OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp. 122-147

CONTRATERRORISMO OFENSIVO

O “TARGETED KILLING” NA ELIMINAÇÃO DE ALVOS TERRORISTAS:

O CASO DOS EUA E DE ISRAEL

Hermínio Matos

hjmatos@psp.pt

Investigador e Docente do ICPOL – ISCPSI (Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna). Docente convidado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Doutorando e Mestre em História, Defesa e Relações Internacionais, ISCTE/Academia Militar. Auditor do Curso de Defesa Nacional. Mestre e Doutorando em História, Defesa e Relações Internacionais (ISCTE–IUL e Academia Militar). Pós Graduado em História, Defesa e Relações Internacionais (ISCTE–IUL/AM). Curso Superior de Medicina Legal e Ciências Forenses (INML/FMUL). Licenciado em Antropologia (ISCTE–IUL). Curso de Defesa Nacional (IDN). Curso de Gestão Civil de Crises (IDN). Curso de Análise de Dinâmicas Regionais de Segurança e Defesa (IDN). Curso de Contraterrorismo (ISCPSI).

Resumo

Face ao empreendedor “projecto global terrorista”, alguns Estados têm adoptado medidas de contraterrorismo ofensivo que, embora enquadradas em estratégias nacionais de segurança e defesa, contemplam o emprego da força militar e o uso de força letal contra actores não estatais – indivíduos, grupos ou organizações terroristas – que se encontram para além das suas fronteiras territoriais.

A reformulação do paradigma da segurança (re) configurou, nalguns casos, as políticas de resposta ao terrorismo. É o caso do targeted killing – ou execução de alvos seleccionados – por parte dos EUA e Israel.

As acções de targeted killing – essencialmente, mas não só, através do ataque por drones – no Paquistão e no Iémen, empreendidas pela administração norte-americana, ou a resposta israelita ao terrorismo palestiniano, suscitam o mais aceso debate quanto à sua eficácia e legalidade. O presente artigo pretende, assim, não só um enquadramento analítico desta temática, mas também o alcance e impacto das estratégias contraterroristas destes dois países.

Palavras chave:

Contraterrorismo Ofensivo; targeted killing; Israel; Estados Unidos

Como citar este artigo

Matos, Hermínio (2012). " Contraterrorismo Ofensivo. O “targeted killing” na eliminação de alvos terroristas: o caso dos EUA e de Israel". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 3, N.º 2, outono 2012. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol3_n2_art7

Artigo recebido em 16 de Abril de 2012; aceite para publicação em 5 de Novembro de 2012

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Contraterrorismo ofensivo. O "targeted killing" na eliminação de alvos terroristas.

Hermínio Matos

CONTRATERRORISMO OFENSIVO

O “TARGETED KILLING” NA ELIMINAÇÃO DE ALVOS TERRORISTAS:

O CASO DOS EUA E DE ISRAEL

Hermínio Matos

“O Estado de Israel confiou pouco, muito pouco mesmo, nas profecias bíblicas.

Étambém por isso que ainda hoje existe, quando alguns – eles sim presos na espuma de mitos religiosos – o querem apagar do mapa.”

PEREIRA, JOSÉ TELES, 2008

Targeted Killing It is the ultimate prevention (…) a policy of taking them out to lunch before they have you for dinner.” O'CONNOR, T., 2011

If the Arabs put down their weapons today, there would be no more violence… If the Jews put down their weapons today, there would be no more Israel.”

GOLDA MEIR

O Problema

A envolvente da acção terrorista traduz uma relação simbiótica cuja génese ideológica, e por conseguinte fundacional, se esteira, alternada ou cumulativamente, em processos de índole identitária – étnica, religiosa ou cultural –, que convergem, em última análise, para um mesmo fim: a alternância, manutenção ou exercício de um Poder1.

Éneste sentido, e sob a égide de um proclamado movimento jihadista global de matriz islamista, que se esteira o ambicioso projecto, político-religioso, que visa instituir uma “teocracia pan-islâmica e a restauração do califado” (Bakker, 2008: 69), reforçando, assim, os ditames que há muito prenunciaram, quer o “fim da história” (Fukuyama, 2007), quer o axioma Huntingtoniano do “choque civilizacional” (Huntington, 2001).

Face a este empreendedor “projecto global terrorista”, alguns Estados têm adoptado, no âmbito das mais díspares estratégias contraterroristas, modelos de resposta ofensiva que, embora enquadrados em estratégias nacionais de segurança interna, contemplam também, nalguns casos, o emprego da força militar, de forma autónoma ou em coordenação, e o uso de força letal contra actores não estatais – indivíduos, grupos ou organizações terroristas – para além das suas fronteiras territoriais.

1Conceito, aqui, em toda a sua plenitude, não obstante a sua indefinição conceptual. Para Joseph Nye, por exemplo, “o poder é um conceito contestado. Não há uma definição que seja aceite por todos os utilizadores do termo, e a escolha da definição de cada um reflecte os seus interesses e valores. Há quem defina poder como sendo a capacidade de criar, ou resistir à mudança” (Nye, 2012: p. 24). Similarmente, “pode ser definido como o conjunto de meios capazes de coagir os outros a um determinado comportamento. (…) Há uma pluralidade de meios susceptíveis de impor uma conduta havendo, assim, uma vasta gama de poderes caracterizados pelos meios que lhes dão fundamento respectivo” (Lara, 2011: 256).

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Se bem que os exemplos mais conhecidos sejam os Estados Unidos e Israel, casos que em particular analisaremos, alguns estados europeus poderiam também ser referidos, quer pela sua acção individual nesta matéria, quer no quadro de organizações internacionais de segurança e defesa a que pertencem, de que a NATO/OTAN é exemplo maior.

Este tipo de acções não é, porém, um fenómeno recente. A acção militar contra actores não estatais esteve intimamente relacionada com a hegemonia colonial de algumas potências europeias, sobretudo no decurso da segunda metade do século XX, como resposta à ofensiva subversiva de movimentos insurgentes e de libertação. Eminentemente de cariz militar, traduziam-se então por operações militares de larga escala ou a simples eliminação de líderes desses grupos insurgentes2.

Na perspectiva insurgente, por seu lado, era então dada primazia à acção de guerrilha e contra-guerrilha – como modo de “acção terrorista”3 – então vista pelos grupos de libertação como “doutrina insurreccional” (Rapoport, 1971: 55) eficaz contra a potência colonizadora.

O terrorismo de inspiração religiosa, em especial o de matriz islamista, ter-se-á iniciado no final da década de setenta do século passado, precipitado pela convergência de três eventos ocorridos em 1979: a Revolução Iraniana, o começo de um novo século islâmico e a invasão do Afeganistão pelo exército soviético (Rapoport, 2004: 61). Assim denominada, esta “quarta vaga do terrorismo”, cuja marca distintiva se consagrou com os ataques de 11 de Setembro de 2001, conferiu à “al-Qaeda e movimentos associados” (AQAM4), então como agora, o lugar de topo na lista de ameaças à segurança internacional5.

De acordo com Jenkins (2012: 1-3)6, esta “Galáxia Jihadista” – ela própria um “alvo em movimento” – confere à al-Qaeda, e movimentos a esta associados, o estatuto de arqui-inimigo do Ocidente, mantendo divididos académicos e especialistas, hoje mais do que nunca, quer quanto ao seu potencial estratégico e operacional, quer quanto ao grau de ameaça que ainda configura.

A al-Qaeda, para lá do alcance da sua acção terrorista – aqui entendida, muito mais, na perspectiva do uso do “poder duro”7 – soube projectar, também, e de forma melhor conseguida que o próprio Ocidente, aquilo a que Joseph Nye (2004; 2009; 2012)

2Como exemplo, entre outras, as actividades da CIA no Chile, Cuba, Guatemala ou Panamá nesse período.

3Entre aspas, dado que, nessa altura e frequentemente, os elementos de grupos insurgentes ou “movimentos de libertação” eram, também, vistos como “combatentes da liberdade” ou “freedom fighters”.

4Na terminologia anglo-saxónica, al-Qaeda & Associated Movments.

5Para um excurso profundo sobre as “vagas terroristas”, preconizadas por Rapoport, Cf. Rapoport, David C. (1971) Terrorism & Assassination. Toronto: Canadian Broadcasting Corporation; [ed.] (2001) Inside Terrorist Organizations. London: Frank Cass e (2005) Terrorism: Critical Concepts in Political Science, 4 vols. London: Routledge.

6Neste sentido, as perspectivas de análise da organização, para além de não consensuais podem, também, ser múltiplas: “al Qaeda is many things at once and must therefore be viewed in all of its various dimensions. It is a global terrorist enterprise, the center of a universe of like-minded fanatics, an ideology of violent jihad, an autonomous online network. It is a virtual army. Increasingly, it is a conveyer of individual discontents”.

7Ou “Hard Power”. Para Nye, o poder duro relaciona-se com o uso da força e da coerção. Basicamente, podem ser diferenciados do seguinte modo: “O poder duro é empurrar; o poder suave é puxar.” (Nye,

2012: p. 39). Sobre este assunto, Cf. Gray, Colin S. (2011) “Hard Power and Soft Power: The Utility of

Military Force as an Instrument of Policy in the 21St Century”. Carlisle: Strategic Studies Institute, US Army War College.

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designou de “poder suave”8, ou seja, “the ability to get what you want through attraction rather than coercion”. Nalguns casos até, fazendo uso de ambos os poderes e cujos resultados – em vectores tão diferenciados como o recrutamento, a radicalização violenta ou o treino terrorista – permitiram à organização uma implantação e influência ideológica à escala global, factores integrantes do exercício desse “Poder Inteligente”9, tornando-a naquilo a que alguns denominam já de poder supra-estadual10.

A muito consagrada visão imperialista norte-americana contrasta com a ideia de que a intervenção no Afeganistão, em 2001, e a invasão do Iraque, em 2003, serviram a velha máxima que postula que o “poder suave” dos Estados Unidos está em declínio (Nye, 2004 e 2012).

Propomo-nos efectuar uma análise da dinâmica e alcance de estratégias contraterroristas que contemplem, por um lado, o uso do instrumento militar aplicado à execução de alvos terroristas – em grande parte direccionada para indivíduos que se constituem como alvos de “valor elevado” – e, por outro, o papel central que a Intelligence desempenha, quer na prevenção, quer na acção contraterrorista ofensiva.

A nossa análise centrar-se-á, em especial, tendo em conta duas estratégias contraterroristas que contemplam o uso deste instrumento de acção: a dos Estados Unidos e a de Israel.

No primeiro caso, e com maior “eficácia” após 2009, o uso do “targeted killing11 no Paquistão e no Iémen. Relativamente a Israel, a resposta contraterrorista face à ameaça do terrorismo palestiniano – em especial a proveniente de grupos como o Hamas (Izzedim al-Qassam Brigades) ou a Brigada dos Mártires de al-Aqsa (al-Fatah) – ou do Hezbollah libanês.

Antiterrorismo versus Contraterrorismo

A resposta de um Estado ao fenómeno terrorista é o resultado da convergência de acções de carácter preventivo, pró-activo e reactivo. Porém, amiúde persistem dúvidas quanto ao enquadramento conceptual, e diferenciações – se as houver –, dos termos antiterrorismo e contraterrorismo.

8O poder suave, resumidamente, pode ser entendido como “a capacidade de afectar os outros através dos meios de cooptação de enquadramento de objectivos, persuasão e a atracção positiva com o intuito de obter os resultados desejados. (…) Os tipos de recursos associados ao poder suave incluem com frequência factores intangíveis” (Nye, 2012: 39-40). Importa referir, ainda, que “poder suave” e “poder brando” são os termos usados, alternada e respectivamente, nas obras deste autor, de 2009 e 2012, traduzidas para a Língua Portuguesa, sendo que em ambos os casos derivam do conceito de “Soft Power”.

9Grosso modo, poder inteligente é considerado como “a combinação do poder duro da coerção e do pagamento com o poder suave da persuasão e da atracção.” (Nye, 2012: 14).

10Cf. Designação usada por Guedes, Armando M. (2012), “Política e Segurança: teorias e conjunturas da actualidade”. Comunicação oral apresentada em 14 de Março no Seminário O Poder Político e a Segurança. Lisboa: ISCPSI.

11“A targeted killing is the intentional, premeditated and deliberate use of lethal force, by States or their agents acting under colour of law, or by an organized armed group in armed conflict, against a specific individual who is not in the physical custody of the perpetrator. (…) States have adopted policies, either openly or implicitly, of using targeted killings, including in the territories of other States”. Cf. United Nations HRC (2010), “Report of the Special Rapporteur on Extrajudicial, Summary or Arbitrary Executions, Philip Alston”. General Assembly: Human Rights Council -HRC/14/24Add.6, 28 May, p. 4.Todavia, “targeted killing” is not a term defined under international law. Nor does it fit neatly into any particular legal framework. It came into common usage in 2000, after Israel made public a policy of “targeted killings” of alleged terrorists in the Occupied Palestinian Territories”, Cf. Idem, Ibid.

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Na perspectiva de Baud, o contraterrorismo é a actividade “qui est l'ensemble des mesures destinées à combattre le terrorisme en amont de l`action terroriste. Il est la composante préventive de l`action et implique une combinaison de mesures politiques, des méthodes très pointues d`infiltration des réseaux et de recherche de renseignement active” (Baud, 2005 : 298). Compreende, assim, as medidas destinadas a prevenir ou anular o fenómeno a montante da acção terrorista. É a componente pró- activa que contempla, entre outras, a infiltração de redes ou células e a pesquisa e recolha activa de informações através de fontes humanas (HUMINT).

O antiterrorismo “rassemble les moyens de lutte en aval de l`action terroriste. Il est la composante préemptive et réactive de l`action, et résulte souvent d`un échec d`une stratégie de contreterrorisme.” (Baud, 2005: 298-299). É a componente reactiva12, a jusante da acção terrorista, posta em prática, quase sempre, após o insucesso de uma acção contraterrorista.

Loureiro dos Santos considera que essa dicotomia conceptual fica resolvida pelo uso do termo englobante “resposta ao terrorismo”, onde estabelece quatro “eixos estratégicos de actuação simultânea”, sendo que um deles releva para a componente de gestão e estabilização, em caso de sucesso da acção terrorista, incidindo, sobretudo, nas “medidas de emergência e socorro a desencadear” (Santos, 2009: 165-171).

Os restantes três eixos de actuação estratégica estariam assim reservados a actuar sobre:

1)“causas profundas” do terrorismo, procurando os (re)equilíbrios ao nível das “medidas políticas, económicas e sociais”;

2)combate ideológico, contra a radicalização violenta e o recrutamento terrorista; e

3)a perspectiva ofensiva, em que intervém, no essencial, a área das informações, as polícias e o sistema judiciário – o instrumento militar, supletivamente ou em situações que requeiram o emprego de meios excepcionais (Santos, Ibidem).

Um documento do Estado-Maior Conjunto norte-americano define separadamente ambos os conceitos: antiterrorismo como “as medidas defensivas destinadas a reduzir a vulnerabilidade de pessoas e bens a ataques terroristas”; contraterrorismo como as “medidas ofensivas destinadas a prevenir, impedir e responder ao terrorismo”13. Nesta perspectiva, o “combate ao terrorismo é o somatório de acções – de “índole” antiterrorista e contraterrorista – tomadas com vista a impedir a ocorrência do fenómeno terrorista em toda a extensão da ameaça”14.

Porém, e tendo em conta as formulações anteriores, a relação de simbiose que entre os conceitos – e ambos os vectores de actuação – se estabelece pode, nalguns casos,

12Na perspectiva “recovery” e na de intervenção táctica ou de Intelligence, em especial em casos de ataques múltiplos e coordenados ou caso haja fortes indícios, ou a ameaça confirmada, de novos ataques.

13Cf. U.S. Joint Chiefs of Staff (1993), Joint Tactics, Techniques and Procedures for Antiterrorism - JP 3-

07.2, 25 de June,

p. I-1 [tradução nossa]. No mesmo

documento, é também reafirmada

a

conceptualização de

terrorismo, postulada na DOD Directive

O-2000.12, como "The calculated use

of

violence or threat of violence to inculcate fear; intended to coerce or to intimidate governments or societies in the pursuit of goals that are generally political, religious, or ideological".

14Cf. Ibidem [tradução nossa].

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conduzir a perspectivas de análise divergentes que influenciam, no imediato, quer uma clara percepção do fenómeno, quer a adequação dos meios de resposta. Neste sentido, adoptamos a seguinte perspectiva integrada de conceptualização15, quer do fenómeno quer da resposta:

“Terrorism is a gray-area phenomenon, something between crime and war, state violence and insurgent violence, conflict and violence, and propaganda and direct action. It is often intermeshed with other phenomena, such as migration, competition for resources, social movements and social protest, political and religious ideology, mass media and electronic communication, ethnic conflict and identity or single-issue politics, subversion, insurgency and revolution, and self- determination of peoples and nations. (...) Countering terrorism is intimately related to understanding the nature of the terrorist phenomenon and how it fits into the wider security environment. How we conceive of terrorism determines to a great extent how we go about countering it and what resources we devote to the effort.”(Crelinsten, 2009: p. 39).

Esta divergência conceptual – que amiúde radica, muito mais, num confronto de índole semântica – é suprida, hoje, pelo uso generalizado do termo “contraterrorismo” que encerra, independentemente da sua procedência operacional ou linguística, ambos os vectores – de prevenção e resposta – em qualquer das suas fases.

Necessariamente, a eficácia contraterrorista está, pois, dependente de uma correcta percepção, quer da natureza, quer das implicações estratégicas do fenómeno num quadro abrangente de segurança, objectivos que, uma vez alcançados, permitirão não só delinear estratégias de resposta adequadas, mas convocar também os recursos mais eficazes para o seu combate.

Os Contornos da Ameaça

A al-Qaeda é actualmente uma estrutura híbrida, flexível e de extrema versatilidade em termos organizacionais, percebida pelo seu descentralizado modo de acção, o que se traduz por uma transversalidade nodular, pouco conectada e celularmente difusa que lhe permite, com base nos seus nódulos regionais e locais, a formação de novas entidades, a partir das já existentes ou nestas replicadas, estruturalmente simples mas complexas no modo de acção, e verticalmente não dependentes, para fins operacionais e logísticos, de quaisquer comando ou liderança para o planeamento e execução de ataques terroristas (Matos, 2012).

15Na tentativa de uma edificação conceptual da ciência política, o terrorismo pode considerar-se “(…) uma técnica de acção usada contra alvos humanos, selectivos ou indiscriminados, através de meios especialmente violentos, ou a efectiva ameaça do seu uso, ou especificamente contra alvos não humanos, como infra-estruturas físicas, críticas ou simbólicas, instilando um clima de terror e de insegurança que afecta não só os alvos primários, as suas vítimas directas, como também os seus alvos potenciais, coagindo indirectamente, desse modo, a acção de governos ou organizações e influenciando a opinião pública a favor da prossecução dos seus objectivos políticos, ideológicos, criminais ou religiosos”; Cf. (Matos 2012, 2011).

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A organização, e os grupos a esta afiliados, configuram o elemento-chave da ameaça global que há muito representa o terrorismo jihadista16 – de amplitude internacional17 e matriz islamista –, o qual se implanta e dissemina sob o chapéu ideológico da tão proclamada “Jihad Global”18, empreendida contra o Ocidente, em geral, e contra Judeus e Cruzados19, em particular.

A al-Qaeda, ao nível da sua estrutura central20 – a montante e a jusante dos já “prosaicos” modelos hierárquico e em rede –, parece ter adoptado um design próximo da “estrutura em Duna”(Mishal & Rosenthal, 2005: 275-284), cuja (re)configuração se situa para lá da estrutura piramidal, que a organização deteve na primeira fase da sua existência21, e da estrutura em rede que adoptou até aos ataques de 11 de Setembro de 2001. Essa metamorfose transformou a organização numa estrutura híbrida e versátil, cuja volubilidade lhe tem permitido, por um lado, uma implantação física global, mas estruturalmente ausente, e por outro, uma liderança “presente”, embora virtualmente à distância (Matos, 2012). Ou seja, o conceito de organização em duna é inspirado pelo carácter desterritorializado de um (novo) Mundo globalizado que potencia a adopção, por parte de grupos terroristas, destas dinâmicas organizacionais:

“The Dune movement is almost random, moving from one territory to another, affecting each territory, changing its characteristics and moves on to the next destination (…) act in a dynamics of a fast-moving entity that associates and dissociates itself with local elements while creating a global effect. The never ending associative connections link the Dune Al Qaeda as a Dune Organization in a decentralized and networked way with unknown number of affiliated groups. This network is temporary, attaches and detaches, moving onward after changing the environment in which it has acted. Afterward, it moves on while looking for another

16Praticado por indivíduos, grupos ou organizações que professam, para além da fé islâmica, um activismo político-ideológico a partir de uma interpretação radical e revivalista, em particular a visão salafista, dos ensinamentos do Corão. (Matos, 2011: p.15). O termo “Terrorismo Jihadista” é habitualmente usado para nomear uma variante do terrorismo internacional que se baseia numa interpretação extremista do Islão para fundamentar os seus objectivos políticos e ideológicos, sendo que a sua origem e campo de acção não se restringem a nenhuma área geográfica em particular. Não deve, contudo, ser equiparado a outras formas de terrorismo islamista, como é o caso, por exemplo, do grupo Hamas, cujos objectivos, bem diferentes dos de bin Laden e da al-Qaeda, se movem em redor de objectivos políticos particulares: a causa palestiniana (Matos, 2011: 15-16; Moghadam, 2008: 94).

17O terrorismo internacional é aquele que se pratica com a intenção deliberada de afectar a estrutura política de mais do que um país ou região, ou mesmo à escala mundial. Quando os seus intervenientes tenham estendido o seu campo de acção a um número significativo de países ou áreas geográficas. Importa ressalvar que o terrorismo internacional, nestes termos, engloba necessariamente o terrorismo transnacional. Cf. (Matos, 2011: 14-15; Reinares, 2005: 2). No mesmo sentido, aquele que “involves more than one nation, either in terms of national identity of the perpetrators or victims, or when the attack is committed on the territory of a third-party country, or if a state sponsor of terrorism is involved in the attacks”. Cf. Ganor (2005: 57).

18Significa, na língua árabe, “esforço na procura do caminho de Deus; o Islão mais radical interpreta-o por Guerra Santa contra os inimigos da fé islâmica”. Cf. Costa, Hélder Santos (2003), O Martírio no Islão. Lisboa: ISCSP, p.36.

19Tendo por referência Israel e os Estados Unidos, respectivamente.

20Liderança de topo e intermédia: isto é, para além da estrutura dirigente, também o quadro de operacionais, experientes e altamente treinados, responsáveis por áreas tão distintas como o recrutamento e radicalização, assuntos religiosos, operações financeiras, propaganda e comunicação estratégica, treino terrorista e planeamento de operações externas em áreas como a Europa, África, etc.

21Desde a sua criação, em 1988, até aos ataques terroristas no Quénia e na Tanzânia, em 1998. Na sua génese, esteve o “Gabinete de Assuntos Afegãos” – o MAK ou Makhtab al-Khidamat – criado por Abdullah Azzam durante o confronto com os soviéticos.

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suitable environment for the Dune to act in.” (Mishal & Rosenthal, 2005).

A ameaça do terrorismo islamista procede, de acordo com alguns especialistas, de três círculos sobrepostos: o primeiro, mais central, é constituído pelos membros do núcleo da rede al-Qaeda22 e pelos seus afiliados; um segundo, constituído por grupos etno- nacionalistas, que partilham a ideologia da al-Qaeda mas têm objectivos locais ou regionais; por último, um terceiro ciclo, mal definido mas provavelmente o maior e mais perigoso, onde se incorporam indivíduos e grupos que praticam o chamado “terrorismo freelancer” (Bures citando Errera, 2011: 37-39)23.

Nesta topologia, assaz abrangente, caberiam também os frequentemente denominados “lone-wolf” (ou “lobos solitários”), indivíduos que cometem actos terroristas e: 1) operam individualmente; 2) não têm ligações a nenhum grupo ou organização terrorista; 3) actuam sem influência directa de um líder ou estrutura hierarquizada; 4) usam tácticas e métodos por si concebidos e implementados, sem influência ou supervisão de terceiros (COT, 2007). Nos chamados “freelancer”, as acções são perpetradas por indivíduos que, embora sem ligação concreta a uma organização terrorista, actuam sob a orientação táctica e operacional de um dos seus membros (Jenkins, 2011: VII).

Na análise prospectiva de um especialista, a al-Qaeda, embora enfraquecida, mantém os objectivos de uma campanha terrorista global. Não logrando, actualmente, efectuar ataques em larga escala, o que é difícil de planear e implementar, a organização investe no recrutamento “homegrown” para a prossecução de uma Jihad individual, a partir de um terrorismo que designa de “do-it-yourself” (Jenkins, 2011; Matos, 2012).

Tomando como referência de análise o contexto europeu, e em concreto a ameaça do terrorismo endógeno ou “home grown”, é interessante a perspectiva que a classifica em três tipos de células que podem ser encontradas na Europa:

Figura 1 - Tipos de células terroristas a operar na Europa

AUTONOMYSELECTION

Chain of command

Directed

Top-down

Guided

Takes initiative, but

Self-recruited, but "link

 

seeks approval

to jihad"

Self-starter

Autonomous

Self-selected

Fonte: Neumann & Brook (2007: p. 26)

As “células de comando”, formadas e dirigidas pelo topo da estrutura hierárquica, têm como objectivo levar a cabo acções planeadas pelo comando da organização e executadas sob a sua coordenação. Os seus operacionais, em algum momento do seu percurso terrorista, foram treinados pela organização em campos existentes ou construídos para o efeito, podendo manter-se “adormecidas” até à sua activação.

22Habitualmente designada por al-Qaeda Central ou “al-Qaeda Core”.

23Errera, Philippe (2005) “Three Circles of Threat”, Survival 47 (1), pp.71-88.

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As “células dirigidas”, genericamente auto-recrutadas e auto-radicalizadas, gozam de autonomia de iniciativa mas buscam a aprovação da organização, vendo nisso não só um meio de integração na estrutura como, no futuro, o acesso a apoio logístico ou financeiro. Embora não integradas formalmente na estrutura organizativa, existem pontos de contacto – doutrinário, logístico ou operacional – com a organização, ou com alguns dos seus membros, para fins de supervisão e controlo.

As “células autónomas” – criadas de forma “automática” ou espontânea – são, exclusivamente, auto-recrutadas e auto-radicalizadas. Os seus membros não possuem qualquer ligação à organização e adquirem formação e treino por sua iniciativa, quase sempre em “campo virtual”, pelo que grande parte das suas iniciativas se quedam, não raro, pelas fases de planeamento e abordagem do alvo.

Porém, este último tipo de células torna-se exponencialmente perigoso pela capacidade de imersão no meio social. Actuando de forma autónoma, e pouco concertada, a sua visibilidade é menor e a possibilidade de monitorização dos movimentos dos seus membros ocorre apenas quando ideologias ou narrativas mais radicais são exacerbadas ou são cometidas acções que indiciem a sua disponibilidade para a actividade terrorista (Neumann & Brook, 2007: 23-26) 24.

Uma outra perspectiva, mais redutora, concebe esta ameaça a partir de dois subtipos: os “outsiders” e os “insiders”. O primeiro integraria indivíduos exilados, refugiados ou estudantes com entrada e permanência duradoura em países da Europa Ocidental; o segundo, indivíduos de segunda e terceira geração de imigrantes da diáspora muçulmana (Bures, citando Leiken, 2011: 38).

Esta variante da ameaça está, indubitável e intimamente, relacionada com a diáspora da comunidade islâmica há muito radicada na Europa. Não podemos, contudo, estabelecer entre ambas um nexo de causalidade, tanto mais que a sua franja radical é uma percentagem reduzida de uma comunidade maioritariamente integrada.

A formação destas células na Europa pode ser estruturada, em nosso entender, também do seguinte modo:

Células externas de penetração: constituídas por pequenos grupos de indivíduos, apresentando já algum grau de organização, que penetram nas fronteiras de um Estado ou região – apoiando-se na comunidade islâmica aí radicada para, no mínimo, actividades de apoio logístico, meio de cobertura ou financiamento –, tendo um alvo previamente estabelecido. É uma ameaça externa, de carácter imprevisível e de difícil detecção e controlo, dada a heterogeneidade da sua formação e grau de profissionalização dos seus membros. Em geral, penetram no país alvo em data próxima da execução do ataque, necessitando apenas do tempo suficiente às manobras de abordagem, reconhecimento, contra-vigilância, teste de segurança e execução do mesmo25. Estas células são, habitualmente, compostas por elementos de várias nacionalidades mas em que uma delas prevalece26.

24Também citado por Bures (2011: 37-38).

25Quase sempre, algumas destas acções são efectuadas por outros elementos do grupo terrorista, habitualmente designados por “célula de informações”, a qual não deve manter, por razões de segurança e visando o sucesso da operação, qualquer contacto com os elementos da célula que executará o ataque.

26Tomemos como exemplo a “célula de penetração” responsável pelos ataques, em 2001, em território norte-americano: embora “comandada” pelo egípcio Atta, dos seus 19 membros, 14 eram de nacionalidade saudita. Cf. McDermott, Terry (2005) Perfect Soldiers. The 9/11 Hijackers: Who They Were, Why They Did It. New York: Harper Collins Publishers.

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Células endógenas: integram este subtipo as células autónomas, activas ou ainda “adormecidas”, formadas a partir de elementos da comunidade imigrante, de primeira ou segunda geração, que emergem em contextos de partilha de valores étnicos, nacionalistas ou religiosos, assentes e potenciados por relações de amizade, vizinhança ou mesmo familiares e que têm, não raro, percursos prévios ligados à criminalidade o que facilitou ou precipitou a sua captação, doutrinação e radicalização violenta. São células que se vão formando no seio das comunidades de bairro, conectadas via internet – através das redes sociais e fóruns de discussão islamista –, com grande possibilidade de “camuflagem” dos seus membros dada a sua inserção social e familiar. Possuem, pela sua natureza, grande capacidade de mobilidade, quer em movimentos pendulares entre a Europa e os países de origem familiar, quer no interior das fronteiras internas desta.

Contraterrorismo Ofensivo: da eficácia ao efeito “boomerang”

A eficácia de uma estratégia contraterrorista, no âmbito de um determinado contexto, pode mostrar-se quase ou totalmente ineficaz quando aplicada a um outro, dada a heterogeneidade do fenómeno, na perspectiva quer dos sujeitos, quer do objecto da acção.

"Even relatively ineffective terrorist attacks can do grave harm. The damage can be measured in lives lost or injuries, in property damage and other material costs, or in something less easily quantifiable – the fear that another attack is coming. (...) mounting effective counters to terrorism is an especially difficult task. Because of the stealth and surprise that accompanies terrorism, the anonymity of the attackers, and the frequent willingness of terrorists to die for their cause, tackling terrorism is daunting at best. (...) The list of possible counterterrorism strategies is long and growing, in part because of the evolving dynamics of the terrorist threat” (Banks et Alii, 2008: 3).

Éneste sentido que Crelinsten27 nos apresenta diferentes enfoques de actuação que, embora dirigidos a um mesmo fim – a resposta contraterrorista –, permitem erigir estratégias mais adequadas, quer no que concerne às especificidades do fenómeno em cada momento e actor específico, quer quanto à profundidade e alcance da sua aplicação. De outro modo dito, se esta visa objectivos a curto prazo – análise de grupos, capacidades e meios de actuação, motivações, alvos, etc. – ou, pretendendo um alcance mais amplo e a longo prazo, deve gizar um quadro de análise e actuação que integre factores tão diversos como os de natureza social, religiosa, política ou económica que configuram o contexto de actuação terrorista, por forma a melhor perceber e actuar sobre as suas causas, capacidades de actuação e contra-resposta face à acção contraterrorista de um Estado (Crelinsten, 2009: 45).

Igualmente importante, é que no decurso da formulação de uma política contraterrorista se tenham em conta não só as perspectivas de análise básicas –

27Crelinsten, Ronald (2009), Counterterrorism. Cambridge: Polity Press. 132

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tempo, espaço, tipos de poder e modos de intervenção do opositor – mas também as seguintes relações dicotómicas: ofensivo/defensivo, reactivo/proactivo, local/global, a partir das quais se pode adequar, quer o enfoque de actuação, quer a intensidade da resposta. (Crelinsten: 44-47).

Grosso modo, Crelinsten subdivide o espectro contraterrorista em cinco variantes: coerciva, proactiva, persuasiva, defensiva e “longo prazo”.

O contraterrorismo coercivo, aquele que aqui mais nos importa, de cariz eminentemente ofensivo, assenta em dois grandes modelos: o War Model28, no qual tem primazia o emprego do instrumento militar, e o “Criminal Justice29, claramente assente na acção das polícias e do sistema judiciário30.

Os defensores do modelo “criminal” argumentam que o terrorismo deve ser tratado como qualquer outra forma de criminalidade organizada e violenta. A defesa do modelo “militar” assenta no pressuposto de que o modelo anterior não detém, em grande parte dos casos, a capacidade e os meios para lidar com a ameaça, razão pela qual os seus protagonistas devem ser vistos como combatentes – dado terem como alvo, indiscriminado, a população civil – e os instrumentos de resposta os adequados a um conflito armado.

Se bem que ambos os modelos estão relacionados com o monopólio do uso da força pelo Estado, quer num quer noutro, porém, existem limites de actuação: no primeiro, as decorrentes da legislação penal e processual penal; no segundo, a força militar só deve ser usada contra alvos combatentes ou, por extensão, contra indivíduos que a estes forneçam apoio militar.

Para GANOR, um especialista mundial em contraterrorismo, a definição de qualquer política contraterrorista deve procurar dar resposta a três grandes objectivos:

1)A eliminação do terrorismo;

2)A minimização dos danos causados pela acção deste;

3)Prevenir a escalada da acção terrorista (Ganor, 2005: 25-27).

Nessa perspectiva, a “equação terrorista”31, paradoxalmente, conduz-nos ao dilema que reveste a “equação contraterrorista”: aquele em que, paralelamente ao incremento de uma acção ofensiva, que vise reduzir as capacidades de acção de um grupo ou organização, fará corresponder um aumento dos seus níveis de apoio, adesão e motivação. Assim, uma estratégia contraterrorista deve procurar o equilíbrio entre os meios destinados, por um lado, a anular a capacidade operacional de uma organização

28“The war model of counterterrorism treats terrorism as if it were an act of war or insurgency. Because wars are usually fought between states, countering terrorism within a war model implies that the terrorist group represents the equivalent of a state.” Cf. Crelinsten(2009: 72-73).

29“A criminal justice approach to counterterrorism treats terrorism as a crime. This makes perfect sense, since most terrorist acts constitute crimes defined in criminal codes.” Cf. Crelinsten (Idem: 52).

30Aqui, visto no seu conjunto; i.e., corpus legislativo, autoridades judiciárias, sistema prisional, subsistemas de prevenção e investigação criminal, informações, etc.

31Traduzida pela fórmula: [Terrorismo = Motivações + Capacidades Operacionais]; Cf. Ganor (2005: 41- 43).

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para a actividade terrorista, por outro, reduzir, ao mínimo, os níveis de motivação para a sua consecução32.

A adopção por parte de um Estado de uma política ofensiva de contraterrorismo deve, igualmente, ter em conta o “efeito boomerang”. De acordo com Ganor (2005: 129- 130), a teoria do “efeito boomerang” estabelece que uma investida ofensiva contra uma organização terrorista pode desencadear uma escalada de resposta – mais ataques e, frequentemente, mais letais – por parte da organização.

Os partidários do uso de medidas ofensivas, não obstante, argumentam que essa proposição não é válida dado que a variável que limita o espectro de acção e modus operandi de uma organização terrorista é a sua capacidade operacional para efectuar ataques e não, em particular, o seu grau de motivação.

Nesse sentido, “the motivation of terrorists is always high and attacks are committed solely as result of operational readiness. A serious blow to the terrorist organization`s infrastructure will jeopardize its operational capability, and even if it elevates the organization`s motivation to commit a counter-attack, it will not be able to act on it” (Ganor, Ibidem).

Em síntese, este é um assunto que está longe de reunir consenso. Há muito que se reclama a importância da “decapitação” – por eliminação ou captura – de membros das estruturas dirigentes de uma organização terrorista. Afirma-se que, desse modo, ficarão enfraquecidas, quer a sua capacidade para o planeamento e execução de acções terroristas, quer a sua integridade e coesão organizativa. Julgamos, todavia, que essa eficácia logrará maiores resultados quando a organização alvo configure estruturas hierárquicas mais ou menos definidas. No caso da al-Qaeda, e da nebulosa terrorista33 com esta relacionada, os resultados poderão ser menos eficazes, dado o carácter volúvel34 e pouco conectado35 do seu modelo organizacional.

Respostas Ofensivas

A ameaça do terrorismo apanhou o Ocidente desprevenido; os mais prosaicos meios de fazer a guerra mostram-se hoje, neste particular, de pouca ou nula eficácia (Statman, 2004: p. 179). É este impasse conflitual que Adriano Moreira definiu como a imbricada “relação entre o Sistema Internacional e o Contexto Estratégico mundial é a evidente distância entre a definição normativa do sistema e a realidade mundial em desencontro

32“(…) the offensive activity raises the organization`s motivation to continue perpetrating, and perhaps even to escalate, terrorist activity in retaliation and in response to the country`s actions. (…) Planning and carrying out effective offensive counter-terrorism activity is a complex task and difficult to achieve.” Cf. Ganor (Idem: 43).

33Termo há muito proposto por DENÉCÉ, Éric et al. [dir.] (2002). Guerre Secrète Contre Al-Qaeda. Centre Français de Recherche sur le Renseignement. Paris: Ellipses Édition, p. 29 e pp.161-163.

34Esta volubilidade organizacional, que Jessica Stern designou de “The Protean Enemy”, permitiu à al- Qaeda resistir – pelo menos até quase à morte de bin Laden – às sucessivas operações contraterroristas, militares e de Intelligence, empreendidas contra a cúpula da organização na zona afegano-paquistanesa. Cf. Matos, Hermínio J. (2012) “E Depois de bin Laden? Implicações Estratégicas no Fenómeno Terrorista Internacional Uma Reflexão”. Politeia, Ano VIII, pp. 9-38. Lisboa: ISCPSI, p. 24; STERN, Jessica, “The Protean Enemy”, Foreign Affairs, 82 (4), 2003, pp. 27-40.

35Para uma análise ampla, e detalhada, dos modelos organizacionais das estruturas terroristas, ver GUEDES, Armando Marques (2007), Ligações Perigosas. Conectividade, Coordenação e Aprendizagem em Redes Terroristas. Coimbra: Almedina. Nesta perspectiva também, Matos (2010), “O Sistema de Segurança Interna: O Caso Português”, in Moreira, Adriano e Ramalho Pinto [coord.] ESTRAÉGIA, Vol. XIX, pp.173-246. Lisboa: Instituto Português da Conjuntura Estratégica, p. 206 e ss. [citando GUEDES, 2007, pp. 47-58].

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com a definição” (Moreira, 2011: 433), facto que nos conduz, inexoravelmente, a um “desfasamento entre a realidade e a dimensão da ameaça por via da sua subestimação” (Tomé, 2010: 37).

Parece haver, assim, um elemento perturbador, e porventura paradoxal, no combate ao fenómeno terrorista: por um lado, constata-se a emergência e disseminação de grupos, a adopção de estratégias e modelos organizacionais complexos que permitem, quer uma maior resistência, quer uma maior eficácia da acção terrorista; por outro, a implementação de modelos contraterroristas que, em simultâneo, logram obter resultados mais eficazes, contudo discutíveis, e suscitar as mais acesas controvérsias quanto à sua legitimidade e legalidade.

Nesse sentido, a reformulação do paradigma da segurança, aqui na sua perspectiva holística, pode (re)configurar as políticas de resposta ao terrorismo, correndo-se o risco, neste caso, da “militarização das dimensões não-militares da segurança”36. É que, “com o marco simbólico da queda do Muro de Berlim, a comunidade internacional, habituada a um equilíbrio de terror, é forçada a reconhecer a importância de outros actores do sistema internacional” (Garcia, 2010: 72), nos quais se integram, inter alia, grupos e organizações terroristas como a al-Qaeda e movimentos associados.

A questão que se coloca, no imediato, é a de saber se as respostas de alguns Estados, através da adopção de medidas activas de contraterrorismo ofensivo – como, por exemplo, o uso do “targeted killing” – não serão elas mesmas uma outra forma de terrorismo?

Como escreve Guedes Valente, a propósito dessa relação dialogal, e por vezes antitética, entre Segurança Nacional e a defesa, inalienável, dos direitos fundamentais, “nem a segurança pode ser subestimada, nem os direitos fundamentais sacrificados sem qualquer limite.” (Valente, 2010: 55).

Destarte, e tal como plasmado num relatório das Nações Unidas37 elaborado pelo relator Philip Alston38 sobre “Execuções Extra-Judiciais, Sumárias ou Arbitrárias”39, é admissível hoje no plano internacional a aplicação desse tipo de instrumento como resposta ofensiva contra o terrorismo internacional, per se, ou ainda em conflitos armados que confrontam o Estado e actores não-estatais, cenários em que, dada a especificidade da ameaça, os já prosaicos ditames da guerra e da paz nos remetem agora para o conceito (re)emergente de “guerra assimétrica”40, precisamente aquele em que se revela necessária a projecção da força militar, ainda que o “campo de batalha” se situe agora, não já no território do agressor ou da vítima, mas no interior de Estados terceiros, onde os primeiros procuram refúgio e apoio a todos os níveis.

36Tomé (2010: 37).

37Cf. United Nations (2010), Report of the Special Rapporteur on Extrajudicial, Summary or Arbitrary Executions, Philip Alston. General Assembly: Human Rights Council -HRC/14/24Add.6, 28 May, pp. 3-5.

38Relator Especial, entre Agosto de 2004 e Julho de 2010, no Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Actualmente, esse papel é desempenhado (desde Julho de 2010) pelo sul-africano Christof Heyns .

39Tradução nossa.

40Para GARCIA (Cit. Rupert Smith, 2010: 86), “classificar uma guerra como assimétrica é um eufemismo, pois a arte na prática da guerra está em conseguir [sempre] uma assimetria em relação ao inimigo” (parêntesis e sublinhado nosso); “A guerra assimétrica (…) explora sobretudo o factor surpresa, recusa as regras de combate impostas pelo adversário, utiliza meios imprevistos e actua em locais onde a confrontação não devia ser provável”, requisitos essenciais em qualquer estratégia de acção de uma organização terrorista (Garcia, Ibid.).

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Referimo-nos, em concreto, ao uso do “targeted killing41 como instrumento de acção ofensiva em estratégias contraterroristas de alguns países, como é o caso dos Estados Unidos e de Israel42.

O Relatório das Nações Unidas define assim este instrumento de acção:

“A targeted killing is the intentional, premeditated and deliberate use of lethal force, by States or their agents acting under colour of law, or by an organized armed group in armed conflict, against a specific individual who is not in the physical custody of the perpetrator. (…) Such policies have been justified both as a legitimate response to terrorist threats and as a necessary response to the challenges of asymmetric warfare. In the legitimate struggle against terrorism, too many criminal acts have been re-characterized so as to justify addressing them within the framework of the law of armed conflict. New technologies, and especially unarmed combat aerial vehicles or drones, have been added into this mix, by making it easier to kill targets, with fewer risks to the targeting State.” (UN Report, 2010: 3).

Adoptamos a concepção de Melzer (2008: 3-5) a qual refere que, para que seja designada como tal, uma acção de “targeted killing” deve possuir cinco requisitos:

1)o uso de força letal;

2)a premeditada e deliberada intenção de matar (dolo directo);

3)a selecção prévia de alvos individuais;

4)a não custódia física do alvo;

5)a imputabilidade da acção a um sujeito do direito internacional.

Assim, para lá da definição proposta pelo relatório das Nações Unidas mas dela não muito distante,

“The term ‘targeted killing’ denotes the use of lethal force attributable to a subject of international law with the intent, premeditation and deliberation to kill individually selected persons who are not in the physical custody of those targeting them” (Melzer, Idem: 5).

41Optámos por manter a terminologia anglo-saxónica por nos parecer que a tradução do termo perderia, se não a sua eficácia conceptual, pelo menos o seu alcance “psicológico”. Outras designações compreendem, entre outros, termos como “assassínio selectivo”, “eliminação de alvos seleccionados”, “execuções extra- judiciais” e “alvos selectivos”.

42Outros países, como a França, Rússia e Reino Unido, fizeram (ou fazem ainda) uso desta “técnica de acção ofensiva”. Também a OTAN, no âmbito do seu espectro de actuação, de que o Afeganistão é o exemplo mais actual.

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A teoria da “guerra justa”, hoje enquadrada pelos ditames do Direito Internacional Humanitário, pela Lei Internacional dos Conflitos Armados, pela Carta das Nações Unidas e pelas Convenções de Genebra, associa à legítima defesa os princípios da necessidade e da proporcionalidade. As Nações Unidas proíbem a ameaça ou o uso da força contra a independência ou a integridade territorial de outros Estados. Contempla, porém, duas excepções:

1)o direito, individual ou colectivo, de resposta a um ataque armado, consagrado no art.º 51.º da Carta, permitindo o uso da força apenas como resposta a um ataque armado ou, em última instância, como “defesa antecipatória” (preemptiva) a um ataque armado iminente;

2)o uso da força em operações de segurança colectiva, previamente autorizadas pelo Conselho de Segurança.

Ancorada no tríptico dessas “três subespécies da tendência securitária – o “Movimento Lei e Ordem, a Tolerância Zero e o Estado-polícia – as “novas ameaças e os novos perigos (…) estão a colocar em causa o Direito Penal comum e a legitimar a defesa de um Direito Penal do inimigo, fundado na dogmática do Direito Penal do autor, (…) que deve ser visto como um inimigo porque representa um perigo, uma ameaça, um risco à segurança”. Corremos, assim, o risco da transformação do “terrorismo como gérmen da esquizofrenia belicista” e, desse modo, potenciador da resposta contraterrorista no seu modo mais ofensivo (Valente, 2010: 62-67).

Se bem que a esteira jurídica que entorna esta questão mantém vivo um profundo e incessante debate, em especial à luz do direito internacional humanitário e dos direitos humanos, a nossa perspectiva de análise apenas incidirá sobre as questões técnicas e tácticas que envolvem este modo de acção contraterrorista.

O Processo de Selecção de Alvos

De acordo com a doutrina militar norte-americana, um “alvo” é uma entidade ou objecto cuja abordagem é susceptível de execução imediata ou futura (FM 3-60, 2010: 1-1). Nesta categoria, assaz abrangente, podem ser incluídas forças militares, móveis ou estáticas, estruturas físicas, infra-estruturas críticas ou outras capacidades que se mostrem indispensáveis à prossecução dos objectivos estratégicos ou operacionais do adversário ou inimigo (JP 3-60, 2002: I-2).

O processo de selecção de um alvo – “Targeting” – compreende, assim, o conjunto de acções tendentes a identificar, seleccionar e delinear prioridades, actuais ou futuras, de alvos que, uma vez executados, possam destruir, danificar ou diminuir as capacidades do opositor (FM 3-60: Ibidem).

Nas capacidades do alvo incluem-se, necessariamente, os meios humanos à sua disposição, sejam eles os indivíduos pertencentes a um exército – regular ou insurgente – ou a uma organização terrorista. As vantagens que resultam do processo de selecção do alvo são, entre outras, a possibilidade de identificar as fontes ou

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recursos que permitem a um opositor, na perspectiva conflitual, exercer a sua acção e utilizar os seus recursos e capacidades, facto que torna a sua aplicação extremamente eficaz no âmbito do contraterrorismo ofensivo.

Assim, a selecção de “alvos de valor elevado”43 visa a abordagem – eliminação ou captura – de indivíduos que integrem posições de chefia ou liderança, ou se constituam como mais-valia em termos técnicos ou operacionais, no seio de uma organização terrorista.

O processo é concebido, essencialmente, em quatro fases:

Figura 2 - Metodologia D3A

Assess Decide

Deliver Detect

Fonte: Elaboração própria, Cf. FM-3-60 (2010: p. 2-1)

A metodologia D3A percorre o seguinte ciclo:

1)DECIDE - decidir (a escolha do alvo);

2)DETECT - detectar (e “fixar” o alvo);

3)DELIVER - condução das operações (abordagem do alvo);

4)ASSESS – efeitos/danos na abordagem (“aquisição” do alvo).

A dinâmica deste processo, cujo ciclo pode ser mais ou menos extenso, pode também ser simplificada na fórmula: “Find, Fix and Finish44.

A perspectiva ofensiva da HUMINT: sucessos e (alguns) desaires

Em 31 de Dezembro de 2009, Humam Khalil al-Balawi, um médico jordano que supostamente teria sido recrutado pelo GID45 como agente duplo para infiltrar a

43High-Value Target (HVT): “Those assets that the Enemy Commander requires for successful completion of

his mission”; High-Payoff Target (HPT): “Those HVT`s that must be acquired and successfully attacked to achieve the Friendly Commander`s mission” Cf. FM 3-60 (2010), The Targeting Process, p. 2-2.

44Find: find the enemy; Fix: Ensure the enemy stays (is fixed) in that location; Finish: Defeat the enemy”. Cf. Peritz, Aki, Eric Rosenbach (2012) Find, Fix, Finish. Inside The Counterterrorism Campaigns That Killed Bin Laden and Devastated Al-Qaeda. New York: PublicAffairs.

45Serviço de Informações Jordano, cujo acrónimo designa General Intelligence Department ou Mukhabarat. Uma das vítimas de al-Balawi foi exactamente o seu “handler”, agente dos serviços jordanos e primo do Rei da Jordânia Abdullah II, Ali bin Zeid.

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organização terrorista al-Qaeda, cometeu um ataque suicida46 fazendo-se explodir na base militar de Khost, no Afeganistão, eliminando toda a equipa que constituía a base da CIA naquela região, e que então o aguardava para um contacto destinado à recolha de informação.

Este incidente ilustra bem o terreno complexo em que a intelligence47, em especial nas acções HUMINT, se move no âmbito do contraterrorismo.

Na luta contra o fenómeno terrorista, e em especial o de matriz islamista, o alcance tecnológico que hoje grande parte dos serviços de informações mundiais detém ficam incompletos sem esse vector fundamental da actividade de Intelligence que é a

HUMINT.

No âmbito do processo de selecção de alvos terroristas, a Intelligence tem um papel determinante em todas as suas fases. Porém, é na infiltração de fontes humanas de informação em grupos ou organizações terroristas – ou pelo menos no seu meio de actuação – que o processo se torna de difícil abordagem, não só pelo segredo e hermetismo que geralmente envolve esta actividade, mas também pelas características específicas – linguísticas, étnicas e religiosas – que envolvem o circuito do terrorismo jihadista.

Em última instância, a Intelligence persegue o primado da prevenção terrorista: a localização e identificação de elementos de uma organização terrorista, cujo conhecimento, prévio ou atempado, permitirá, por um lado, anular a sua acção, por outro, desarticular a sua estrutura e capturar os seus membros.

A grande valência da Intelligence no contraterrorismo é, pois, a de recolher e disponibilizar informação sobre indivíduos, líderes, células ou grupos terroristas, por forma a facilitar o seu desmembramento.

Paradoxalmente, nem sempre a eliminação de um alvo terrorista é a opção mais inteligente. A informação que pode ser recolhida – sobre a estrutura da organização, os seus membros, planos de acção, etc. – a partir da “entrevista” de elementos capturados é valiosa48.

“Many intelligence and military officials argue that detaining and interviewing terrorists suspects is the most effective way to finish them, since they can provide information that will allow the find-fix-finish cycle to begin again; the debriefing of one suspect can aid in locating, isolating, capturing, or killing others” (Peritz & Rosenbach, 2012: 8 e 207-218).

46De acordo com a gravação feita por al-Balawi imediatamente antes do ataque, o mesmo proclamava vingar a morte do líder do grupo terrorista Tehrik-e-Taliban Pakistan (TTP), Baitullah Mehsud, em Agosto de 2009, alvo de uma acção de “targeted killing” efectuada por Drones. Cf. Warrick, Joby (2011) The Triple Agent, The al-Qaeda Mole Who Infiltrated The CIA. New York: Doubleday.

47Aqui, em toda a extensão do conceito: as informações como processo (grosso modo, o denominado “ciclo das informações”), como produto final desse processo (conhecimento; Knowledge) e na perspectiva funcional das organizações que a executam. Cf. Matos (2011: 16).

48Como exemplo, lembremos os interrogatórios feitos a Khalid Sheik Mohammed e, mais tarde, a Abu Faraj al-Libi, que poderão ter conduzido à identificação e localização do “correio pessoal” de bin Laden – Abu Ahmed al-Kuwaiti – e, consequentemente, à eliminação do líder da al-Qaeda em Maio de 2011.

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A HUMINT assume, assim, uma importância fulcral no contraterrorismo. A obtenção de informação proveniente de fontes ligadas49 às estruturas das organizações terroristas permite o acesso a informação precisa e actualizada sobre a sua constituição, capacidades e planos de acção (Ganor, 2012: 155-156).

Em regra, as acções de targeted killing estão integradas num plano de acção mais vasto – para lá do espectro de actuação das “forças especiais” – com especial ênfase na área da HUMINT e das “Covert50 & Clandestine51 Operations”, não sendo raro, no caso dos EUA, que caiba à CIA a condução das operações de “targeted killing” no terreno, incluindo a coordenação e condução dos ataques por drones.

O “Targeted Killing”

Estados Unidos

Os Estados Unidos percorreram, no que concerne à reformulação das suas políticas externa e de segurança e defesa, um longo caminho entre os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 e o presente.

Tal como expresso na sua Estratégia Nacional Contraterrorista

de 201152, a

administração norte-americana enfrenta hoje “o mundo tal como ele

é”53, mas não

desiste do esforço de o tornar no “mundo que pretendemos”54.

 

Enquadrados na resposta militar dos EUA aos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, ainda que sob a eufemística denominação de “Guerra Global Contra o Terrorismo”(GWOT), os raides aéreos nas zonas montanhosas do Afeganistão, onde então se supunha estarem refugiados os membros da cúpula da al-Qaeda, são a génese daquilo a que mais tarde, numa ofensiva claramente dirigida contra alvos terroristas seleccionados, se viria a designar por targeted killing.

Não obstante o espectro de actuação contraterrorista da administração norte- americana se estender um pouco por todo o globo, o uso deste instrumento está reservado a teatros de operações mais específicos, de que são exemplo o Afeganistão, o Paquistão, o Iémen e a Somália.

49Esta “ligação” da fonte à organização pode traduzir-se de dois modos: um processo de infiltração HUMINT, em que o movimento de infiltração se opera de fora para dentro da organização. De modo contrário, a “penetração” de uma organização é obtida quando se consegue “recrutar” alguém que já está no seu interior ou a ela tem acesso. Frequentemente, ambos os termos – infiltração e penetração – são usados aleatória e alternadamente. O processo de infiltração é mais difícil de concretizar, se bem que no âmbito do contraterrorismo o sucesso seja de difícil obtenção em ambos os casos.

50“Covert operations are defined as an operation that is so planned and executed as to conceal the identity of or permit plausible denial by the sponsor. A covert operation differs from a clandestine operation in that emphasis is placed on concealment of the identity of the sponsor rather than on concealment of the operation”; Cf. U.S. Department of Defense (2010) Dictionary of Military and Associated Terms, Joint Publication 1-02, p.88.

51“Clandestine operation as an operation sponsored or conducted by governmental departments or agencies in such a way as to assure secrecy or concealment. A clandestine operation differs from a covert operation in that emphasis is placed on concealment of the operation rather than on concealment of the identity of the sponsor. In special operations, an activity may be both covert and clandestine and may focus equally on operational considerations and intelligence-related activities.” Cf. Idem, Ibid., p. 56.

52U.S. National Strategy for Counterterrorism, Washington D.C.: White House, June 2011, pp. 1-2.

53“The World as It Is”. Cf. U.S. National Security Strategy, Washington D.C.: White House, May 2010, pp. 7-9 [tradução nossa].

54“The World We Seek”. Cf. U.S. National Security Strategy, Washington D.C.: White House, May 2010, pp. 9-16 [tradução nossa].

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Hermínio Matos

Paquistão & Iémen

Numa análise sucinta dos resultados obtidos pelos EUA no âmbito da resposta contraterrorista – através do targeted killing por meio de drones55 – no interior do Paquistão e Iémen, constata-se um aumento exponencial do número de ataques, para o período entre 2004-2012, particularmente a partir de 2008. A estimativa (em alta) para o período entre 2004 e 2012, e em concreto para o território paquistanês, indica um total de 3.19156 mortes, entre “militantes”, “civis” e “desconhecidos”. Importa referir, também, o crescendo de “precisão” na execução dos alvos “elegidos”, uma vez que, para 2012, o número de baixas “civis” – os amiúde designados “danos colaterais” –, de acordo com a referida fonte dos dados, é nulo.

A entrada da administração Obama coincide com o aumento, quer do número de ataques, quer do número de mortes entre militantes ou líderes terroristas57.

Assim, entre 2004 e 2012, os EUA eliminaram, através da execução de alvos selectivos, quarenta e nove indivíduos afectos às estruturas dirigentes dos Taliban, da al-Qaeda e da rede Haqqani58.

No caso particular do Iémen, desde Novembro de 2002 que os EUA iniciaram a sua campanha de ataques por drones. Nessa data, a primeira vítima foi Qaed Salim Sinan al-Harethi. Desde então, foram lançados cinquenta e um ataques que se traduziram num total de duzentos e sessenta e sete alvos terroristas eliminados, entre líderes e quadros operacionais, e oitenta e duas baixas civis59.

Israel

Numa analogia com a metáfora usada por Nye60, poderíamos dizer que Israel dorme com um elefante61 a seu lado; o problema, porém, é se o animal se vira durante o sono.

O projecto de instituição do Estado de Israel conheceu ab initio um incessante confronto político-militar com os estados árabes vizinhos, em especial com aqueles que circunscrevem geograficamente as suas fronteiras, a maioria das vezes sob a forma de acções terroristas empreendidas contra alvos civis ou militares, no interior do seu território, ou contra interesses económicos, infra-estruturas críticas ou cidadãos israelitas para além das suas fronteiras.

55Fabricados pela General Atomics Aeronautical Systems Inc., em San Diego, os mais usados pelos EUA são o MQ-1B Predator (CIA) e o MQ-9 Reaper (USAF). Habitualmente designados por UAV (Unmanned Aerial Vehicle), servem também para operações de ISR (Intelligence Surveillance and Reconnaissance) e VISINT (Visual Intelligence) . Ambos podem ser equipados com mísseis Hellfire, sendo que no caso do MQ-9 Reaper pode ainda fazer uso de bombas guiadas por laser. Cf. Llenza, Michael Steven (2011) “Targeted Killings in Pakistan: A Defense”, Global Security Studies, pp. 47-59, Vol. 2 (2), pp. 48-49.

56Fonte dos dados: http://counterterrorism.newamerica.net/drones (reportados a 01 de Outubro de 2012).

57Em 2008, 35 ataques; em 2009, 53; em 2010, 117; em 2011, 64; e em 2012, 39 ataques. No total, para o período 2008-2012, um total de 308 ataques. Fonte: http://www.longwarjournal.org/pakistan- strikes.php (reportados a 1 de Outubro de 2012).

58Fonte: Idem, Ibid.

59Fonte: http://www.longwarjournal.org/multimedia/Yemen/code/Yemen-strike.php (reportados a 4 de Outubro de 2012).

60Cf. Nye (2012), Op. Cit., p. 26: “(…) os canadianos queixam-se de que viver ao lado dos Estados Unidos é como dormir com um elefante. (…) se o monstro se virar, isso será prejudicial”.

61Em especial, e para além da “velha” ameaça proveniente do terrorismo palestiniano, o Líbano, Egipto, Síria e Irão.

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Deste modo, a ameaça terrorista que impende sobre Israel materializa-se hoje, essencialmente, a partir de organizações ou grupos como o Hamas, particularmente através do seu “braço armado” – as Brigadas Izzedim al-Qassam –, a Brigada dos Mártires de al-Aqsa, e ainda pelo grupo xiita libanês Hezbollah.

Nessa perspectiva, a sua estratégia de resposta contraterrorista tem um cariz eminentemente ofensivo, materializado pela acção da IDF (Israel Defense Forces), da Intelligence e dos seus corpos policiais.

Em 27 de Dezembro de 2011, a página da IDF62 dava conta da eliminação de dois alvos terroristas, Rami Daoud Jabar Khafarna e Hazam Mahmad Sa’adi Al-Shakr, membros do grupo sunita Hamas, os quais preparavam um ataque terrorista na fronteira de Israel com o Egipto (península do Sinai). A IDF classificou o ataque, efectuado por um avião da Força Aérea, de “cirúrgico”, acrescentando ainda no seu comunicado oficial63 que

“The IDF will not allow any attempt to harm the State of Israel and IDF soldiers, and will continue to operate against anyone who uses terror against the State of Israel. The Hamas terror organization is solely responsible for any terror activity emanating from the Gaza strip.”64

Em certa medida, poderíamos considerar a operação “Wrath of God”65 a marca distintiva nas acções de targeted killing efectuadas pelo Estado de Israel. A operação “Ira de Deus”, executada pelo Mossad, tinha uma ordem de missão expressa: “Committee X66 made the historic, but top secret decision to assassinate any Black September terrorists involved, directly or indirectly, in planning, assisting, or executing the attack at the Olympics. (...) The mission was not to capture anyone. It was out- and-out revenge – to terrorize the terrorists”67

Casos mais recentes, como o da eliminação do líder militar do Hamas Mahmoud al- Mabhouh no Dubai, em Janeiro de 2010, ou o ainda recente caso do cientista nuclear iraniano, Mostafa Ahmadi-Roshan, em Janeiro deste ano, confrontam, de um lado, as dificuldades que se colocam no âmbito de estratégias contraterroristas em que o papel da Intelligence oscila entre a eficácia objectiva visada pelos fins contraterroristas e, por outro, os constrangimentos legais, diplomáticos e políticos que, em casos de insucesso como os referidos, podem fragilizar a imagem e o posicionamento de um Estado face à comunidade internacional.

A figura seguinte (fig.3) ilustra a ampla e articulada comunidade de informações israelita.

62Israel Defense Forces: Forças de Defesa de Israel, termo que engloba as forças do Exército, Marinha e Força Aérea daquele país. Cf. www.idf.il/.

63Mensagem inscrita, sempre, no final de notícias que se relacionam com a actividade terrorista empreendida contra Israel. Neste sentido, a acção de “targeted killing”, enquadrada no âmbito da

resposta contraterrorista, é assumida publicamente por Israel.

64 Cf. “IAF aircraft target two Global Jihad affiliated-terrorists in northern Gaza who prepared attacks on

Israel-Egypt border”, (27/12/2011): http://www.idf.il/1283-14340-EN/Dover.aspx.

65“Ira de Deus”. Nome da operação levada a cabo pelo Mossad contra os responsáveis dos ataques terroristas perpetrados contra a equipa olímpica israelita em Munique, em 1972, pelo grupo Black September, cuja eliminação do seu líder, Ali Hassan Salameh (“The Red Prince”), só se viria a consumar a 22 de Janeiro de 1979, no Líbano, sete anos após o início da retaliação do “longo braço da Justiça de Israel”.

66O “Comité X” tinha um carácter altamente secreto e era presidido por Golda Meir e Moshe Dayan.

67Cf. Raviv, Dan, Yossi Melman (1990) Every Spy A Prince, The Complete History of Israel`s Intelligence Community. Boston: Jaffe Book, p. 186; Payne, Ronald (1990) Mossad, Israel`s Most Secret Service. New York: Bantam Press.

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Tendo em conta que a maior actividade terrorista provém das áreas controladas pela Autoridade Palestiniana, Israel atribui grande importância à protecção das fronteiras do seu território e às acções que visam obstar a sua infiltração. Frequentemente, a IDF penetra nas áreas de jurisdição palestiniana para efectuar detenções ou intervenções armadas contra alvos terroristas, podendo o alvo ser um indivíduo ou uma estrutura física onde haja informação que este(s) se refugie(m). Neste último caso, as operações contemplam mesmo o uso de apoio aéreo (preferencialmente helicópteros) para a destruição física do local, sendo este tipo de acções designadas por “house demolitions68. Este tipo de intervenção é susceptível de acarretar elevados danos colaterais, ou seja, a eliminação física de alvos civis e a destruição física de complexos contíguos. Em geral, ocorrem como resposta ao lançamento de “rockets”, a partir da Faixa de Gaza, contra o Estado de Israel.

Figura 3 - A Comunidade de Informações Israelita

Fonte: Pedahzur (2010: p. 4)

68Cf. Benmelech, Efraim et alli. (2009), “Counter-Suicide-Terrorism: Evidence from House Demolitions”,

Cambridge: National Bureau of Economic Research, Working Paper n.º 16493, pp. 1-4.

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Para além deste método de “fogo pesado”, são os ataques à bomba e os ataques suicidas as ameaças mais letais contra alvos israelitas. A figura 4 ilustra a actividade terrorista empreendida contra Israel, entre os meses de Junho e Setembro de 2012, em zonas “demarcadas” como a Judeia e Samaria, o Sinai e a Faixa de Gaza e Jerusalém. Embora o número de ataques desencadeados seja significativo para o período em causa, o seu grau de letalidade é muito baixo, ou quase nulo, salvo raras excepções, resultado não só da longa experiência do Estado de Israel contra o fenómeno terrorista, como também da intensificação das medidas de protecção e resposta ofensiva há muito por este empreendidas.

Figura 4 - Perspectiva dos ataques terroristas ocorridos em Israel (Junho–Setembro de

2012)69

Fonte: www.shabak.gov.il

De acordo com o relatório supra, e embora o mês de Outubro tenha sofrido um incremento da actividade terrorista relativamente aos meses de Julho e Agosto, o número total de ataques conseguidos neste mês fica muito aquém dos 165 que se verificaram em Junho.

Porém, para o período em análise, e tendo em conta o total de 371 ataques levados a cabo nos quatro meses, “apenas” se verificou a morte de um militar das Forças de Defesa de Israel, e ferimentos num outro, bem como ferimentos ligeiros em quatro agentes das forças policiais.

Síntese Conclusiva

No âmbito de estratégias contraterroristas mais ofensivas, outras técnicas de acção poderiam ser indicadas como estando relacionadas com o targeted killing, como é o

69Israel Security Agency (2012), Monthly Summary – September 2012 Report, p. 2. Disponível em: www.shabak.gov.il. [Acedido em 10 de Outubro].

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caso do “shoot to kill policing”, em geral mais afecta à intervenção das forças policiais em contexto urbano70 ou, ainda, as “extraordinary renditions71 que podem mostrar-se particularmente úteis na área de Intelligence pela informação oportuna que podem fornecer sobre a actividade terrorista.

Todavia, nenhuma estratégia contraterrorista se mostrou plenamente eficaz na resposta ao fenómeno terrorista. Ainda que sob a égide dos modelos mais ofensivos, a capacidade para anular, ou sequer prever, fenómenos como os de Madrid, Londres ou, mais recentemente, os de Oslo e Toulouse, é quase inexistente.

Uma análise qualitativa (ataques planeados vs ataques falhados) quanto à eficácia de células independentes, por exemplo em solo europeu, permitiria concluir que estas são menos eficazes do que aquelas que, embora autónomas – como as células de Madrid e de Londres – estabelecem conexões com outras estruturas terroristas. Estruturas difusas e pouco organizadas, reduzidas ao indivíduo no caso do terrorismo individual (lone-wolf), podem constituir um sério obstáculo à monitorização e controlo das suas actividades por parte das forças e serviços de segurança.

O caso recente de Mohammed Merah, cidadão francês de ascendência argelina responsável pelo assassinato de sete pessoas na região francesa de Toulouse, entre as quais três crianças de origem judaica, ilustra bem a ameaça proveniente do terrorismo “espontâneo” ou de “gatilho”.

Só um distanciamento temporal permitirá perceber as ligações deste indivíduo a outros grupos terroristas, ou o seu papel, amiúde invocado, numa tentativa de infiltração em grupos extremistas gizada pelo DCRI72 ou pela DGSE73. É assunto que reservamos para uma análise posterior mais aprofundada.

Entretanto, “O falhado pode contentar-se e resignar-se com a sua sorte, a vítima pode exigir reparação, o vencido pode preparar-se para o assalto seguinte. Pelo contrário, o perdedor radical isola-se, torna-se invisível, cuida dos seus fantasmas, concentra a sua energia e espera pela sua hora. (…) é, por uma vez, senhor da vida e da morte” (Enzensberger, 2008: 10 e 17).

Esta é, pois, uma ameaça invisível, silenciosa…para a qual não estamos ainda preparados. Este exército de “perdedores radicais” detém, ainda que por uma única vez e num derradeiro momento, o comando da acção.

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70De que é exemplo maior o caso de Jean Charles de Menezes, abatido a tiro em Londres a 22 de Julho de 2005, no rescaldo dos ataques bem sucedidos de 7 de Julho e dos ataques falhados, empreendidos em 21 de Julho, por erro sobre a pessoa. A polícia britânica, supondo tratar-se de um terrorista, e face à relutância deste em acatar as ordens de paragem da polícia – o que fez avolumar ainda mais as suspeitas sobre si –, foi alvejado mortalmente (entre 5/9 disparos, a curta distância, na cabeça).

71“extraordinary rendition occurs when American Authorities render an individual without the consent of the host country. (…) Renditions, extraordinary or otherwise, have advantages. First and foremost, rendition is one way of removing terror suspects from the streets. (…) The act of rendition may also disrupt terrorist plots in their planning phases, as individuals critical to the successful planning of a terrorist operation are incapacitated”. Cf. Peritz, Rosenbach, 2012: 64.

72Direction Centrale du Renseignement Intérieur.

73Direction Générale de la Sécurité Extérieure.

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