OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A REFORMA DOS INSTRUMENTOS MILITARES E DA AUTORIDADE DO
CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS NA IMPLEMENTAÇÃO DE
MEDIDAS COERCITIVAS MILITARES
Sofia Santos
sofiasantos@ymail.com Doutorada em Direito (Direito Internacional Público) pela Universidade de Saarland, Alemanha, tendo sido bolseira do Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD). Mestre em Direito Europeu e Direito Internacional Público pela Universidade de Saarland. Licenciada em Estudos Europeus, Inglês e Alemão pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Professora Convidada no Curso de Mestrado em Direito e Segurança da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (Portugal), onde colabora no Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS) na área do Direito Internacional da Segurança. Investigadora Integrada do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE) da Universidade Autónoma de Lisboa na área da justiça penal internacional. É auditora do Curso de Defesa Nacional entre outros cursos do Instituto da Defesa Nacional e autora de publicações e comunicações sobre Direito Internacional, Organizações Internacionais, Defesa e Segurança Internacional.
Resumo
A inexistência de uma componente militar de facto representa uma insuficiência normativa e operacional considerável do sistema onusiano. As divergências existentes entre os membros permanentes do Conselho de Segurança, facto que remonta aos primórdios da Organização, impediram a efetivação das disposições previstas na Carta das Nações Unidas e a conceção de alternativas credíveis e eficazes. Quando está em causa a implementação de medidas coercitivas militares decididas pelo Conselho de Segurança ao abrigo do Capítulo VII, esta questão assume uma importância decisiva, dado serem medidas decididas ultima ratio no sentido de manter ou restabelecer a paz e segurança internacionais. Sem uma Comissão de
Palavras chave:
Reforma; Conselho de Segurança; Instrumentos Militares; Capítulo VII; Enforcement; Medidas Coercitivas Militares
Como citar este artigo
Santos, Sofia (2013). "A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares". JANUS.NET
Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol4_n1_art1
Artigo recebido em 15 de Janeiro de 2013 e aceite para publicação em 19 de Março de 2013
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
A REFORMA DOS INSTRUMENTOS MILITARES E DA AUTORIDADE DO
CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS NA IMPLEMENTAÇÃO DE
MEDIDAS COERCITIVAS MILITARES
Sofia Santos
One of the achievements of the Charter of the United Nations was to empower the Organization to take enforcement action against those responsible for threats to the peace, breaches of the peace or acts of aggression.
However, neither the Security Council nor the
I believe that it is desirable in the long term that the United Nations develop such a capacity (…).
1. Introdução
A alusão à temática da “reforma” do Conselho de Segurança das Nações Unidas remete comummente para a esfera da sua composição e, em menor dimensão dos seus métodos de trabalho1, com o objetivo de tornar este órgão “mais representativo, eficiente e transparente e assim reforçar a sua eficácia, bem como a legitimidade e a implementação das suas decisões” (World Summit Outcome, 2005: 32). É inquestionável que as estruturas de poder do Conselho necessitam de ser reformadas. Este facto
1O aumento da transparência e da responsabilização (“accountability”) dos
2O Conselho de Segurança é constituído por quinze
Unido e os EUA são membros permanentes (art. 23º, nº 1). Os dez membros não permanentes são eleitos pela Assembleia Geral por um período de dois anos (art. 23º, nos 1 e 2).
3As potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial adquiriram uma posição privilegiada no Conselho de Segurança que deveria corresponder ao seu peso político singular na ordem internacional e ao seu contributo para um sistema de segurança coletiva eficaz. Enquanto o Reino Unido e a França perderam poder político e económico desde a criação das Nações Unidas em 1945, o continente africano, a América Latina bem como
2
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
segurança coletiva implica um repensar do papel do Conselho do Segurança (Santos, 2011).
Os apelos a uma “nova visão de segurança coletiva”, são, no contexto da reforma deste órgão, apenas associados a uma alteração da composição e dos métodos de trabalho − partindo do pressuposto que um maior envolvimento dos
Esta perceção de “reforma” deve ser desconstruída, dado que o almejado reforço da “eficácia”, “legitimidade” e da “implementação das decisões” deste órgão defendido pelos
Sendo certo que a Carta coloca à disposição do Conselho de Segurança instrumentos militares a fim de poder cumprir a sua responsabilidade fundamental na manutenção da paz e segurança internacionais consagrada no art. 24º da Carta e a implementação das medidas coercitivas militares decididas de acordo com o art. 42º da Carta, não existe uma componente militar de facto que assegure a sua exequibilidade.
Esta insuficiência normativa e operacional do sistema onusiano
Este artigo parte da análise do mecanismo de enforcement previsto na Carta, para em seguida, abordar a problemática subjacente à delegação da implementação de medidas coercitivas militares. Por último, o artigo reflete sobre as propostas de reforma existentes, sistematizando as linhas gerais e apontando possíveis soluções.
2. O Mecanismo de Enforcement da Carta das Nações Unidas
O mecanismo de enforcement que se encontra à disposição do Conselho de Segurança
éparte integrante do sistema de segurança coletiva das Nações Unidas, detendo um caráter complexo e multinível. A propósito desta competência do Conselho, Edward Luck afirmou:
4Cfr. UN Doc. A/59/565, A more secure world: Our shared responsibility, Report of the
3
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
“it was Chapter VII and its enforcement provisions that were to give teeth to its potential. Decisions of the Council taken under Chapter VII were to be enforceable, not just legally binding” (2006: 22).
É, de facto, esta competência que lhe possibilita assumir de forma mais categórica a sua responsabilidade estatuída no art. 24º e que permitiu a sua imposição gradual como “law enforcer” da comunidade internacional (Frowein; Krisch, 2002: 707).
A aplicação de medidas desta natureza pressupõe a determinação da existência de uma ameaça à paz, rutura da paz ou ato de agressão nos termos do art. 39º e que as medidas provisórias de acordo com o art. 40º não se tenham revelado eficazes.
Conforme estabelecido no art. 41º, o Conselho pode decidir diferentes medidas coercitivas não militares e instar os membros das Nações Unidas a aplicar tais medidas5. Este tipo de sanções constitui um patamar com um menor grau de coercitividade relativamente às medidas decididas de acordo com o art. 42º. A sua ineficácia constitui a premissa determinante para que o art. 42º seja aplicável. Este artigo concretiza:
“Se o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no artigo 41º seriam ou demonstraram ser inadequadas, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas”.
As medidas coercitivas militares decididas pelo Conselho deveriam ser executadas por forças armadas proporcionadas pelos respetivos
5O art. 41º determina que as medidas “poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radioelétricos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas”.
6O art. 45º prescreve que “os membros das Nações Unidas deverão manter, imediatamente utilizáveis, contingentes das forças aéreas nacionais para a execução combinada de uma ação coercitiva internacional”.
4
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
Comissão a função, sob a autoridade do Conselho de Segurança, de direção estratégica das forças armadas que executam a missão.
Os contingentes nacionais estariam sujeitos a regulamentos próprios e respetivo comandante nacional. Este estaria, por sua vez, sob o comando de um líder operacional sob o controlo da Comissão de
2.1. A Delegação da Implementação de Medidas Coercitivas Militares
A inexequibilidade dos desideratos de um exército das Nações Unidas com base em acordos negociados com os
Este modelo foi utilizado em situações de cariz distinto. Os EUA lideraram coligações com diferentes amplitudes. De referir, a operação com o objetivo de cooperar com o governo do Kuwait utilizando “all necessary means” na sequência da invasão deste Estado pelo Iraque7, a missão com o propósito de criação de um ambiente seguro para as operações de ajuda humanitária num conflito intraestadual na Somália8 e a missão com vista a assegurar o regresso do governo, eleito democraticamente, deposto por um golpe militar no Haiti9. Por sua vez, a coligação liderada pela França no Ruanda teve como objetivo a proteção dos deslocados, refugiados e civis10, a missão liderada pela Itália na Albânia visou garantir a segurança e a deslocação de organizações e agências internacionais de cariz humanitário11 e a coligação liderada pela Austrália em Timor Leste apoiou a missão da United Nations Mission in East Timor (UNAMET) e o auxílio humanitário12.
Se, por um lado, este sistema possibilita a execução de operações que de outra forma não seriam passíveis de implementação, por outro lado, revela várias fragilidades que minam a autoridade do Conselho de Segurança e do Direito Internacional.
Uma fragilidade
Após a emissão de um mandato, o caráter voluntário de prontificação de forças armadas pode
7SC Res. 678 (1990).
8SC Res. 794 (1992).
9SC Res. 940 (1994).
10SC Res. 929 (1994).
11SC Res. 1101 (1997).
12SC Res. 1264 (1999).
5
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
EUA, que reside nas marcadas e crescentes assimetrias militares entre os Estados- Membros, pode estar subjacente a ambas situações13 e ter consequências dramáticas, por exemplo, no caso de graves violações dos direitos humanos.
Uma outra fragilidade
Desta insuficiência decorre o risco dos
Acresce, ainda, a possibilidade de interpretações divergentes das resoluções. Embora o Conselho tenha, na sequência das recomendações do relatório do Painel das Operações de Paz das Nações Unidas (o designado Relatório Brahimi (2000:
13Esta assimetria é visível através dos respetivos orçamentos de defesa: os EUA possuem o maior orçamento, 711 mil milhões de dólares, o que representa 41% da percentagem mundial. Enquanto que entre 2002 e 2011, os EUA registaram um aumento de 59%, o Reino Unido, país com o quarto maior orçamento – 62,7 mil milhões de dólares, apenas registou um aumento de 18%. No mesmo período, a França e a Alemanha reduziram o seu orçamento em 0,6% e 3,7%, ocupando o 5º e o 9º lugar, respetivamente. A Itália ocupa apenas o 11º lugar com uma redução de 21% entre 2002 e 2011. A China e Rússia ocupam o segundo, 143 mil milhões de dólares, e o terceiro lugares, 71,9 mil milhões de dólares. Entre 2002 e 2011, o aumento do orçamento de defesa foi de 170% e de 79%, respetivamente, The Top 15 Military Spenders in 2011, SIPRI Yearbook 2012, Stockholm International Peace Research Institute, <http://www.sipri.org>.
14V., a este propósito, Quigley, John (1996). “The “Privatization” of Security Council Enforcement Action: A
Threat to Multilateralism”. Michigan Journal of International Law. 17, nº 2: pp.
15V., a este propósito, Wilson, Gary (2007). “The Legal, Military and Political Consequences of the “Coalitions of the Willing” Approach to UN Military Enforcement Action”. Journal of Conflict and Security Law. 12, nº 12: pp.
16SC Res. 814 e SC Res. 837 (1993).
17V. a título de exemplo, SC Res. 1264 (1999), SC Res. 1973 (2011).
18V. a título de exemplo, SC Res. 678 (1990), SC Res. 929 (1994).
6
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
em branco” (Dörr, 2006: 162). Além disso, se uma resolução não impõe um limite temporal, um membro permanente pode impedir o término de medidas coercitivas militares através da ameaça ou exercício do direito de veto, o que se designa por “reversed veto”. Neste caso, o período de vigência da autorização do Conselho não é claro. Por exemplo, os EUA e o Reino Unido rejeitaram a cessação das medidas decididas com base na resolução 678 (1990), o que lhes possibilitou prorrogar as medidas militares contra o Iraque (Stein; von Buttlar, 2012: 132).
De modo idêntico, os problemas mencionados, ainda que em menor dimensão, podem surgir no âmbito da delegação de operações de enforcement a organizações regionais. A Carta contempla no nº 1 do art. 53º a possibilidade de organizações regionais conduzirem este tipo de operações com base num mandato do Conselho, instrumento a que as Nações Unidas têm recorrido em algumas situações no sentido de manter ou restabelecer a paz e segurança internacionais. Sobretudo a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) tem desempenhado várias operações coercitivas militares, ainda que as resoluções mencionem o Capítulo VII e não remetam explicitamente em todas as situações para o Capítulo VIII. Por exemplo, na
Uma problemática que importa, aqui, salientar é a contratação de empresas de segurança privada pelos
2.2. Propostas de Reforma dos Instrumentos Militares
A inexistência de instrumentos militares credíveis e eficazes à disposição do Conselho de Segurança é uma temática controversa e tem sido recorrente desde a criação das
19SC Res. 816 (1993) e SC Res. 1031 (1995).
20SC Res. 1386 (2001).
21SC Res. 1973 (2011).
22De salientar, aqui, a questão da imunidade, que pode emanar do acordo da ISAF com o governo interino do Afeganistão, V. Military Technical Agreement between the International Security Assistance Force and the Interim Administration of Afghanistan, Annex A, Section 1.
7
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
Nações Unidas. Com o fim da Guerra Fria, esta insuficiência normativa e operacional
As propostas relativas às forças militares incluem uma multiplicidade de designações e conceções. No contexto de operações de enforcement importa salientar a proposta referente a unidades militares de reação rápida, ad hoc ou permanentes, compostas por voluntários recrutados pela Organização – seja numa dimensão e detalhe reduzidos e por esta razão não será objeto de análise neste artigo seja forças amplas que poderiam ser criadas nos mesmos moldes23.
No que concerne ao apoio militar e estratégico ao Conselho de Segurança são de referir duas propostas: a reativação da Comissão de
2.2.1. Forças Militares
Em 1992, o
23Carl Kaysen e George Rathjens aludem a uma Legião composta por voluntários a fim de desempenhar operações entre o modelo de peacekeeping clássico e de enforcement que não teria uma grande dimensão e que deveria ser apoiada por forças amplas (“backup forces”) que poderiam estar fortemente armadas e que permaneceriam sob controlo nacional, treinadas e orientadas com base em critérios e doutrinas comuns. Kaysen, Carl; Rathjens, George (2003). “Towards a UN Standing Army”. Daedalus, 132, nº 1: pp.
8
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
medida provisória com base no art. 40º e obter uma autorização prévia do Conselho (Ibid., para 44).
O insucesso do Conselho de Segurança em conter situações de genocídio como se verificou no Ruanda (1994), em Srebrenica (1995), no Kosovo (1999) e no Darfur (2004) reforçou a ideia referente à necessidade de uma capacidade de reação rápida. Esta conceção foi defendida por
O relatório Brahimi de 2000 recomenda a definição de capacidades de destacamento rápidas e eficazes pelas Nações Unidas, o que significaria o seu destacamento após a adoção de uma resolução do Conselho de Segurança no caso de operações de enforcement num prazo de 90 dias (2000:
Na literatura, vários autores defendem, ainda que com aspetos distintos, a criação de uma força de reação rápida.
Robert Johansen alude à criação de um “Emergency Peace Service” das Nações Unidas, uma força que seria permanente para proteger os indivíduos de guerras, genocídio e crimes contra a humanidade. Poderia ser um instrumento militar, designadamente na implementação da conceção “responsabilidade de proteger”, quando o Estado claramente não cumpre a responsabilidade de proteger a sua população civil. O autor considera que as medidas propostas pelo Grupo de Alto Nível possibilitariam um funcionamento mais eficaz do “UN Emergency Peace Service” enquanto este, por sua vez, poderia contribuir para a concretização dos objetivos definidos por este painel quer ao nível da proteção dos civis (genocídio) quer ao nível do aumento da capacidade de reação rápida. Esta força complementaria os esforços nacionais e regionais e onusianos, proporcionando proteção imediata e total em algumas crises e servindo como um instrumento de pacificação e preparando o caminho para a ajuda adicional subsequente; possibilitaria às Nações Unidas agir rapidamente sem que a decisão fosse obstruída por decisões a nível nacional. As forças
24O Canadá, Dinamarca e Países Baixos foram os principais impulsionadores da criação de um “United Nations Emergency Peace Service” na sequência do genocídio do Ruanda em 1994.
25V. as posições de Kofi Annan e de Ban
9
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
equipamento para o sucesso da missão. Este serviço englobaria uma vasta série de competências profissionais no seio de uma estrutura de comando única, preparada para conduzir múltiplas funções em diversas operações, como as de enforcement, evitando divisões, confusões entre a cadeia de comando ou fragmentação funcional no sentido de mobilizar a capacidade militar. Embora este serviço não seja uma força ampla desenhada para conduzir combates militares de grande dimensão possibilitaria manter a segurança e estabilidade da população localizada na área de operações (2006: 23- 30)26.
Para Alexandra Novosseloff, uma força permanente de reação rápida poderia desempenhar as funções de prevenção inicial, de coerção, se a situação o exigir, e a imposição da paz. A autora enuncia alguns casos em que esta poderia ser aplicável: assistência a uma operação de manutenção de paz existente e que encontre dificuldades no terreno, colmatar o período de tempo que decorre da decisão do Conselho de Segurança e a chegada de “capacetes azuis”, melhorando o tempo de mobilização de uma operação de paz, impedir a escalação de uma crise ou a propagação de um conflito e redução de hostilidades como destacamento preventivo “musculado”. Na opinião da autora, o instrumento mais eficaz e mais rápido seria a criação de uma força composta por voluntários recrutados diretamente pela Organização na linha da proposta feita por Brian Urquhart (2003:
“If the Security Council is to retain its credibility and relevance in the kind of
Em 2006, Brian Urquhart reiterou esta ideia no âmbito da proposta da criação de um “UN Emergency Service”, dado que apenas uma força profissional e permanente, com uma formação especializada, pertencente às Nações Unidas, poderia responder de forma rápida numa situação de emergência. (2006: 9).
2.2.2. Reativação da Comissão de
Com o fim do conflito bipolar e na sequência do conflito entre o Iraque e o Kuwait, em 1990, foram depositadas grandes esperanças no sistema de segurança coletiva, no qual a Comissão de
No seu relatório “Agenda para a Paz”,
26Peter Langille considera que este serviço constitui “a promising proposal”. Langille, Peter (2012). Preparing for a UN Emergency Peace Service. New York: Friedrich Ebert Stiftung. p. 1.
10
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
Capítulo VII e não se encontrar associado ao planeamento e condução de operações de manutenção de paz27.
Embora na Cimeira Mundial de 2005, os
“We request the Security Council to consider the composition, mandate and working methods of the Military Staff Committee” (2005: 38)
ainda não é reconhecida à Comissão por parte das Nações Unidas um papel significativo28.
Na literatura, inúmeros autores reconhecem a importância de um órgão militar que proporcione orientação militar e estratégica com vista a melhorar a tomada de decisão e um maior controlo sob as diferentes situações e operações, incluindo as medidas coercitivas militares de acordo com o art. 42º.
Max Hilaire defende um papel mais ativo da Comissão de
27UN Doc.
28De referir a posição do Grupo de Alto Nível, reiterada por Kofi Annan, que considerou que o art. 47º da Carta bem como todas as referências à Comissão de
11
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
Paul Kennedy considera a reativação da Comissão de
2.2.3.Reflexões sobre as propostas e necessidade de reforma dos Instrumentos Militares e da Autoridade do Conselho de Segurança
O destacamento de forças mais robustas deve ser efetuado quando uma crise ou conflito detém uma maior dimensão, seja desde início, seja quando a força de reação rápida não está a ter os resultados esperados, pressupondo, portanto, um grau de coercitividade maior. Os dois níveis de forças permanentes pertencentes às Nações Unidas deveriam ser treinadas por peritos selecionados pela Organização com base nas especificidades e abrangência das suas qualificações, deveriam
12
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
para prontificar forças militares ou morosidade do processo de formação de uma coligação de Estados ou mesmo de retirada de tropas necessárias numa operação em curso.
A criação de um novo órgão subsidiário com base no art. 29º, designado de Comité Militar – a fim de não existir nenhuma conotação negativa com a presente Comissão− deveria refletir as realidades geopolíticas atuais e, no caso de reforma do Conselho, a renovada composição. Este Comité, com a função de apoio estratégico e militar, possibilitaria ao Conselho de Segurança deter uma maior autoridade no que respeita ao controlo e comando, ex ante e ao longo do processo de enforcement. Se houver um maior controlo relativamente à execução de medidas coercitivas militares parece razoável pressupor que se reuniria um maior apoio a nível internacional para este tipo de operações.
De notar, ainda, que a OTAN e a União Europeia, que detêm uma responsabilidade de manutenção da paz e segurança internacional de menor dimensão do que a atribuída às Nações Unidas logo no art. 1º, nº 1 da Carta e que se trata de uma organização de cariz universal com 193
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho que se propõe neste artigo deve ser vista no contexto de um processo de reforma de maior amplitude que contemple a ampliação das suas competências e uma reforma do seu modo de atuação, o que encontra intimamente ligado com a necessidade de um novo entendimento do paradigma de segurança coletiva.
Neste sentido,
àcriação de uma força de reação rápida: o receio que as suas operações possam pôr em causa a soberania nacional (2006:−, 9)facilitando a decisão de medidas coercitivas militares e a sua subsequente execução. Contudo, este processo teria que estar aliado a alterações prévias no sistema de uso do direito de veto face a situações semelhantes por parte dos membros permanentes. (Santos: 2012).
13
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
Em sintonia com o relatório Brahimi, e enquanto persistir este sistema de delegação ou como orientação para as forças militares permanentes,
2.3. Conclusão
A premência de uma reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança tem sido ignorada. Esta transformação, contudo, deve ser um dos elementos estruturantes de um processo reformativo multidimensional com vista a um papel mais amplo e interventivo do Conselho numa nova visão do sistema de segurança coletiva. O reforço da sua autoridade
O apelo de
A criação de duas tipologias de forças militares permanentes, dependendo da dimensão da missão e do grau de coercitividade exigido, compostas por voluntários permitiria o cumprimento das consequências mencionadas nas decisões do Conselho, quando se verifica uma ameaça ou rutura à paz ou uma agressão nos termos do art. 39º e uma ineficácia das medidas provisórias e coercitivas não militares com base nos arts. 40º e 41º respetivamente. Por outro lado, a conceção de um Comité Militar e a determinação normativa do alcance atual e tendências futuras das competências dos Estados-
14
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
Membros e das suas próprias competências possibilitaria ao Conselho de Segurança deter uma maior autoridade no que respeita ao controlo e comando destas missões.
Esta reforma permitiria um reforço da eficácia, legitimidade e implementação das decisões do Conselho, do mesmo modo que uma representação adequada dos Estados- Membros das Nações Unidas e uma maior democraticidade e responsabilização no processo decisório o possibilita. Um processo de reforma que inclua a reforma do mecanismo de enforcement aumentará a probabilidade de observância das decisões do Conselho de Segurança pelos
As Nações Unidas e o sistema internacional necessitam de um Conselho de Segurança forte e ágil, mais concretamente, de um novo paradigma do que este órgão deve ser, isto é, um paradigma que inclua na sua essência o grau necessário de eficácia, capacidade de ação, representatividade, legitimidade e transparência, e no qual a temática abordada neste artigo se insere.
Referências bibliográficas
Blokker, Niels (2000). “Is the Authorization Authorized? Powers and Practice of the UN Security Council to Authorize the Use of Force by Coalitions of Able and Willing”. European Journal of International Law. 11, nº 3:
Bryde,
Dörr, Oliver (2006). “Das völkerrechtliche Gewaltverbot und die Vereinten Nationen”. In Varwick, Johannes; Zimmermann, Andreas (Hrsg.), Die Reform der Vereinten Nationen. Bilanz und Perspektiven. Band 162, Veröffentlichungen des
Frowein, Jochen Abr.; Krisch, Nico (2002). “Introduction to Chapter VII”. In Simma, Bruno (ed.). The Charter of the United Nations: A Commentary. Oxford: Oxford University Press:
Frowein, Jochen Abr.; Krisch, Nico (2002). “Commentary of Article 43”. In Simma, Bruno (ed.). The Charter of the United Nations: A Commentary. Oxford: Oxford University Press:
Hilaire, Max (2005). United Nations Law and the Security Council. Aldershot: Ashgate.
Johansen, Robert C. (ed.) (2006). A United Nations Emergency Peace Service, To Prevent Genocide and Crimes Against Humanity, Global Action to Prevent War, Nuclear Age Peace Foundation and World Federalist Movement, 23: 41. Disponível em
Kaysen, Carl; Rathjens, George (2003). “Towards a UN Standing Army”. Daedalus, 132, nº 1:
Kennedy, Paul (2009). O Parlamento do Homem, História das Nações Unidas. Lisboa: Edições 70.
Langille, Peter (2012). Preparing for a UN Emergency Peace Service. New York: Friedrich Ebert Stiftung. Disponível em
15
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
Luck, Edward C. (2006). UN Security Council, Practice and Promise. London: Routledge.
Military Technical Agreement between the International Security Assistance Force and the Interim Administration of Afghanistan, Annex A, Section 1. Disponível em: <http://psm.du.edu/media/documents/us_regulations/sofas/us_isaf_military_technical _agreement.pdf>.
Novosseloff, Alexandra (2003). Le Conseil de sécurité des Nations Unies et la maîtrise de la force armée, Dialectique du politique et du militaire en matière de paix et de sécurité internationales. Bruxelles: Bruylant.
Novosseloff, Alexandra (2008). Le Comité
Quigley, John (1996). “The “Privatization” of Security Council Enforcement Action: A
Threat to Multilateralism”. Michigan Journal of International Law. 17, nº 2:
Santos, Sofia (2011). Die Reform des Sicherheitsrates der Vereinten Nationen und ihre Auswirkungen auf die internationale Ordnung.
Santos, Sofia (2012). “O Uso da Força no Direito Internacional e os Desafios ao Paradigma Onusiano”. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. nº 61 [em publicação].
Sarooshi, Dan (2000). The United Nations and the Development of Collective Security: The Delegation by the UN Security Council of Its Chapter VII Powers. Oxford: Clarendon.
Schwartz, Moshe (2011). The Department of Defense’s Use of Private Security Contractors in Afghanistan and Iraq: Background, Analysis, and Options for the Congress. Congressional Research Service Report. Disponível em <http://www.fas.org/ sgp/crs/natsec/R40835.pdf>.
Schwartzberg, Joseph E. (1997). “A New Perspective on Peacekeeping: Lessons from
Bosnia and Elsewhere”. Global Governance. 3, nº 1:
Stein, Torsten; Von Buttlar, Christian (2012). Völkerrecht. 13. Auflage, München: Vahlen.
Stockholm International Peace Research Institute (2012). SIPRI Yearbook. Disponível em: <http://www.sipri.org>.
UN Doc. A/RES/51/242, Supplement to an Agenda for Peace, 1995. Disponível em:
UN Doc. A/Res/60/1, World Summit Outcome, 2005. Disponível em: <http://daccess-
UN Doc. A/59/565, A more secure world: Our shared responsibility, Report of the
UN Doc. A/59/2005, In larger freedom: towards development, security and human rights for all, Report of the
16
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 4, n.º 1
A reforma dos instrumentos militares e da autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas na implementação de medidas coercitivas militares Sofia Santos
UN Doc.
UN Doc.
UN Doc. A/63/677, Implementing the Responsibility to Protect, 2009. Disponível em:
Urquhart, Brian (1993). “The UN and International Security after the Cold War”. In Roberts, Adam; Kingsbury, Benedict (eds.). United Nations, Divided World: The UN’s Roles in International Relations. 2nd Edition, Oxford: Oxford University Press:
Urquhart, Brian (2006). “Preface”. In Johansen, Robert C., (ed.). A United Nations Emergency Peace Service, To Prevent Genocide and Crimes Against Humanity. Global Action to Prevent War, Nuclear Age Peace Foundation, and World Federalist Movement:
Wilson, Gary (2007). “The Legal, Military and Political Consequences of the “Coalitions of the Willing” Approach to UN Military Enforcement Action”. Journal of Conflict and Security Law. 12, nº 12:
17