OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp. 148-161

TERRORISMO, ETNICIDADE E EXTREMISMO ISLÂMICO NO SAHEL

Maria Sousa Galito

maria.sousa.galito@hotmail.com

Doutora em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa.

Docente e Investigadora da Faculdade de Ciência Política, Lusofonia e Relações Internacionais da Universidade Lusófona.

Resumo

O terrorismo é uma ameaça na região do Sahel onde os povos e os governantes parecem estar a perder o controlo à situação, mas as verdadeiras raízes da instabilidade são questionáveis. Duas das principais razões são os conflitos étnicos e as clivagens religiosas, sobretudo relacionadas com a difusão do extremismo islâmico entre as populações locais. Este artigo de investigação confronta as teorias e tenta chegar a algumas respostas.

Palavras chave:

Terrorismo; Sahel; Tuaregues; AQIM; Boko Haram

Como citar este artigo

Galito, Maria Sousa (2012). "Terrorismo, etnicidade e extremismo islâmico no Sahel". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 3, N.º 2, outono 2012. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol3_n2_art8

Artigo recebido em 1 de Agosto de 2012; aceite para publicação em 5 de Novembro de 2012

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Terrorismo, etnicidade e extremismo islâmico no Sahel.

Maria Sousa Galito

TERRORISMO, ETNICIDADE E EXTREMISMO ISLÂMICO NO SAHEL

Maria Sousa Galito

1. Introdução

O artigo de investigação centra a sua análise no contexto africano do Sahel. Do ponto de vista metodológico, estudam-se algumas hipóteses consideradas pertinentes devidamente fundamentadas com recurso a fontes científicas especializadas.

Primeiro, questiona-se se a instabilidade crescente naquela região estratégica resulta de um problema de fronteiras e, se sim, quais as razões que o possam justificar.

Segundo, se há de facto conflitos étnicos insanáveis e se estes são o principal fundamento do terrorismo ou se é mais uma questão económica, relacionada com a falta de recursos no Sahel.

Terceiro, se a responsabilidade deve ser incutida às clivagens religiosas, nomeadamente aos líderes do extremismo religioso em grupos terroristas como o Boko Haram na Nigéria, a AQIM enquanto célula regional da Al-Qaeda, e os resultam do extremismo islâmico ou autonómico tuaregue.

2.Geopolítica do Sahel

O Sahel é uma região que atravessa o continente africano de Este a Oeste. Fica a sul do Magreb e inclui países como o Senegal e a Mauritânia, o Mali e o Níger, Burkina Faso, a Nigéria e o Chade, o Sudão do Sul e o Sudão do Norte, a Eritreia e a Etiópia – tal como se visualiza no Mapa 1.

Outros países podem relacionar-se pela proximidade ou forte relação com o Sahel. A Somália, pela porosidade das suas fronteiras com a Etiópia. Os Estados junto à costa africana entre o Senegal e a Nigéria, ou seja, a Gâmbia, a Guiné-Bissau, a Guiné Conacri, a Serra Leoa, a Libéria, a Costa do Marfim, o Gana, o Togo e o Benim. Ou o próprio Magreb, levando em consideração o conflito do Sahara ocidental; a queda dos regimes do Egipto, da Tunísia e da Tunísia na sequência da “Primavera Árabe” com consequências na mobilidade de mercenários e bombistas de Norte para Sul; e a Argélia com o seu historial marcado pela violência e pelo terrorismo.

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MAPA 1: Sahel–Geografia

Fonte: Qantara.de (Deutsche Welle)1

Trata-se de uma área especialmente ampla, onde habitam diferentes povos e culturas, pelo que não é fácil analisá-la. Algumas características comuns a este espaço podem ser enunciadas, tais como: instabilidade junto às fronteiras políticas, aumento significativo dos focos de violência e incapacidade dos governos nacionais para controlar as actividades do crime organizado – seja porque são instáveis, corruptos ou porque logisticamente estão mal equipados para combater o terrorismo.

O que poderá justificar a situação? Este artigo procura encontrar algumas explicações. Primeiro, a Conferência de Berlim (1884/85) foi um marco histórico neste contexto, pois criou um problema de fronteiras no continente africano. As potências que nela participaram (treze europeias, mais os EUA e a Turquia) preocuparam-se em negociar um acordo que fosse pacífico na balança de poderes da época, mas este não respeitou a realidade político-social de cada grande área, pelo que separou nações e uniu povos rivais sem medir as consequências de tal impacto no longo prazo2, para além de ter aberto a porta à exploração massiva e abusiva das populações que lá viviam. O Sahel foi sobretudo administrado pela Grã-Bretanha (Nigéria, Sudão Sul e Sudão Norte) e pela França (Mauritânia, Senegal, Burkina Faso, Mali, Níger, Chade). A Itália teve alguma influência na parte oriental (Eritreia, Etiópia e Somália).

1Dorsey, James M (2010). "Islamic Terrorism – Drugs Money Fills al Qaeda Coffers in West Africa". Qantara.de, Deutsche Welle, Federal Center for Political Education, January 22, URL: http://en.qantara.de/Drugs-Money-Fills-al-Qaeda-Coffers-in-West-Africa/6973c7042i1p447/.

2«Estados Artificiais são aqueles em que as fronteiras políticas não coincidem com a divisão das nacionalidades desejadas pelas populações no terreno. Ex-colonizadores ou acordos pós-guerra estabelecidos entre vencedores desconsiderando marcos muitas vezes criaram monstruosidades em que grupos étnicos ou religiosos ou linguísticos eram unidos ou separados sem respeito pelas aspirações dos povos. 80% das fronteiras africanas seguem linhas latitudinárias e longitudinais e muitos estudiosos acreditam que estas divisões artificiais (…) estão na génese da tragédia económica africana.» [Alesina, Alberto et al. (2006). "Artificial States". Harvard University Working Papers, February, p. 2. URL: http://www.economics.harvard.edu/faculty/alesina/files/artificial_states.pdf].

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As potências que conseguiram direitos internacionais sobre grandes territórios no Sahel aperceberam-se que a sua presença em África seria mais tolerada se os povos não estivessem unidos contra elas. O objectivo era dividir para dominar, pelo que se aproveitaram das rivalidades locais – e, nalguns casos, exacerbaram-nas. Ao fazê-lo, as empresas europeias poderiam continuar a explorar, sem grandes contrariedades, os recursos naturais indispensáveis aos seus processos de industrialização.

Segundo, no final da II Guerra Mundial, a Grã-Bretanha, a França e a Itália estavam semi-destruídas e deixaram de ter condições de manter um domínio económico e militar sobre o Sahel. A Etiópia participou na Conferência de Bandung em 1955. Não demorou muito tempo até que as independências se sucedessem em catadupa, sobretudo no decurso da década de 60 do séc. XX, e desenvolveu-se o Movimento dos Não Alinhados com reuniões regulares. Curiosamente, estabeleceu-se um certo consenso em manter as fronteiras herdadas do colonialismo e a então Organização da Unidade Africana (OUA) foi uma grande apoiante dessa opção estratégica3.

Terceiro, os novos Estados independentes parecem ter concentrado os seus esforços de controlo militar e administrativo das capitais nacionais, deixando o resto do país um pouco ao abandono. Seguem-se fortes migrações e um intenso êxodo rural, sobretudo evidente em regiões áridas ou semi-áridas nas proximidades do deserto do Sahara, pelo que pouco férteis e parcamente povoadas4.

De qualquer forma, é importante compreender porque é que as dificuldades subsistem décadas depois da independência. Embora se reconheça a existência de problemas de raiz criados por intervenção externa potencialmente destabilizadora, do ponto de vista teórico seria de prever que estes povos já teriam tido tempo de propor ou mesmo de impor ajustamentos nas suas áreas de influência. Poderá ser um problema de falta de recursos, uma questão económica?

O Sahel tem cerca de 5 milhões de Km² mas se apenas somarmos a área dos dez países analisados na Tabela 1 (Burkina Faso, Chade, Eritreia, Etiópia, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal e Sudão5), obtemos cerca de 6,69% da área total mundial. À excepção de países mais populosos como a Nigéria com 164,752 milhões de habitantes e da Etiópia com 88,918 milhões, a grande maioria dos Estados possui menos de quinze milhões, sendo que a Eritreia ronda os cinco milhões e a Mauritânia pouco ultrapassa os três milhões de cidadãos.

3«Ao manter as fronteiras e o Estado moderno como principais organizadores, os países africanos mantiveram também as condições de consolidação do poder existentes no período colonial. A Organização da Unidade Africana (OUA) endossou os novos países, salientou a importância da manutenção das fronteiras e rejeitou qualquer tipo de autodeterminação, a não ser aquele de países ainda subjugados pelas potências europeias.» [Schneider, Luíza G. (2008). "As Causas Políticas do Conflito do Sudão: Determinantes Estruturais e Estratégicos", WP Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Económicas; p. 14. URL: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/16012/ 000685618.pdf?sequence=1].

4«(…) estes novos países não tinham capacidade estatal suficiente, o que reflectiu na concentração de poder nas capitais e em enclaves económicos, deixando o resto dos territórios nacionais sem atenção.» [ID. IBID.].

5Actualmente, o Sudão já está dividido em dois países (Norte e Sul) mas as estatísticas neste quadro seguem as indicações das fontes estatísticas, pelo que se faz referência apenas ao “Sudão” no geral.

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TABELA 1

 

 

 

Densidade

PIB PPP

Índice dos

 

População

 

Estados

 

Área

populacional

per capita

Países

(milhões)

Falhados

(% Mundo)

(2012)

(dólares)

 

2012

(Ranking

 

 

hab/Km²

2012

 

 

 

2012)

 

 

 

 

 

Burkina Faso

15,379

0,18

48

1524,063

41

 

 

 

 

 

Chade

10,740

0,86

7

1969,907

4

 

 

 

 

 

Eritreia

5,659

0,08

39

776,978

23

 

 

 

 

 

Etiópia

88,918

0,74

68

1135,157

17

 

 

 

 

 

Mali

16,345

0,83

11

1173,635

79

 

 

 

 

 

Mauritânia

3,334

0,69

2

2268,692

38

 

 

 

 

 

Níger

15,553

0,85

10

863,457

18

 

 

 

 

 

Nigéria

164,752

0,62

147

2722,250

14

 

 

 

 

 

Senegal

13,766

0,13

59

1921,495

71

 

 

 

 

 

Sudão

33,510

1,7

14

2495,902

3

 

 

 

 

 

Total Sahel

367,956

6,69

32

16851,536

--

Fonte: FMI (2012)6, Nations Online (1998-2011)7 e Fundo para a Paz (2012)8

O Sahel inclui regiões áridas ou semiáridas na confluência do deserto do Sahara. Tem vivido períodos de seca regulares o que condiciona territórios com limitadas capacidades agrícolas e que pouco oferecem de alimento ao gado, onde os povos se dedicam à pastorícia. Ou seja, as populações dedicam-se sobretudo ao sector primário mas em condições precárias; registam elevadas taxas de desemprego e sobrevivem num espaço onde a densidade populacional chega a ser muito baixa (o Chade regista uma média de sete habitantes por Km² e na Mauritânia o valor é de dois, sendo que nos dez países em análise a média ronda os 32 habitantes por Km²).

Portanto, a região abrange espaços amplos onde os aglomerados populacionais são escassos, onde é possível circular sem grande supervisão estadual, o que abre uma janela de oportunidade ao terrorismo e às redes internacionais de crime organizado.

Por um lado, o Sahel inclui Estados muito pobres como a Eritreia com um PIB PPP per capita de apenas 776,978 dólares e o Níger com 863,457 dólares. Valores mais altos registados na Nigéria e no Sudão são ainda assim médias; justificam-se em parte pelos elevados rendimentos do sector petrolífero, que estão mal distribuídos pela população.

Por outro lado, os Estados ocupam lugares cimeiros (sobretudo o Chade e o Sudão) ou pelo menos desfavoráveis, no ranking do Índice dos Estados Falhados do Fundo para a Paz (IEEFp) do Fundo para a Paz (2012) 9. Os elevados índices de má governação e de

6INTERNATIONAL MONETARY FUND (2012). "Report for Selected Countries and Subjects". World Economic Outlook Database, Data and Statistics, April. URL: http://www.imf.org/.

7NATIONS ONLINE (1998-2011). "Countries by Area". The Nations Online Project, Earth/Continents, URL: http://www.nationsonline.org/oneworld/countries_by_area.htm.

8THE FOUND FOR PEACE (2012). "The Failed States Index 2012". FFP on-line, Washington D.C. URL: http://www.fundforpeace.org/global/?q=fsi2012.

9A designação “Estado Falhado” é controversa. De acordo com Rotberg (2002), Estados Falhados são tensos, conflituosos e perigosos. Registam aumento da violência criminal e política; perda do controlo sobre as suas fronteiras; crescimento de hostilidades étnicas, religiosas, linguísticas e culturais; guerra

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corrupção bloqueiam o progresso económico; e consequentemente, a aplicação de medidas capazes de combater eficientemente o terrorismo.

Mas e no Sahel, existem conflitos étnicos? As fronteiras chegam a ser disputadas com violência, pois os limites não são consensuais e há lobbies instalados que lutam acerrimamente pelo domínio dos recursos naturais. Mas será que a base da discussão é étnica, ou este problema é subsequente? Não é fácil responder a esta pergunta. É preciso indagar se, em cada caso, existem duas ou mais etnias (ou apenas grupos populacionais desavindos) e, se sim, se estão em conflito.

Na Nigéria a questão étnica está muito politizada. Cada grupo luta por uma maior representação dos seus interesses em lugares de chefia e de governo, e reivindica uma maior parcela na distribuição dos recursos nacionais. Ou seja, a questão étnica neste momento é incontornável num país que praticamente se divide em dois, norte e sul, também acompanhando a concentração de populações por religião (sendo que a norte reina o islamismo). O Delta do Níger é particularmente afecto a ataques terroristas.

Na Mauritânia vivem membros da etnia Wolof que professam o islamismo, mas o país é sobretudo constituído por árabes berberes subdivididos em duas categorias: os “mouros brancos” e os “mouros negros”10 que são principalmente muçulmanos. Temos aqui uma questão étnica? O problema da Mauritânia é que leis anti-escravatura não são respeitadas em certas regiões do país, de tão enraizada que certas mentalidades se mantêm entre uma população que, no fundo, se descrimina fortemente com base na cor da pele11. Sendo assim, a questão é mais político-social do que étnica.

Mas e em relação aos conflitos étnicos com os Tuaregues? Antes de mais, os ataques terroristas são perpetrados por extremistas religiosos, pelo que a actuação da parte não se deve confundir com o todo. Em geral são um povo moderado de origem berbere e de vida nómada, que conserva estilos de vida ancestrais ligados à terra e que, na sua maioria, professa a religião muçulmana.

O problema é que os Tuaregues (cuja palavra árabe significa “abandonados pelos deuses”) foram vítimas da Conferência de Berlim, (pois ainda hoje se distribuem ao

civil; uso de terror contra os seus cidadãos; instituições frágeis; infra-estruturas deterioradas ou insuficientes; inabilidade para colectar impostos sem recorrer à coacção; elevados níveis de corrupção; sistema de saúde colapsado; aumento ds índices de mortalidade infantil e declínio da esperança média de vida; não há oportunidades escolares regulares; os níveis de PIB per capita são decrescentes; inflação galopante; preferência generalizada por moedas não nacionais; falta de alimentos básicos, o que conduz

àfome; aumento de ataques à legitimidade fundamental; líderes seguem os seus interesses próprios; lobbies demonstram cada vez menos lealdade pelo Estado; os cidadãos sentem-se marginalizados e falta de pertença à comunidade política; relação colapsada entre população e Estado; e a animsidade é quotidiana. [Rotberg, Robert I. (2002). "Failed States in a World of Terror". Foreign Affairs, July-August, V. 81, N.4, p. 132].

10«A complexa política racial da Mauritânia também afecta o terreno em que os Islâmicos operam. A Mauritânia tem três principais grupos raciais: os Bidan ou "Mouros Brancos", que falam árabe; os Haratin ou "Mouros Negros" que também falam árabe; e populações negras que não falam língua árabe, incluindo etnias como os Wolof e os Soninke.» [Thurston, Alex (2012). "Mauritania’s Islamists". The Carnegie Papers, Middle East, Carnegie Endowment for International Peace, March, Washington DC, p. 6]».

11«Os Mouros Brancos são descendentes de esclavagistas e que há muito tempo ocupam o topo da hierarquia política e social na Mauritânia, e a escravatura de mouros não brancos tem persistido até o presente apesar das leis que proíbem a prática repetida. Desde os anos 1970, os mouros não brancos tornaram-se cada vez mais vocais na luta contra a escravidão, exigindo uma parcela de poder político. Os líderes islâmicos os activistas têm sido essencialmente Mouros Brancos. No entanto, à medida que os Haratin se tornaram mais influente e assumiram papéis de liderança, não só na política mas também como imãs e estudiosos muçulmanos, os islamistas que parecem interessados em usar o Islão como uma plataforma de mobilização política pan-racial podem agora ser capazes de aliciar em novos grupos.» [Thurston, Alex (2012), op. cit., pp. 6-7].

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longo do deserto do Sahara em países como a Argélia, o Mali, a Líbia, o Níger e Burkina Faso inclusive o Mali, a Argélia e o Níger). Quando os Tuaregues entram em choque com povos vizinhos, por razões autonómicas e em consequência da actividade das suas guerrilhas, será que tal resulta de um conflito étnico? Sim, mas tal poderia ser evitado com a criação de um Estado que os institucionalizasse e lhes permitisse uma coexistência pacífica na área em que vivem. No entanto, como são pelo menos cinco os Estados que os albergam, tal projecto exigiria uma forte coesão nacional entre os Tuaregues e uma negociação no plano multilateral que incluísse os países envolvidos, e organizações internacionais como a União Africana ou a própria ONU.

Os Tuaregues têm influência nas rotas do deserto da Líbia, mormente a sudoeste e havia membros desta etnia entre os revolucionários contra o regime ditatorial. As mudanças no xadrez geopolítico resultantes da “Primavera Árabe” abriram alas à instabilidade político-social, à falta de governabilidade e à maior liberdade de actuação do crime organizado na região do Sahel e do Magreb, em especial depois da queda de Muamar Kadafi, que antes controlava as rivalidades dos líderes tribais com mão de ferro.

A Líbia vive actualmente um clima de incerteza quanto ao futuro da sua nova democracia, por enquanto incapaz de velar pela ordem e paz social de forma cabal. O país corre o risco de mergulhar num caos generalizado depois da desintegração das alianças locais para derrubar Kadafi, com as milícias a defenderem cada qual os interesses das suas regiões. Os líderes tribais aproveitam o vazio de poder para investir em ataques terroristas e apostar no crime organizado (e seus grandes lucros), inclusive o tráfico de droga, cujos principais fluxos internacionais atravessam as rotas tradicionais do Sahel, os quais provêm da América Latina (sobretudo da região andina; da Colômbia se aludirmos à cocaína), tendo como destino a Europa, mas também o Médio Oriente (onde potências como a Arábia Saudita e o Irão são prováveis receptores de narcotráfico e ao mesmo tempo financiadores de terrorismo).

3. Terrorismo no Sahel – AQIM e BOKO HARAM

A penetração do islamismo fundamentalista e radical na região do Sahel resulta de uma evolução histórica de décadas. Actua sob a forma de diferentes grupos dissidentes, está associado ao tráfico de armas de de drogas, à lavagem de dinheiro e ao apoio estratégico de organizações não-governamentais (ONG) de índole religiosa, humanitária e cultural que actuam na região. Estas ONG surgem muitas vezes sob a capa de instituições de caridade que velam pelos mais necessitados, mas que também protegem os muçulmanos dos inimigos e propagam a fé, enquanto fazem angariações de fundos (as fontes são países do Sahel qual Sudão ou da Península Arábica) que depois servem para financiar logisticamente membros de organizações terroristas. Estas ONG chegam a ter filiais no continente europeu e nos EUA, as quais ajudam a globalizar as actividades e a retórica extremista entre as comunidades emigrantes (muitas vezes marginalizadas nos países de acolhimento, o que alimenta o círculo vicioso).

Na região do Sahel destacam-se talvez dois grupos terroristas: a AQIM e o Boko Haram (na Nigéria).

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A AQIM (Al-Qaeda no Magreb Islâmico) tem a sua base de poder na Argélia desde a época da guerra civil (1991/2002), já que alguns dos seus líderes eram radicais da Frente Islâmica de Salvação (FIS). O Grupo Salafista para a Pregação e Combate (GSPC) que no fundo deu lugar à AQIM em Janeiro de 2007, tem como estratégia a criação de filiais em rede que propaguem a retórica extremista a nível local mas também global12 Mas o centro de operações da AQIM tem sido transferido nos últimos anos para o Norte do Mali, onde possui campos de recrutamento e de treino.

Não é de descurar a hipótese da AQIM estar envolvida com os Tuaregues no contrabando e nos tráficos de droga e de armas que atravessam o Mali, mormente na região de Katibat al-Mulathamine. Mesmo quando autores como Black (2009) advogam que “não há clara evidência na relação” entre Tuaregues e membros da AQIM13, por falta de uma agenda ideológica comum e por os dissidentes do Mali não serem os principais contrabandistas da região mas antes estrangeiros.

A AQIM está a ganhar fama e consequentemente adeptos na região do Sahel 14. Lohmann (2011) 15 admite que a organização terrorista foi a princípio negligenciado, por se considerar frágil e insulado, mas que tem ganho pujança na última década com base em estratégias de integração bem sucedidas no tecido social regional e nas actividades dos dirigentes (os quais são altamente competitivos entre si, o que pode contribuir para a desintegração interna da estrutura de comando). Mas também pela aproximação à Al-Qaeda que estende os seus tentáculos desde o Médio Oriente.

Quando se discute a Al-Qaeda, recordam-se os ataques às Torres Gémeas e ao Pentágono. Haim Malka (2010) até defende que o terrorismo no Norte de África era localizado e controlado antes da campanha internacional anti-terrorista que resultou dos ataques de 11 de Setembro 2001 nos EUA, mas que depois tudo se alterou16.

Para confirmar esta ideia, consulte-se o Mapa 2, no qual é possível visualizar o crescimento acentuado do número de ataques terroristas no Norte de África desde o marco histórico internacional de 11 de Setembro de 2001; os quais passaram de 21 (em 2001), para 44 (2004), 104 (em 2005), 204 (em 2009), registando-se uma pequena inversão na tendência de crescida em 2010, ano no qual os ataques terroristas não ultrapassaram a fasquia dos 200 (foram mais precisamente 178).

12Cf. Marret, Jean-Luc (2008). "Al-Qaeda in Islamic Maghreb: A «Glocal» Organization". Studies in Conflict and Terrorism, Vol. 31, N.º 6, June, pp. 541-552.

13Cf. Black, Andrew (2009). "Mokhtar Belmokhtar: The Algerian Jihad’s Southern Amir". Terrorism Monitor, Vol. VII, Issue 12, May 8, p. 2.

14«Qualquer insurgente violento no mundo muçulmano, seja ele um político ou um cidadão comum, e independentemente dos seus motivos, facilmente percebe que tem de agir publicamente em nome da Al- Qaeda se deseja ser levado a sério, se almeja agir com a legitimidade de ser reconhecido pelos outros, e se quer chamar a atenção internacional para as suas actividades.» [Taje, Mehdi (2010). "Vulnerabilities and Factors of Insecurity in the SAHEL". Sahel and West Africa Club (Swac/OECD), West African Challenges, N.º 1, August, p. 6].

15«A AQIM foi julgada fraca e isolada, mas conseguiu integrar-se nas comunidades locais e estabelecer uma cooperação com as autoridades governamentais e responsáveis no âmbito da segurança, bem como com traficantes de drogas regionais e outras organizações criminosas. Assim, visa destabilizar a região inteira para promover os seus interesses económicos e políticos ao criar insegurança» [Lohmann, Annette (2011). "Qui sont les Maîtres du Sahara? – Vieux Conflits, Nouvelles Menaces: Le Mali et le Sahara Central entre les Touaregs, Al Qaeda et le Crime Organisé". Friedrich-Ebert Stiftung, FES Peace and Security Series, N.º 5, June, p. 9].

16Cf. Malka, Haim (2010). "The Dynamics of North African Terrorism". CSIS – Center for Strategic & International Studies, Conference Report, Middle East Program, March, Washington DC, pp. 1-8.

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MAPA 2: Ataques Terroristas No Norte de África (2001/2010)

Fonte: Yonah Alexander (2010)17

Admite-se que a AQIM esteja a adoptar medidas semelhantes às dos colonizadores no séc. XIX que dividiam para governar. Uma estratégia que continua a produzir resultados. Se por alguma razão é difícil controlar grandes espaços onde há demasiados grupos a disputá-los (alguns dos quais não muçulmanos ou que não se identificam com o tipo de práticas extremistas utilizadas pela Al-Qaeda ou pela AQIM) instigam-se os separatismos e nacionalismos que são populares na área de intervenção e facilitam a integração das células terroristas num palco estratégico bastante rentável.

A AQIM dedica-se sobretudo a raptos (em regra de pessoas estrangeiras), sendo que os pedidos de resgate implicam elevadas maquias. Mas este grupo terrorista é também um grande intermediário em diferentes tráficos, inclusive o de drogas, de medicamentos fraudulentos, de humanos e de órgãos, que geram rendimentos elevados e cobiça alheia. Sempre que a AQIM vende armas aos insurgentes locais para as suas campanhas militares, mantém o controlo sobre as chefias que lhes devem dinheiro. Manipula as rivalidades entre líderes e povos para que não se unam contra a AQIM nem contra as suas principais fontes de financiamento que brotam do Médio Oriente.

17Alexander, Yonah (2010). "Magreb & Sahel Terrorism: Addressing the Rising threat from al-Qaeda and other Terrorists in North and West/Central Africa". International Center for Terrorism Studies, Potomac Institute for Policy Studies, January, p. 4.

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A AQIM tem beneficiado dos fluxos de armamento e de milicianos procedentes da Líbia, após a queda do regime em consequência da “Primavera Árabe”. Através de elementos extremistas tuaregues, as armas estão a entrar no Mali, já de si um país vulnerável. O que de certa maneira mina o esforço de cooperação antiterrorista que estava a ser estabelecido entre os vizinhos Argélia, Mali e Mauritânia.

Mas, portanto, as rivalidades sociopolíticas e as alianças religiosas são geridas consoante as conveniências e aproveitadas para controlar a situação de uma perspectiva mais ampla. A instabilidade resulta sobretudo da manipulação das rixas internas por parte de grupos terroristas que são muitas vezes financiados e controlados do exterior. Tanto civis como guerrilheiros acabam por ser fortemente manipulados por criminosos mal intencionados que apenas aparentam preocupar-se com a miséria alheia ou com a justiça das proclamações autonómicas mas que, no fundo, são, os usam em função dos seus interesses que muitas vezes até são económicos.

A questão também é eminentemente económica na Nigéria, um país rico em recursos naturais que incluem enormes jazidas de petróleo e de gás natural. Aqui actua o Boko Haram uma organização fundamentalista islâmica que defende a aplicação das leis da Sharia e que se aproveita dos elevados índices de corrupção governamentais para agir no país com alguma impunidade18.

O Boko Haram recebeu cobertura jornalística em Dezembro de 2003, altura a partir do qual despertou a atenção mundial, mas as suas origens podem ser o movimento Maitatsine19 (nome de um conjunto de revoltas iniciadas por um mártir do nordeste da Nigéria, de nome Mohamed Marwa ou Maitatsine que foi particularmente perigoso na década de setenta do séc. XX e cujos passos foram seguidos nos anos oitenta pelas revoltas de outro mujahidin, Yan Tatsine).

A intensidade (também em número) das actividades mais recentes do Boko Harammais é considerada “motivo de grande preocupação” para autores como Pham (2012)20.

No Norte da Nigéria as regras são ditadas por etnias de maioria muçulmana, onde os Hausa-Fulani são especialmente influentes, até pelas suas relações internacionais com irmandades muçulmanas em África e no Médio Oriente. O centro operacional do grupo terrorista Boko Haram é a Norte, mas também impõe a sua violência a Sul.

18«O governo da Nigéria tem tentado lidar eficazmente com as queixas e as fontes de tensão em todo o país, e há uma crença difundida particularmente entre os nigerianos do norte que o governo continuamente falha em atender às necessidades críticas daqueles que aspiram a um futuro melhor. Enquanto os recursos são limitados, certamente é desigual a distribuição desses recursos, e os níveis de corrupção amplamente reconhecidos entre as elites prejudicam a eficácia do governo. Em contrapartida, a corrupção e combustível uma percepção geral de que os funcionários do governo na aplicação da lei não são confiáveis, o que mina ainda mais a capacidade do governo para influenciar o comportamento de membros locais da comunidade em direcções positivas, longe da tentação das ideologias radicais dos extremistas como o Boko Haram.» [Forest, James J. (2012). "Confronting the Terrorismo of Boko Haram in Nigeria". Joint Special Operations University – JSOU Reports, May, p. 111].

19Cf. Isichei, Elizabeth (1987). "The Maitatsine Risings in Nigeria 1980-1985: A Revolt of the Disinherited". Journal of Religion in Africa, Vol. 17, N.º 3, pp. 194-208.

20«O ressurgimento do grupo nigeriano islâmico Boko Haram é motivo de grande preocupação. Este grupo orquestrou, desde finais de 2010, uma campanha brutal de atentados em toda a região norte da Nigéria, contra autoridades e instituições públicas, além de visar, com cada vez maior frequência, vítimas inocentes, incluindo crianças. Só em 2011 morreram pelo menos 550 pessoas em 115 atentados, um número aterrador que não cessa de aumentar. Entretanto, o discurso e as tácticas do Boko Haram mostram que a organização expandiu a sua influência muito para além da sua base original, a região nordeste da Nigéria. Com efeito, parece estar a transformar-se numa ameaça transnacional, com ramificações noutros grupos fundamentalistas violentos no norte, oeste e leste do continente africano.» [Pham, J. Peter (2012). "A Ameaça Crescente do Boko Haram". Centro de Estudos Estratégicos de África, N.º 20, Abril, p.1].

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A sul da Nigéria, a população é maioritariamente cristã ou anemista. A principal etnia é a Ijaw e os extremistas que emergem do seu seio são em grande medida dissidentes do exército, com ambições de controlo dos recursos naturais locais. Os Hausa-Fulani são islâmicos e dominam o norte da Nigéria, sendo que possuem fortes relações com irmandades muçulmanas noutras regiões de África e até no Médio Oriente

A instabilidade no Delta do Níger, a sul da Nigéria (e que inclui Estados como Abia, Akwa Ibom, Bayelsa, Cross River, Delta, Edo, Imo, Ondo e Rivers) possui um cariz étnico-político. Não obstante, é a cobiça pela gestão dos recursos naturais locais que coloca em choque grupos rivais nesta região estratégica.

O Delta do Níger é a grande fonte de petróleo da Nigéria. Nele operam várias empresas estrangeiras, as quais são acusadas de explorar as populações locais, as quais possuem uma baixa qualidade média de vida e sobrevivem num contexto de poluição crescente causada pelas emissões de anidrido carbónico, pelas chuvas ácidas e pela queima de gás (flaring, emissões de gás associadas à extracção do petróleo). Razão pela qual os membros do Boko Haram obtêm audiência atenta aos seus discursos populistas e inflamados. A população sente-se pobre e injustiçada e com poucos meios para reagir a uma situação de assimetria socio-económica que se prolonga. Pelo que admite recorrer

àviolência para promover, nem que seja à força, uma maior equidade na distribuição da riqueza nacional.

Mas a questão coloca-se: se desde a independência a Nigéria tivesse sido governada por líderes credíveis sem fama de corruptos, se tivesse sido uma verdadeira Democracia Estado de Direito que garantisse uma equitativa distribuição dos recursos pelas diferentes populações a Norte e a Sul do país, será que teria hoje uma tão grande politização étnica? Será que a população seria tão vulnerável às ideologias extremistas do Boko Haram? É difícil responder a essa pergunta, pois seria necessário testá-lo no terreno. Mas é bem possível que as clivagens não fossem tão evidentes. Bons vizinhos conseguem-se com base na confiança e na reciprocidade fraternal; tal como cidadãos pacíficos se obtêm através de políticas justas e integrativas, que velem pela paz e reflictam a actuação transparente dos seus governantes. Caso contrário, tudo se torna mais complexo e problemático com o passar do tempo.

Neste contexto de alianças espúrias, não é fácil estabelecer uma relação directa e intensa entre grupos como a AQIM e o Boko Haram, mas é possível que a aproximação se esteja a tornar uma realidade no terreno. Alerta-se para a mudança recente de modus operandi e de discurso21 dos membros do Boko Haram (que tinham preferência por raptos de estrangeiros, apesar de realizarem agora mais ataques suicidas) 22, para

21«Mais recentemente, o grupo fundamentalista islâmico Boko Haram, baseado no Norte da Nigéria, tem aumentado a taxa de de ataques nacionais contra alvos civis e governamentais e também atingiu (o edifício) das Nações unidas em Abuja, anunciando que não está apenas preocupado com desenvolvimentos inernos mas como uma agenda mais ampla e transnacional (…) o crescimento da actividade extremista isâmica na África Subsariana, e na Nigéria especificamente, começa a ecoar como no Médio Oriente.» [Forest, James J. F. and Giroux, Jennifer (2011). “Terrorism and Political Violence in Africa: Contemporary Trends in a Shifting Terrain”. Perspectives on Terrorism, Vol. 5, Issues 3-4, September, p. 10].

22«A transição de Boko Haram passara a usar ataques suicidas sugere que o grupo pode ter relação com outras grandes organizações salafistas-jihadistas. A divulgação de um vídeo de martírio pela fé em Setembro de 2011, um evento mediático não associado a grupos islâmicos radicais regionais, sugere conecções com a AQIM ou com a Al-Shabab, ambos os quais utilizam esta metodologia.» [Cook, David (2011). "The Rise of Boko Haram in Nigeria". Combating Terrorism Center at West Point – CTC Sentinel, Vol. 4, Issue 9, September, p. 5].

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a maior disponibilidade pública dos membros da AQIM para treinar membros do Boko Haram23 e para as suspeitas que já reinam entre a população.

Ou seja, independentemente de haver conflitos étnicos ou religiosos (ou de estes apenas aparentarem sê-lo como consequência de outras variáveis), admite-se a possibilidade de soluções para a região envolverem políticas de crescimento económico que confiram oportunidades de trabalho honesto para as populações carenciadas, e a ascensão ao poder de uma elite menos concentrada em interesses pessoais/grupais e mais nas reais carências do país e das suas populações.

No âmbito da segurança, é certamente necessário mais equipamento na luta contra o terrorismo mas se os níveis de corrupção se mantiverem de pouco vai servir o investimento. É importante negociar uma maior coordenação dos serviços de segurança, tanto a nível interno como regional, pois o esforço precisa ser conjunto entre países caso se almeje algum tipo de sucesso. No fundo, com maior coesão social e “todos a remarem para o mesmo lado”, as dificuldades poderão transformar-se em oportunidades para construir países mais sólidos, democráticos e economicamente estáveis que permitam às suas populações uma vida mais tranquila e segura, livre de terrorismo.

4. Conclusão

As fronteiras dos países no Sahel foram herdadas do colonialismo que as estabeleceu arbitrariamente. Estas foram mantidas depois de proclamada a independência mas são em grande medida artificiais pois não respeitam a forma como os povos se organizam e distribuem no terreno. Governar a capital como se fosse o país tem sido um erro recorrente entre os governantes destes Estados, pois negligencia a supervisão de grandes áreas onde o crime organizado muitas vezes actua livremente. É importante compreender que o Sahel é mormente populado a sul, sendo que o norte tem uma média muito baixa de ocupação do território (em regra menos de dez habitantes por Km²).

A forma de erradicar o terrorismo no Sahel exige, antes de mais, soluções no âmbito da defesa e segurança, pois sem controlo sobre as actividades desenvolvidas pelo crime organizado (tráfico de armas, de drogas e medicamentos contrafeitos, de seres humanos e de órgãos) será muito difícil manter a ordem nestes territórios. Os povos precisam sentir-se em segurança, mas também necessitam compreender que incorrer em actividades ilícitas tem consequências negativas para as suas vidas.

Os governos destes países devem ser capazes de impor regras que sejam consentâneas com o seu próprio exemplo de actuação, pois se forem corruptos e desordeiros as populações não os respeitam, aliás, imitam-nos. O que nos remete para a segunda questão, a política. Devem promover-se boas práticas de governança num ambiente de paz e de confiança generalizadas.

23«Alegadamente , membros do Boko Haram receberam treino na Argélia e na Mauritânia (…) duas áreas de predominância operacional da AQIM (…) membros do Boko Haram alegadamente receberam treino directo da AQIM no Níger depois de aberturas ao grupo por parte da AQIM (…) Se o Boko Haram se vai tornar um franchising da Al-Qaeda ainda é incerto. Há uma forte possibilidade que tal venha a acontecer e, se assim, for, tal acontecerá nos próximos um ou dois anos, atendendo à informação disponível.» [Gourley, Sean M. (2012). "Linkages between Boko Haram and Al Qaeda: A potential Deadly Synergy". Global Security Studies, Summer, Vol. 3, Issue 3, p. 10].

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O terrorismo tende a propagar-se no seio de populações mal governadas, pobres e desesperadas em função das dificuldades que atravessam. Simultaneamente, não se pode esquecer que o medo é instrumental para atingir objectivos de controlo sobre os recursos naturais e os seus principais canais de distribuição. E se estivermos a falar de petróleo e de gás natural, os rendimentos daqui resultantes são tão elevados que atraem marginais à sociedade dispostos a usar todos os meios para atingir os seus fins.

Outra variável é a étnica, mas esta é mais difícil de balizar. Primeiro, porque nem sempre há uma real divisão étnica entre as populações desavindas. Depois é preciso concluir se de facto há uma disputa insanável resultante da ruptura de relações. Ou se a instabilidade não é verdadeiramente representativa de conflitos étnicos mas fruto de altercações conjunturais ou derivadas de outras circunstâncias.

Ainda temos a dimensão religiosa, que também é cultural. Independentemente do que está escrito nos livros sagrados, há sempre líderes religiosos que os interpretam à sua maneira. Se esta for extremada ou levar a comportamentos fanáticos entre os seus seguidores, podem surgir rivalidades e conflitos que se consideram religiosos mas que são mais político-económicos ou socioculturais, do que a tradução terrena da palavra divina. Isto porque as religiões são diferentes e cada povo adapta-as às suas raízes culturais e hábitos de vida característicos.

Grupos fundamentalistas islâmicos como o Boko Haram e a AQIM almejam a implantação da Sharia, das leis islâmicas. Mas independentemente da leitura religiosa que façam dos textos sagrados ou da sua leitura nas culturas em que actuam, sabe-se que manipulam as populações com vista a controlá-las mais facilmente; para que sigam as suas demandas

Nesta rede de contactos actuam igualmente os fundamentalistas islâmicos e dissidentes dos Tuaregues, um povo nómada com aspirações autonómicas, e que possui controlo significativo sobre as rotas do deserto, pelas quais circulam quase impunemente o contrabando e o tráfico internacional de armas, drogas, medicamentos fraudulentos, de pessoas e de órgãos humanos que são altamente rentáveis mas constituem uma verdadeira ameaça à integridade física e moral dos povos do Sahel.

Enquanto estes elevados níveis de violência, de corrupção, de falta de governança e de valores coexistirem com elevadas taxas de desemprego e uma desequilibrada distribuição dos recursos, dificilmente as medidas governamentais anti-terrorismo e em prol da segurança a nacional serão eficazes, e se poderá incutir uma mudança profícua em prol da paz e dos direitos humanos na região.

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