OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 4, n.º 2 (Novembro 2013-Abril 2014), pp. 39-63

AS VIOLÊNCIAS (CRIMES) GRAVES DE RELEVÂNCIA

PARA A COMUNIDADE INTERNACIONAL

Francisca Saraiva

msaraiva@iscsp.utl.pt Licenciada e mestre em Relações Internacionais e doutorada em Ciências Sociais, na especialidade de Relações Internacionais, com uma tese na área dos Estudos Estratégicos, pelo ISCSP-UTL. É professora auxiliar no ISCSP-UTL (Portugal) trabalhando as áreas da Estratégia, Geoestratégia, Políticas Públicas de Segurança, Resolução de Conflitos e Direitos Humanos. É investigadora no Instituto da Defesa Nacional (Portugal) nas áreas dos Estudos Estratégicos e Estudos Geopolíticos. É também investigadora integrada no CAPP, no Grupo de Sociedade, Comunicação e Cultura.

Resumo

A criação do TPI em 1998 e a entrada em vigor do seu Estatuto, em 2002, permitiu dotar a comunidade internacional de um mecanismo jurídico permanente de dissuasão e repressão de actos de barbárie e crueldade extrema. Contudo, a alteração do ambiente internacional ocorrida após o desmembramento da URSS, caracterizada pelo aumento da violência política

-guerra preventiva/guerra preemptiva – e a afirmação de políticas de excepção, teve um considerável impacto na negociação do Estatuto e mais tarde na definição do crime de agressão, aprovada na Conferência de Kampala. Os grandes poderes estruturaram as suas estratégias negociais em torno da defesa dos seus interesses de longo prazo, que verteram com grande sucesso para os textos aprovados, nomeadamente a possibilidade de uma securitização dos direitos humanos e a preferência por um multilateralismo selectivo que o Estatuto e a declaração de Kampala não conseguiram impedir, levantando sérias interrogações sobre os fundamentos do Tribunal e o seu futuro. O texto defende que esta arrogância não pode ser lida como uma manifestação da vitalidade do poder norte- americano capaz de por em causa a legitimidade do TPI. Esta hostilidade corresponde, na verdade, a uma estratégia de sobrevivência política que visa manter liberdade de acção estratégica, num ambiente estratégico crescentemente dinâmico e exigente.

Palavras chave:

Tribunal Penal Internacional; Direito Internacional; Teoria da Estabilidade Hegemónica; Revolução nos Assuntos Militares

Como citar este artigo

Saraiva, Francisca (2013). "As violências (crimes) graves de relevância para a comunidade internacional". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 4, N.º 2, Novembro 2013-Abril 2014. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol4_n2_art2

Artigo recebido em 27 de Maio de 2013 e aceite para publicação em 12 de Setembro de 2013

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As violências (crimes) graves de relevância para a comunidade internacional

Francisca Saraiva

AS VIOLÊNCIAS (CRIMES) GRAVES DE RELEVÂNCIA

PARA A COMUNIDADE INTERNACIONAL

Francisca Saraiva

Introdução

A vida internacional apresenta fenómenos crescentemente complexos, como é o caso das atrocidades cometidas contra civis inocentes e as violações sistemáticas das leis e costumes da guerra por parte de forças armadas regulares e forças de resistência.

Para muitos, a justiça penal internacional é o principal instrumento no combate à impunidade e iniquidade destes comportamentos, na medida em que nos tribunais se procura ressarcir as vítimas dos actos de violência e outras arbitrariedades através de julgamentos justos e imparciais dos acontecimentos e da dissuasão de futuros ilícitos.

Éesta justiça que a partir da década de 90 do século XX vai construindo um regime complexo com dimensões nacionais, regionais e globais que tem levado à barra dos tribunais internacionais indivíduos que se suspeita terem cometido graves ilícitos contra a sociedade no seu todo e por isso considerados crimes ao abrigo do Direito Internacional.

A entrada em vigor do Estatuto de Roma, em 2002, dotou a comunidade internacional de uma justiça penal permanente com capacidade para prevenir e reprimir a guerra e punir os seus responsáveis. No entanto, as circunstâncias particularmente adversas em que o Estatuto foi negociado (e entrou em vigor) determinaram um reduzido grau de autonomia do Tribunal o que, no entender de muitos, se traduziu numa crescente inadequação dos objectivos do Tribunal e das concepções subjacentes à sua criação.

Em particular, os equilíbrios estabelecidos no texto do Estatuto do Tribunal e na emenda aprovada na Conferência de Kampala não oferecem garantias perante a necessidade de resguardar o Tribunal das políticas intervencionistas das grandes potências. As crescentes evidências empíricas de um aumento no número dos conflitos internos, que se começou a observar em 2005 e que ainda não atingiu o seu ponto de inflexão, por um lado, e a política de envolvimento selectivo nos mecanismos multilaterais que acompanha o envolvimento norte-americano nestes conflitos, por outro, criaram uma turbulência no sistema internacional cujo alcance ainda não é totalmente conhecido.

As respostas práticas que se têm encontrado para as dificuldades apontadas não têm sido respostas satisfatórias, nem parece que o possam vir a ser no curto prazo. Estas soluções, defendidas em primeira linha pelos pequenos poderes, apresentam défices de

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mobilização por incapacidade de atrair as grandes potências e mesmo as médias potências, que procuram organizar-se nas questões relativas ao Tribunal de forma autónoma, em torno da agenda dos like-minded.

Na verdade, a oposição declarada dos Estados Unidos à jurisdição do Tribunal (que já provocou alguns embaraços diplomáticos) indicia, do nosso ponto de vista, que a política seguida é uma opção contraproducente porque põe em perigo os próprios interesses de longo prazo dos Estados Unidos e de outras potências tecnologicamente avançadas. Neste sentido, a análise dos acontecimentos sugere que se trata aqui, sobretudo, de uma estratégia de sobrevivência de Washington perante um sistema internacional em acelerada mutação que este já não controla inteiramente. É certo que muitos outros Estados têm também resistido ao Tribunal Penal Internacional, na maioria dos casos grandes potências, como a China, a Índia, o Paquistão a Indonésia, a Malásia, e a Turquia (que não assinaram; note-se que os três primeiros são potência nucleares) ou a Federação Russa (que assinou mas não ratificou), para apenas nomear os mais óbvios. Tal como é certo que pequenas e médias potências – designadamente, mas não apenas, em África – se lhe têm oposto, com maior ou menor vigor, motivações e resultados: da Líbia à Arábia Saudita, de Cuba a El Salvador, à Mauritânia e ao Sudão1. É, porém, nosso argumento, que os EUA são quem o tem feito de modo mais consequente (dada a escala do poder norte-americano), mais fundamentado (porque mais explicado por autores como Henry Kissinger e virtualmente todos os Secretaries of State for Defense norte-americanos, Democratas como Republicanos) e mais explícito e transparente, no sentido de mais publicitado pelos próprios. Vale a pena, por isso, que nos debrucemos sobre a administração norte-americana com uma boa parcela da nossa atenção, o que aqui fazemos – sem embargo, naturalmente, de uma remissão para explicações futuras mais completas e menos “ad hominem” e reducionistas que podem (e devem) ser levadas a cabo.

1. O contrato social e a violência política

A violência existe desde tempos imemoriais mas foi assumindo novas formas à medida que o homem foi construindo novas sociedades. Neste sentido a violência é uma construção política e social transversal a todas as sociedades organizadas.

Regra geral, os governos tomam para si a responsabilidade de proteger os cidadãos que vivem sob sua jurisdição. O Estado mediador de conflitos é, na verdade, o principal garante da estabilidade social e da paz interna. Em tempo de guerra, o Estado reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física para preservar o espaço político da comunidade e o bem mais essencial, a vida humana, posta em causa por ameaças externas e internas à comunidade2.

Os mecanismos da justiça penal internacional são, no sentido explanado, uma consequência do falhanço do contrato social celebrado entre governantes e governados e uma necessidade de defender os direitos humanos fundamentais face à violência, barbárie e impunidade.

1http://www.iccnow.org/, acedido em 3 de Março de 2013.

2Jean Bodin (1530-1596) contribuiu definitivamente para a conceptualização do Estado como poder soberano, dotado de soberania interna e externa. Mais tarde coube a Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1712-1778) a teorização do contrato social e a sua relação com a soberania, nomeadamente a utilidade do contrato social para a contenção do caos social em comunidades politicamente organizadas.

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Hannah Arendt clarificou como ninguém a relação entre poder e violência, que muitos consideram umbilical. Arendt concluiu de forma inovadora que o exercício do poder político corresponde ao reconhecimento da autoridade do Estado e não à afirmação do poder pela violência. Após anos de estudo, demonstrou que o exercício da autoridade não só não se confunde com a violência como prescinde da violência para se afirmar (Arendt, 1969a). Esta posição contradita claramente a conhecida tese de Carl Schmitt sobre o conflito como elemento constitutivo do poder (de que a guerra é uma manifestação extrema) (Schmitt, 1932) – sem prejuízo de Arendt reconhecer, como Schmitt, que o poder é a essência do governo. Vendo o poder desta forma, a autoridade deve manter a ordem afastando-se o mais possível da violência como estratégia de afirmação de poder.

Isto não quer dizer que o poder não necessite pontualmente da violência, enquanto instrumento de acção política. Mas segundo Arendt, quando o poder é exercido de forma plena a violência deixa de ser necessária. O corolário deste argumento é que, para Arendt, o emprego da violência simboliza, mais do que tudo, a falência do poder e não a essência desse mesmo poder (Arendt, 1969b).

Para um número significativo de governos o carácter essencialmente conflitual da política sobrepõe-se à noção de que o poder se deve converter em autoridade para legitimar a política. Por esta razão os pais fundadores das Nações Unidas entenderam que o mundo necessitava de um novo contrato social, baseado no princípio da ilicitude da violência como mecanismo de resolução de conflitos, excepto em legítima defesa ou ao abrigo do mecanismo de segurança colectiva global. Neste sentido, o dispositivo normativo da Carta das Nações Unidas dissocia intencionalmente o conceito de poder da noção de violência reiterando o entendimento da violência como instrumento que embora esteja à disposição do poder não é o cerne do poder.

Em tese, a institucionalização da segurança colectiva realiza o sonho cosmopolita de substituir as alianças e os equilíbrios de poder por uma paz indivisível conseguida através da submissão do interesse nacional ao interesse colectivo.

A segurança colectiva funciona sobretudo como um instrumento de redução dos abusos do poder e de prevenção de ocorrências futuras de violência internacional organizada ao serviço de um objectivo permanente, garantir a estabilidade e a previsibilidade do sistema internacional (Saraiva, 2001).

Por isso, o mandato alargado da Carta da Nações Unidas - consubstanciado no tríptico segurança/direitos humanos/desenvolvimento - é na verdade uma fórmula que enfatiza a vertente da segurança, que surge no texto fundador em grande destaque, praticamente divorciada das outras componentes.

Os sujeitos do Direito Internacional por excelência foram sempre os Estados. Mas aos poucos e poucos, foi emergindo a noção de que os governantes que planeiam e comandam actos bárbaros e atrozes que ferem o bem comum da humanidade têm o dever de responder perante a comunidade internacional no seu conjunto.

A tese da inimputabilidade dos governantes começou a modificar-se depois da I Guerra Mundial, perante as indizíveis atrocidades cometidas pelos exércitos durante o conflito. Esta nova fase do Direito Penal consagra, para além dos crimes comuns, os crimes mais atrozes e hediondos, caracterizados pela violência, crueldade e barbaridade. Assim, a noção de crime internacional, caracterizado como

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Um acto universalmente reconhecido como criminoso, sendo um assunto grave que gera preocupação internacional e que por alguma razão não pode ser considerado de jurisdição exclusiva do Estado que teria, em condições normais, controlo sobre ele” (Military Tribunal V 1947-1948, caso Hostage).

Passa a estar no centro da governança internacional como uma tipologia de crimes contra a ordem internacional cometidos por indivíduos concretos, podendo-se assacar a estes indivíduos responsabilidade penal individual pelos seus actos.

Do ponto de vista da segurança internacional, é indiscutível o contributo decisivo do Tribunal Militar Internacional de Nuremberga e do Tribunal Militar Internacional de Tóquio para a limitação da liberdade dos governantes. Estes julgamentos são um primeiro esboço de uma justiça cosmopolita que reprime os mais graves crimes de carácter internacional de responsabilidade penal individual de líderes políticos e militares, no caso alemães e japoneses. Tratou-se, no entanto, de tribunais ad hoc, que por isso desapareceram mal resolvidos os casos concretos para que tinham sido criados.

Mas no pós II Guerra Mundial e durante as décadas seguintes da Guerra Fria o expressivo aumento de crimes internacionais fez com que a comunidade internacional estabelecesse como meta a criação de um tribunal internacional permanente dotado de poder suficiente para aplicar o Direito Internacional aos indivíduos acusados de cometer graves violações do Direito Internacional Humanitário.

O final do século XX viria a criar condições propícias à concretização do projecto.

Os anos 90 começaram com a desagregação da antiga União Soviética e a aceleração da globalização, que gerou novas formas de violência e terror e a “civilinização” dos conflitos. A característica essencial dos conflitos armados no final do século XX é o esbatimento da distinção entre combatentes e não combatentes. O resultado é um aumento da pressão sobre aqueles que não têm vínculo ao conflito, os civis – vítimas directas das hostilidades ou dizimados pela fome ou doença na sequência dos conflitos armados3. Verifica-se também um profundo impacto das tecnologias na (nova) morfologia dos conflitos e nos efeitos globais que estes provocam no sistema internacional. Finalmente, um terceiro elemento, o discurso sobre a insegurança do sistema internacional - a “guerra ao terrorismo”, apresentada como uma resposta à nova ameaça do terrorismo, é talvez a mais significativa construção narrativa da política externa norte-americana na fase pós bipolar – impregnou de tal modo o debate político que acabou por ter uma influência considerável na criação de um tribunal penal internacional permanente com capacidade de repressão efetiva de pessoas responsáveis pelos crimes internacionais mais graves.

Estes sinais de mudança no sistema internacional, que se integram numa tendência de longo prazo, sugerem o esgotamento do paradigma soberanista e a progressiva

3Sobre a evolução deste problema ver (2009) Human Security Report 2009/2010. Oxford: Oxford University Press.

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afirmação de uma soberania limitada por uma cultura de responsabilidade em situações de violação dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Uma das conquistas do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI), concluído em 1998, foi justamente a inclusão na sua jurisdição do crime de agressão (jus ad bellum), ausente dos Estatutos do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia e do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda, a par do crime de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra (jus in bello). Neste sentido, o Tribunal é uma instituição internacional que tem por missão dissuadir e reprimir a barbárie e crueldade extremas desincentivando tanto quanto possível o recurso à guerra como mecanismo de transformação social e de controlo político sobre as populações e recursos.

A verdade é que o novo Tribunal tem mandato para prevenir e reprimir a guerra e punir os seus responsáveis mas não pode ignorar que há outras instituições com capacidade de limitar a soberania externa dos Estados. Não se está, portanto, perante uma instituição que age sozinha. Está-se perante uma necessidade prática de articulação do TPI com o CSNU, na medida em que este tem a responsabilidade de zelar pelo cumprimento da norma geral que impede o emprego estratégico da coacção armada fora do (restritivo) quadro da legítima defesa.

2.Segurança colectiva e responsabilidade penal individual por crimes internacionais

Nesta secção pretende-se analisar a decisão tomada pelas grandes potências no final da II Guerra Mundial de dotar o sistema internacional de um mecanismo de segurança colectiva.

Como se disse, o desenvolvimento de um modelo de segurança colectiva global adoptado pelas Nações Unidas em 1945 procura garantir a ordem, estabilidade e continuidade no mundo do pós guerra. O modelo que foi institucionalizado está fortemente alavancado nos poderes conferidos aos membros permanentes do CSNU, com capacidade material e vontade política para manter um sistema global capaz de funcionar a favor de todos os Estados do sistema internacional.

Em teoria,

“a condição sine qua non da segurança colectiva é a auto-regulação colectiva: um grupo de Estados tenta reduzir as ameaças à segurança acordando punir colectivamente qualquer Estado que viole as normas do sistema” (Downs e Iida, 1994).

Nesse sentido, distingue-se da defesa colectiva por três ordens de razões.

Em primeiro lugar, os problemas relacionados com a segurança interna do espaço político são mais importantes que os desafios externos a este grupo de países. Segundo, a coligação de Estados que compõem o espaço dispõem, no seu conjunto, de um poder agregado preponderante em relação aos eventuais opositores. Finalmente, os participantes do sistema estão unidos em torno de um desígnio comum: reagir contra

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qualquer emprego da força armada considerada ilegal à luz do Direito Internacional (Downs e Iida, idem).

O mecanismo que foi institucionalizado é, na origem, essencialmente reactivo apostando numa vigilância dos Estados não membros do CSNU apenas e quando estes perturbam o sistema e ferem os interesses colectivos mais fundamentais, nomeadamente a salvaguarda do status quo internacional.

No entanto o princípio, outrora basilar, de não intervenção nos assuntos internos dos Estados incorpora hoje novos parâmetros de análise a que o CSNU deve necessariamente atender.

Não pertence aos objectivos deste texto a previsão do sentido que virão a tomar as novas tendências no CSNU, nem tão pouco seria avisado fazê-lo, sendo suficiente realçar que estes parâmetros têm implicações decisivas para o futuro deste órgão.

Um dos aspectos mais importantes da discussão sobre os limites do emprego da força armada é a hipótese de intervenção humanitária armada em caso de catástrofe humanitária (ao abrigo da doutrina da responsabilidade de proteger, ou R2P). Outras possibilidades avançadas são de legalidade duvidosa, como o (r)estabelecimento de regimes democráticos pela força ou o uso preventivo da força no caso de suspeita de posse ou desenvolvimento de armas de destruição massiva (Saraiva, 2009: 97).

Em 1945 parecia viável construir um sistema de segurança colectiva global que assentasse na convergência normativa e na expansão de consensos ao nível internacional. Isto era possível porque existia uma coligação de Estados suficientemente fortes para impor a sua vontade aos outros membros do sistema. No período da Guerra Fria a correlação de forças Estados Unidos/URSS inviabilizou qualquer entendimento mútuo que permitisse ao CSNU agir contra Estados prevaricadores. Mas neste caso, como se sabe, havia pouco interesse em agir e não falta de capacidade para actuar.

A questão crucial da geopolítica pós-bipolar é inteiramente diferente: a histórica tensão entre direito e poder acentuou-se após o colapso da URSS em virtude dos Estados Unidos, país que mantém a ordem no sistema internacional desde que ganhou a II Guerra, pretender manter a sua posição dominante recorrendo ao poder militar para continuar a ditar as regras do jogo e eventualmente contrariar a ascensão de uma nova potência hegemónica.

Um dos principais garantes desta estratégia é a enorme capacidade militar e tecnológica dos Estados Unidos que resulta da "revolução nos assuntos militares", processo ligado às novas tecnologias referentes à precisão dos tiros de longo alcance e

àinformação permanente sobre as forças presentes e alvos eventuais. A “guerra limpa” permite uma estratégia de prevenção de ameaças potenciais ancorada na percepção de que a hegemonia (americana ou qualquer outra) é uma condição passageira no sistema internacional. Donde, não se trata apenas de enfrentar os que desafiam o poder norte- americano mas de uma necessidade de protelar no tempo a perda do estatuto hegemónico, que se sabe ser inevitável (Saraiva, 2009: 113).

Com efeito, o fim da Guerra Fria teve um papel importante na mudança da agenda internacional. A mudança ocorreu a dois níveis: em relação aos temas que integram a agenda e sobretudo na importância atribuída às questões internacionais.

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Desde logo, a dinâmica desencadeada pela implosão da URSS teve tradução na ocorrência dos conflitos armados não internacionais, que começou a baixar de forma sustentada a partir de 1989. Os conflitos entre Estados não foram afectados, mantendo-se quase sem expressão estatística, como se pode observar no gráfico que a seguir se reproduz e que representa a conflitualidade armada registada no período 1946-2011.

Gráfico 1 – Conflitos Armados por Tipo (1946-2011)

Fonte: Uppsala Data Program

http://www.pcr.uu.se/digitalAssets/122/122554_conflict_type_2011jpg.jpg

Em relação à importância dada aos problemas na década que se seguiu à fragmentação da URSS e que coincidiu com a negociação do Estatuto de Roma, ocorreu uma alteração profunda da percepção internacional dos assassinatos, genocídios, pilhagens e crimes de guerra ocorridos na ex-Jugoslávia, Ruanda, República Democrática do Congo e em tantos outros lugares esquecidos do mundo.

Mas nem por isso se pode dizer que os actuais equilíbrios estratégicos são o resultado do novo discurso sobre a importância dos direitos humanos. O que a realidade estratégica tem mostrado é uma complexificação da agenda internacional que decorre de uma importante revalorização estratégica da violência política e uma maior fluidez das regras que proíbem o emprego da força armada. Como atrás de insinuou e se pode observar no gráfico, a partir do ano de 2005 é observável um incremento da conflitualidade armada que como tendência global ainda não deu verdadeiramente sinais de abrandamento.

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Paralelamente, é notória a tendência para uma violação mais sistemática das leis e costumes da guerra – tanto no caso dos poderes instituídos como em relação aos actores não estaduais – acompanhando a flexibilizaçao das regras do jus ad bellum.

No que diz respeito à superpotência sobrante, a omnipresença dos Estados Unidos nos principais palcos dos conflitos armados é uma crescente evidência que deve ser tomada em devida conta pois, como já deixámos dito, o relaxamento das normas contra a guerra e do jus in bello (em termos de armas e estratégias de guerra) é, em grande parte, o resultado de uma opção política deliberada das potências militares mais avançadas que beneficiam de uma panóplia de armamentos e equipamentos militares inovadores produzidos pelo complexo militar-industrial das potências ocidentais. É-o em grande parte, insistimos, embora possa (e deva) ser encarada num quadro maior; este artigo toma como ponto focal o caso dos EUA, mas, por conseguinte, uma explicação mais exaustiva e completa só pode ser encontrada por via de uma série de análises complementares de outras grandes potências, bem como de agrupamentos de pequenas e médias potências, como as africanas, e das suas formas alternativas de “resistência”. Esperamos, assim dar aqui um passo (mas apenas um passo) nessa direcção.

Outro aspecto importante do novo ambiente estratégico, nem sempre notado, é o acesso às novas tecnologias por alguns grupos armados de oposição, o que os transformou em movimentos globais e informacionais com comportamentos similares aos Estados tecnologicamente avançados. O assunto é da maior importância, pois o que aqui está em causa é uma verdadeira simetria estratégica no relacionamento dos grupos de oposição com os poderes instituídos, embora no quadro de uma forte dissimetria de capacidades (Saraiva, 2009: 156).

Todas estas alterações no ambiente estratégico tiveram reflexos na negociação do Estatuto do TPI. As diferenças de opinião entre grandes e pequenas potências sobre estes e outros temas exigiram longos debates e negociações que culminaram quase sempre em concessões políticas aos interesses dos grandes poderes.

Apenas num caso houve interesse comum em flexibilizar a jurisdição do TPI. Em matéria de crimes de guerra. As potências militares queriam preservar os avanços tecnológicos da guerra centrada em rede (Network Centric Warfare), assente no domínio da informação, na superioridade aéreo-espacial, utilização de veículos aéreos não tripulados (UAVs) e operações no ciberespaço, mas tinham consciência de que o novo paradigma do conflito alterava por completo os conceitos tradicionais de guerra e combate. Já os regimes não democráticos, naturalmente preocupados com a necessidade de neutralizar os movimentos internos de oposição armada, também só viam vantagens em apoiar a consagração de um período transitório para os crimes de guerra (Escarameia, 2003: 18).

A discussão da jurisdição do Tribunal em relação ao crime de genocídio e crimes contra a humanidade foi mais acalorada mas as divisões políticas, embora se possam considerar importantes, não atingiram um patamar crítico. O crime de agressão foi, pelo contrário, unanimemente considerado como a questão política mais controversa. De tal modo que em Roma esteve a um passo de ser afastado da competência material do Tribunal.

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3. Violência, crueldade e poder

A violência e a crueldade têm uma dimensão universal e intemporal constituindo o cerne dos desafios que o espaço político enfrenta na actualidade.

Os crimes internacionais e sua tipificação correspondem a violações sistemáticas dos direitos humanos em conflitos armados e a práticas de regimes arbitrários, que se consubstanciam em atrocidades e actos de violência e crueldade sobre as vítimas. Esta banalização da violência está frequentemente associada a uma necessidade de afirmação dos perpetradores no quadro de projectos de poder mais ou menos difusos, de natureza política ou económica.

Não existe uma definição precisa de atrocidade. O mesmo acontece em relação às noções de crueldade, violência e poder, embora tenham sido avançadas algumas propostas de clarificação das suas diferenças.

No que reporta à noção de crueldade, vários autores colocam a hipótese da crueldade se situar num patamar diferente das noções de violência e poder, por aquela envolver a completa negação da existência do outro (Rundell, 2012).

No entender de Rundell, a violência, aqui entendida num sentido essencialmente físico, é um instrumento do poder. Mais precisamente corresponde a uma relação que é estabelecida entre sujeitos, numa perspectiva em que o poder reconhece a existência do outro, embora a crueldade seja muitas vezes o traço dominante destes antagonismos, que se estabelecem entre coactor e coagido dentro e fora do campo de batalha.

Pode assim concluir-se que a tortura, a violação, o aniquilamento do outro a quem negamos existência é mais difícil quando existe uma relação de poder, que acaba por limitar a crueldade inútil, embora a relação continue dominada por uma lógica de soma nula (Rundell, idem).

Os crimes mais graves de importância para a sociedade como um todo são uma tentativa de limitar as manifestações de crueldade e de violência nas sociedades politicamente organizadas onde o direito e o poder são basicamente realidades antitéticas.

Os crimes contra a população civil, genocídio e crimes contra a humanidade, são a face visível de um Estado bárbaro e cruel que persegue e mata cidadãos comuns como estratégia política para manter o poder, no contexto de conflitos amados ou simplesmente no quadro de políticas de repressão. São igualmente formas de violência praticadas por grupos armados irregulares sobre populações indefesas. O espaço da violência generalizada contra civis está instalado no quotidiano de muitos povos, o que facilita uma articulação perversa destas violências com dinâmicas da conflitualidade externa e transnacional, produzindo assim uma complexa mistura de tensões conflituais que destroem as sociedades.

Os crimes de guerra constituem outra faceta da violência e crueldade. Sendo violações das leis e dos costumes de guerra incluem actos cometidos durante os conflitos militares que são condenados e proibidos tanto pelo costume internacional como pelo direito de Haia, direito de Genebra e mais recentemente pelo direito de Nova Iorque. Estes crimes estão balizados por normas que regulam o modo de emprego da força

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armada, em termos de armas e métodos de combate permitidos, uma vez tomada a decisão de recorrer à violência armada por parte de Estados ou grupos de resistência.

Finalmente há a assinalar importantes progressos na institucionalização do crime de agressão, que reporta à responsabilidade de indivíduos envolvidos na decisão de recorrer ao uso da força para concretizar objectivos políticos no exterior.

O acordo alcançado em Nuremberga a propósito deste crime, então designado “crime contra a paz”, tornou bastante clara a profunda interdependência entre paz, segurança e justiça mas também as consideráveis discordâncias quanto à sua tipificação. Volvido meio século, verificamos que as tensões político-estratégicas associadas ao crime não foram totalmente ultrapassadas, apesar dos esforços das delegações presentes em Roma e Campala, como adiante se verá em maior detalhe.

O crime de genocídio

É um crime sem nome e um crime internacional ao abrigo do costume internacional.

De todos os crimes elencados no Estatuto do TPI, é dos crimes com maior densificação política, a par do crime de agressão.

O genocídio ocorreu em todos os períodos da história e está intimamente ligado à intolerância perante a diversidade humana (Nersessian, 2007: 243). O genocídio manifesta-se através de um plano premeditado destinado a destruir ou debilitar (destruir no todo ou na parte) grupos de carácter nacional, religioso, racial ou étnico. O plano tem por finalidade acabar com as instituições políticas e sociais, com a cultura, língua, sentimentos de nacionalidade, religião e a própria existência econômica dos grupos nacionais.

Deste modo,

“O genocídio é um estado de criminalidade sistemático e realiza-se em duas fases: a primeira consiste na destruição do modelo nacional do grupo oprimido e a segunda na imposição do modelo nacional do opressor sobre a população oprimida que ficou no território.” (Nersessian, idem: 246)

O termo tem origem num tratado de 1944 sobre o nacional-socialismo e a sua política de ocupação escrito por um judeu, Raphael Lemkin, polaco e professor de direito. Nos julgamentos de Nuremberga nenhum acusado foi condenado pelo crime de genocídio per se porque nessa altura o genocídio integrava a categoria dos crimes contra a humanidade (Nersessian, idem: 243).

Com efeito, no final da II Guerra, o léxico jurídico existente não dispunha de uma categoria que exprimisse o acto inominável de exterminação massiva do povo judeu. Alguns anos mais tarde, uma convenção de 19484 autonomizava e positivava uma nova

4Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Assembleia-Geral das Nações Unidas, 10 de Dezembro de 1984.

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Vol. 4, n.º 2 (Novembro 2013-Abril 2014), pp. 39-63

As violências (crimes) graves de relevância para a comunidade internacional

Francisca Saraiva

categoria de crime internacional, o “genocídio”, que designa crimes contra o género humano, contra a dignidade da raça humana no seu todo.

O seu carácter particularmente bárbaro e cruel fere de tal modo o princípio de humanidade que para os governos democráticos ocidentais é politicamente insustentável ignorá-lo, não havendo qualquer possibilidade de recuar perante as opiniões públicas depois de se ter admitido que o crime aconteceu.

Neste sentido, a tipificação do crime no Estatuto do TPI, que se limita a reproduzir a definição do crime de genocídio adoptada na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (supracitada) tranquilizou a generalidade dos Estados envolvidos na criação do TPI, pelo facto do crime continuar limitado à destruição (física e biológica) intencional de um grupo nacional, religioso, racial ou étnico (Cardoso, 2012: 48). A concepção adoptada exclui, por exemplo, fenómenos de perseguição e destruição intencional de grupos políticos, permitindo aos governos eximir-se de maiores responsabilidades perante estes crimes que embora se considerem graves não parecem ferir tão profundamente o bem geral.

Com estas observações pretendemos sublinhar um ponto importante, que os conceitos jurídicos ganham muitas vezes no discurso político um estatuto meramente instrumental de manipulação da realidade. Esta referência serve portanto para lembrar que a realidade é interpretada em função dos interesses da política, entendida como capacidade de optar em cada momento por um determinado curso de acção em nome do bem comum.

No caso do crime de genocídio a sua negação denota, quase sempre, um desinteresse político em punir este tipo de crime. Já a opção contrária, a denúncia internacional de actividades genocidas, não significa forçosamente uma vontade política de reprimir e punir tais actos.

Um só exemplo, dos vários possíveis: veja-se a convicção com que os Estados Unidos se apressaram a condenar os acontecimentos no Darfur como actos genocidas, numa altura em que o Relatório da Comissão Internacional de Inquérito sobre a Situação no Darfur-Sudãoi5, criada por vontade do CSNU e presidida por Antonio Cassese, não conseguira obter provas contundentes da intenção de destruir grupos no todo ou na parte, concluindo que não existia uma política genocida no Darfur mas actos militares para eliminar acções rebeldes vindas de um grupo político (Hamilton, 2011). Com os meios ao seu alcance, teria sido muito fácil aos Estados Unidos apoiar a recomendação da Comissão, que ia no sentido do CSNU referir o caso ao TPI permitindo desta forma o julgamento dos responsáveis pelas atrocidades perpetradas no Darfur. Em vez de apoiar esta proposta, os Estados Unidos sugeriram a criação de um tribunal híbrido africano.

A crise do Darfur evidencia a existência de uma dualidade moralista no pensamento político norte-americano (como, noutros casos, de intervenções semelhantes de grandes potências), ao mesmo tempo particular e universal, e que esta dualidade cria dificuldades políticas no momento em que é preciso tomar decisões.

No início de Setembro de 2004, na sequência da investigação promovida pelo governo americano aos crimes cometidos no Darfur, o secretário de Estado Colin Powell

5International Commission for Inquiry on Darfur, Report of the International Commission of Inquiry on Darfur to the United Nations Secretary-General, UN Doc, S/2005/60, Jan, 25, 2005.

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descreveu os crimes ocorridos no Darfur como genocídio e o presidente George W. Bush usou o termo num discurso nas Nações Unidas algumas semanas depois (Hamilton, 2011). Na crise do Darfur, a política externa norte-americana quebrou a tradição de manter o silêncio sobre este tipo de atrocidades. Porém a referência explícita ao processo de desumanização em curso no Sudão não desencadeou uma acção decisiva face à gravidade dos acontecimentos.

Deste modo, a prática discursiva dos Estados Unidos não confirma a assumpção de responsabilidades deste país na repressão internacional do crime de genocídio. Bem pelo contrário. A resolução do CSNU que denunciou a situação ao TPI só foi aprovada porque se sabia que uma maioria de 9 países (do grupo dos like-minded) votaria favoravelmente o texto, colocando os Estados Unidos numa posição ingrata: somente o veto americano permitiria chumbar a resolução.

A administração norte-americana preferiu abster-se e viabilizar a resolução 1593 que denunciou o caso ao TPI (Mackeod, 2010). Esta decisão, que parecia sinalizar um compromisso com a justiça penal internacional, não amarra verdadeiramente o país ao regime de protecção internacional dos direitos humanos porque a administração exigiu contrapartidas pela viabilização da resolução, nomeadamente imunidade de jurisdição perante o TPI dos cidadãos americanos envolvidos em operações militares naquela região.

Já que envolve os Estados Unidos, uma grande potência com um discurso muito sui generis, este episódio que aqui tomámos como exemplo põe a nu um discurso contraditório e ambivalente que procura conciliar o discurso identitário da promoção dos direitos humanos, focado no princípio da centralidade da dignidade da pessoa, e a reafirmação do estatuto de nação excepcional, que neste sentido muito particular isenta o país do cumprimento das regras prescritas pelo regime internacional de protecção dos direitos humanos.

Conclui-se, neste caso, que do ponto de vista da grande estratégia dos Estados Unidos os instrumentos de justiça internacional têm forte ligação a uma estratégia nacional de promoção de regime democráticos, no quadro de uma agenda securitária mais ampla e integrada que inclui, entre outros aspectos, a definição de esferas de influência, a manutenção do estatuto de hegemonia e preocupações com a segurança energética do país. Tudo indica que intervenções de outras grandes potências sigam um padrão similar de duplicidade.

Os crimes contra a humanidade

Desde o final da II Guerra que assistimos à violência patrocinada pelos governos.

Os governos que matam intencionalmente civis socorrem-se de políticas letais como genocídios e politicídios.

Como acabou de se ver, o genocídio compreende a uma política de assassinatos organizada em que as vítimas são escolhidas em função da sua pertença a um grupo particular.

Já os politicídios seguem um padrão diferente, em que as vítimas são definidas primordialmente em termos da sua posição hierárquica ou oposição política ao regime e grupo dominante. Politicamente, este conceito reflete a necessidade de reunir numa

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mesma categoria um conjunto de práticas dos regimes autoritários a que não corresponde uma categoria autónoma no Direito Penal Internacional (Krain, 2005: 364).

Nos dois crimes, há uma intenção da parte do agressor em destruir o grupo alvo, no todo ou na parte (Krain, idem). Donde, o que verdadeiramente separa os dois crimes não é a intenção mas os grupos alvo.

O assassinato em massa é tipicamente um crime de Estados mas também se aplica a perpetradores não estaduais, no pressuposto de que estes controlam a região onde o massacre acontece e operam como se fossem o próprio Estado, exercendo funções de autoridade na região (Krain, idem).

Para o Direito Penal Internacional a perseguição de grupos políticos é um crime contra a humanidade, no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque6, no quadro de conflitos armados ou fora deles.

Mas, como recorda Cassese, continua a não existir acordo sobre as práticas a incluir neste tipo de crimes. O Tribunal de Nuremberga foi confrontado com esta dificuldade e decidiu considerar nesta categoria os “actos desumanos” cometidos pelos alemães. Apesar das divergências sobre o alcance do conceito, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, o Tribunal Penal Internacional para o Ruanda e o TPI concordaram genericamente com esta conceptualização que define o crime em função da desumanidade dos actos em causa.

Na opinião de Cassese, trata-se de um conjunto de ofensas odiosas que constituem um ataque sério à dignidade humana ou uma grave humilhação ou degradação da dignidade (Mackeod, 2010: 283). O Estatuto do TPI considera neste grupo os crimes de violência sexual e o crime de apartheid, por exemplo.

A inclusão e caracterização dos crimes de violência sexual no Estatuto do TPI foi uma das mais significativas vitórias da diplomacia portuguesa e em particular do empenho de Paula Escarameia7, que muito contribuiu para o aprofundamento e ampliação destas temáticas durante as negociações do Estatuto e dos Elementos dos Crimes.

O impacto dos crimes de violência sexual nos conflitos armados não tem parado de crescer. Forças de segurança dos governos, forças militares, empresas militares ao serviço de governos ocidentais e grupos armados na oposição, todos recorrem à guerra psicológica com a intenção de humilhar o inimigo e destruir a sua moral e a da população, como ficou amplamente provado no Afeganistão e Iraque (Zawati, 2007). Isto porque as ofensas sexuais têm sempre resultados devastadores nas comunidades e os responsáveis por estes actos esperam que o estigma social impeça as vítimas de falar publicamente reduzindo-se drasticamente a possibilidade dos seus autores serem punidos.

A violência sexual praticada de modo sistemático é, portanto, uma forma de enfraquecer a sociedade civil, já que as suas consequências vão muito para além de cada um dos indivíduos envolvidos.

6Estatuto do TPI, artigo 7.º.

7Enquanto Conselheira Jurídica da Missão de Portugal junto das Nações Unidas.

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A violência sexual tem atingido homens, mulheres e crianças. A violação de homens em tempo de guerra é essencialmente uma manifestação de poder e de agressão e não uma satisfação dos desejos sexuais dos perpetradores. O vencedor faz questão de violar estes homens como forma de garantir que não poderão voltar a combater ou a comandar. Homens submetidos a esses abusos são especialmente marginalizados.

Nas sociedades contemporâneas, o contrato social não se tem mostrado capaz de contrariar esta e outras violências contra civis. As respostas práticas que se têm encontrado para esta dificuldade não têm obtido resultados muito satisfatórios.

Uma das soluções mais discutidas é o emprego da força armada num cenário extremo de emergência humanitária em que por acção humana a integridade física e a sobrevivência da população civil se encontram em risco. Todavia a consagração de um modelo mais flexível de soberania não parece ser, pelo menos por agora, viável devido ao facto de boa parte da comunidade internacional se opor a esta evolução.

Confirma-se, assim, a necessidade de encontrar outras soluções. Mas, como se viu, as dificuldades técnico-jurídicas e reservas políticas quanto à tipificação de alguns comportamentos como crimes contra a humanidade tornam mais difícil concretizar uma justiça penal internacional assente unicamente numa instituição de jurisdição universal permanente. É, pois, evidente, que é preciso pensar melhor a inter-relação entre o domínio do Direito e da política internacional.

Os crimes contra a humanidade tratam da criminalização das atrocidades humanas que colocam em perigo a segurança das comunidades atingidas por tais indignidades e ultrajes. Deste modo, a responsabilidade internacional não se esgota na capacidade de julgar estes crimes, é de facto na arena política que a defesa da dignidade humana encontra a sua última fronteira.

Os crimes de guerra

Os crimes de guerra foram definidos pelo Estatuto do TPI tendo como base as violações graves do Direito Internacional Humanitário contidas no Direito de Haia e nas Convenções de Genebra e seus Protocolos adicionais de 1977.

Os elementos dos crimes de guerra são dois: que os crimes sejam cometidos dentro de um contexto de conflito armado e que o crime tenha relação com esse conflito. O que diferencia os crimes de guerra dos crimes contra a humanidade é a necessidade de existência de um conflito armado, internacional ou não internacional8.

Apesar da primazia que o TPI concede ao Estado-nação, permitindo-lhe julgar os seus cidadãos em caso de violações graves dos direitos humanos e evitando que esses casos possam chegar ao TPI (princípio da complementaridade) foi a França, um país ocidental, que exigiu (e conseguiu já em Roma, no artigo 124.º do Estatuto) que um Estado que se tornou parte do Estatuto possa diferir, por um período de 7 anos após a entrada em vigor do mesmo, a aceitação da jurisdição do Tribunal em relação a estes crimes, sempre que praticados por seus nacionais ou no seu território (Escarameia, 2003: 18).

8Estatuto do TPI, artigos 7.º e 8.º.

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Actualmente a França já não se encontra abrangida pelo período transitório mas a verdade é que esta cláusula pode ser usada por outros Estados partes do Tribunal que foi concebido para actuar num contexto territorial o mais amplo possível e com uma jurisdição que deveria ser geral e uniforme.

Por outro lado, a dinâmica desencadeada pela França foi aproveitada pelos Estados Unidos que tratou de por em marcha uma política, com várias frentes, destinada a proteger as suas forças militares estacionadas no exterior, em missões de paz ou intervenções armadas mais musculadas (Escarameia, idem).

Todos estes desenvolvimentos indiciam uma securitização dos direitos humanos e uma crescente disponibilidade dos grandes poderes para executar intervenções humanitárias como justificação para as suas acções militares unilaterais.

Voltemos, então, ao exemplo escolhido, o norte-americano. É esta lógica que justifica que os EUA tivessem procurado limitar a jurisdição do TPI aos crimes que ocorressem no território de um Estado parte “e” fossem cometidos por um nacional de um Estado parte. O que aconteceu foi que os delegados chegaram a um consenso radicalmente diferente, convictos que o “ou” disjuntivo (Lindberg, 2010: 17) fortaleceria a ideia do indivíduo como foco normativo do Direito Internacional e o paradigma cosmopolita de uma justiça ao serviço da unidade da comunidade humana.

Perante esta conquista da ordem pública internacional os Estados Unidos redobraram esforços para encontrar alternativas ao Estatuto pois em tese os militares americanos envolvidos em operações de paz ou noutras missões militares no exterior podem vir a estar sujeitos à jurisdição do TPI se cometerem crimes no território de Estados partes e estes não quiserem ou não puderam julgá-los9.

A defesa da soberania não é incompatível com vínculos internacionais firmados pelos próprios Estados, numa clara extensão do contrato social, mas já poderá ser posta em causa quando um cidadão de um Estado que não é Estado parte do Estatuto é entregue ao TPI para ser julgado. Cientes deste facto, os Estados Unidos têm contornado a jurisdição do Tribunal por várias vias.

No CSNU, Washington tem-se empenhado em garantir imunidade de jurisdição aos militares a cumprir missões de paz no exterior, apesar da generalidade dos países considerar estas cláusulas contrárias à letra e ao espírito do Estatuto de Roma. As tensões atingiram um nível crítico quando os Estados Unidos comunicaram que pretendiam renovar as garantias de imunidade de todas as suas forças que faziam parte das missões das NU ou missões autorizadas pelas NU, como a coligação de forças presente no Iraque após 30 de Julho de 2004 (Birdsall, 2010: 460, Johansen, 2006: 308-310).

O Conselho reagiu mal à proposta da Casa Branca porque se tratava de forçar, uma vez mais, a aprovação de um estatuto de excepção para os militares americanos num momento particularmente delicado em que se discutia a legalidade da intervenção no Iraque. Nessa altura, só os russos, angolanos e filipinos apoiaram a pretensão dos Estados Unidos, o que os deixou isolados e obrigou à retirada da resolução (Johansen, idem, 310).

9Uma vez que o Estatuto do TPI não admite reservas. 54

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Washington reagiu a este desaire com a retirada de 9 soldados americanos das missões de peacekeeping da Etiópia e Kosovo, Estados que não tinham firmado tratados bilaterais com os Estados Unidos (Johansen, idem) e que também não eram Estados partes do TPI.

A política dos Estados Unidos perante os mecanismos multilaterais não é um factor novo nas relações internacionais: o que preocupa os Estados Unidos é o TPI ter capacidade de projecção de normas internacionais ao nível global, condicionando deste modo o desenho das políticas nacionais das grandes potências, neste caso a sua própria (May et al, 2006: 354).

Outro exemplo da política seguida é a rede de tratados bilaterais celebrados entre os Estados Unidos e um conjunto alargado de países que determinam que os países que são Estados partes do Estatuto não deverão entregar ao TPI os nacionais americanos ou de outros países que não são partes do Estatuto, incluindo pessoas ligadas ao departamento de Defesa e CIA, civis incluídos.

Outro aspecto importante deste período é o American Servicemember’s Protection Act (ASPA), legislação que proíbe a assistência militar a países que ratificaram o Estatuto a não ser que mantenham acordos bilaterais com os Estados Unidos (Johansen, 2006: 313-314).

Estas políticas já começaram a mostrar-se contraproducentes na América Latina. O que aconteceu na América Latina foi que os países da região que recusaram assinar acordos bilaterais com os Estados Unidos resolveram celebrar contratos de assistência militar com a China. Confrontado com a perda destes contactos privilegiados, o Congresso aprovou em Setembro de 2006 uma alteração legislativa que contempla a exclusão dos programas de treino militar da lista de sanções a aplicar aos países que se recusam a assinar estes acordos (Birdsall, 2010: 462) deixando de existir qualquer impedimento à celebração deste tipo de acordos de cooperação militar.

Um problema adicional para a agenda crescentemente intervencionista das grandes potências é o poder do Procurador do TPI de iniciar um processo por si próprio.

Importa, no entanto, reconhecer que o Procurador se tem mostrado prudente no exercício das suas funções. No caso da intervenção no Iraque, o Procurador recebeu várias missivas pedindo-lhe que julgasse Blair, Bush e Rumsfeld (Lindberg, 2010, 24- 25). Numa carta que foi tornado pública, o Procurador reconheceu que os soldados norte-americanos (pertencentes a um Estado que não é Estado parte, o mesmo sucedendo com o Iraque) contaram com a cumplicidade dos soldados ingleses (que pertencem a um Estado parte) na forma como trataram os prisioneiros no Iraque. Não obstante, o Procurador entendeu que o RU estava a investigar internamente os factos pelo que, do seu ponto de vista, não fazia qualquer sentido envolver o TPI na polémica10.

Para além de tudo o que foi dito até aqui, os Estados Unidos abriram um outra frente de conflito com a justiça internacional a propósito da proibição da tortura, princípio consolidado no Direito Internacional consuetudinário e nos tratados internacionais como

10OTO, Policy Paper, On the Interests of Justice, September of 2007. 55

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jus cogens. Trata-se de uma prática banida por todos os povos e criminalizada no Estatuto do TPI como crime de guerra, crime contra a humanidade e genocídio11.

A Amnistia Internacional, entre outras organizações, acusaram o antigo presidente norte-americano Bush, o antigo vice-presidente Dick Cheney, o antigo secretário de estado para a Defesa Donald Rumsfeld, bem como o antigo director da CIA, George Tenet, de terem ordenado o recurso a práticas legalmente consideradas como tortura contra presos no contexto da “guerra contra o terrorismo”12 em centros de detenção secretos geridos pela CIA13. As declarações feitas na televisão pelo ex-presidente George W. Bush reconhecendo que autorizou a tortura e documentos oficiais entretanto relevados confirmam a ocorrência destas práticas (Guantánamo, Abu Grahib) (Ross, 2007).

A tortura pratica-se sempre em nome da segurança nacional. A principal característica da tortura é a sua especialização como instrumento rotineiro nos interrogatórios sobre actividades de oposição aos regimes militares e outras formas não democráticas de governo.

A tortura em democracia não é assumida como política oficial e resume-se a um método de obtenção de informações de modo ilegal. Por esta razão é particularmente difícil entender porque reconheceu George W. Bush que autorizou a tortura de presos sob custódia dos Estados Unidos. A administração Bush colocou abertamente em causa a aplicação universal da proibição de tortura, plasmada no artigo 2.º da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, pondo em cheque os fundamentos do liberalismo político e a ideia de que as pessoas são um fim em si mesmo. A relativização da imoralidade e da ilegalidade da tortura e a sua institucionalização no aparelho de estado democrático representa uma falha do sistema de informações, em particular da HUMINT, que é inaceitável por se tratar de um país com enormes responsabilidades internacionais e interesses globais.

Obama tentou remediar a situação e aprovou uma nova Estratégia de Segurança Nacional que condena cabalmente o recurso à tortura como método de combate ao terrorismo sugerindo que os Estados Unidos estarão dispostos a abolir de uma vez por todas esta prática nefasta14. Mas a verdade é que a discussão doutrinária em torno da legitimidade da tortura em casos excepcionais não se pode dissociar da doutrina da guerra preventiva, que a Estratégia de Segurança Nacional de 2010 manteve integralmente. Esta circunstância tem dificultado objectivamente a consolidação dos princípios do direito e da justiça internacional.

Em síntese, a tentação do unilateralismo e as políticas de excepção agravam as dificuldades da ordem pública internacional e do Direito Internacional em matéria de

11Artigo 8.º, ii), artigo 7.º, f) e artigo 6.º b) do Estatuto do TPI.

12Amnesty International (2012). USA Human Rights Betrayed, 20 Years After the Ratification of ICCPR, Human Rights Principles Sideliend by “Global War” Theory. UK, p.3

13Muitos sectores continuam pouco convencidos de que existia um conflito armado com a Al Qaeda. De qualquer modo, com já se viu, o Estatuto de Roma permite julgar actos de tortura no quadro de crimes contra a humanidade.

14Segundo a Estratégia de Segurança Nacional de 2010, a administração americana“prohibit torture without exception or equivocation: brutal methods of interrogation are inconsistent with our values, undermine the rule of law, and are not effective means of obtaining information. They alienate the United States from the world. They serve as a recruitment and propaganda tool for terrorists. They increase the will of our enemies to fight against us, and endanger our troops when they are captured. The United States will not use or support these methods”. In USA (2010). National Security Strategy. Washington: the White House, p.36.

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protecção e promoção dos direitos humanos potenciando as contradições conceptuais do texto aprovado em Roma. Com efeito, a heterogeneidade de perspectivas têm permitido aos países partes (e não partes) do Estatuto explorar as insuficiências apontadas permitindo-lhes, em última análise, projectar os seus interesses e não os valores da sociedade global que o Estatuto visa defender.

Crime de agressão

O crime de agressão é um crime contra a principal instituição internacional que promove a paz e protege os direitos humanos, o Estado soberano.

O crime de agressão é central na construção normativa do TPI, na medida em que cabe ao Tribunal por cobro aos “abusos de poder”, desencorajar a competição violenta e promover a paz através da prevenção e julgamento dos crimes de agressão no ordenamento jurídico internacional.

É relativamente consensual que o Pacto de Briand-Kellog (1928) foi o primeiro documento jurídico a introduzir a ideia, revolucionária à época, de que a guerra já não

éa solução para todos os problemas internacionais. Antes desta data o enfoque era completamente diferente, o uso da força e a agressão armada eram meros conceitos políticos que serviam para descrever a conduta dos Estados fortes e poderosos (Meddi, 2008: 658).

As atrocidades cometidas na II Guerra alertaram a comunidade internacional para a necessidade de julgar a guerra de agressão. O julgamento de Nuremberga é o primeiro marco na codificação do Direito Penal Internacional e um importante compromisso político com o novo regime internacional assente na regra geral de proibição do uso da força nas relações internacionais.

Mas apesar da sua importância, o julgamento de Nuremberga não escapou às contradições da política internacional do final da II Guerra. Bass (2002: 173-174), por exemplo, sustenta que as negociações preparatórias do julgamento mostram que os interesses nacionais de Americanos e Ingleses se sobrepuseram às responsabilidades da comunidade internacional na punição dos crimes perpetrados pela cúpula política e militar nazi. Os trabalhos preparatórios do Tribunal de Nuremberga permitem, de facto, perceber a importância das marcas da guerra na sociedade americana e a necessidade de reparar o sofrimento infligido ao povo americano. Esta circunstância nacional acabaria por remeter para segundo plano a memória do nacional-socialismo e o sofrimento judeu no holocausto (Bass, 2002: 173-174)15.

Este aspecto particular da política interna norte-americana ajuda a perceber a extrema importância dos “crimes contra a paz” na fase do pós-guerra:

“Na Conferência Internacional sobre Tribunais Militares, reunida em Londres entre 26 de Junho e 8 de Agosto de 1945, o assunto mais polémico continuava a ser a questão da criminalidade da guerra agressiva. Os EUA insistiam em patrocinar a ideia da guerra agressiva

15Talvez esta posição ajude a explicar a necessidade de outros tribunais, em Israel e na Alemanha Ocidental, julgarem o holocausto.

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como crime internacional que gera responsabilidade penal para os seus autores. O crime de agressão foi inclusivamente apresentado na Conferência no mesmo dia em que a Conferência de São Francisco ilegalizava o uso da força na Carta das Nações Unidas” (Saraiva, 2009: 221).

Cinquenta anos volvidos sobre estes acontecimentos, os Estados Unidos mudaram radicalmente de posição no que diz respeito à criminalização da agressão no quadro das negociações do Estatuto do TPI, tendo exercido considerável influência no sentido de se excluir o crime da jurisdição do Tribunal.

Mas apesar das pressões americanas e dos outros membros permanentes do CSNU, o crime de agressão foi incluído no texto do Estatuto, graças ao sentimento partilhado pelos delegados à Conferência de Roma de que a agressão constitui a maior ameaça à paz e à segurança colectiva. Ainda assim, por falta de tempo e consenso político - recorde-se que os grandes poderes viabilizaram a referência ao crime já na recta final da conferência-, a sua definição ficou adiada para futuras conferências de revisão.

A primeira conferência de revisão ocorreu em Kampala, em 2010. Conforme se esperava, a discussão da definição do crime de agressão encontrou inúmeros obstáculos políticos, o que não permitiu afinar vários aspectos da solução final adoptada, que acabou por reflectir o essencial das prioridades estratégicas dos grandes poderes.

O crime de agressão é, de facto, o crime sob jurisdição do TPI que melhor reflecte a actual distribuição de poder do sistema internacional que é uma distribuição assimétrica entre os Estados.

Os sucessivos entraves colocados pela potência dominante a todo este processo evidenciam a sua profunda desconfiança em relação às normas internacionais vigentes que regem o emprego da força armada, na medida em que estas funcionam como uma barreira defensiva da integridade territorial das unidades políticas mais frágeis do sistema internacional (Saraiva, idem). O movimento dos não-alinhados (NAM) tem questionado a posição dos P5 e já fez notar que não está disposto a viabilizar a agenda intervencionista das potências ocidentais como solução concreta para as emergências humanitárias que deflagram nos seus territórios, que as autoridades locais não conseguem debelar ou de que são as primeiras responsáveis. Neste sentido, os NAM sempre favoreceram as propostas da UE no seio do grupo dos like-minded, batendo-se pela inclusão do crime de agressão e a ampliação das prerrogativas do Tribunal, contra a opinião declarada dos grandes poderes.

Apesar da rigidez inicial das posições, à medida que a negociação avançava ia-se tornando claro que os pequenos e médios poderes teriam de ceder e admitir o papel do CSNU nesta matéria, o que faz deste crime o único crime no Estatuto que estabelece como pré-condição para que um indivíduo seja responsável por um crime de agressão que essa pessoa tenha planeado, preparado, iniciado ou executado um acto de agressão que cria responsabilidade ao Estado (área de actuação do CSNU).

Seja como for, no final, a resolução adoptada em Kampala sobre o crime de agressão é uma emenda ao Estatuto do TPI que define finalmente o crime e as condições de exercício de jurisdição.

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Mas como se disse, o texto final evidencia um consenso muito frágil e a ambivalência dos grandes poderes em relação ao multilateralismo. A arquitectura final do crime de agressão tomou em linha de conta as doutrinas estratégicas em vigor nos Estados Unidos, NATO e outros países ocidentais fortemente sustentadas na Revolução dos Assuntos Militares, na Transformação e em conceitos conexos que procuram compatibilizar as forças militares com a era da informação em que vivemos.

As tecnologias de informação e comunicação (TIC) têm um efeito multiplicador de força que ‘permite às Forças Armadas que já incorporaram os requisitos tecnológicos da RMA começarem a pensar adoptar uma postura estrategicamente mais pró-activa, de prevenção militar das “novas ameaças” '(Saraiva, 2009: 338).

Esta opção estratégica dos Estados Unidos, que foi materializada pela administração Bush e não foi interrompida por Obama, apoia-se na doutrina da guerra preventiva por se tratar de uma estratégia de longo prazo que “é, por definição, uma estratégia que se desenvolve num quadro de superioridade estratégica, pois só em condições de grande vantagem militar é possível inviabilizar a ascensão de potenciais rivais (Saraiva, idem: 2029). Neste sentido, a ideia de que uma superioridade tecnológica seria decisiva em futuros conflitos, que os tornaria mais curtos no tempo, menos intensos e com menores baixas (Espírito Santo, 2007) conquistou os outros membros permanentes do CSNU, o que permitiu a adopção de uma posição comum dos P5 em relação ao crime de agressão.

A história da negociação do crime de agressão mostra, assim, que o que está em disputa no TPI é o direito das grandes potências conservarem a sua liberdade de acção estratégica e de prosseguirem a sua agenda humanitária.

Durante a negociação do crime foram muitas as estratégias seguidas para atingir o objectivo traçado. Por exemplo, em 1999, no rescaldo da intervenção da NATO no Kosovo, a delegação alemã defendeu que o sentido restrito do crime afasta as categorias de crime exteriores à noção de “ataque armado que tem como objectivo ou efeito a ocupação militar ou a anexação do território do outro Estado”16 Isto é, os bombardeamentos aéreos e os bloqueios navais não constituiriam actos de agressão (Saraiva, 2009: 295). Como se sabe, o argumento não foi aceite pela Comissão Preparatória (PrepCom), pois não parecia razoável ilibar, por esta via, eventuais responsabilidades da NATO na campanha aérea em território kosovarii.

A questão, muito controvertida, da legalidade/legitimidade das “intervenções humanitárias” no Kosovo, Afeganistão, Iraque e Geórgia voltou a estar em cima da mesa na reunião de Kampala. Mas uma posição definitiva relacionada com a licitude/ilicitude da intervenção humanitária armada unilateral bona fide (Trahan, 2011: 75-76) acabou por ser afastada do texto final, por ser uma matéria não estabilizada e que permanece em discussão na comunidade jurídica (e entre os estudiosos das relações internacionais), essencialmente ao abrigo da R2P. Não obstante ter sido este o sentido da decisão, o articulado final não deixa de abrir a porta a abordagens indirectas a este assunto.

No que reporta à noção de ilegalidade excepcional das intervenções humanitárias armadas, tal como foi proposta por Franck, Chesterman e Byers (2003), há uma sólida percepção, sobretudo entre os NAM, da sua natureza ilegal o que motivou mais de 130

16Proposta alemã (PCNICC72000/DPPP-139 (1999), Discussion Paper PCNICC/2000/WGCA/DP.4 (2000)

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declarações unilaterais ou conjuntas de países opondo-se formalmente à sua consagração (Leckerc-Gagné e Byers, 2009: 380).

Todavia, em Kampala as iniciativas diplomáticas dos Estados Unidos conseguiram vencer a resistência dos países afro-asiáticos. De acordo com a redacção do texto final aprovado, os crimes cometidos no território de Estados não partes e por nacionais de Estados que não são partes ficam excluídos da competência do Tribunal. Esta formulação implica que os crimes de agressão cometidos por nacionais americanos no território de um Estado parte já não poderão ser julgados pelo Tribunal, facilitando ainda a intervenção de coligações militares em que participam os Estados Unidos (Estado não parte) e um Estado parte do Estatuto (RU ou França, por exemplo) no território de um Estado não parte, pois neste caso o TPI não poderá julgar o crime de agressão (Trahan, 2011: 91-93).

Recorde-se que um dos propósitos da criação do TPI foi evitar julgamentos de situações particulares e de áreas geográficas específicas. A questão que se coloca em relação aos Estados partes é que o artigo 15 bis (4) prevê uma declaração de exclusão que permite a estes Estados declarar que não aceitam a competência do Tribunal em relação ao crime de agressão mediante o depósito de uma simples declaração junto do Secretariado (Arribas, 2011)

A situação é agravada pelo facto de a solução encontrada não permitir a possibilidade de se começar a julgar este crime antes de 2017, isto na melhor das hipóteses17.

Conclui-se que o Tribunal e os países que o apoiam não foram capazes de superar a posição soberanista dos Estados na questão do crime de agressão, o que reforça a ideia de que o Tribunal só terá capacidade para julgar indivíduos suspeitos de crimes de agressão em casos relativamente limite.

Em relação à definição do crime, consideramos que o resultado obtido é bastante mais satisfatório embora não particularmente inovador.

O crime de agressão foi definido como o planeamento, a preparação, iniciação ou a execução, por pessoa em posição efetiva para exercer controlo ou dirigir a acção política ou militar de um Estado, de um acto de agressão o qual, pelo seu carácter, gravidade e escala, constitui violação manifesta da Carta das Nações Unidas (Arribas, idem).

Do ponto de vista dos grandes poderes, o texto alcançado ficou aquém das expectativas em relação ao papel do CSNU nesta matéria, pois a certa altura os P5 acreditaram que seria possível inserir no texto a necessidade de uma autorização do Conselho para iniciar um procedimento por iniciativa de um Estado parte ou pelo Procurador motu proprio. Os delegados à conferência de Kampala optaram por defender a integridade e independência do Tribunal mas mantiveram a prerrogativa do CSNU poder suspender, por um ano, prorrogável, o inquérito ou procedimento criminal (artigo 16.º do Estatuto).

A fórmula de compromisso a que se chegou inverte em larga escala a estratégia inicial dos grandes poderes, muito empenhada numa definição restritiva do crime de agressão. Tal estratégia acabaria por ser abandonada em favor de uma outra, centrada

17 Ver emenda ao Estatuto de Roma, Kampala, 11 de Junho de 2010, disponível em http://www.iccnow.org/?mod=aggression.

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não na definição mas nas condições de exercício da jurisdição do Tribunal. Em termos práticos, o Tribunal será muito selectivo e terá a maior dificuldade em julgar crimes de agressão envolvendo as grandes potências, o que acentua os aspectos de multilateralismo à la carte presentes no seu Estatuto. Em contrapartida, a consagração de uma definição abrangente do crime de agressão permite um julgamento adequado dos casos que chegam ao seu conhecimento, na medida em que o crime, tal como foi tipificado, permite colocar sob jurisdição do Tribunal a maioria dos fenómenos agressivos que caracterizam os conflitos da actualidade contribuindo, deste modo, para o reforço da ordem jurídica internacional.

Conclusão

A criação do TPI é um marco na história do Direito Penal Internacional porque apesar da sua jurisdição não ser, como muitos desejavam, universal o Estatuto permite que um cidadão de um Estado que não é Estado parte possa ser entregue ao Tribunal para ser julgado.

Esta limitação da soberania por uma cultura de responsabilidade constitui uma revolução jurídica mas sobretudo é uma ameaça ao direito das grandes potências conservarem a sua liberdade de acção estratégica e ao prosseguimento da sua ambiciosa agenda humanitária.

Neste sentido, há algum desfasamento entre este aspecto estrutural do Estatuto de Roma e a geopolítica pós-bipolar, que se caracteriza por um significativo aumento da conflitualidade armada e um envolvimento permanente dos Estados Unidos nestes conflitos armados.

Todavia, como de resto tentámos demostrar ao longo do texto, a estratégia de fragilização institucional do TPI, que envolve diversas grandes potências, mas que, aqui se argumenta, ocorre sob clara liderança americana, não só não altera o carácter profundamente inovador do Tribunal como oferece uma explicação sobre a natureza do sistema internacional e o papel dos Estados Unidos no mesmo.

Como conclusão, podemos dizer que o sistema internacional se encontra em acelerada mutação sem que os grandes poderes consigam (ou sequer desejem, na maior parte dos casos) controlar satisfatoriamente o processo.

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