OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
TERRORISMO, ETNICIDADE E EXTREMISMO ISLÂMICO NO SAHEL
Maria Sousa Galito
maria.sousa.galito@hotmail.com
Doutora em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa.
Docente e Investigadora da Faculdade de Ciência Política, Lusofonia e Relações Internacionais da Universidade Lusófona.
Resumo
O terrorismo é uma ameaça na região do Sahel onde os povos e os governantes parecem estar a perder o controlo à situação, mas as verdadeiras raízes da instabilidade são questionáveis. Duas das principais razões são os conflitos étnicos e as clivagens religiosas, sobretudo relacionadas com a difusão do extremismo islâmico entre as populações locais. Este artigo de investigação confronta as teorias e tenta chegar a algumas respostas.
Palavras chave:
Terrorismo; Sahel; Tuaregues; AQIM; Boko Haram
Como citar este artigo
Galito, Maria Sousa (2012). "Terrorismo, etnicidade e extremismo islâmico no Sahel". JANUS.NET
Artigo recebido em 1 de Agosto de 2012; aceite para publicação em 5 de Novembro de 2012
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Terrorismo, etnicidade e extremismo islâmico no Sahel.
Maria Sousa Galito
TERRORISMO, ETNICIDADE E EXTREMISMO ISLÂMICO NO SAHEL
Maria Sousa Galito
1. Introdução
O artigo de investigação centra a sua análise no contexto africano do Sahel. Do ponto de vista metodológico,
Primeiro,
Segundo, se há de facto conflitos étnicos insanáveis e se estes são o principal fundamento do terrorismo ou se é mais uma questão económica, relacionada com a falta de recursos no Sahel.
Terceiro, se a responsabilidade deve ser incutida às clivagens religiosas, nomeadamente aos líderes do extremismo religioso em grupos terroristas como o Boko Haram na Nigéria, a AQIM enquanto célula regional da
2.Geopolítica do Sahel
O Sahel é uma região que atravessa o continente africano de Este a Oeste. Fica a sul do Magreb e inclui países como o Senegal e a Mauritânia, o Mali e o Níger, Burkina Faso, a Nigéria e o Chade, o Sudão do Sul e o Sudão do Norte, a Eritreia e a Etiópia – tal como se visualiza no Mapa 1.
Outros países podem
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MAPA 1:
Fonte: Qantara.de (Deutsche Welle)1
O que poderá justificar a situação? Este artigo procura encontrar algumas explicações. Primeiro, a Conferência de Berlim (1884/85) foi um marco histórico neste contexto, pois criou um problema de fronteiras no continente africano. As potências que nela participaram (treze europeias, mais os EUA e a Turquia)
1Dorsey, James M (2010). "Islamic Terrorism – Drugs Money Fills al Qaeda Coffers in West Africa". Qantara.de, Deutsche Welle, Federal Center for Political Education, January 22, URL:
2«Estados Artificiais são aqueles em que as fronteiras políticas não coincidem com a divisão das nacionalidades desejadas pelas populações no terreno.
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As potências que conseguiram direitos internacionais sobre grandes territórios no Sahel
Segundo, no final da II Guerra Mundial, a
Terceiro, os novos Estados independentes parecem ter concentrado os seus esforços de controlo militar e administrativo das capitais nacionais, deixando o resto do país um pouco ao abandono.
De qualquer forma, é importante compreender porque é que as dificuldades subsistem décadas depois da independência. Embora se reconheça a existência de problemas de raiz criados por intervenção externa potencialmente destabilizadora, do ponto de vista teórico seria de prever que estes povos já teriam tido tempo de propor ou mesmo de impor ajustamentos nas suas áreas de influência. Poderá ser um problema de falta de recursos, uma questão económica?
O Sahel tem cerca de 5 milhões de Km² mas se apenas somarmos a área dos dez países analisados na Tabela 1 (Burkina Faso, Chade, Eritreia, Etiópia, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal e Sudão5), obtemos cerca de 6,69% da área total mundial. À excepção de países mais populosos como a Nigéria com 164,752 milhões de habitantes e da Etiópia com 88,918 milhões, a grande maioria dos Estados possui menos de quinze milhões, sendo que a Eritreia ronda os cinco milhões e a Mauritânia pouco ultrapassa os três milhões de cidadãos.
3«Ao manter as fronteiras e o Estado moderno como principais organizadores, os países africanos mantiveram também as condições de consolidação do poder existentes no período colonial. A Organização da Unidade Africana (OUA) endossou os novos países, salientou a importância da manutenção das fronteiras e rejeitou qualquer tipo de autodeterminação, a não ser aquele de países ainda subjugados pelas potências europeias.» [Schneider, Luíza G. (2008). "As Causas Políticas do Conflito do Sudão: Determinantes Estruturais e Estratégicos", WP Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Económicas; p. 14. URL: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/16012/ 000685618.pdf?sequence=1].
4«(…) estes novos países não tinham capacidade estatal suficiente, o que reflectiu na concentração de poder nas capitais e em enclaves económicos, deixando o resto dos territórios nacionais sem atenção.» [ID. IBID.].
5Actualmente, o Sudão já está dividido em dois países (Norte e Sul) mas as estatísticas neste quadro seguem as indicações das fontes estatísticas, pelo que se faz referência apenas ao “Sudão” no geral.
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TABELA 1
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Densidade |
PIB PPP |
Índice dos |
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População |
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Estados |
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Área |
populacional |
per capita |
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Países |
(milhões) |
Falhados |
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(% Mundo) |
(2012) |
(dólares) |
||||
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2012 |
(Ranking |
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hab/Km² |
2012 |
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2012) |
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Burkina Faso |
15,379 |
0,18 |
48 |
1524,063 |
41 |
|
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||
Chade |
10,740 |
0,86 |
7 |
1969,907 |
4 |
|
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||
Eritreia |
5,659 |
0,08 |
39 |
776,978 |
23 |
|
|
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|
|
|
||
Etiópia |
88,918 |
0,74 |
68 |
1135,157 |
17 |
|
|
|
|
|
|
||
Mali |
16,345 |
0,83 |
11 |
1173,635 |
79 |
|
|
|
|
|
|
||
Mauritânia |
3,334 |
0,69 |
2 |
2268,692 |
38 |
|
|
|
|
|
|
||
Níger |
15,553 |
0,85 |
10 |
863,457 |
18 |
|
|
|
|
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|
||
Nigéria |
164,752 |
0,62 |
147 |
2722,250 |
14 |
|
|
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|
||
Senegal |
13,766 |
0,13 |
59 |
1921,495 |
71 |
|
|
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|
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||
Sudão |
33,510 |
1,7 |
14 |
2495,902 |
3 |
|
|
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|
||
Total Sahel |
367,956 |
6,69 |
32 |
16851,536 |
Fonte: FMI (2012)6, Nations Online
O Sahel inclui regiões áridas ou semiáridas na confluência do deserto do Sahara. Tem vivido períodos de seca regulares o que condiciona territórios com limitadas capacidades agrícolas e que pouco oferecem de alimento ao gado, onde os povos se dedicam à pastorícia. Ou seja, as populações
Portanto, a região abrange espaços amplos onde os aglomerados populacionais são escassos, onde é possível circular sem grande supervisão estadual, o que abre uma janela de oportunidade ao terrorismo e às redes internacionais de crime organizado.
Por um lado, o Sahel inclui Estados muito pobres como a Eritreia com um PIB PPP per capita de apenas 776,978 dólares e o Níger com 863,457 dólares. Valores mais altos registados na Nigéria e no Sudão são ainda assim médias;
Por outro lado, os Estados ocupam lugares cimeiros (sobretudo o Chade e o Sudão) ou pelo menos desfavoráveis, no ranking do Índice dos Estados Falhados do Fundo para a Paz (IEEFp) do Fundo para a Paz (2012) 9. Os elevados índices de má governação e de
6INTERNATIONAL MONETARY FUND (2012). "Report for Selected Countries and Subjects". World Economic Outlook Database, Data and Statistics, April. URL: http://www.imf.org/.
7NATIONS ONLINE
8THE FOUND FOR PEACE (2012). "The Failed States Index 2012". FFP
9A designação “Estado Falhado” é controversa. De acordo com Rotberg (2002), Estados Falhados são tensos, conflituosos e perigosos. Registam aumento da violência criminal e política; perda do controlo sobre as suas fronteiras; crescimento de hostilidades étnicas, religiosas, linguísticas e culturais; guerra
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corrupção bloqueiam o progresso económico; e consequentemente, a aplicação de medidas capazes de combater eficientemente o terrorismo.
Mas e no Sahel, existem conflitos étnicos? As fronteiras chegam a ser disputadas com violência, pois os limites não são consensuais e há lobbies instalados que lutam acerrimamente pelo domínio dos recursos naturais. Mas será que a base da discussão é étnica, ou este problema é subsequente? Não é fácil responder a esta pergunta. É preciso indagar se, em cada caso, existem duas ou mais etnias (ou apenas grupos populacionais desavindos) e, se sim, se estão em conflito.
Na Nigéria a questão étnica está muito politizada. Cada grupo luta por uma maior representação dos seus interesses em lugares de chefia e de governo, e reivindica uma maior parcela na distribuição dos recursos nacionais. Ou seja, a questão étnica neste momento é incontornável num país que praticamente se divide em dois, norte e sul, também acompanhando a concentração de populações por religião (sendo que a norte reina o islamismo). O Delta do Níger é particularmente afecto a ataques terroristas.
Na Mauritânia vivem membros da etnia Wolof que professam o islamismo, mas o país é sobretudo constituído por árabes berberes subdivididos em duas categorias: os “mouros brancos” e os “mouros negros”10 que são principalmente muçulmanos. Temos aqui uma questão étnica? O problema da Mauritânia é que leis
Mas e em relação aos conflitos étnicos com os Tuaregues? Antes de mais, os ataques terroristas são perpetrados por extremistas religiosos, pelo que a actuação da parte não se deve confundir com o todo. Em geral são um povo moderado de origem berbere e de vida nómada, que conserva estilos de vida ancestrais ligados à terra e que, na sua maioria, professa a religião muçulmana.
O problema é que os Tuaregues (cuja palavra árabe significa “abandonados pelos deuses”) foram vítimas da Conferência de Berlim, (pois ainda hoje se distribuem ao
civil; uso de terror contra os seus cidadãos; instituições frágeis;
àfome; aumento de ataques à legitimidade fundamental; líderes seguem os seus interesses próprios; lobbies demonstram cada vez menos lealdade pelo Estado; os cidadãos
10«A complexa política racial da Mauritânia também afecta o terreno em que os Islâmicos operam. A Mauritânia tem três principais grupos raciais: os Bidan ou "Mouros Brancos", que falam árabe; os Haratin ou "Mouros Negros" que também falam árabe; e populações negras que não falam língua árabe, incluindo etnias como os Wolof e os Soninke.» [Thurston, Alex (2012). "Mauritania’s Islamists". The Carnegie Papers, Middle East, Carnegie Endowment for International Peace, March, Washington DC, p. 6]».
11«Os Mouros Brancos são descendentes de esclavagistas e que há muito tempo ocupam o topo da hierarquia política e social na Mauritânia, e a escravatura de mouros não brancos tem persistido até o presente apesar das leis que proíbem a prática repetida. Desde os anos 1970, os mouros não brancos
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longo do deserto do Sahara em países como a Argélia, o Mali, a Líbia, o Níger e Burkina Faso inclusive o Mali, a Argélia e o Níger). Quando os Tuaregues entram em choque com povos vizinhos, por razões autonómicas e em consequência da actividade das suas guerrilhas, será que tal resulta de um conflito étnico? Sim, mas tal poderia ser evitado com a criação de um Estado que os institucionalizasse e lhes permitisse uma coexistência pacífica na área em que vivem. No entanto, como são pelo menos cinco os Estados que os albergam, tal projecto exigiria uma forte coesão nacional entre os Tuaregues e uma negociação no plano multilateral que incluísse os países envolvidos, e organizações internacionais como a União Africana ou a própria ONU.
Os Tuaregues têm influência nas rotas do deserto da Líbia, mormente a sudoeste e havia membros desta etnia entre os revolucionários contra o regime ditatorial. As mudanças no xadrez geopolítico resultantes da “Primavera Árabe” abriram alas à instabilidade
A Líbia vive actualmente um clima de incerteza quanto ao futuro da sua nova democracia, por enquanto incapaz de velar pela ordem e paz social de forma cabal. O país corre o risco de mergulhar num caos generalizado depois da desintegração das alianças locais para derrubar Kadafi, com as milícias a defenderem cada qual os interesses das suas regiões. Os líderes tribais aproveitam o vazio de poder para investir em ataques terroristas e apostar no crime organizado (e seus grandes lucros), inclusive o tráfico de droga, cujos principais fluxos internacionais atravessam as rotas tradicionais do Sahel, os quais provêm da América Latina (sobretudo da região andina; da Colômbia se aludirmos à cocaína), tendo como destino a Europa, mas também o Médio Oriente (onde potências como a Arábia Saudita e o Irão são prováveis receptores de narcotráfico e ao mesmo tempo financiadores de terrorismo).
3. Terrorismo no Sahel – AQIM e BOKO HARAM
A penetração do islamismo fundamentalista e radical na região do Sahel resulta de uma evolução histórica de décadas. Actua sob a forma de diferentes grupos dissidentes, está associado ao tráfico de armas de de drogas, à lavagem de dinheiro e ao apoio estratégico de organizações
Na região do Sahel
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A AQIM
Não é de descurar a hipótese da AQIM estar envolvida com os Tuaregues no contrabando e nos tráficos de droga e de armas que atravessam o Mali, mormente na região de Katibat
A AQIM está a ganhar fama e consequentemente adeptos na região do Sahel 14. Lohmann (2011) 15 admite que a organização terrorista foi a princípio negligenciado, por se considerar frágil e insulado, mas que tem ganho pujança na última década com base em estratégias de integração bem sucedidas no tecido social regional e nas actividades dos dirigentes (os quais são altamente competitivos entre si, o que pode contribuir para a desintegração interna da estrutura de comando). Mas também pela aproximação à
Quando se discute a
Para confirmar esta ideia,
12Cf. Marret,
13Cf. Black, Andrew (2009). "Mokhtar Belmokhtar: The Algerian Jihad’s Southern Amir". Terrorism Monitor, Vol. VII, Issue 12, May 8, p. 2.
14«Qualquer insurgente violento no mundo muçulmano, seja ele um político ou um cidadão comum, e independentemente dos seus motivos, facilmente percebe que tem de agir publicamente em nome da Al- Qaeda se deseja ser levado a sério, se almeja agir com a legitimidade de ser reconhecido pelos outros, e se quer chamar a atenção internacional para as suas actividades.» [Taje, Mehdi (2010). "Vulnerabilities and Factors of Insecurity in the SAHEL". Sahel and West Africa Club (Swac/OECD), West African Challenges, N.º 1, August, p. 6].
15«A AQIM foi julgada fraca e isolada, mas conseguiu
16Cf. Malka, Haim (2010). "The Dynamics of North African Terrorism". CSIS – Center for Strategic & International Studies, Conference Report, Middle East Program, March, Washington DC, pp.
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MAPA 2: Ataques Terroristas No Norte de África (2001/2010)
Fonte: Yonah Alexander (2010)17
A AQIM
17Alexander, Yonah (2010). "Magreb & Sahel Terrorism: Addressing the Rising threat from
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A AQIM tem beneficiado dos fluxos de armamento e de milicianos procedentes da Líbia, após a queda do regime em consequência da “Primavera Árabe”. Através de elementos extremistas tuaregues, as armas estão a entrar no Mali, já de si um país vulnerável. O que de certa maneira mina o esforço de cooperação antiterrorista que estava a ser estabelecido entre os vizinhos Argélia, Mali e Mauritânia.
Mas, portanto, as rivalidades sociopolíticas e as alianças religiosas são geridas consoante as conveniências e aproveitadas para controlar a situação de uma perspectiva mais ampla. A instabilidade resulta sobretudo da manipulação das rixas internas por parte de grupos terroristas que são muitas vezes financiados e controlados do exterior. Tanto civis como guerrilheiros acabam por ser fortemente manipulados por criminosos mal intencionados que apenas aparentam
A questão também é eminentemente económica na Nigéria, um país rico em recursos naturais que incluem enormes jazidas de petróleo e de gás natural. Aqui actua o Boko Haram uma organização fundamentalista islâmica que defende a aplicação das leis da Sharia e que se aproveita dos elevados índices de corrupção governamentais para agir no país com alguma impunidade18.
O Boko Haram recebeu cobertura jornalística em Dezembro de 2003, altura a partir do qual despertou a atenção mundial, mas as suas origens podem ser o movimento Maitatsine19 (nome de um conjunto de revoltas iniciadas por um mártir do nordeste da Nigéria, de nome Mohamed Marwa ou Maitatsine que foi particularmente perigoso na década de setenta do séc. XX e cujos passos foram seguidos nos anos oitenta pelas revoltas de outro mujahidin, Yan Tatsine).
A intensidade (também em número) das actividades mais recentes do Boko Harammais é considerada “motivo de grande preocupação” para autores como Pham (2012)20.
No Norte da Nigéria as regras são ditadas por etnias de maioria muçulmana, onde os
18«O governo da Nigéria tem tentado lidar eficazmente com as queixas e as fontes de tensão em todo o país, e há uma crença difundida particularmente entre os nigerianos do norte que o governo continuamente falha em atender às necessidades críticas daqueles que aspiram a um futuro melhor. Enquanto os recursos são limitados, certamente é desigual a distribuição desses recursos, e os níveis de corrupção amplamente reconhecidos entre as elites prejudicam a eficácia do governo. Em contrapartida, a corrupção e combustível uma percepção geral de que os funcionários do governo na aplicação da lei não são confiáveis, o que mina ainda mais a capacidade do governo para influenciar o comportamento de membros locais da comunidade em direcções positivas, longe da tentação das ideologias radicais dos extremistas como o Boko Haram.» [Forest, James J. (2012). "Confronting the Terrorismo of Boko Haram in Nigeria". Joint Special Operations University – JSOU Reports, May, p. 111].
19Cf. Isichei, Elizabeth (1987). "The Maitatsine Risings in Nigeria
20«O ressurgimento do grupo nigeriano islâmico Boko Haram é motivo de grande preocupação. Este grupo orquestrou, desde finais de 2010, uma campanha brutal de atentados em toda a região norte da Nigéria, contra autoridades e instituições públicas, além de visar, com cada vez maior frequência, vítimas inocentes, incluindo crianças. Só em 2011 morreram pelo menos 550 pessoas em 115 atentados, um número aterrador que não cessa de aumentar. Entretanto, o discurso e as tácticas do Boko Haram mostram que a organização expandiu a sua influência muito para além da sua base original, a região nordeste da Nigéria. Com efeito, parece estar a
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A sul da Nigéria, a população é maioritariamente cristã ou anemista. A principal etnia é a Ijaw e os extremistas que emergem do seu seio são em grande medida dissidentes do exército, com ambições de controlo dos recursos naturais locais. Os
A instabilidade no Delta do Níger, a sul da Nigéria (e que inclui Estados como Abia, Akwa Ibom, Bayelsa, Cross River, Delta, Edo, Imo, Ondo e Rivers) possui um cariz
O Delta do Níger é a grande fonte de petróleo da Nigéria. Nele operam várias empresas estrangeiras, as quais são acusadas de explorar as populações locais, as quais possuem uma baixa qualidade média de vida e sobrevivem num contexto de poluição crescente causada pelas emissões de anidrido carbónico, pelas chuvas ácidas e pela queima de gás (flaring, emissões de gás associadas à extracção do petróleo). Razão pela qual os membros do Boko Haram obtêm audiência atenta aos seus discursos populistas e inflamados. A população
àviolência para promover, nem que seja à força, uma maior equidade na distribuição da riqueza nacional.
Mas a questão
Neste contexto de alianças espúrias, não é fácil estabelecer uma relação directa e intensa entre grupos como a AQIM e o Boko Haram, mas é possível que a aproximação se esteja a tornar uma realidade no terreno.
21«Mais recentemente, o grupo fundamentalista islâmico Boko Haram, baseado no Norte da Nigéria, tem aumentado a taxa de de ataques nacionais contra alvos civis e governamentais e também atingiu (o edifício) das Nações unidas em Abuja, anunciando que não está apenas preocupado com desenvolvimentos inernos mas como uma agenda mais ampla e transnacional (…) o crescimento da actividade extremista isâmica na África Subsariana, e na Nigéria especificamente, começa a ecoar como no Médio Oriente.» [Forest, James J. F. and Giroux, Jennifer (2011). “Terrorism and Political Violence in Africa: Contemporary Trends in a Shifting Terrain”. Perspectives on Terrorism, Vol. 5, Issues
22«A transição de Boko Haram passara a usar ataques suicidas sugere que o grupo pode ter relação com outras grandes organizações
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a maior disponibilidade pública dos membros da AQIM para treinar membros do Boko Haram23 e para as suspeitas que já reinam entre a população.
Ou seja, independentemente de haver conflitos étnicos ou religiosos (ou de estes apenas aparentarem
No âmbito da segurança, é certamente necessário mais equipamento na luta contra o terrorismo mas se os níveis de corrupção se mantiverem de pouco vai servir o investimento. É importante negociar uma maior coordenação dos serviços de segurança, tanto a nível interno como regional, pois o esforço precisa ser conjunto entre países caso se almeje algum tipo de sucesso. No fundo, com maior coesão social e “todos a remarem para o mesmo lado”, as dificuldades poderão
4. Conclusão
As fronteiras dos países no Sahel foram herdadas do colonialismo que as estabeleceu arbitrariamente. Estas foram mantidas depois de proclamada a independência mas são em grande medida artificiais pois não respeitam a forma como os povos se organizam e distribuem no terreno. Governar a capital como se fosse o país tem sido um erro recorrente entre os governantes destes Estados, pois negligencia a supervisão de grandes áreas onde o crime organizado muitas vezes actua livremente. É importante compreender que o Sahel é mormente populado a sul, sendo que o norte tem uma média muito baixa de ocupação do território (em regra menos de dez habitantes por Km²).
A forma de erradicar o terrorismo no Sahel exige, antes de mais, soluções no âmbito da defesa e segurança, pois sem controlo sobre as actividades desenvolvidas pelo crime organizado (tráfico de armas, de drogas e medicamentos contrafeitos, de seres humanos e de órgãos) será muito difícil manter a ordem nestes territórios. Os povos precisam
Os governos destes países devem ser capazes de impor regras que sejam consentâneas com o seu próprio exemplo de actuação, pois se forem corruptos e desordeiros as populações não os respeitam, aliás,
23«Alegadamente , membros do Boko Haram receberam treino na Argélia e na Mauritânia (…) duas áreas de predominância operacional da AQIM (…) membros do Boko Haram alegadamente receberam treino directo da AQIM no Níger depois de aberturas ao grupo por parte da AQIM (…) Se o Boko Haram se vai tornar um franchising da
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O terrorismo tende a
Outra variável é a étnica, mas esta é mais difícil de balizar. Primeiro, porque nem sempre há uma real divisão étnica entre as populações desavindas. Depois é preciso concluir se de facto há uma disputa insanável resultante da ruptura de relações. Ou se a instabilidade não é verdadeiramente representativa de conflitos étnicos mas fruto de altercações conjunturais ou derivadas de outras circunstâncias.
Ainda temos a dimensão religiosa, que também é cultural. Independentemente do que está escrito nos livros sagrados, há sempre líderes religiosos que os interpretam à sua maneira. Se esta for extremada ou levar a comportamentos fanáticos entre os seus seguidores, podem surgir rivalidades e conflitos que se consideram religiosos mas que são mais
Grupos fundamentalistas islâmicos como o Boko Haram e a AQIM almejam a implantação da Sharia, das leis islâmicas. Mas independentemente da leitura religiosa que façam dos textos sagrados ou da sua leitura nas culturas em que actuam,
Nesta rede de contactos actuam igualmente os fundamentalistas islâmicos e dissidentes dos Tuaregues, um povo nómada com aspirações autonómicas, e que possui controlo significativo sobre as rotas do deserto, pelas quais circulam quase impunemente o contrabando e o tráfico internacional de armas, drogas, medicamentos fraudulentos, de pessoas e de órgãos humanos que são altamente rentáveis mas constituem uma verdadeira ameaça à integridade física e moral dos povos do Sahel.
Enquanto estes elevados níveis de violência, de corrupção, de falta de governança e de valores coexistirem com elevadas taxas de desemprego e uma desequilibrada distribuição dos recursos, dificilmente as medidas governamentais
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