OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 4, n.º 2 (Novembro 2013-Abril 2014), pp. 9-38

A JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL E A EROSÃO DA SOBERANIA

Miguel de Serpa Soares

joao.soares@mne.pt Diretor Geral do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (Portugal). Representou Portugal na Conferência de Kampala e na Assembleia de Estados-Partes do Tribunal Penal Internacional. O presente artigo reflete exclusivamente as opiniões pessoais do autor e não corresponde a qualquer posição oficial da Instituição a que pertence. Em 8 de Agosto de 2013 foi nomeado pelo Secretário-Geral das Nações Unida, Ban Ki-moon, Under Secretary General for Legal Affairs and Legal Counsel to the United Nations.

Resumo

O autor argumenta que qualquer forma de justiça internacional representa sempre uma forma de limitação das soberanias estatais. No caso do Direito Penal Internacional esta limitação torna-se ainda mais evidente ao colocar em causa elementos essenciais do paradigma clássico do Direito Internacional, como por exemplo o monopólio punitivo dos Estados ou a noção de uma soberania estatal quase-absoluta. Os instrumentos penais internacionais, crimes, penas, jurisdições, são suscetíveis de constituir, pelo menos parcialmente, uma alternativa judicial ao método exclusivamente político e diplomático de manutenção da paz e seguranças internacionais. A construção desta alternativa produz, inevitavelmente, tensões com uma estrutura de poder que se mantém relativamente inalterada desde 1945. No entanto para que esta alternativa judicial penal se possa afirmar será necessário um longo período de maturação assente, entre outros, numa credibilidade técnica e jurídica inquestionável.

Palavras chave:

Soberania; Crimes Internacionais; Tribunal Penal Internacional; Conselho de Segurança/ Agressão

Como citar este artigo

Soares, Miguel de Serpa (2013). "A justiça penal internacional e a erosão da soberania". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 4, N.º 2, Novembro 2013-Abril 2014.

Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol4_n2_art1

Artigo recebido em 27 de Maio de 2013 e aceite para publicação em 8 de Outubro de 2013

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A justiça penal internacional e a erosão da soberania

Miguel de Serpa Soares

A JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL E A EROSÃO DA SOBERANIA

Miguel de Serpa Soares

Introdução

O Direito Penal Internacional e o Tribunal Penal Internacional são criaturas adolescentes na ordem jurídica mundial. Com dez anos de existência efetiva, o Tribunal Penal Internacional é uma instituição que ainda não teve tempo para provar a credibilidade de um discurso penal internacional na prevenção dos crimes internacionais que "afetam a comunidade internacional no seu conjunto" e que "constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da Humanidade" parafraseando o preâmbulo do Estatuto de Roma. Todos os órgãos judiciais internacionais são limitações

àsoberania judicial e mesmo constitucional dos Estados. Contudo as relações entre estas instituições de supranacionalismo judicial e os Estados não têm necessariamente de organizar-se em termos de antagonismo e concorrência. A afirmação de qualquer ordem jurídica supranacional, regional ou universal, passará sempre por períodos de conflito e de rivalidade que representam o tempo necessário de adaptação das soberanias nacionais às novas realidades. No caso do Tribunal Penal Internacional esta tensão é exacerbada porque, inevitavelmente, são afetados equilíbrios institucionais e uma determinada constelação de poderes vigentes desde 1945.

Os próximos tempos serão tempos de observação e ainda não de explicação. Observação de como o Tribunal irá construir uma linguagem judicial contra a impunidade e de como serão definidas as relações de complementaridade com as jurisdições nacionais.

1. Soberania estadual: um conceito maleável

Antes de proceder à análise de alguns dos episódios concretos que permitam uma reflexão sobre a emergência do Direito Penal Internacional e a erosão da soberania é importante proceder a algumas constatações básicas.

A primeira é a constatação da coexistência na ordem jurídica internacional da atualidade de duas realidades distintas e sobrepostas, as quais correspondem a dois paradigmas de pensamento igualmente distintos. O paradigma "Grociano" (ou "Hobbesiano"), assente numa visão estatista das relações internacionais, por oposição a um paradigma "Kantiano", cosmopolita e universalista1. No primeiro caso, os Estados

1Antonio Cassese (2005) International Law, Oxford: University Press, p.20 e em particular textos de M. Wight e H.Bull referidos nota 11.

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Soberanos desenvolvem relações de cooperação com o objetivo único de melhor prosseguirem os interesses identificados como interesses nacionais. No segundo caso, os Estados desenvolvem também relações de cooperação no interesse de uma comunidade internacional distinta dos próprios Estados.

Em 2013, o Estado continua a ser o sujeito de Direito Internacional por excelência e a sociedade internacional resulta fundamentalmente da interação de comunidades políticas de base territorial, independentes, protegidas por uma igualdade jurídica formal e dotadas de determinados atributos essenciais. Em simultâneo, a dinâmica recente das relações internacionais e o desenvolvimento espetacular do Direito Internacional, em especial a partir de 1945, obrigam à constatação da existência de condicionantes efetivas, porventura limitações, no exercício de poderes soberanos pelos Estados. Neste último caso, a eclosão do multilateralismo, o surgimento de outros sujeitos internacionais, como organizações internacionais, algumas dotadas de verdadeiros elementos supranacionais, as limitações do jus ad bellum, a relativização do princípio da imunidade dos Estados2, a consolidação de um Direito Internacional Humanitário e um Direito Internacional dos Direitos Humanos, bem como a noção de crimes internacionais e a criação de um tribunal penal internacional permanente, concorrem para noção de uma Soberania relativa, maleável, em todo o caso obrigada a adaptar-se a fatores externos aos seus poderes próprios, sejam eles normas jurídicas, sejam eles centros concorrente de poder político ou judicial.

Para esta observação e constatação não interessa reter o conceito de soberania como uma mera emanação o pensamento realista em que a power politics adquire uma centralidade relacional, mas, sobretudo, identificar no discurso normativo internacional, in casu, no Direito Penal Internacional, a expressão concreta destas possíveis condicionantes.

Éconveniente assentar numa noção de base: a soberania manifesta-se em poder e independência. Identificada como atributo do Estado territorial, a soberania é essencialmente a possibilidade de exercer todos os poderes de autoridade sobre um determinado território e sobre todos os indivíduos que aí se encontrem. Estes poderes concretizam-se na adoção de normas e na sua aplicação (administrativa ou judicial) e na capacidade de restauração do Direito, seja pela possibilidade de execução coerciva de sentenças, seja pelo jus punendi. Em consequência, o Estado soberano tem o direito de excluir o exercício de poderes de autoridade por qualquer outro Estado no seu território, o qual por sua vez tem o dever de não-ingerência. A escolha deste conceito chave, a qual corresponde a um paradigma soberanista absoluto e realista, serve um propósito meramente analítico, para a desconstrução desse mesmo conceito.

Em 1928, o árbitro Max Huber afirmava:

"La souveraineité dans les relations entre États signifie l’independance"3.

2Sobre a jurisprudência portuguesa em matéria de imunidade de jurisdição de Estados ver Margarida Salema D’ Oliveira Martins (2011) Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa relativo ao Processo 135/06.2TVLB.L1-7 in Anuário Português de Direito Internacional 2011, M.N.E. p.119.

3Decisão de 4 de Abril de 1928 « L’Île des Palmes », Recueil des Sentences Arbitrales II-838.

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Independência afirmada contra os outros sujeitos de Direito internacional e consequência fundamental da personalidade jurídica internacional reconhecida exclusivamente pelo Direito Internacional, de acordo com a fórmula de imediatismo normativo referida por Allain Pellet (Pellet, 2002: 424). Em 1758, Vatel escrevia:

"Un nain est aussi bien un homme qu’un géant: une petite republique n’est pas moins un État souverain que le plus puissant royaume" (Vatel, 1863: 100).

Na tradução formal e jurídica deste princípio nada de fundamental mudou desde o século XVIII: o artigo 2º, nº 1 da Carta das Nações Unidas consagra este princípio de igualdade formal de Estados e, em consequência, adota vários princípios que são a garantia desta mesma igualdade e independência.

Éna perspetiva destes elementos, potestas ou autoridade interna e independência, que deve observar-se a soberania como capacidade de os Estados exercerem as suas prerrogativas habituais, na esfera interna e externa, bem como capacidade de influenciar a produção da norma internacional.

A análise atual das condições sob as quais os Estados exercem a sua soberania, não pode ignorar o processo histórico de formação dos Estados modernos, o qual se confunde com o processo de formação do Direito das Gentes. A reivindicação dos Estados como entes superiores non recognescentes parte essencialmente da revolta dos príncipes contra a dupla autoridade do Imperador ou do Papa e da recusa do reconhecimento de uma autoridade secular universal de ambos (potestas directa). A aspiração de cada comunidade política de exercer poderes soberanos no seu território e de relacionar-se, sem interposição de outras autoridades seculares, com outras comunidades políticas corporiza esta primeira noção "agressiva" de soberania, a qual tem de se afirmar contra outros poderes constituídos. De forma curiosa, os portugueses estão também na origem do exacerbamento das reações contra a autoridade secular do papa e na aceleração do fenómeno de criação do Estado Moderno. O Tratado de Tordesilhas de 1494, baseado na entrega de novos territórios e mares exclusivamente a Portugal e Espanha por édito papal, alimentou a revolta de outras nações europeias contra o poder papal e antiga ordem da civitas christianna. A soberania foi esgrimida como reivindicação de um espaço de liberdade, liberdade de aquisição de territórios, liberdade de navegação e comércio, contra uma autoridade secular com fundamento transcendente4.

A destruição da ordem medieval, simbolizada na Paz de Vestefália de 1648, assinala a formação do Estado moderno e a criação do Direito Internacional. No entanto num momento inicial a soberania do Estado é ainda assimilada à soberania do príncipe e apenas com o constitucionalismo liberal, surgido a partir de finais do século XVIII, os súbditos passam a ser considerados cidadãos e a "soberania do príncipe" é convertida na soberania do Estado. A afirmação da soberania-poder, entendido como jurisdição exclusiva e supremacia de poderes públicos sobre cidadãos e território, e da soberania- independência, como capacidade de relação direta e autónoma com as outras

4Sobre a evolução histórica do conceito ver H. Steinberger (2000) Sovereignity in Encyclopedia of Public International Law- IV, R. Bernhardt ed. North holland: Max Planck Institute.

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potências, tem o seu apogeu num cenário de positivismo jurídico do Século XIX, o qual não teve o seu termo definitivo antes de 1945.

Nesta ordem jurídica internacional, a qual basicamente consiste numa ordem jurídica pública europeia, no concerto das "nações civilizadas", o princípio da soberania dos Estados, de natureza quasi-absoluta, tornou-se a base de todas as relações e Direito internacionais5. O processo histórico lento que leva à desintegração desta ideia de soberania absoluta inicia-se logo a partir da 2ª metade do século XIX.

As primeiras intervenções do Direito Internacional na definição de limites à soberania estadual têm lugar no Direito da Guerra. A liberdade de guerra, como um atributo essencial do Estado soberano, é limitada, em primeiro lugar, pelas primeiras tentativas de regulamentação do jus in bellum, processo iniciado com a fundação da Cruz Vermelha Internacional e pelo Direito de Haia. O jus ad bellum permanece mais ou menos incólume até ao Pacto de Briand-Kellog de 1928.

A partir de 1945, dá-se início à formação e consolidação de todo o acervo jurídico internacional e de todo o quadro institucional multilateral, no qual a soberania dos Estados passará a exercer-se. A Carta das Nações Unidas e o princípio da proibição da ameaça do uso da força como meio de resolução de conflitos, o Direito Internacional Humanitário, incluindo, designadamente as Convenções de Genebra, a proteção jurídica do individuo, mesmo que incipiente, pela adoção de diferentes tratados universais e regionais de direitos humanos, as fórmulas sofisticadas de exercício conjunto de soberania, como a União Europeia, e por último a emergência de um Direito Penal Internacional, criam uma realidade multifacetada contra a qual é impossível afirmar uma ideia de soberania absoluta6. Todos estes desenvolvimentos criam condicionantes específicas no modo de exercício da soberania estadual, assentes em larga medida em normas jurídicas que disciplinam a liberdade dos Estados.

Procurando refletir sobre a natureza atual da soberania, será também necessário determinar qual a noção exata de soberania que está em causa. Uma soberania militar, monetária, económica ou judicial? Uma soberania como poderes de autoridade exclusivos sobre cidadãos e território? Uma soberania jurídica como uma impermeabilidade do ordenamento jurídico internacional ao Direito Internacional ou como uma capacidade para influenciar definitivamente a produção de normas internacionais? Uma soberania como um conjunto exclusivo de direitos e prerrogativas ou uma soberania que inclua igualmente deveres dos Estados?

Para o autor deste texto, cidadão português, em março de 2013, a seguinte constatação impõe-se: Portugal é membro da União Europeia, para a qual transferiu vários dos seus poderes soberanos, nomeadamente a soberania monetária,

5E sobretudo, segundo Martti Koskenniemi (2008) uma justificação do Direito Internacional, produto da história e cultura europeias, como forma de justificar a expansão colonialista em África através de uma distinção entre civilizados e não-civilizados, sendo que estes últimos eram desprovidos de Soberania como atributo exclusivo das nações civilizadas in The Gentle Civilizer of Nations – The Rise and Fall of International Law 1870-1960. Cambridge: University Press. p. 127.

6Para os estritos efeitos desta exposição, utilizam-se fórmulas artificialmente simplificadas de conceitos. A noção de soberania absoluta não pode em si mesma ser reconhecida em termos teóricos senão como uma negação do próprio Direito Internacional, asserção aceite desde há muito pela Doutrina jus- internacionalista. Como já em 1932 afirmava G. Scelle “La notion de souveraneité est donc incompatible avec celle de droit objectif comme avec celles de sujet de droit. C’est une tâche vaine de vouloir construire le Droit, et en particulier le Droit international, sur la notion de la souveraineté de l’Etat. Là encore, le concept ne peut aboutir pratiquement qu’à soustraire la volonté des gouvernements à l’emprise du Droit, à détruire la notion de compétence et, avec elle, celle de légalité» (Scelle, 1932: 14).

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encontrando-se, neste momento, intervencionado por uma troika de entidades estrangeiras ao abrigo de um programa de assistência financeira. Esta intervenção importa numa limitação relativa dos seus poderes soberanos para realizar escolhas fundamentais de natureza política. Portugal subscreveu, entre muitos outros tratados, o Tratado da União Europeia que incluiu várias disposições sobre cidadania europeia. Portugal aceita a jurisdição compulsória do Tribunal Internacional de Justiça, está submetido à jurisdição dos tribunais do Luxemburgo e Estrasburgo e subscreveu o Estatuto de Roma. Portugal não tem moeda própria, nem poder militar relevante e possui uma Constituição que é, no essencial, amiga do Direito Internacional7, procedendo, inclusivamente, a uma receção automática do Direito Internacional geral. Portugal não é membro permanente do Conselho de Segurança, não possui recursos naturais significativos, para além de uma ampla ZEE, tem uma diplomacia com meios materiais limitados e uma população reduzida em termos mundiais.

A apreensão daquilo que possa ser o fenómeno de erosão da soberania nacional não pode desligar-se da perspetiva nacional de cada observador, nem das estratégias de adaptação de cada Estado de pequena ou média dimensão. Um membro permanente do Conselho de Segurança avaliará o potencial de erosão da sua soberania de forma essencialmente diferente do autor. O exercício da soberania de Portugal assenta, em larga medida, numa ancoragem no sistema multilateral, no exercício conjunto de poderes soberanos, nomeadamente no quadro da União Europeia e numa abertura ao exterior do seu ordenamento jurídico. Um cidadão norte-americano ou chinês tenderá a olhar para o mesmo fenómeno na perspetiva das limitações efetivas que a participação plena no sistema multilateral poderá trazer aos seus poderes. E esta asserção é particularmente verdadeira no domínio do Direito e do Direito Penal internacional em especial. Através da observação do que tem sido o relacionamento dos membros permanentes do Conselho de Segurança com o Tribunal Penal Internacional, procurará demonstrar-se, abaixo, esta asserção.

2.O Fim do monopólio punitivo dos Estados: crime e castigo no Direito internacional

Em 1919, o artigo 227º, nº 1 do Tratado de Versalhes, estabelecia o seguinte:

"Art. 227 - Les puissances alliées et associées mettent en accusation publique Guillaume II de Hohenzollern, ex-empereur d’Allemagne, pour offense suprême contre la morale internationale et l’autorité sacrée des traités.

Un tribunal spécial sera constitué pour juger l’accusé en lui assurant les garanties essentielles du droit de défense. Il sera composé de cinq juges, nommés par chacune des cinq puissances suivantes, à savoir : les États-Unis d’Amérique, la Grande Bretagne, la France, L’Italie et le Japon.

7Cfr. Jorge Miranda (2010) O artigo 8º da Constituição e o Direito Internacional in Augusto de Athayde/João Caupers/Maria da Glória F. P. D. Garcia (eds.) Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Freitas do Amaral. Coimbra: Almedina: 415.

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Le tribunal jugera sur motifs inspirés des principes les plus élevés de la politique entre les nations avec le souci d’assurer le respect des obligations solennelles et des engagements internationaux ainsi que la morale internationale.

Les puissances alliées et associées adresseront au Gouvernement des Pays-Bas une requête le priant de livrer l’ancien empereur entre leurs mains pour qu’il soit jugé»8.

O final desta história é conhecido: O Kaiser Guillherme II refugiou-se nos Países- Baixos, cujo Governo recusou a sua extradição, invocando a inexistência de um tribunal internacional competente, bem como de norma incriminatória prévia. Não obstante, é interessante atentar na linguagem utilizada em Versalhes ("moral internacional", "princípios elevados da política entre nações"), bem como no facto absolutamente inédito, até então, de se designar um Soberano como réu, acusado de "offense suprême" (infração suprema contudo não qualificada como crime), da "moral internacional"9. É igualmente interessante atentar na subtil e progressiva alteração da linguagem jurídica internacional que emerge no período anterior ao surgimento do Direito Penal Internacional e que acompanha as sucessivas tentativas de regulamentação e limitação da soberania "guerreira" dos Estados.

Em 1814, A Declaração de Viena contra o Comércio de Escravos, refere-se às "nações civilizadas", no essencial às nações da Europa, iniciando o lento processo de transformação de um discurso moral, no essencial um discurso moral das potências europeias, num discurso de Direito Internacional, traduzido progressivamente em regras de natureza jurídica. As Conferências de Paz da Haia de 1899 e 1907 assinalam o primeiro processo de codificação das leis da guerra e a designada "Cláusula Martens"10 , inserida no preâmbulos das Convenções II de 1899 e IV de 1907 declarava:

"até que seja adotado um código mais completo de leis da guerra, as altas partes contratantes entendem adequado declarar que, nos casos não incluídos nas disposições por si adotadas, as populações e os beligerantes mantêm-se sobre a proteção e a observância do Direito das Gentes, na medida em que decorrem dos usos estabelecidos entre as nações civilizadas, das leis da humanidade e das exigências da consciência pública"11.

8«Pages d’Histoire -1914-1919» (1919). Paris: Librairie Militaire Berger-Levrault. 108.

9Em 1932, Hans Kelsen, no seu curso na Academia de Haia, utilizava o exemplo das normas de Versalhes sobre a responsabilidade do Kaiser para demonstrar que a ideia que somente os Estados poderiam ser sujeitos de Direito internacional seria falsa in Robert Kolb (2003) Les Cours Généraux de Droit International Public de l’Academie de la Haye. Bruxelles: Bruylant. 82.

10O mesmo Fyodor Martens, Professor na Universidade de S.Petersburgo, definia em 1883 o Direito Internacional da seguinte forma : “Les États indépendants jouissant de la civilisation européenne constituent le domaine régi par le droit international et jouent un rôle actif das la communauté internationale (…) C’est de cette action des États civilisés que provient le droit international » (Martens, 1883: 307)

11Cfr. Mateus Kowalski/Miguel de Serpa Soares (2011) Cláusula Martens in Manuel de Almeida Ribeiro/Francisco Pereira Coutinho/ Isabel Cabrita (eds) Enciclopédia de Direito Internacional. Coimbra: Almedina, p. 91.

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Note-se ainda que alguma desta linguagem sobreviveu na nova ordem mundial pós- 1945: o artigo 38º, nº 2, alínea c) do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça continua a referir-se aos princípios gerais de Direito reconhecidos pelas "nações civilizadas" como uma fonte do Direito internacional.

A paz de Versalhes deu origem aos primeiros fenómenos de institucionalização do multilateralismo, como a malograda Sociedade das Nações, bem como à importação de um discurso penal para a esfera internacional. O Comité Consultivo de Juristas, nomeado pela Sociedade das Nações, recomendou em 1920, a criação de um Supremo Tribunal Internacional de Justiça com competência para julgar crimes cometidos contra a ordem pública internacional e a lei universal das nações. A este mesmo tribunal seria atribuída a competência para definir o catálogo de crimes, as penas aplicáveis, os meios de as executar, bem como o respetivo regulamento de processo. Em 1920, Elihu Root formulava a seguinte questão a propósito deste projeto:

"Are the Governments of the world prepared to give up their individual sovereign rights to the necessary extent?" (Ferencz 2000: 40)12.

A questão, obviamente de natureza retórica em 1920, não teve uma resposta positiva, ainda que parcial, antes da adoção do Estatuto de Roma de 1998.

Os julgamentos de Nuremberga e de Tóquio desencadearam, de forma irreversível, o processo de desintegração do monopólio punitivo do Soberano e constituem um momento de rutura no processo de erosão, rectius de adaptação, da soberania estatal. Vários olhares são possíveis sobre estes julgamentos históricos: desde a consideração de que tudo se tratou de uma mera justiça de vencedores até uma grande catarse judicial de encenação de culpa e redenção, enfim, os historiadores, os politólogos e os juristas dificilmente terão a mesma leitura destes eventos13.

No rescaldo da vitória das potências aliadas em 1945, colocaram-se duas hipóteses perante os vencedores: a simples execução ou encarceramento dos vencidos ou a sua punição após um julgamento. Benjamim Ferencz, o mais jovem membro da equipa americana de acusação em 1945, relata, num registo humorado e simultaneamente ácido com os britânicos, que

"In fact, the Foreign Office still did not favor war crimes trials. To avoid long legal proceedings, that might become a propaganda forum for Nazi leaders, the United Kingdom prefered a «political disposition». Allways noted for their «fair play», the British argued that «execution without

12Elihu Root foi Secretary of War (1899-1904) e Secretary of State (1905-1909) norte-americano com o Presidente Theodore Roosevelt. Prémio Nobel da Paz em 1912, Root presidiu também ao Carnegie Endowment for International Peace. Parte importante do seu pensamento encontra-se vertido na obra Elihu Root (1927) Politique Exterieure des États-Unis et Droit International: Discours et Extraits. Paris: A. Pedone.

13Para uma leitura crítica contemporânea de Nuremberga e Tóquio ver Guénaël Mettraux (ed.) (2008) Perspectives of the Nuremberg Trial. Oxford: University Press e Yuma Totami (2009) The Tokyo War Crimes Trial: The Pursuit of Justice in the Wake of World War II. Harvard: University Press.

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trial is the preferable course». Exactly who was to shoot whom and when to stop shooting was not made clear" (Ferencz 2000: 42).

O Acordo de Londres de 8 de agosto de 1945, conducente à criação do tribunal de Nuremberga, foi no essencial o produto de uma visão norte-americana, a qual, com o apoio soviético, se conseguiu impor aos restantes aliados. No discurso vagamente grandiloquente do Juiz Robert Jackson, Chief Prosecutor da equipa americana em Nuremberga, sobre o julgamento:

"That four great nations, flushed with victory and stung with injury, stay the hand of vengeance and voluntarily submit their captive enemies to the judgement of the law is one of the most significant tributes that Power as ever paid to Reason" (Ferencz 2000: 37).

A Carta do Tribunal Internacional Militar, estabeleceu como crimes da sua competência, suscetíveis de dar origem a uma responsabilidade penal individual os crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, desta forma criando, pela primeira, um catálogo penal de natureza internacional que se encontra verdadeiramente nas origens da codificação do Direito Penal Internacional. O artigo 6º tipifica determinadas condutas ("the following acts or some of them") como "crimes coming within the jurisdiction of the Tribunal for which there shall be individual responsability": crimes contra a paz (o antecedente directo do "crime de agressão" adotado na Conferência de Kampala em 2010); crimes de guerra ("namely the violations of the laws or customs of war"); crimes against humanity ("namely murder, extermination, enslavement, deportation and other inhumane acts"). A um penalista nacional dos dias de hoje não deixa de causar estranheza a natureza aberta da tipificação dos crimes.

Existe uma literatura profusa sobre os julgamentos de Nuremberga e Tóquio e uma crítica contundente, nomeadamente norte americana, sobre a natureza excecional de uma justiça ex post facto. O desconforto de alguns magistrados da época, nomeadamente relativamente aos crimes contra a paz, tinha como origem a constatação de que os Tribunais Internacionais Militares de Nuremberga e Tóquio operaram fora do quadro de princípios fundamentais do Direito Penal, nomeadamente os princípios do nullen crimen sine lege e nulla poena sine lege. O juiz William Douglas comentou criticamente a incriminação dos "crimes contra a paz" da seguinte forma:

"(I) thought and still think that the Nuremberg trials were unprincipled. Law was created ex post facto to suit the passion and clamor of the time" (Glennon 2010: 75).

O Juiz Federal Charles E. Wyzansky comentava em 1946, a propósito da criminalizaçao da guerra de agressão:

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"The body of growing custom to which reference is made is custom directed at sovereign states and not individuals. There is no Convention or Treaty which places obligations explicitly upon an individual not to aid in wagging an aggressive war" (Glennon 2010: 76).

E interrogando-se se a fundamentação de Nuremberga poderia residir nos princípios gerais de Direito Criminal comuns às "nações civilizadas", respondia:

"(…) it would be a basis that would not satisfy most lawyers. It would resemble the universally condemned law of June 28, 1935 which provided: ‘Any person who commits an act which the law declares to be punishable or which is deserving of penalty according to the fundamental conceptions of the penal law and sound popular feeling, shall be punished’. It would fly straight in the face of the most fundamental rules of the criminal justice – that criminal laws shall not be ex post facto and there shall be nullum crimen et nulla poena sine lege – no crime and no penalty whitout an antecedent law" (Glennon 2010: 76).

Este debate esteve igualmente presente de forma aguda no julgamento de Tóquio, tendo dois juízes votado vencido na decisão final de condenação. A dissenting opinion do juiz indiano Radhabinod Pal, absolvendo todos os acusados de Tóquio é um texto da maior importância na história recente do Direito Internacional, representando sob a aparência de um confronto entre naturalismo e positivismo, a primeira contestação séria de uma ordem jurídica internacional dos impérios ocidentais e merece a todos os títulos ser relido hoje14.

No entanto, Nuremberga e Tóquio, constituem um ponto de rutura para o Direito Internacional. Apesar de todas as imperfeições, estes julgamentos assinalam a entrada definitiva de um discurso penal na esfera do Direito internacional. As ofensas à moral suprema ou às leis e costumes das "nações civilizadas" são expressamente qualificadas como condutas criminais, ainda que ex post facto, geradoras de uma responsabilidade individual. O enforcamento de alguns dos responsáveis nazis condenados em Nuremberga e a condenação de Hideki Tojo, Primeiro Ministro do Japão à data do ataque de Pearl Harbor, constituem momentos altamente simbólicos desta rutura. A soberania do Estado deixou de ser a proteção última e definitiva dos seus cidadãos, maxime dos seus altos responsáveis políticos e militares. A ordem jurídica internacional, mesmo considerando que em 1945 essa ordem era principalmente constituída pelos vencedores da II Guerra Mundial, sobrepõe-se ao filtro da soberania estatal e dirige-se diretamente ao individuo responsabilizando-o criminalmente por uma conduta. Fazendo o paralelo com a doutrina anglo-saxónica da desconsideração da personalidade jurídica, em Nuremberga e Tóquio operou-se um lifting of the sovereignty veil, desconsiderando a personalidade jurídica do Estado, como sujeito de

14 A documentação relativa aos processos de Tóquio pode ser acedida em http://avalon.law.yale.edu/imt/imtconst.asp Sobre a doutrina de Pal ver Kirsten Sellars (2011) Imperfect Justice at Nuremberg and Tokyo. European Journal of International Law. 21: 1095.

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responsabilidade internacional, para se chegar ao líder político e militar, como sujeito de responsabilidade criminal individual, tradicionalmente protegido pelo filtro da soberania estatal. O enforcamento dos condenados de Nuremberga e Tóquio acaba com o monopólio punitivo do Estado: o crime e o seu castigo deixam de ser exclusivamente definidos e administrados pelo Soberano. Inclusivamente com a supressão física do individuo.

Algo mudou desde o exílio do Kaiser Guilherme II nos Países Baixos: o jurista apropriou-se de parte do domínio do historiador e do diplomata, no momento em que a narrativa da Guerra deixa de ser da exclusiva responsabilidade da história e dos fazedores dos tratados de paz. Pela mão dos juízes, a narrativa da Guerra passa também a ser uma narrativa jurídica e judicial, como atestam os milhares de páginas de atas dos julgamentos de Nuremberga e Tóquio. E nada atesta melhor a apropriação pelo Direito de domínios reservados aos Estados soberanos, como o irromper de um discurso penal no domínio internacional com a definição de crimes e a aplicação de castigos. Com todas as imperfeições, criticadas desde a altura, a entrada do discurso penal na esfera internacional e as fissuras no monopólio punitivo dos Estados tornaram-se irreversíveis.

No período pós-1945, a noção de responsabilidade penal individual perante o Direito Internacional subtraída ao poder exclusivo dos Estados na punição dos seus nacionais, iniciou o seu lento processo de consolidação. Desde logo com a adoção da Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio, adotada pela Assembleia-Geral em 194815

. Note-se que o termo "genocídio" era inexistente antes de 194616, tendo, por exemplo, o extermínio do povo judeu sido incriminado e punido em Nuremberga como crime de guerra ou crime contra a humanidade. A própria narrativa do Direito sofreu uma renovação na nova ordem instaurada em 1945: genocídio, jurisdição universal, crime internacional e castigo universal são termos inexistentes ou quase inexistentes no período das soberanias omnipotentes17.

Em 11 de Dezembro de 194618, a primeira sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas adotou um conjunto de Resoluções com impacto significativo para o desenvolvimento posterior do Direito Penal Internacional. Em especial a Resolução 95 reafirmou os princípios de Direito Internacional reconhecidos na Carta de Nuremberga, criando uma Comissão com o encargo de preparar um Código Penal Internacional.

A criação dos tribunais penais internacionais ad hoc, para a Jugoslávia e Ruanda, são um patamar fundamental em todo este processo. A desagregação do Império Soviético, expressivamente assinalada com a Queda do Muro de Berlim, produziu um novo ambiente político acompanhado por um ciclo de crescimento económico significativo. Segundo Henry Kissinger, em 1990: "The world was entering a post-sovereign era"

15Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (aprovada por Resolução da Assembleia da República nº 37/98, de 14 de Julho in DR, 1ª Série-A, nº 160).

16Termo criado em 1946 pelo jurista polaco Raphael Lemkin, autor do anteprojeto da Convenção de 1948.

V. Miguel de Serpa Soares/Mateus Kowalski (2011), Crime de Genocídio, in Manuel de Almeida Ribeiro/Francisco Pereira Coutinho/Isabel Cabrita (eds) Enciclopédia de Direito Internacional. Coimbra: Almedina, p. 143 e Larry May (2010) Genocide: a Normative Account, Cambridge: University Press, 2010.

17Exceto talvez o crime de pirataria marítima.

18Resoluções AG 94(I), 95(I) e 96 (I) relativas à (i) criação de uma Comissão de Estudo da Codificação do Direito Internacional, à (ii) afirmação dos princípios de Direito internacional consagrados na Carta de Londres e ao mandato concedido a uma nova Comissão para a elaboração de um Código Penal Internacional e à (iii) condenação do genocídio e mandato para elaboração de uma convenção sobre a matéria.

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caracterizada "by the rule of law aspects of international law over traditional State sovereignity". É neste ambiente geral de optimismo (Kissinger, 2011: 454) (a "mood of triumphalism" ainda Segundo Kissinger falando do espírito político dominante em Washigton), ou neste "espírito ingénuo e um pouco obtuso" (Cutileiro, 2003: 12), segundo as palavras do Embaixador José Cutileiro, Coordenador, em 1992, da Conferência de Paz da Jugoslávia da Comunidade Europeia, presidida por Lord Carrington, que são ressuscitados os princípios de Nuremberga. O conceito de justiça global, corporizado na ideia de Nuremberga de competência sobre crimes internacionais, surgiu com grande intensidade neste período de "global optimism" (Koh 2003: 1503), o qual vigorou entre 1989 e 2001. E este optimismo generalizado numa justiça global manifestou-se, para além da criação dos Tribunais ad hoc da Jugoslávia e Ruanda, na criação dos tribunais mistos para a Serra Leoa e o Cambodja, o julgamento Lockerbie, as acusações produzidas em Espanha e no Chile contra Pinochet. O seu ponto alto situou-se com a assinatura pelo Presidente Clinton do estatuto de Roma, em 2001, antes que os EUA iniciassem um período de franca hostilidade com o Tribunal Penal Internacional.

William Schabas19 assinala que a ideia de uma justiça penal internacional foi vagamente aflorada por George Bush e Margaret Thatcher, por volta de 1990, a propósito da invasão do Koweit pelo Iraque, citando estudos preliminares produzidos no exército americano. A ideia teria tido algum eco junto de líderes europeus mas sem consequências.

Os EUA foram, a partir de meados de 1992, os grandes patrocinadores da iniciativa que levou à adoção da Resolução do Conselho de Segurança 827 (1993) de 25 de maio de 1993. E esta Resolução, adotada por consenso, possui ainda a originalidade de ter sido criada com base no artigo VII da Carta, em particular nos seus artigos 39º e 41º, numa interpretação inteiramente nova da Carta das Nações Unidas: Como assinala Paula Escarameia a Carta

"não foi provavelmente pensada com base nas premissas de que a impunidade de criminosos internacionais constituía uma ameaça ou quebra da paz e segurança mundiais e de que o Conselho poderia, por isso, criar tribunais que se encarregassem de os julgar. Assim embora me pareça que tal interpretação seja possível, ela só foi viável num momento em que a bipolarização mundial desaparecera(…)" (Escarameia 2003: 34).

Este consenso relativamente inédito entre os cinco membros permanentes que permitiu a adoção da Resolução 827, foi de certa forma um consenso sobre o papel do direito internacional na limitação das prerrogativas soberanas dos Estados. No entanto como expressão de uma justiça seletiva é um consenso de "alguns" para ser aplicado a "outros".

Um episódio concreto é particularmente expressivo da tensão entre justiça penal internacional e soberania: aquando da discussão no seio do Conselho de Segurança da

19W. Schabas (2004) United States Hostility to the International Criminal Court: It’s All about the Security

Council, European Journal of International. 15: 707.

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Resolução 955 (1994) de 8 de novembro 1994 para a criação do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda, o próprio Ruanda, membro não-permanente do Conselho votou contra.

A análise do papel desempenhado pelos dois Tribunais Penais ad hoc supra referidos transcende o objeto deste apontamento. No entanto, dois aspetos devem ser realçados: (i) numa perspetiva estritamente jurídica, estes tribunais, deram um contributo fundamental para o desenvolvimento de um corpus juris penal internacional e (ii) prepararam a consagração de uma justiça penal não seletiva e de carácter permanente (e independente) com a adoção do Estatuto de Roma20.

3. O Estatuto de Roma: uma jurisdição permanente e independente

Diversas tentativas de codificação do Direito Penal Internacional foram empreendidas a partir de 194621.

O projeto de 1994 da Comissão de Direito Internacional possuía uma abordagem extremamente conservadora e, no essencial, definia um modelo de justiça penal absolutamente integrado no sistema das Nações Unidas e, em particular, dependente do Conselho de Segurança. Este projeto desembocava num modelo de tribunal largamente inspirado nas versões ad hoc para a Jugoslávia e o Ruanda, quase que, de forma paradoxal, como um tribunal segundo o figurino ad hoc embora com natureza permanente.

Entre os seus aspetos mais distintivos contavam-se a subordinação total ao Conselho de segurança, único órgão com competência para despoletar a jurisdição do tribunal (trigger mechanism), e a inexistência de um Procurador com poderes independentes de investigação e de submissão de casos ao tribunal (proprio motu).

A história da negociação do Estatuto do Tribunal, durante a Conferência Inter- Governamental ocorrida no verão de 1998 em Roma, constitui em si mesmo um processo com muito significado para o tema em análise.

Éfundamental ter uma noção clara da dinâmica própria dos processos de negociação em ambiente multilateral alargado. Em junho de 2010 o autor fez parte da delegação portuguesa à Conferência Inter-Governamental destinada a aprovar as emendas ao Estatuto de Roma relativas ao crime de agressão, a qual teve lugar em Kampala no Uganda. As negociações desta natureza constituem uma formidável máquina diplomática, envolvendo largas centenas de pessoas com o encargo de negociar textos de natureza jurídica, destinados a serem adotados pelo maior número possível de Estados. Durante as duas longas semanas de negociação em Kampala o compromisso

definitivo sobre o texto das emendas foi obtido à 25ª hora do último dia de

20Para uma avaliação do contributo destes tribunais ver Fausto Pocar (2010) The International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia in Roberto Bellelli (ed) International Criminal Justice. UK: Ashgate, p. 67 e E. Mose (2005) Main Achievements of the ICTR. Journal of International Criminal Justice. 3: 920.

21A Comissão Especial da Assembleia Geral para a Jurisdição Penal internacional apresentou em 1951 um projeto de estatuto de Tribunal Penal Internacional. Em 1953 pela Resolução AG 697(VII) de 5 de dezembro de 1952 a Assembleia Geral criou duas novas Comissões com o encargo de criar um tribunal penal internacional e uma outra Comissão Especial destinada a estabelecer uma definição de agressão. Na sequência da adoção da resolução AG 3314, em 14 de dezembro de 1974, relativa à definição de agressão, a Comissão de Direito Internacional iniciou os trabalhos de redação de um código penal internacional e jurisdição correspondente. Em julho de 1994 a Comissão apresentou o seu projeto de estatuto do Tribunal e em 1996 apresentou um projeto de Código Penal.

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Conferência, após a data oficial de conclusão da mesma. Estas negociações são uma sucessão de momentos de maior ou menor intensidade dramática, onde alianças se formam e desfazem a uma velocidade impressionante, com uma multitude de reuniões informais bilaterais, por grupos geográficos, por agrupamentos espontâneos de Estados com afinidades efémeras ou permanentes, com textos alternativos, propostas e contra- propostas.

Este aspeto não deve ser negligenciado: O processo de negociação de textos desta natureza é também um exercício de soberania diferenciada. A capacidade de orientar processos negociais, de agregar interesses e constituir alianças e, no fundo, a capacidade de influenciar o conteúdo definitivo da norma é uma expressão de poder e revela o interesse específico dos Estados em determinadas soluções. Em Kampala, tal como em Roma, esta dinâmica ficou absolutamente patente: imagine-se o contraste entre a delegação dos EUA, constituída por dezenas de delegados, promotora de inúmeras reuniões bilaterais, polo aglutinador do Grupo Informal dos cinco permanentes, autor de propostas escritas adotadas na ata Final da conferência e a delegação portuguesa constituída por dois representantes efetivos durante as duas semanas. E tudo isto considerando que os EUA nem sequer são Estado Parte do Estatuto.

E não obstante, nem um Estado como os EUA, tem a capacidade suficiente para influenciar o sentido definitivo de uma norma produzida em ambiente multilateral. A história do processo negocial de Roma é uma ilustração particularmente expressiva desta afirmação.

Philip Kirsch22, relembra que no início da negociação, em 15 de Junho de 1998, o projeto redigido pelo PrepCom chegou à sala de negociação com cerca de 1400 pontos de desacordo, textos de articulado incompletos e centenas de propostas alternativas. Apesar do Estatuto não ter sido aprovado por consenso constitui um quase milagre a sua adoção mesmo considerando que

"The Statute is nor a perfect instrument; no internationally negotiated instrument can be. It includes uneasy technical solutions, akward formulations and fully satisfied no one" (Kirsch 1999: 2).

A agenda negocial dos cinco membros permanentes em Roma era fortíssima. Confiando no testemunho direto de David Scheffer23, os EUA tinham como objetivos principais um tribunal próximo de um modelo ad hoc, com um papel preponderante do Conselho de Segurança, sem poderes independentes de investigação e submissão de casos, com um regime apertado de complementaridade e com um catálogo penal bastante restrito. Em suma, um Estatuto que acautelasse o fato de

"United States has special responsabilities and special exposure to controversy over our actions. This factor cannot be taken lightly when

22Jurisconsulto do Ministério de Estrangeiros do Canadá, presidiu à “Comissão de Conjunto” durante a Conferência de Roma.

23Chefe da Delegação Americana em Roma e Ambassador- at- Large para os Crimes de Guerra.

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issues of international peace and security are at stake. We are called upon to act, sometimes at great risk, far more than any other nation. This is a reality in the international system" (Scheffer 1999: 12).

Ainda segundo Sheffer

"Throughout the Rome Conference our negotiators struggled to preserve appropriate sovereign decision making in connection with obligations to cooperate with the court" (Scheffer 1999: 15).

O resultado final ficou longe das expetativas negociais americanas, queixando-se esta delegação da falta de transparência do processo24 e, rompendo o consenso desejado, pediu a votação formal do projeto final, tendo votado contra.

A França, único Estado que apresentou um projeto próprio de Estatuto do TPI (em Agosto de 1995), adotou um ponto de partida extremamente restritivo assente num Tribunal Permanente sem qualquer independência e sobre a tutela exclusiva do Conselho de Segurança. O Governo de Alain Juppé propunha um sistema de triplo consentimento para desencadear a jurisdição do Tribunal (do Estado do território do crime, do Estados de nacionalidade do autor e vítima), tendo o processo interno político de concertação entre os diversos Ministérios franceses sido particularmente espinhoso. O voto favorável da França teve como contrapartida a introdução do artigo 124º, com a possibilidade de opt-out por um período de sete anos da jurisdição do Tribunal sobre crimes de guerra cometidos por nacionais franceses (a França e a Colômbia foram os únicos Estados a utilizar a possibilidade permitida pelo artigo 124º)25.

O Reino Unido infletiu a sua posição e após a eleição de Tony Blair abandonou a aliança dos P5 para se juntar ao Grupo dos like minded countries, o qual constituía a base de apoio fundamental ao projeto do TPI.

24Segundo o relato de Scheffer “The process launched in the final forty-eight hours of the Rome Conference minimized the chances that these proposals and amendments to the text that the U.S. delegation has submitted in good faith could be seriously considered by delegations. The treaty text was subject to a mysterious, closed-door and exclusionary process of revision by a small number of delegates, mostly from the like-minded group, who cut deals to attract certain wavering governments into supporting a text that was produced at 2:00 A.M. on the final day of the Conference, July 17. Even portions of the statute that had been adopted by the Committee of the Whole were rewritten. This ‘take it or leave it’ text for a permanent institution of law was not subject to the rigorous review of the Drafting Committee or the Committee of the Whole and was rushed to adoption hours later on the evening of July 17 without debate” (Scheffer 1999:20). Noutra ocasião, perante uma plateia de juristas do Exército norte- americano, Scheffer, a propósito do resultado final de Roma, refere-se da seguinte forma às limitações do poder diplomático americano: “A negotiating room is not a conventional battlefield, but it is a theater of diplomatic conflict and cooperation. Within the negotiating arena, as in the courtroom, overwhelming force is defined by logic (…) Our superpower status and the magnitude of our military forces mean very little in these settings. That is the hard reality today. We need to adjust and turn that reality to our own advantage with winning strategies and not self-righteous tactics that impress no one but ourselves” (Scheffer 2001: 9).

25"La position de la France a évolué au rythme d’un double arbitrage, difficile, entre le ministère de la Défense, le Quai d’Orsay et le ministère de la Justice d’une part (c’est à dire in fine de la décision du Premier ministre, ce que M. Lionel Jospin a fait pour les plus importants d’entre eux en avril 1998), et entre Matignon et l’Elysée d’autre part (son histoire et en grande partie secrète et reste à écrire, sauf à rappeler que les changements de premier ministre n’ont pas empêché que l’Elysée et le ministère de la Défense soient globalement sur la même ligne). L’article 124 a été l’une des exigences du Ministère de la Défense et de l’Elysée » (Bourdon, 2000: 297).

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Quatro aspetos consagrados no Estatuto de Roma encerram o essencial desta tensão dialética entre soberania e supranacionalismo judicial, ilustrando ao mesmo tempo o sentido essencial da discussão ocorrida em 199826.

O primeiro respeita às condições prévias ao exercício de jurisdição do Tribunal, consagradas no artigo 12º do Estatuto. Pelos critérios estabelecidos neste preceito o tribunal poderá exercer a sua jurisdição nos casos dos Estados (que forem partes no Estatuto ou tenham feito a declaração avulsa de aceitação de jurisdição, a que se refere o nº 3 do artigo 12º): (i) em que ocorra a conduta (tipificada como crime no artigo 5º) ou (ii) da nacionalidade da pessoa a quem é imputada a conduta criminosa. Deste preceito resulta a possibilidade para o Tribunal exercer a sua jurisdição quanto a nacionais de Estados que não sejam Estados-Partes do Estatuto de Roma. Sendo um dos critérios de atribuição de jurisdição o local da prática do crime, o recurso à alínea

a)do artigo 12º, nº 1 do estatuto permite, de facto, o exercício de jurisdição relativamente a nacionais de Estados fora do Estatuto. Numa abordagem conservadora, este preceito é um desvio inaceitável ao princípio fundamental de que as obrigações internacionais se criam na base do consentimento de Estados segundo os princípios gerais do Direito dos Tratados (tendo inclusivamente sido suscitadas dúvidas sobre a compatibilidade do preceito com o artigo 36º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969), sendo igualmente inaceitável o seu elemento de "jurisdição universal" permitindo a punição de nacionais de Estados que não aceitaram vincular-se pelo Tratado. Numa abordagem progressista, o preceito ficaria aquém das expetativas por justamente requerer alguma forma de consentimento (do Estado em cujo território o crime seja praticado ou do Estado da nacionalidade do autor), pela sua natureza de tratado entre Estados e pela própria ideia de complementaridade (infra).

O segundo aspeto respeita aos poderes do Procurador no artigo 15º. Nos termos do nº 1 deste preceito o Procurador "poderá, por sua própria iniciativa, abrir um inquérito com base em informações sobre a prática de crimes da competência do Tribunal". No âmbito dos seus poderes de investigação e caso entenda existirem indícios sérios que fundamentem a abertura de um inquérito o Procurador pedirá autorização para tal ao juízo de instrução. A intervenção do Conselho de Segurança neste esquema de funcionamento apenas poderá ser feita nos termos do artigo 16º. Os artigos 15º e 16º constituem os aspetos inovatórios essenciais: pela primeira vez, no plano internacional, existe um poder de natureza judicial verdadeiramente independente (mesmo considerando todas as condicionantes inseridas) de interferência política e, em especial, da interferência do Conselho de Segurança. O controlo dos poderes de investigação e inquérito do Procurador é exercido por um órgão de natureza judicial, o juiz de instrução, numa alteração fundamental do modelo anterior.

O terceiro aspeto respeita, conexo com o aspeto dos poderes do Procurador, ao papel do Conselho de Segurança nas suas relações com o Tribunal. Apesar do Conselho de Segurança deter uma posição processual privilegiada (nos termos do artigo 13º, a submissão pelo Conselho de Segurança de determinada situação ao Procurador, dispensa o requisito do consentimento dos Estados implicados), o contraste com a solução dos anteriores tribunais ad hoc e com o projeto de 1994 da Comissão de Direito internacional é enorme. No projeto de 1994 a investigação do Procurador só

26O conteúdo do Estatuto representaria um compromisso entre a rutura e a continuidade com o legado de Vestefália de acordo com José Manuel Pureza (2001) Da Cultura da Impunidade à Judicialização Global: o Tribunal Penal Internacional. Revista Crítica de Ciências Sociais. 60: 129.

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poderia ter início com autorização expressa do Conselho de Segurança, enquanto que no atual artigo 16º o poder do Conselho de Segurança se transformou num mero poder de suspensão de investigações entretanto iniciados. Na versão da comissão de direito internacional, tal como nos anteriores tribunais ad hoc, o exercício de jurisdição penal internacional estava absolutamente condicionado aos poderes do Conselho e, em consequência, ao direito de veto de qualquer um dos cinco membros permanentes. E esta alteração de equilíbrio é fundamental: um Estado membro permanente que deseje suspender o início ou a prossecução de um inquérito do Procurador tem de simultaneamente garantir 9 dos 15 votos no Conselho, bem como o voto favorável dos restantes membros permanentes.

Por último, o quarto respeita ao compromisso relativo ao binómio complementaridade/cooperação e ao funcionamento global do sistema penal internacional. A ideia de complementaridade, consagrada desde logo no preâmbulo e no artigo 1º do Estatuto é a fórmula de conciliação de uma ideia de soberania judicial com a ideia de justiça supranacional ou transnacional. Recordando o debate agudo na União Europeia sobre a afirmação do princípio do primado e a afirmação do sistema de federalismo judicial, muitas em ambiente de conflito declarado com os tribunais constitucionais de alguns Estados Membros, no sistema penal internacional proposto pelo Estatuto de Roma, as jurisdições penais nacionais têm um primado sobre a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Este último não pode intervir senão subsidiariamente, em casos descritos no próprio Estatuto, contrariando qualquer ideia de jurisdição universal. Os artigos 17º a 19º contêm regras de grande detalhe sobre esta dinâmica do diálogo entre jurisdições nacionais e a jurisdição internacional. Os artigos 86º e seguintes estabelecem diferentes obrigações específicas de cooperação, temperando, de forma relativa, este primado da jurisdição penal nacional. Segundo Marten Zwanenburg:

"The principle of complementarity constitutes a deference to national sovereignty, which is contrary to a development in international law away from broader notions of sovereignty" (Zwanenburg 1999: 130).

As discussões que ocorrem no momento atual quanto à aplicação do princípio da complementaridade nos casos do Quénia e à Líbia possuem o maior interesse na perspetiva da aplicação da complementaridade.

Considerando o pacote global de compromisso adotado em Roma, William Schabas, observa:

"The adoption of the Rome statute on the international Criminal Court represents a singular defeat for American diplomacy. The world’s only superpower found itself outmanoeuvred by a constellation of small and medium powers, including some of its closest friends and allies (…) Faced with an accelerated pace of ratification and entry into force, the United States took several aggressive measures directed against the Court" (Schabas 2004: 720).

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O grau de hostilidade, senão mesmo de agressividade ativa, demonstrado durante a administração Bush contra o tribunal só pode ser compreendido à luz da perceção pelos EUA de que uma justiça penal internacional, permanente e independente, constitui uma ameaça a interesses estratégicos, uma verdadeira investida contra a soberania nacional. O Presidente Clinton procedeu à assinatura do tratado no último dia disponível para tanto, numa eventual estratégia de reforma do texto enquanto Estado Parte, tendo essa assinatura sido imediatamente retirada pela nova administração, no célebre episódio do "unsigning" (o que em português daria o neologismo expressivo de "desassinatura") de um tratado internacional27.

Esta escalada de hostilidade tem em 2002 um momento de grande intensidade com a adoção de American Service-members’ Protection Act (ASPA). Independentemente da clivagem entre republicanos e democratas, a abundante literatura jurídica e jurídico- política norte-americana encontra-se muito dividida sobre o assunto28.

Em Portugal, como em vários outros Estados, o debate relativo à adesão ao Estatuto de Roma centrou-se na perspetiva da constitucionalidade da transferência de soberania. O ponto de partida do constitucionalista é, no essencial, um ponto de vista soberanista: a Constituição nacional preserva a capacidade de comando de uma determinada comunidade política sobre o seu território e a maior ou menor abertura do ordenamento constitucional ao exterior é em si mesma uma questão de natureza constitucional. A adesão ao Estatuto de Roma (aliás como as sucessivas adesões aos Tratados de integração europeia) é pressentida como cedência de soberania29, a qual tem de previamente acomodada pelo texto constitucional interno, se necessário com a sua alteração. Vital Moreira30 refere a questão da adesão ao Estatuto como uma questão de soberania judicial: a capacidade de investigar e julgar os crimes ocorridos no seu território é um atributo essencial de soberania estatal (sendo que no caso português, as normas constitucionais, caracterizam os tribunais como órgãos de soberania), pelo que, determinadas normas do Estatuto de Roma representam efetivamente derrogações da "Constituição Penal" ou "judicial". Para um Estado como Portugal, a soberania judicial, como qualquer outra soberania, possui uma estratégia de adaptação que passa pela permeabilidade do ordenamento constitucional. O artigo 7º da Constituição Portuguesa, alterado em 1997, resolve o conflito com uma solução de abertura, de soberania dialogante suscetível de aceitar esquemas limitados de supranacionalismo ou de verdadeiro federalismo jurídico.

27Ver o interessante artigo de Edward Swaine (2003) Unsigning. Stanford Law Review. Vol 55: 2061, no qual o autor disserta sobre o significado desta prática no domínio do Direitos dos Tratados, a sua legalidade face à Convenção de Viena de 1969 e efeitos possíveis na prática de negociação e conclusão de tratados multilaterais.

28Ver por exemplo Ruth Wedgwood (1999) The International Criminal Court: an American View. European

Journal of International Law. 10: 93, Casey (2002) The Case against the International Criminal Court.

Fordham International Law Journal. 25: 840, Monroe Leigh (2001) The United States and the Statute of

Rome. American Journal of International Law. 95: 124.

29O processo de afirmação do princípio do primado pelo Tribunal do Luxemburgo foi um processo de conflito latente que durou décadas, com os tribunais constitucionais e governos dos Estados Membros. Ver a este propósito Karen Alter (2001) Establishing the Supremacy of European Law – The making of an International Rule of Law in Europe. Oxford: University Press.

30Vital Moreira (2004) O Tribunal Penal Internacional e a Constituição in Vital Moreira/Leonor Assunção/Pedro Caeiro/Ana Luisa Riquito, O Tribunal Penal Internacional e a Ordem Jurídica Portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora, p. 20.

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4. Da Guerra Ilícita ao Crime de Agressão.

Em 12 de Junho de 2010, em Kampala, Uganda, foram adotadas as primeiras emendas ao Estatuto de Roma, relativas à criminalização de determinado tipo de armamento e ao crime de agressão, em especial às condições de exercício de jurisdição do tribunal penal internacional.

Este desenvolvimento introduz linhas de discussão muito interessantes para o tema em análise e alimentará muitas discussões futuras sobre o Direito penal internacional.

O artigo 6º da Carta de Londres sobre o Tribunal Militar Internacional que procedeu aos julgamentos de Nuremberga, estabelecia entre os crimes submetidos à jurisdição do Tribunal os

"Crimes against peace: namely , planning, preparation, initiation or wagging of a war of agression, or a war in violation of international treaties, agreements and assurances, or participation in a common plan or conspiracy for the accomplishement of any of the foregoing".

A Carta do Tribunal Internacional para o Extremo Oriente, de 19 de janeiro de 1946, continha uma disposição quase idêntica a esta.

A acusação e condenação por crime de agressão, "the supreme international crime" foi um dos aspetos mais revolucionários e controversos dos processos de Nuremberga e Tóquio, num grande confronto entre normativistas e jus naturalistas, em termos que permanecem de atualidade.

O sistema de segurança coletiva consagrado pela Carta das Nações Unidas, proclamou solenemente a proibição da ameaça do uso da força e, nos termos do artigo 39º da Carta, atribuiu competência ao Conselho de Segurança para determinar, entre outros, a existência de um ato de agressão, bem como as medidas adequadas para restaurar a paz e segurança coletiva.

No período que antecedeu o Estatuto de Roma, algumas tentativas de codificação do Direito Penal Internacional, incluíram a questão do crime de agressão. A adoção da Resolução 3314 da Assembleia Geral, de 14 de dezembro de 1974, é um dos marcos significativos neste processo em particular a inclusão no seu artigo 5º da declaração que "a war of agression is a crime against international peace". O Tribunal Internacional de Justiça apreciou questões relativas à ilicitude de casos de agressão no caso Nicarágua31, tendo-se referido a algumas das disposições da Resolução 3314. A progressiva afirmação da ilicitude da agressão, com base no sistema da Carta das Nações Unidas, foi sendo feita mas ainda sem que uma tipificação de atos de agressão como crime internacional fosse estabelecida de forma suficientemente clara. Apesar de parte das acusações de Nuremberga e Tóquio se basearam nesta presunção de existência de um crime internacional de agressão (ou crime contra a paz na terminologia da época), a questão não ficou definitivamente encerrada antes de 1998.

31Decisão de 27 de junho de 1986 Nicarágua c. Estados Unidos da América, em especial parágrafos 187 a 201.

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As razões que levaram à não inclusão definitiva do crime de agressão no Estatuto de Roma são sobejamente conhecidas e visaram apenas viabilizar o compromisso, já de si bastante delicado, diferindo a discussão para um momento posterior. O artigo 5º, nº 1 incluiu o crime de agressão como submetido à jurisdição do tribunal mas, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, tal jurisdição só poderia ser exercida com a adoção de emendas posteriores contendo a definição do crime e as condições de exercício de jurisdição pelo Tribunal.

Entre 2002 e 2009, o Grupo Especial de Trabalho sobre o Crime de Agressão, criado pela primeira Assembleia de Estados Partes do Tribunal Penal Internacional com o encargo de elaborar um projeto de emendas, procedeu a uma série de reuniões formais e informais destinadas a atingir o desiderato referido no artigo 5º, nº 232. Os trabalhos deste Grupo serviram de base à Conferência Diplomática de 2010. O texto adotado em Kampala enferma do mesmo tipo de vício, frequentemente encontrado nos textos jurídicos preparados, discutidos e "esquartejados" em ambiente multilateral, tal como referido a propósito de Roma. Em resultado do choque de interesses absolutamente diferentes e de culturas jurídicas diferenciadas, os textos de compromisso final revestem-se de uma opacidade técnica e de zonas de ambiguidade, muitas vezes permitindo interpretações distintas sobre o que teria sido realmente acordado. O pacote final de Kampala abrange alterações ao artigo 8º (constituídas pela criminalização da utilização de três novas categorias de armamento) , o acrescento do novo artigo 8ºbis, contendo a definição do crime de agressão e o acrescento dos novos artigos 15º bis e 15º ter relativos ao exercício de jurisdição.

As emendas de 2010 assentam ainda num sistema complexo que separa a (i) entrada em vigor do (ii) exercício de jurisdição pelo Tribunal e ainda da (iii) possibilidade de ativação diferenciada de jurisdição nas situações de reenvios pelo Conselho de Segurança ou submissões por Estados e investigações proprio motu pelo Procurador33. Este todo ainda com uma possibilidade limitada de opt out para algumas situações de jurisdição e submetido a uma decisão final da Assembleia de Estados-Parte a tomar após 1 de Janeiro de 2017.

A entrada em vigor das emendas será feita nos termos do artigo 121, nº 5 do Estatuto, ou seja, as mesmas entrarão em vigor individualmente para cada um dos Estados que as ratificar, um ano após a data de ratificação. Contudo, a entrada em vigor das emendas não produz automaticamente qualquer efeito na jurisdição do Tribunal sendo ainda necessário duas etapas de condições suplementares, de natureza geral e especial. No conjunto de condições gerais necessárias à ativação da jurisdição do

32 Estes trabalhos foram muito positivamente influenciados pelo caráter informal de várias reuniões realizadas em ambiente académico, naquilo que ficou designado como Princeton Process. Estes trabalhos estão documentados em Stefan Barriga/Wolfgang Danspeckgruber/ Christian Wenaweser (eds.) (2009) The Princeton Process on the Crime of Agression. Princeton: The Liechtenstein Institute on Self- Determination at Princeton University. Sobre as negociações técnicas no Grupo Especial ver Stefan Barriga (2010) Against the odds: The Results of the Special Working Group on the Crime of Agression in Roberto Bellelli (ed.) International Criminal Justice. UK: Ashgate, p. 621 e ainda Roger Clark (2009) Negotiating Provisions Defining the Crime of Agression, its Elements and the Conditions for ICC Exercise on Jurisdiction over it. European Journal of International Law. 20: 1103.

33Uma explicação clara do acordado em Kampala e das diferentes questões de interpretação relativas à entrada em vigor e condições de exercício de jurisdição pode ser encontrada em Stefan Barriga (2012) Exercise of Jurisdiction and Entry into Force of the Amendments on the Crime of Agression” in Gérard Dive/ Benjamin Goes/ Damien Vandermeersch (eds.) From Rome to Kampala: the first 2 Amendments to the Rome Statute. Bruxelles: Bruylant, p.31 e também em Roger Clark (2010) Amendments to the Rome Statute of the International Criminal Court Considered at the First Review Conference of the Court, Kampala, 31-May-11 June 2010. Goettingen Journal of International Law. 2: 689.

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Tribunal será ainda necessário um número mínimo de 30 ratificações (de preferência até ao final de 2015) e uma decisão final da Assembleia de Estados Parte (após 1 de Janeiro de 2017) permitindo que o Tribunal inicie o exercício da sua jurisdição (por 7/8 dos membros da Assembleia). A estas condições acresce um conjunto de condições especiais, em função do tipo de iniciativa processual que estiver em causa. No caso de reenvios pelo Conselho de Segurança, o tribunal poderá exercer, sem mais condicionantes, a sua jurisdição para qualquer um dos quatro crimes do catálogo de Roma e sem qualquer necessidade de consentimento pelos Estados envolvidos. Nos restantes dois casos de submissões por Estados ou investigações proprio motu pelo Procurador as seguintes condições devem ser observadas: todas as situações de agressão envolvendo Estados não-Partes são excluídas da jurisdição do Tribunal. Para as situações de agressão que envolvem Estados-Partes no Estatuto de Roma pelo menos um dos Estados (autor ou vítima da agressão) tem de ter em vigor as emendas no seu território e não pode ter feito uma declaração de opt out quanto à aceitação de jurisdição nestes casos (em momento anterior aos alegados atos de agressão). A tudo isto acrescem obrigações específicas no relacionamento entre o Procurador e o Conselho de Segurança e os poderes desde último como filtro de jurisdição, bem como a capacidade de suster investigações em curso nos termos do artigo 16º do Estatuto.

Tomando em consideração que a descrição supra é feita de forma simplificada e sem cuidar de questões específicas de interpretação sobre a aplicação do regime 121º, nº 5 do Estatuto e do sistema de opt out para algumas situações, fica-se com uma noção muito clara da verdadeira selva interpretativa criada por este tipo de textos. O caminho para o pleno funcionamento da jurisdição do Tribunal relativamente ao crime de agressão vai ser muito sinuoso. Em março de 2013 constata-se que apenas cinco Estados ratificaram as emendas de Kampala, o que não deixa antever que seja desde já garantida a jurisdição do Tribunal relativamente ao crime de agressão após 2017.

Para além dos aspetos processuais referidos, alguns dos aspetos substantivo das alterações introduzidas em 2010, possuem uma importância particular para o tema em análise.

O aspeto mais fundamental do compromisso de Kampala respeita às relações entre o Conselho de Segurança e o Tribunal, quanto às condições do exercício de jurisdição por este último. Este foi, aliás, o ponto fulcral do processo de negociação e a linha de divisão entre dois campos opostos. Esta linha é fácil de descortinar: por um lado os cinco membros permanentes do Conselho em defesa das prerrogativas que a Carta das Nações Unidas lhe concede para a determinação de situações de agressão e por outro, um conjunto de alianças diferenciadas entre grupos de países cujo elemento comum era a defesa de uma independência do Tribunal face ao Conselho de Segurança, bem como a autonomia da determinação judicial da existência de um crime de agressão.

De acordos com o estabelecido nos nºs 6 a 8 do novo artigo 15º bis34:

"6- Se concluir que existe fundamento suficiente para abrir um inquérito em relação a um crime de agressão, o procurador deverá certificar-se primeiro que o conselho de segurança verificou a existência da prática

34Tradução em língua portuguesa realizada no Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério em 2011, a partir dos originais em língua inglesa.

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de um ato de agressão pelo estado visado. O procurador deverá notificar o secretário-Geral das Nações unidas do caso levado a tribunal, bem como de quaisquer informações ou documentos pertinentes.

7- Quando o conselho de Segurança verificou a existência da prática de um acto de agressão, o procurador pode abrir um inquérito em relação ao crime de agressão.

8- Sempre que não se verifique a prática de um ato de agressão no prazo de seis meses a contar da data de notificação, o procurador pode abrir um inquérito em relação a um crime de agressão desde que a secção de instrução tenha autorizado a abertura do inquérito em relação a um crime de agressão segundo o procedimento previsto no artigo 15º, e salvo decisão em contrário do Conselho de Segurança em conformidade com o artigo 16º".

A obtenção do texto supra implicou um tremendo volume de energia negocial e representa sobretudo uma derrota da posição dos cinco membros permanentes. Estes últimos advogavam a ativação da jurisdição do tribunal com base numa, assim designada, green light proposal: nos casos apresentados pelos estados ou pelo Procurador, este último só poderia prosseguir na investigação com um pedido expresso do Conselho de Segurança para tanto35. A proposta que vingou apresenta-se mais próxima de uma, assim designada, red light proposal: em caso de inação do Conselho de segurança, o Procurador pode prosseguir com a investigação (autorizado pelo juiz de instrução), exceto se o Conselho de Segurança decidir o contrário (nos termos do artigo 16º).

As implicações são bastante significativas: na designada green light proposal a jurisdição do Tribunal é totalmente subordinada a uma decisão prévia do Conselho. Na segunda, próxima do texto definitivo de Kampala, apesar de existirem condicionantes importantes no exercício de jurisdição do tribunal quanto ao crime de agressão, está-se perante uma jurisdição concorrente, mesmo que parcialmente, das prerrogativas do Conselho para determinar a existência de uma situação de agressão (independentemente da sua qualificação como conduta criminal). É certo que a prossecução das investigações pelo Procurador possui desde logo um filtro (autorização pelo juiz de instrução), o qual é, no entanto, de natureza judicial e independente e um travão político, dado que o Conselho de Segurança pode suspender por um período de 12 meses (renováveis) a continuação de uma investigação, no entanto o impacto nas prerrogativas deste último é evidente.

Em primeiro lugar, a inação do Conselho de Segurança na determinação da existência de agressão não conduz fatalmente a um impasse sem solução. Essa inação passa a ter um limite temporal, seis meses, e o esgotamento desse limite permite acionar os poderes independentes do Procurador, embora com controlo judicial. Caso o Conselho de Segurança pretenda travar uma investigação (e esse travão tem ele próprio um limite temporal), terá de reunir 9 votos no seio do Conselho e garantir que nenhum dos membros permanentes aponha o seu veto.

35Sobre a história e documentação da negociação e as diferentes propostas apresentadas consultar Stafan

Barriga/Claus Kreβ (eds.) (2012) Crime of Agression Library: the Travaux Preparatoires of the Crime of

Agression. Cambridge: University Press.

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A dinâmica da ação ou inação do Conselho de Segurança na determinação da existência de situações de agressão, vai ser necessariamente afetada pela existência de uma alternativa judicial, para efeitos penais, que pode ser acionada em caso de inação. Enquanto a apreciação da agressão for exclusivamente um exercício de natureza política pertencendo apenas ao Conselho de Segurança, a inação deste não possui quaisquer consequências. O Conselho não adota nenhuma resolução e a partir daí, nada pode ser feito. Neste momento, o Conselho não tem um monopólio exclusivo quanto à determinação da agressão, dado que o Procurador e o Tribunal podem determinar a existência de um crime de agressão. E os equilíbrios específicos do voto e do veto no seio do Conselho de Segurança passam a ser fundamentais para impedir a jurisdição e não para permitir a jurisdição do Tribunal, a qual lhe é atribuída pelo tratado internacional que é o Estatuto de Roma.

Outra situação particularmente interessante é a que surgir quando o Conselho de Segurança, interpelado pelo Procurador determinar expressamente por meio de resolução a inexistência de uma situação de agressão. Na prossecução da investigação o Procurador, ou posteriormente o Tribunal chegam a uma conclusão oposta, declarando que foi praticado um crime de agressão. Ou a situação inversa: ao abrigo das suas prerrogativas o Conselho de Segurança procede à determinação da existência de uma situação de agressão e o Procurador ou o Tribunal, chegam á conclusão inversa de que não foi praticado um crime de agressão. Talvez estas hipóteses sejam de natureza mais teórica do que qualquer outra coisa mas as duas possibilidades resultam efetivamente das emendas introduzidas ao Estatuto. E nesses casos não adiantará grandemente invocar que o Conselho de Segurança realiza um exercício essencialmente político enquanto o Tribunal realiza um exercício judicial. Mesmo que com uma natureza diferente – política e judicial – a possibilidade de os mesmos fatos poderem ser qualificados como agressão ou não (situação ou crime de agressão) não deixa de ser perturbadora36.

A história da determinação da existência de agressão pelo Conselho de Segurança pode facilmente ser resumida, dado o muito reduzido número de casos relativamente aos quais o mesmo se pronunciou neste âmbito. Na verdade o Conselho de Segurança apreciou a existência de uma situação de agressão apenas em cinco casos: Rodésia do Sul, África do Sul, Benim, Tunisia, Ilhas Malvinas/Falkland e Iraque/Koweit. Nos casos da Rodésia do Sul e África do Sul, o Conselho adotou diferentes resoluções ao longo dos anos, constatando a existência de "atos de agressão" contra Estados vizinhos como situações constatando ameaças contra a paz e estabilidade internacionais. No caso do Benim, as incursões de mercenários ocorridas em 1977, foram igualmente qualificadas como atos de agressão armada. No caso da Tunísia o Conselho qualificou ataques de Israel como atos de agressão, condenando-os expressamente. No caso das ilhas Malvinas/Falkland, o Conselho exprimiu a sua preocupação com a incursão militar argentina no arquipélago, não tenso qualificada a mesma como ato de agressão. Por último no caso mais exemplar da invasão do Koweit pelo Iraque, sem dúvida o caso mais evidente de uma situação de agressão dos últimos tempos, as diferentes resoluções adotadas nunca qualificaram a invasão militar do Koweit e mesmo a sua anexação territorial como ato de agressão.

36Sean Murphy (2012) The Crime of Agression and the ICC. George Washington University Law School, Legal Studies Research Paper 50: 39, suscita o receio de a existência e expansão da jurisdição do Tribunal Penal Internacional, limitar a capacidade de gestão, pelo Conselho de Segurança, de situações de conflito armado.

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Não é temerário afirmar que a tendência natural do Conselho de Segurança é a inação: o Conselho tende naturalmente para não se pronunciar sobre a existência de uma situação de agressão. E este facto não deriva tanto dos equilíbrios específicos dos votos e vetos mas sobretudo da natureza do silêncio do Conselho. No quadro do exercício dos poderes do Conselho ao abrigo do artigo 39º, de certa forma o silêncio pode ser em si mesmo uma decisão: não determinar que em determinada situação fáctica houve atos de agressão pode ser uma opção consciente com motivações possíveis muito diferenciadas. O Conselho pode mesmo, pelo silêncio, pretender não recorrer a nenhuma das medidas possíveis ao abrigo do Capítulo VII da Carta, insistindo em soluções de natureza político e diplomática para eventos que efetivamente integrem ato ou atos tipificados como condutas de agressão. Quaisquer que sejam as motivações do Conselho a verdade é que, no momento em que às emendas de Kampala for dada plena execução, existe uma alternativa a essa inação.

O tema em si mesmo encerra uma questão de natureza "constitucional" para a ordem pública internacional a qual, em última análise, se prende com a natureza exclusiva ou não exclusiva dos poderes do Conselho de Segurança ao abrigo do capítulo VII da Carta, bem como o exato alcance do artigo 103º.

Antes de tratar desta questão, é útil passar em revista alguns comentários sobre as emendas de Kampala. Parece interessante citar Zhou Lulu37, por várias ordens de razões, por não ser muito divulgado no Ocidente um pensamento jurídico internacional chinês, mas também porque Lulu integrou a delegação chinesa na Conferência de Kampala.

Zhou Lulu avalia globalmente o compromisso de Kampala sobre as condições do exercício de jurisdição como um fator de desestabilização para a paz e segurança internacionais, ao introduzir impactos negativos no sistema jurídico e político internacional atual.

A faculdade concedida ao Tribunal para apreciar situações de agressão em situações de inação do conselho, não é compatível com os poderes que o artigo 39º que a carta atribui a este e o sistema de competências concorrentes entre estes dois órgãos afeta todo o sistema de segurança coletiva em vigor após 1945. A autora exprime ainda grande preocupação com a possibilidade de as duas entidades (uma das quais, o Tribunal, independente do sistema das Nações Unidas) poderem chegar a conclusões diametralmente opostas quanto à existência de uma agressão na mesma situação de facto. Nesta situação que tipo de obrigações decorreriam para os Estados do artigo 103º? A autora refere de forma implícita que o preceito imporia aos Estados o desrespeito por uma sentença do Tribunal se a mesma contrariasse uma prévia constatação pelo Conselho de Segurança. E o resultado final da existência de constatações divergentes entre o Conselho e o Tribunal seria que

"(…) not only will the international community be faced with the disorder brought on by the lack of clear right-or-wrong standards, the fragmentation of international law will be exacerbated which may stimulate states to go more on their own ways. In the long term, this

37Zhou Lulu (2012) Brief Analysis of a Few Controversial Issues in Contemporary International law in Morten Bergsmo/ Ling Yan (eds.) State Sovereignity and International Criminal Law. Beijing: Torkel Opshal Academic EPublisher, p. 21.

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will be harmful to preventing acts of aggression and maintaining international legal order" (Zhou 2012: 35).

Guo Yang ilustra o possível conflito de decisões:

"(…) to authorize the Prosecutor to proceed with the case in disregard of the decisions of the Council will put the reputation and credibility of both institutions at risk if their decisions conflict each other. It will also put the States into a dilemma when faced with conflicting decisions because they are required to give priority to the obligations from the Council under Article 103 of the Charter, which could hinder their co-operation with the Court (…) The intervention of the Court under these circumstances might not be a contribution to peace and security" (Guo 2012: 97).

Muito deste debate pressupõe a qualificação dos poderes do Conselho de Segurança ao abrigo do capítulo VII da Carta (ou melhor da interpretação cruzadas dos artigos 24º,25º e 39º da Carta) como poderes exclusivos no âmbito da paz e segurança internacionais e, em consequência, excluindo quaisquer outros poderes concorrentes. Esta natureza exclusiva dos poderes do Conselho assenta numa visão segundo a qual a determinação da agressão é na sua essência uma determinação de natureza política e diplomática e, por conseguinte, apenas o Conselho como órgão político é apto a fazer essa determinação. É um discurso de exclusão de qualquer tentativa de judicialização da agressão, de exclusão de um qualquer juízo técnico-jurídico sobre a apreciação de condutas. É no fundo um discurso agressivo à existência de poderes judiciais independentes do Conselho, visando eliminar a existência de alternativas ao Conselho de Segurança em matérias de segurança internacional. Várias formas de contrariar esta ideia de exclusividade de poderes do Conselho seriam possíveis mas bastaria refletir que a defesa intransigente deste monopólio criaria de facto a distinção entre Estados Gigantes e outros Estados a que se referia Vattel, numa situação em si mesma incompatível em termos jurídicos com a igualdade soberana consagrada no artigo 2º da Carta. Em última análise, fazer depender a jurisdição do Tribunal (ou de qualquer tribunal ad hoc) da dinâmica do veto criaria uma imunidade absoluta de jurisdição a favor de cinco Estados para qualquer um dos crimes internacionais.

Existe qualquer coisa de irreconciliável entre independência judicial e Conselho de Segurança e entre uma avaliação política, largamente discricionária e que não é em si mesma sindicável, e uma avaliação judicial objetiva sobre a existência de determinadas condições que são tipificadas como condutas criminosas numa norma pré-existente. Estas avaliações têm objetivos distintos: o Conselho de Segurança avalia a existência de "situações" de agressão para efeitos de determinar ameaças à paz e seguranças internacionais, enquanto o Tribunal avalia a prática de "crimes de agressão" para efeitos de imputação de responsabilidade penal individual e aplicação de uma possível pena38. No entanto, até 1998, ambas se mantiveram no estrito controlo do Conselho: a

38O texto do artigo 15º-bis, nº 4, torna difícil sustentar esta exclusividade como observa David Sheffer “However, in order for the pre-trial Division to authorize the investigation of a crime of aggression, it will

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criação dos tribunais ad hoc permitiu que num primeiro momento, o Conselho se apropria-se também da administração da justiça penal internacional, enfim dos crimes e dos seus castigos. Os dois momentos recentes 1998 e 2010 abrem duas brechas definitivas num monopólio punitivo que a ordem de 1945 retirou progressivamente à soberania dos Estados para colocar nos Super-Soberanos do Conselho de Segurança.

A expansão da jurisdição do Tribunal para domínios da reserva absoluta do Conselho de Segurança, como a apreciação da legalidade (criminal) da Guerra, poderá, caso seja conduzida segundo padrões judiciais irrepreensíveis sob o ponto de vista técnico, trazer ligeiras alterações nos equilíbrios existentes. Como afirmam Kreβ e von Holtzendorff, se o Tribunal

"(…) succeeds, it is not unreasonable to assume that world opinion will begin to slowly exert its soft power towards the expansion of the ICC’s jurisdictional reach" (Kreβ/ Holtzendorff 2010: 1179).

5. Conclusões

A existência de uma justiça penal internacional, com natureza permanente e independente, é contrária à ideia de soberania estatal, nas suas manifestações concretas de soberania judicial e punitiva. No entanto não parece correto afirmar que as relações entre soberania e justiça penal internacional se organizem apenas em termos de antagonismo, não se impondo uma escolha absoluta entre soberania ou justiça internacional39. As soberanias nacionais, sujeitas atualmente a inúmeros fatores de erosão, possuem estratégias próprias de adaptação e transformação, as quais podem, inclusivamente, passar por cedências consentidas e pontuais de parcelas de poder e independência. Convém ter presente que o próprio Conselho de Segurança já submeteu à apreciação do Tribunal situações concretas de agressão.

No plano da justiça penal, as dificuldades de adaptação não virão de pequenos e médios Estados, cujo processo de adaptação a esta erosão progressiva de soberania, se encontra em curso com base em consensos políticos internos mais ou menos pacíficos, mas sim dos grandes Estados, em particular dos Super Soberanos com assento permanente no Conselho de Segurança. E, em segunda linha, essas dificuldades virão de outros Grandes Soberanos, sem uma expressão de soberania tão militarizada e sem as prerrogativas concedidas pelo estatuto jurídico formal diferenciado adveniente da qualidade de membro permanente.

Após 1945, o consenso entre os Super Soberanos permitiu a entrada de instrumentos judiciais penais na ordem pública internacional com os julgamentos de Nuremberga e Tóquio. Este modelo de justiça penal internacional seletiva possui uma função essencialmente retributiva e punitiva em detrimento de uma função geral de prevenção de crimes internacionais destinada a contribuir para a paz e segurança internacionais.

need to determine(…) that a crime of aggression arises from an act of aggression. That requirement challenges the view that the Security Council has the exclusive authority to determine an act of aggression” (Scheffer 2010: 16).

39Ver a observação certeira de Robert Cryer: “An excess of sovereignty and state power can lead to international crimes, as in the Holocaust, but so can a lack of sovereign powers, as in Somalia or Sierra Leone. Ironically, we act through state sovereignty in order to restrict actions justified in the name of sovereignty” (Cryer 2005: 1000).

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A sobrevivência do modelo de Nuremberga nas experiências da ex-Jugoslávia e do Ruanda continua a ser uma proposta interessante para os Super Soberanos que decidem quando, para quem e como são atribuídos os castigos. Apenas em 1998 e agora em 2010 este modelo de justiça seletiva escapa ao controlo dos seus criadores, criando realmente novas possibilidades, mesmo que muito limitadas, de alternativas a um determinado esquema de poder consagrado na composição do Conselho de Segurança. O incómodo e mesmo a hostilidade demonstrada pelos cinco membros permanentes perante o Tribunal Penal Internacional atestam, de forma evidente, que a justiça penal internacional é uma possibilidade de contra poder judicial e pressentida como uma condicionante indesejada de soberania. E esse incómodo pode ser visto como um resultado da subtil transição de um modelo de justiça internacional que é ainda na sua essência um sub-produto de um modelo interestadual de inspiração vestefaliana para um modelo, porventura mais sofisticado, de maior pendor cosmopolita e universalista. Esse incómodo é também resultado de uma relativa dificuldade de comunicação entre diplomatas e juristas: a essência do método diplomático é o segredo, a cedência, a composição de interesses mesmo que feita contra legem ou proeter legem, enquanto o jurista não pode trabalhar fora de um quadro de normas pré-determinadas e publicitadas. E no entanto, a paz e a segurança internacionais exigem seguramente as intervenções paralelas da Diplomacia e do Direito como os seus instrumentos essenciais. O jurista internacional não pode ficar acantonado a uma mera função de redator de fórmulas previamente acordadas pelos diplomatas, da mesma forma que o Direito Internacional não se resume ao Direito dos Tratados.

A alternativa judicial está criada apenas de modo formal: o Tribunal Penal Internacional só poderá afirmar-se pela credibilidade técnica e pela consolidação de uma jurisprudência de aplicação absolutamente irrepreensível. O carácter rudimentar do direito penal internacional deverá ser progressivamente corrigido e idealmente aproximado dos métodos de interpretação a aplicação de normas penais utilizados pelo criminalista nas ordens jurídicas internas, procurando definir um conjunto de padrões próprios da administração de justiça penal, baseado em preceitos determináveis e claros, numa operação saudável de "positivação" da "consciência e moral" universais.

E os juízes devem ter um voto de confiança. É necessário relembrar que sem os juízes do Luxemburgo, muitas vezes acusados de ativismo judicial, não existiria integração europeia, da mesma forma que sem os juízes de Estrasburgo não existiria uma ordem jurídica europeia de direitos humanos. E alguém consegue realisticamente imaginar uma ordem jurídica mundial sem o Tribunal Internacional de Justiça? Todos estes tribunais operaram na construção de um acervo jurídico em ambiente de conflito declarado com os Estados preocupados com a preservação da maior margem possível de soberania judicial e mesmo constitucional. Basta pensar nas relações tensas entre os tribunais constitucionais europeus e o tribunal do Luxemburgo ou na relação difícil dos grandes Estados, nomeadamente França e Estados Unidos, com a jurisdição compulsória do Tribunal Internacional de Justiça.

Os acontecimentos dos próximos anos serão determinantes para avaliar da credibilidade desta alternativa judicial para a paz e segurança mundiais e para o objetivo da luta contra a impunidade: a implementação das emendas de Kampala, a dinâmica das discussões relativas à complementaridade e o processo de maturidade de um corpo de regras de Direito Penal Internacional serão testes fundamentais a esta

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mesma credibilidade. Apesar de tudo é necessário ter em mente que em março de 2013 o Estatuto de Roma possui 122 Estados Partes e que, portanto, o objetivo de universalidade não constitui nenhuma manifestação de angelismo ou de pacifismo lírico, mas sim uma meta perfeitamente realista.

Énecessário dar tempo ao Tribunal Penal internacional. E por isso ainda estamos no tempo de observar e ainda não no tempo de explicar.

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