação e a continuação não violenta de conflitos de interesses através do compromisso superem quaisquer benefícios que possam ser esperados do confronto violento (Cordell & Wolff, 2010:
Não se pode ver, de forma alguma, no federalismo uma panaceia para todos os males do mundo (Watts, 2003: 17). Todavia, esta é uma solução que não se pode descurar. Segundo Watts,
9Itálico conforme ao original.
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96). O que parece contraditório encontra a sua justificação no princípio da sobreposição. A subordinação das entidades federadas ao poder federal resulta na limitação das suas competências e conduz a conflitos legais entre os dois níveis. Não raras vezes, o Estado federal é acusado de querer assumir um papel que ultrapassa as suas competências, a saber o de Estado central omnipresente. O caso
ébastante revelador desta problemática. Por se encontrar a meio caminho entre o confederalismo e o unitarismo (ou centralismo), o federalismo é alvo das critícas dos defensores de ambos os regimes. O seu estabelecimento e manutenção são o resultado de uma tensão permanente entre partidários de um Estado federal forte e aqueles que advogam o maior grau de autonomia possível para as entidades federadas. Historicamente, foi a necessidade de uma maior integração política e de um poder executivo forte que levou a que vários regimes confederais optassem por uma maior centralização e, por conseguinte, por regimes federais. Voltando ao modelo federal suíço, é fundamental ter presente que este é o resultado de uma evolução com mais de setecentos anos, e que passou por três fases distintas. Quando em 1291, os cantões de Uri, Schwyz e Unterwalden se aliaram através da chamada aliança de Uri, renovada em 1315 pela aliança de Bonden, aquelas comunidades estavam longe de imaginar que esta seria a génese da Confederação helvética. Segundo Andreas Wimmer (2002: 233), o modelo suíço
Todavia, e não obstante a excepção suíça, as políticas de reconhecimento (ou políticas de identidade) são de uma grande importância. Importância essa que deve ser reforçada ao analisar a viabilidade do modelo federal na gestão, prevenção ou resolução de conflitos. Sendo o federalismo uma das escolhas para acomodar grupos nacionais minoritários,
10
11No caso de duas lealdades políticas,
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combater. O reconhecimento e a institucionalização da diferença estariam assim a minar as condições de uma identificação comum.
Conclusão
Não deixa de ser interessante verificar que as federações são muitas vezes entendidas como regimes desviantes. Sendo o modelo de tipo unitário e centralizado
Da mesma forma, se este artigo procurou apresentar as principais vantagens deste modelo, é necessário ter presente que o federalismo não é um remédio infalível, devendo por conseguinte ser visto como uma solução entre muitas outras. O artigo teve como finalidade não um estudo intensivo e extensivo do federalismo, mas a breve apresentação do mesmo enquanto um instrumento viável na gestão da pluralidade étnica em Estados multinacionais assim como na prevenção de conflitos em contextos onde aquela é uma realidade.
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