OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
VISÕES DO IMPÉRIO:
RELIGIÃO, ONTOLOGIA E O INTERNACIONAL NO INÍCIO DA ERA MODERNA
Lucas G. Freire
Formado em Ciências Econômicas (UFMG) e em Relações Internacionais
.
Resumo
Este estudo analisa a relação entre os motivos básicos religiosos do pensamento teórico, ontologia geral e seu uso específico na teoria política ‘internacionalista’ no início da Era Moderna. A análise segue a filosofia reformacional de Herman Dooyeweerd na identificação dos pressupostos básicos de Origem da existência, coerência e diversidade da realidade em diversas correntes de pensamento. O legado clássico da Grécia e de Roma, em fusão com noções cristãs antigas, são destacados como os motivos da Natureza e da Graça, direcionadores da visão de mundo escolástica, informando, assim, sua visão de Cristandade, do Sacro Império
.
Palavras chave:
Religião; Ontologia; Era Moderna; Teoria Política Internacionalista
Como citar este artigo
Freire, Lucas G. (2012). "Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna". JANUS.NET
Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol3_n2_art3
Artigo recebido em 1 de Agosto de 2012; aceite para publicação em 8 de Outubro de 2012
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
VISÕES DO IMPÉRIO:
RELIGIÃO, ONTOLOGIA E O INTERNACIONAL NO INÍCIO DA ERA MODERNA
Lucas G. Freire
I. Introdução
Os processos políticos e históricos envolvendo a transição gradual do mundo medieval para o moderno apresentaram inúmeros enigmas a certos ‘usuários da razão’ naquela época distante, incluindo a questão de como o Sacro Império
45
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
e sua aplicação em casos específicos. Não é por acaso que tais autores também figuram na lista de grandes filósofos do passado.
O grande interesse na teorização do ordenamento político e na conceitualização do Sacro Império, bem como a contingência de uma forte ligação entre teoria política e princípios últimos do raciocínio sistemático, despertam o interesse para a seguinte questão: haveria, de fato, alguma relação direta entre os pressupostos mais básicos e gerais de um sistema teórico e a sua aplicação, na superfície, ao entendimento da ordem política mundial? Em caso afirmativo, como seria possível identificar as diversas correntes de pensamento em virtude dessa relação entre os fundamentos e suas implicações no que tange às distintas ‘visões do Império’? A proposta defendida aqui é de que, com efeito, existe uma relação entre as ‘raízes’ e os ‘ramos’ do pensamento político ‘internacionalista’ em transição no início da Era Moderna. Contudo, a classificação das ‘visões do Império’ ou do ordenamento político geral em função dos diversos tipos de pressupostos mais básicos depende tanto de um recuo historicamente ‘macroscópico’ e comparativo como de uma análise das noções tácitas que orientam o pensamento teórico em cada uma dessas correntes de raciocínio. Tal combinação de uma narrativa de longo prazo com um exame dessas ‘raízes’ em cada caso tem a função de, simultaneamente, denotar a herança cultural recebida no início da Era Moderna e a forma como essa herança foi equacionada em conflito com pressupostos alternativos.
Antes, porém, de colocar o argumento reformacional em uso no caso das ‘visões’ sobre o internacional e o Sacro Império no início da Era Moderna, é necessário detalhar, ainda que de forma breve, os conceitos básicos a serem utilizados e a maneira como
46
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
religião, ontologia e teoria se ligam dentro desse esquema. Um dos pontos centrais no desenvolvimento da filosofia reformacional é a rejeição da visão humanista da autonomia da razão, que assume esta como a fundação última de qualquer teoria. Um dos argumentos apresentados contra a suposta neutralidade do raciocínio teórico é a existência de diversas perspectivas e escolas filosóficas modernistas em conflito, cada uma fundamentando seus próprios programas de pesquisa nas ciências especiais, sendo que todas elas igualmente afirmam que seu alicerce é a razão autônoma. Considerando que essas escolas se excluem mutuamente, fica sugerida a impossibilidade de se postular a razão pura como o fundamento último da teoria. Em outras palavras: as correntes humanistas adotam uma postura dogmática acerca das bases do pensamento teórico (Dooyeweerd, 1948:
Apontando o problema interno no dogma modernista da autonomia da razão, a filosofia reformacional o substitui por uma noção de dependência fundamental do pensamento teórico em relação aos seus pressupostos
Qual fórmula genérica permitiria a identificação exata desses pressupostos de Origem, e qual seria o seu conteúdo em termos mais amplos? Como visto anteriormente, rastrear as camadas discursivas teóricas até sua base filosófica não responde ao problema da diversidade do cardápio acadêmico em uma disciplina especial, dada a existência de uma ampla gama de possibilidades mesmo nessa dimensão mais profunda. Os diversos ‘ismos’ teóricos não existem somente no plano mais imediato dos campos especializados. Eles também se fazem presentes na camada mais básica da filosofia. Ora, grosso modo, todas as escolas filosóficas se propõem a lidar com a mesma realidade a partir das questões teóricas mais gerais (ex. ‘o que é real?’).
47
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
Ocorre, porém, que cada uma dessas escolas abstrai teoricamente essa realidade de formas distintas. Portanto, uma chave para a compreensão da diversidade teórica é o mapeamento das maneiras em que a abstração é efetuada em cada abordagem. É justamente nesse ponto que os pressupostos de Origem se fazem relevantes na análise do pensamento teórico. Uma
Uma maneira de identificar a forma como esses conjuntos de ideias transcendentais
A próxima seção trata da herança clássica recebida pelos pensadores medievais. Como os motivos básicos dos escolasticismos medieval e tardio envolvem uma fusão entre a filosofia clássica e o cristianismo, esse passo deve, aqui, preceder uma exposição do pensamento escolástico. Após um resumo das teorias
1A filosofia reformacional é também conhecida como Filosofia da Ideia Cosmonômica – o princípio que estipula as condições ordenadoras do cosmos.
48
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
II. A Herança Clássica: Forma, Matéria e Política
A ideia cosmonômica da cultura e do pensamento clássico ocidental deriva da antítese entre o motivo da Forma e o motivo da Matéria, ambos reivindicando papeis absolutos. Embora esss dois motivos tenham igual relevância na compreensão do pensamento ‘internacionalista’ clássico, vale lembrar que cada um deles obteve proeminência em períodos distintos da história. O período mais anterior pode ser caracterizado pelo papel da Matéria como a Origem independente “da qual emergem todos os seres em sua forma individual” em uma moldura de “necessidade cega” (Dooyeweerd, 1948: 62) do destino operando por intermédio de uma “corrente cíclica de vida amorfa” (Dooyeweerd, 1979: 16). O quadro cósmico derivado desse motivo básico se resume da seguinte forma:
É dessa corrente disforme de onde constantemente flui vida orgânica que gerações de coisas perecíveis se originam periodicamente. A existência dessas coisas, limitada por uma forma corpórea, está submetida ao destino horrível da morte [...]. Tal existência sob o limite de uma forma era considerada uma injustiça, visto precisar de se manter às custas de outros seres, de modo que a vida de um seja a morte de outro. Portanto, toda fixidade da vida em uma figura individual
évingada pelo destino inexorável da morte na ordem do tempo. (Dooyeweerd, 1960: 39)
Em outras palavras, a noção geral é de um constante “processo de nascimento e declínio de tudo o que existe em forma corpórea”. É essa a suma da ideia cosmonômica contida no motivo da Matéria.
Eventualmente, o ‘pólo’ oposto do
O pensamento político grego também se viu sob a força dessa visão de mundo. As alterações de ênfase no motivo básico da forma/matéria modificavam a noção de natureza (physis), que, por sua vez, reconfiguravam as noções de ‘natural’ e de
49
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
‘arbitrário’. Esses conceitos eram, segundo sugere Keene (2005: 32), fundamentais nas narrativas clássicas sobre a vida pública. Um exemplo é a ideia mais antiga ‘materialista’ sobre a Origem dos costumes e leis, atribuída às relações caóticas de poder, como se percebe em Heródoto, Tucídides e Protágoras, em consistência com a visão de natureza como uma ‘corrente’ sujeita aos choques do acaso. Em contraste,
A distinção entre o natural e o arbitrário com base no motivo da Forma é especificamente notória no caso do pensamento ‘internacionalista’ platônico. O natural, sendo “imutável e imaterial, podendo ser conhecido apenas pelo intelecto” (Keene, 2005: 36), é por inferência melhor apreendido por aqueles que sabem colocar os aspectos
Uma tendência similar pode ser encontrada em Aristóteles. Tal como Platão, Aristóteles contrapõe o motivo mais antigo materialista a uma ideia de natureza como Forma. Isso
ébem visível na ligação entre natureza e o propósito (telos) que orienta o desenvolvimento de todas as coisas em suas tendências intrínsecas. Não obstante a
50
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
aproximação a Platão nesse sentido, Aristóteles tem uma visão alternativa sobre o meio que deve ser utilizado para a obtenção de conhecimento acerca das Formas.
Ao contrário de Platão, que ensinava que o conhecimento das Formas jamais poderia ser obtido pelos sentidos, o modo de investigação de Aristóteles começa com a observação empírica da maneira como as coisas estão no mundo, a partir da qual as Formas compartilhadas por certas espécies de coisas devem ser deduzidas mediante o exame de suas tendências a desenvolver em tipos qualitativamente distintos de entidade (Keene, 2005: 39).
Ao seguir tal ‘modo de investigação’, a filosofia aristotélica passa a depender de uma noção hierárquica entre todo e partes que também serve de fundamento para a teoria política, como Aristóteles (1999: 3) deixa claro: “Tal como em outros departamentos da ciência, na política o composto deve sempre ser resolvido em termos dos elementos simples ou as menores partes de um todo”. Além dessa ontologia hierárquica, o pressuposto teleológico que orienta todo o pensamento teórico de Aristóteles é “igualmente proeminente em sua ética e política”, segundo observa Lloyd (1970: 121- 122), “visto que suas ideias sobre a vida boa e sobre o bom Estado são fundamentadas na sua concepção acerca dos fins ou funções próprias do homem”. A tese aristotélica sobre a diversidade em coerência das associações societais serve de evidência concreta:
Cada Estado é uma comunidade de determinado tipo, e cada comunidade é estabelecida com vistas a determinado bem, porque a humanidade sempre age no intuito de obter aquilo que se pensa ser bom. Contudo, se todas as comunidades desejam determinado bem, o Estado, isto é, a comunidade política, sendo a maior de todas elas e a que as abrange na sua totalidade, visa ao bem em um grau maior que qualquer outro, e ao maior de todos os bens (Aristotle, 1999: 3).
Em Aristóteles esse propósito do Estado tem como aliada a razão (nous), que diferencia os seres humanos dos demais animais, e a contemplação (theoria), que, além de ser o propósito da vida humana emergente dessa diferenciação, também se apresenta como referencial da vida política na
As implicações para a análise ‘internacionalista’ das relações entre comunidades políticas diversas são ainda mais notáveis em Aristóteles e, em grande parte, isso se deve ao direcionamento inicial da ideia básica de Forma em tensão com o princípio da Matéria, bem como os pressupostos de uma ontologia teleológica e baseada na disposição hierárquica entre todo e partes, segundo relata Dooyeweerd (1979: 22). Internamente, a
51
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
deveria servir a essa cidadania, uma vez que somente ela forneceria uma Forma cultural divina e racional à existência humana”. Externamente, essa visão reforçava a suspeita já antiga de que aqueles ‘dentro’ da
a
O próprio Aristóteles leva essa visão binária adiante, ‘naturalizando’ a tensão entre os ‘de dentro’ e os ‘de fora’. De inimigos naturais dos gregos, os bárbaros passam, assim,
àcondição de escravos naturais, dada a impossibilidade de igualidade entre os que obtêm seu propósito para a vida humana e os que rejeitam os meios de se diferenciar dos demais animais (Cf. Ossewaarde, 2008:
A tensão entre Forma e Matéria, elemento básico a direcionar o pensamento teórico grego clássico, também afetou de forma profunda os ideais opostos de imperialismo e de cosmopolitismo no período da dominação romana sobre o Ocidente. Antes mesmo disso, no período Alexandrino da proeminência macedônica sobre os gregos, a noção transcendental materialista se mostrou bastante conveniente à hierarquia política externa. Dooyeweerd (1979: 23) observa que “a concepção fatalista de um ciclo da vida para a morte aplicada a toda existência em forma individual era notadamente adequada à deificação do monarca como senhor sobre a vida e sobre a morte” (Cf. também Foucault, 1978:
Surgia, gradativamente, uma nova forma de se pensar a relação entre o ‘dentro’ e o ‘fora’. Aliás, tal distinção foi notadamente relaxada em virtude do cosmopolitismo estoico no periodo romano. Seguindo a tendência antiga de se orientar pela dialética entre Forma e Matéria em sua concepção da natureza, os estoicos desenvolveram seus sistemas teóricos a partir do objetivo de obter uma ‘unidade’, por assim dizer, com tal ordem natural. A diversidade das comunidades políticas, incluindo a diversidade de
52
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
dessa ‘unidade’ fundamental com a natureza, tendo falhado em promover de forma suficiente uma vida política verdadeiramente virtuosa. Em contrapartida, os estoicos expressaram sua preferência por uma cidade mundial (cosmopolis), explicando teoricamente a coerência política em torno de sua Origem postulada na ‘lei da natureza’ (ou direito natural), comum a cada ser humano (Keene, 2005:
III. Natureza e Graça: A Teoria Escolástica da Cristandade
A hibridização da mentalidade imperialista romana não se restringiu ao estoicismo de Cícero e outros. Eventualmente, a cultura predominante, já em declínio, veio a absorver elementos do cristianismo, o qual havia sido capaz de resistir à perseguição inicial e de se expandir até literalmente chegar à Casa Imperial. Os primeiros séculos da igreja cristã são notáveis pela crescente uniformização doutrinária e pela condenação de qualquer mistura com a cultura clássica ao redor dessa comunidade religiosa que fosse considerada perniciosa (Clark, 1988:
No que tange ao ponto inicial de uma cultura cristã moldada pelas ideias transcendentais contidas no motivo básico bíblico,
53
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
como ‘mordomos’ ou ‘gestores’ do restante da criação no intuito de
As possibilidades de uma filosofia bíblica e, por implicação, da teoria especializada nas demais áreas (incluindo política ‘internacional’), foram logo abafadas pela emergência do movimento sintético no próprio motivo básico cristão (Skillen, 1981: 58ff). As obras de Agostinho já ilustram a força dessa síntese entre as ideias transcendentais clássicas de forma/matéria e o esquema bíblico de criação/queda/redenção. Agostinho é relevante aqui porque tanto os detalhes do seu pensamento ‘internacionalista’ quanto seus fundamentos sintéticos foram deixados de herança para a teoria escolástica posterior a respeito do Sacro Império e da Igreja institucionalizada. Ele é geralmente listado como um dos pioneiros cristãos no pensamento ‘internacionalista’, mas sua teoria é em parte derivada de uma ontologia dualista
A única antítese entre cristianismo e outras visões de mundo que se pode perceber no pensamento político de Agostinho (2003) tem por fundamentos iniciais concepções
54
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
‘Cidade de Deus’ e a ‘Cidade dos Homens’. Além da base dessa tensão, as suas implicações diversas para a vida política também são detalhadas em uma clara dependência em relação a um conjunto híbrido de ideias transcendentais. Um primeiro exemplo é a delimitação da ‘Cidade de Deus’ como algo fora do presente mundo com base em seu relacionamento com a alma do cristão que, juntamente com o pressuposto dualista de uma distinção antropológica entre corpo/alma, ecoa uma visão
O direito natural é um bom indicador do caráter sintético do escolasticismo posterior a Agostinho no que tange ao pensamento ‘internacionalista’. “A ideia de direito natural”, segundo comenta Keene (2005: 82), “sempre foi de certa forma um conceito importado, enxertado nas crenças morais e espirituais cristãs”. O que cristalizou a incorporação do direito natural no pensamento teórico escolástico foi o desenvolvimento definitivo de uma ontologia dualista de ideias transcendentais de Origem baseadas no novo motivo básico híbrido de natureza/graça.
O Catolicismo Romano concebia ‘natureza’ no sentido grego: a natureza era um cosmos composto de Matéria disforme e dinâmica e de uma Forma que determinava a essência imutável das coisas. A natureza humana também era vista como uma composição de Forma e Matéria: a ‘matéria’ humana era o corpo mortal, material (sujeito à tendência de ser e de decair), e sua ‘forma’ era a alma imperecível, imortal e racional, caracterizada pela atividade de pensamento. Para o Catolicismo Romano, uma esfera supranatural da Graça, que tinha seu centro na igreja institucional, se colocava acima da esfera da Natureza. A Natureza formava a base independente, e um prelúdio para a Graça (Dooyeweerd, 1979: 144).
A absorção de uma noção clássica de ‘natureza’ (em termos de Forma e Matéria) foi amplamente influenciada pelos escritos de Aristóteles, redescobertos no ápice da época medieval. Um passo à frente de Agostinho no sentido de uma inclinação positiva à filosofia pagã, Tomás de Aquino mitigou a rejeição radical agostiniana da noção pelagiana acerca das implicações da queda do ser humano no pecado (Thompson, 1994: 59). Crendo que, apesar do pecado, todos são ainda naturalmente capazes de se aproximar de Deus através do aperfeiçoado uso da razão, Tomás encontrou nessa versão mitigada da doutrina da queda uma porta de entrada para firmar a noção pagã de direito natural. Sendo Deus razão perfeita e Sua lei eterna, e tendo a queda pouco
55
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
efeito sobre o uso da razão, logo,
A centralidade do direito natural no pensamento escolástico ditou toda uma era de pensamento teórico ‘internacionalista’ centrado no vocabulário especificamente “legal ou jurisprudencial”, daí sua relevância (Keene, 2005: 99). Com efeito, a ligação entre as ideias transcendentais sintéticas de natureza/graça no escolasticismo e a teorização do Sacro Império e de seus limites em relação à jurisdição da Igreja (ligação esta efetuada via ‘cosmopolitismo’ baseado no direito natural) é bastante notável. Outro elemento ontológico a influenciar o pensamento ‘internacionalista’ escolástico foi a noção teleológica aristotélica da primazia do todo sobre suas partes (Thompson, 1994: 60). Com esses dois fatores, o pensamento político medieval postulou de ponto de partida “duas Ordens de vida organizada, a espiritual e a temporal” (Gierke, 1958: 10), correspondendo, respectivamente, à Graça e à Natureza. Nessa última esfera, o pensamento medieval convergia em termos da metáfora aristotélica do organismo político, supostamente aplicável a toda associação. Visto que tanto o Império como a Igreja reivindicavam uma autoridade absoluta (ou ‘cosmopolita’), a solução encontrada foi a de ligar o organismo eclesiástico representado pelo Papado à jurisdição universal sobre assuntos espirituais (Graça) e o organismo político representado pelo Imperador
àjurisdição universal sobre assuntos terrenos (Natureza). Gierke (1958:
Século após século um decreto imutável da Lei Divina aparentemente determinou que, em correspondência com a dualidade da natureza e do destino humano, deveria haver duas Ordens separadas, sendo que uma delas cumpriria o destino temporal e terreno do homem, enquanto a outra deveria
A ontologia escolástica aplicada aos assuntos políticos ilustra, com isso, seu fundamento sintético entre as ideias transcendentais clássicas e uma noção cristã modificada de redenção do cosmos via submissão à jurisdição da Igreja.
Com base nessa ontologia demarcada pelo caráter sintético e potencialmente ‘cosmopolita’ em seu motivo básico, a imagem medieval do Sacro Império ‘superenfatizou’ a sua coerência e unidade política, relevando em boa medida a existência de inúmeros costumes, corporações e autoridades baseadas em costumes feudais, e não em noções legais originadas no mundo clássico (Ruggie, 1998:
56
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
cosmológica, permitiu retratar todas essas associações e autoridades entrelaçadas como meras frações subsumidas pelo ‘todo’ da grande comunidade política. Com o tempo, porém, foi necessária a ligação conceitual entre esse ‘todo’ e a ideia de ‘Cristandade’, incluindo o Sacro Império e a Igreja em uma unidade maior, “universal na medida que possuía uma religião comum, direito e cultura compartilhados e, entre as classes educadas, uma língua comum” (Armstrong, 1993: 22). Além de proporcionar uma solução para o problema conceitual da coerência da comunidade política em termos do motivo natureza/graça, a noção de Cristandade também equacionou o cosmopolitismo estoico, mantendo, à maneira escolástica, a hierarquia entre Graça e Natureza.
No cerne da noção de Cristandade estava a ideia – arraigada em teorias romanas de direito natural bem como no cristianismo – de que a humanidade estava inerentemente unificada visto que todos os homens estavam em última análise sob a tutela do mesmo governante divino. Portanto, na medida em que o homem pudesse obter unidade, ele estava a agir inclinado ao propósito terreno que Deus lhe havia determinado. E, visto que o Papa era o representante de Deus na Terra, ele podia reivindicar domínio universal sobre os governantes inferiores, temporais (Armstrong, 1993: 21).2
Um último aspecto da conveniência do conceito de Cristandade que deve ser mencionado é sua capacidade de servir de ponto de referência apesar da emergência de um padrão de conduta mais independente do Império por parte dos Estados modernos em formação (Perkins, 2004: 21).
O potencial unificador da ontologia escolástica no que tange à comunidade política foi instrumentalmente moldado, também, pela diferença entre o ‘dentro’ e o ‘fora’ da Cristandade. A noção de coerência da ordem mundial à luz de diferenças externas, bastante visíveis no caso das Cruzadas e, posteriormente, na conquista do Novo Mundo, também problematizou esse conceito de unidade. Nesse último caso, o maior desafio talvez tenha sido o de justificar a expansão do cristianismo através do instrumento da conquista, mas evitando que o novo contexto europeu de tensão
2Notadamente, a autoridade papal na teoria e na prática sempre tinha um aspecto ligado à Graça, não obstante algumas formulações que favoreciam uma maior ação política do Papado.
57
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
como Vitoria e Las Casas defenderam uma tese mitigada sobre a diferença entre a Cristandade e os de ‘fora’. Aqui a unidade ‘para fora’ foi reforçada em termos da ‘comunidade da humanidade’ conectada pela lei da natureza (Wight, 1991:
IV. A Fase Protestante: Continuidade e Ruptura Rumo ao Pluralismo
O crescente fortalecimento dos Estados europeus, principalmente após o rompimento da ligação direta entre a Espanha e o Sacro Império na pessoa de Carlos V, com a divisão da dinastia imperial entre o ramo austríaco e o espanhol, contribuiu para aumentar o desconforto da busca teórica por unidade da Cristandade representada pelo Império (McCulloch, 2004: 277). Nesse e em outros problemas acadêmicos, a síntese do motivo básico natureza/graça se enfraquecia cada vez mais, sendo mantida mais pela autoridade institucional da Igreja do que pelo seu aspecto intelectual. Dentro da própria Igreja, já há algum tempo, os pensadores nominalistas haviam proposto uma quebra dessa síntese, enxergando no elemento aristotélico uma grande mácula para o dogma cristão e para suas aplicações em diversas áreas da vida (Quigley, 1979: 344- 348; Kenny,
Durante essa primeira fase, a comunidade acadêmica enfatizou a reformulação
3Cf. a próxima seção.
58
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
teológico. Tratando de cada um desses domínios fundamentais (Natureza e Graça) de forma separada, a manifestação teórica do protestantismo na área política enrijeceu a tensão entre ‘mundo’ e ‘Igreja’ sem a pretensão de igualar a comunidade institucionalizada dos cristãos com esse último aspecto. Uma manobra semelhante foi adotada pelo humanismo cristão de Melanchton, Agricola e Erasmo, mas com o conteúdo do motivo da ‘Natureza’ fortemente informado pelo ideal renascentista de retorno à história, literatura e filosofia clássica. A esfera religiosa, por sua vez, passou a ser vista de forma mais introspectiva (Dooyeweerd, 1979:
O caso das opiniões políticas de Lutero serve para ilustrar como Natureza e Graça continuaram a servir de referência para o pensamento teórico protestante inicial, com o notável acréscimo de uma clara tensão entre cada um desses pólos, tratados como antitéticos (Dooyeweerd, 1997:
Àsemelhança da formulação luterana, o pensamento teórico protestante inicial apresentou uma continuidade com as ideias transcendentais de Natureza e Graça. Fala- se até mesmo, em determinados contextos, de um escolasticismo protestante. Sudduth (2009: parte I), por exemplo, ressalta a surpreendente emulação protestante nos argumentos acadêmicos de defesa da fé cristã, notando como diversos autores inicialmente dependeram da herança
59
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
teóricos posteriores tenham sido influenciados por uma visão humanista em sua ideia de Natureza, o ponto é que os motivos básicos do protestantismo inicial mantiveram seu reflexo político sob a direção dual das noções de Natureza e Graça. É difícil, portanto, encontrar indícios de um retorno aos motivos básicos radicais de criação/queda/redenção do cristianismo antigo no pensamento político protestante em geral, apesar de os esforços teológicos, por sua vez, terem sido mais bem sucedidos nesse aspecto por conta do retorno às afirmações bíblicas em detrimento de posteriores tradições eclesiásticas como base dogmática.
Coube a Calvino, juntamente com outros autores da ala ‘reformada’ dos protestantes, iniciar a tentativa de resgate das ideias transcendentais bíblicas como ponto norteador de uma visão de mundo que incluísse uma nova ontologia a ser aplicada em diversas áreas de investigação teórica. Na cosmovisão e no pensamento teórico reformado, o dualismo cristão do escolasticismo e do protestantismo anterior dão lugar a um pluralismo ontológico. Esse fator pluralista emerge principalmente a partir do resgate
Embora diversos pensadores reformados tenham desde cedo se aplicado ao desenvolvimento de uma teoria política derivada da nova base ontológica naquilo que Witte (2007) considera uma verdadeira “reforma dos direitos” com diversas implicações para as instituições do mundo ocidental, foi necessário o amadurecimento dessas bases para que, finalmente, Johannes Althusius utilizasse os novos princípios na sua interpretação do Sacro Império em relação à esfera societal como um todo. Em sua obra principal, Politica, a ontologia pluralista orientada pelas ideias transcendentais bíblicas de criação/queda/redenção se traduzem em um elegante sistema teórico digno de nota por seu caráter cuidadosamente arquitetado e pelo seu grande poder explicativo (Carney, 1995: xiv). O autor atribui ao motivo bíblico o ponto que alavanca
60
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
o seu argumento. A visão do Sacro Império em Politica emerge como consequência da formulação geral, sendo uma ilustração de
O primeiro tema abordado por Althusius (1995: 17) é a definição de política. Saltam à vista, nessa definição, tanto a ideia de pluralidade de associações quanto o caráter
O problema central passa a ser a obtenção de uma disposição da sociedade que possibilite a política nos termos dados. Neste segundo tema importante no argumento, Althusius explica como a noção de Origem divina da pluralidade social se liga aos meios da simbiose. Há diversos tipos de necessidade na vida, um fato que resulta da forma como Deus criou os seres humanos sob uma pluralidade de leis da natureza. Além de viver em grupos por causa dessas necessidades, as pessoas formam diferentes tipos de associações que correspondem a cada um desses tipos de necessidade, a fim de que elas comuniquem as coisas, serviços e direitos necessários ao desenvolvimento de uma vida plena. Em geral, as pessoas ingressam em associações por intermédio de consentimento. Cada um desses grupos possui sua estrutura interna de regras, autoridade e papéis, a fim de funcionar corretamente (Althusius, 1995:
4Esse último ponto envolve a oposição marcada de Althusius à noção de soberania defendida por Bodin e outros contemporâneos.
61
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
argumento é ilustrado e aplicado no caso de diversos tipos de associações (família, guildas, igrejas e associações públicas como, por exemplo, cidades). Althusius (1995:
143)distingue três espécies principais de associações: naturais (ex. família), civis (ex. corporações de profissionais) e públicas (ex. províncias). Ele diferencia esses grupos com referência à sua função e estrutura interna. Notadamente, cada associação tem uma “vocação” dada por Deus, um potencial que deve ser desenvolvido ativamente. Em suma: Deus criou seres humanos que precisam de viver em comunidade. Diferentes tipos de necessidade, provenientes da ordem da criação divina, devem ser satisfeitas por distintas associações. Quando essas associações cobrem de forma eficiente tais necessidades, o arranjo social resultante pode ser chamado de simbiose e as relações podem ser consideradas como políticas. Isso quer dizer que o desenvolvimento da arte da política requer um reconhecimento das estruturas da criação de Deus e um ajuste da sociedade em relação a essas estruturas no cumprimento da vocação ‘redentiva’ das associações diversas.
O terceiro tema relevante é o da limitação do exercício da autoridade política. Da mesma forma como as estruturas da criação divina e a necessidade de se aperfeiçoar sempre a conduta
Além de proporcionar uma narrativa teórica para explicar a emergência dos Estados através do entrelaçamento de associações públicas, Althusius desenvolve melhor sua teoria da associação pública universal e dos limites às suas estruturas de autoridade, passando a ilustrar o conceito com o caso do Sacro Império. Ele atribui soberania a essa associação em virtude da inexistência de qualquer outra autoridade pública que lhe seja igual ou superior em seu território (Althusius, 1995: 69). Considerando a disposição interna de cada ‘camada’ associativa pública, a imagem que emerge do entrelaçamento de todas as associações é bem distinta do conceito
62
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
de ‘contrato social’ que pressupõe uma divisão aguda entre indivíduos e Estado. Além do mais, há diversas outras associações de cunho civil ou natural enriquecendo ainda mais o quadro geral. Em todo caso, o ponto é que a associação universal se forma já contando com as estruturas de autoridade pública inferiores e sem prejuízo para os outros tipos de associações. É ao “povo” que a soberania pertence. Isto é, “não aos membros individuais, mas a todos eles em conjunto” (Althusius, 1995: 70). Althusius é por vezes tratado como um defensor da soberania popular, à moda de Rousseau, mas ele deixa claro que por ‘povo’ ou ‘membros’ ele se refere “não a homens individuais, famílias ou corporações, como numa associação privada ou
A ‘visão’ althusiana do Império como associação pública universal é, pois, bastante análoga à situação das Províncias Unidas. Em sua experiência profissional como um magistrado inferior servindo à cidade de Emden (entre a Alemanha e a Holanda), Althusius precisou de argumentar mais de uma vez contra os excessos das autoridades centrais. A terceira edição de sua obra (1614) é dedicada aos líderes da resistência de sua província durante o longo período da Revolta Holandesa contra o domínio espanhol, que só terminou oficialmente no mesmo ano dos tratados de Westphalia (Carney, 1995:
V. O Humanismo: Ciência, Personalidade e Política
Como visto anteriormente, há uma grande semelhança entre os primórdios do humanismo (principalmente em sua vertente mais religiosa) e o movimento anti- escolástico medieval. Hardt e Negri (2000: 72) observam, com efeito, uma marcada separação entre Natureza e Graça no nominalismo da Idade Média tardia que rompeu de vez a síntese escolástica em seu motivo religioso básico dualista: a produção de conhecimento, com isso, “alternou do plano transcendente para o imanente”. A área da Graça não foi completamente eliminada da vida como um todo, ao menos nos momentos iniciais do humanismo, mas
63
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
religiosidade. O âmbito terreno, por sua vez, separado conceitualmente das coisas religiosas, ganha uma ‘lógica’ própria, pautada no ideal renascentista da livre personalidade (Boucher, 1998: 118). Ambos os fatores apresentam claras consequências na teoria política nominalista e em sua ‘visão do Império’.
Assim, por exemplo, em Dante, a unidade fundamental da humanidade como um todo (cristãos e
Com o tempo, o motivo básico religioso do pensamento humanista se cristalizou em torno dos pólos da Natureza, agora na condição de autonomia, e da Liberdade humana “absolutamente independente de todo poder sobrenatural” (Dooyeweerd, 1979: 152). A pessoa autônoma haveria de, cedo ou tarde, “tomar seu destino em suas próprias mãos”. Hardt e Negri (2000:
os humanos se declararam mestres de suas próprias vidas, produtores de cidades e da história, inventores dos céus. Eles herdaram uma consciência dualista, uma visão hierárquica da sociedade e uma ideia metafísica de ciência, mas deixaram, para as gerações seguintes, uma ideia experimental de ciência, uma concepção constituinte da história e apontaram o ser como um terreno imanente de conhecimento e de ação.
Como principal resultado desse “processo de secularização que negava a autoridade divina e transcendente sobre os assuntos mundanos”, dizem eles, “o conhecimento humano se transformou num fazer, numa prática de transformação da natureza” (Hardt and Negri, 2000: 72). Em outras palavras, o ideal da livre personalidade humana serviu de impulso ao ideal de controle sobre a natureza, sendo ambos
64
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
O outro pólo do conjunto de ideias transcendentais humanistas, aquele que diz respeito
àNatureza, por sua vez, se diferencia radicalmente da visão pressuposta nas correntes teóricas anteriores. Após a consolidação da quebra da síntese escolástica, o motivo da Natureza também passou pela transformação trazida pela visão ‘mecanista’ de mundo e pelos grandes avanços da física e do cálculo no início da Era Moderna (Shapin, 1996:
"não há traços de teologia aristotélica ou cristã, nenhuma referência a qualquer ordenamento ideal [...] ou a qualquer propósito rumo ao qual a criação se encaminha. Não há qualquer pressuposto discernível da existência de leis divinas. As únicas leis da natureza que Maquiavel menciona são as leis da necessidade física".
Embora inicialmente o caráter contingente da sociedade tenha sido enfatizado em tal predileção pelo conhecimento histórico, o secularismo e a visão mecânica da natureza garantiram a partir desses primeiros humanistas uma abertura para a posterior extensão da leitura matemática ao terreno da política.
Àsemelhança das correntes dualistas anteriores, o humanismo clássico também se caracteriza por uma tensão profunda entre os dois pólos de sua raiz. A Liberdade, buscada em termos do novo ideal científico de controle, coloca a seu serviço a visão mecânica da Natureza. Quanto mais controle sobre o mundo, mais livre o ser humano será (Shapin, 1996:
5A produção científica do período também abunda fora do motivo básico humanista. A ciência do início da Era Moderna de forma alguma é comutável com ‘pensamento humanista’. Cf. Pearcey e Thaxton (1994).
65
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
A teorização política humanista a partir do fundamento antitético de natureza/liberdade
Em segundo lugar, a universalização do método matemático na visão humanista clássica de Natureza emprestava à teoria política um aspecto de neutralidade e de precisão para além das querelas teológicas que permeavam a prática e o estudo das relações ‘internacionais’, aspecto esse que se evidenciava de duas formas —
66
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
Esse procedimento, aplicado à análise da sociedade como um todo, também se fazia fortemente presente, em terceiro lugar, no estudo das relações entre diferentes Estados. Concebido à luz da noção ‘mecanista’, o Estado se define como um conjunto fechado em choque com os demais Estados ou, como Hobbes propõe, um ‘corpo político’ sujeito às mesmas leis físicas que o restante do universo. Assim, não é surpresa que o mesmo argumento utilizado na análise e na síntese do ‘estado de natureza’ que leva ao contrato social seja aplicado às relações entre Estados. Embora o ‘internacional’ no início da Era Moderna seja concebido à luz do que se convencionou chamar de ‘analogia doméstica’, isso não significa que haja, do lado de ‘fora’, um espelho completo daquilo que supostamente teria ocorrido ‘dentro’, no momento hipotético do contrato social (Walker, 1993). Uma das diferenças entre o conjunto de indivíduos no estado de natureza e o conjunto de Estados no ambiente internacional é o fato de os Estados terem supostamente resolvido o problema interno da segurança e, por isso, poderem se defender de uma maneira mais adequada que os indivíduos no estado de natureza, argumento usado por Pufendorf para se desvencilhar a implicação de um Estado mundial que resolveria o problema do choque entre diferentes comunidades políticas (Boucher, 1998: 239). Grotius acrescenta a isso a noção de uma ‘sociedade internacional’, formada, também contratualmente, sob o direito natural (Cf. Bull, 1977). Em todo o caso, era amplamente reconhecido que, na busca por estabilidade no plano interestatal, os atores tinham o poder de se munir de estratégias como o equilíbrio de poder e as alianças militares, dispensando o uso de uma entidade centralizadora universal. Assim, embora o mesmo princípio de sobrevivência e de auto- interesse se aplique tanto no plano doméstico quanto internacional, a resolução de problemas em cada âmbito demanda maiores considerações, apresentando mais uma faceta da dialética entre o ideal de controle e o ideal da livre personalidade.
Um dos grandes enigmas para o pensamento ‘internacionalista’ humanista surgido após todas as modificações práticas e institucionais no contexto do Sacro Império, principalmente depois de Westphalia, foi o de definir o status dessa entidade política. A maioria dos teóricos humanistas considerava os escolásticos e os clássicos inferiores à nova abordagem matemática, porém categorias aristotélicas eram ainda bastante difundidas na classificação de comunidades políticas em geral. Além da proposta original, mas esquecida, de Althusius, as ‘visões do Império’ disponíveis variavam em torno dos conceitos aristotélicos de monarquia, aristocracia e, possivelmente, uma mistura. O problema consistia em reconciliar a definição já cristalizada de soberania proposta por Bodin com a dupla reivindicação de soberania por parte do Império e dos Príncipes alemães. Seguida à risca, essa noção de soberania ameaçaria o poder dos Príncipes (se aplicada ao Imperador), ou, alternativamente, reduziria o Império a uma mera confederação ou aliança militar (se aplicada aos Príncipes), ‘desnudando’ o Imperador de sua ‘vestimenta soberana’. Era, por assim dizer, mais um dos ‘quebra- cabeças’ gerados pela tensão entre controle e liberdade no motivo religioso básico humanista.
Embora aqui o objetivo não seja o de focalizar em todos os principais argumentos, saltam à vista dois autores igualmente críticos das categorias herdadas: Pufendorf e Leibniz. Pufendorf encara a soberania, entendida conforme as formulações de Bodin e de Hobbes, como “a característica definidora de um Estado”, chegando inclusive a propor uma distinção entre Estados regulares e irregulares, sendo que somente os regulares contam com soberania “unificada e efetiva”, fator que rebaixa os Estados
67
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
irregulares a tentativas fracassadas de alcançar o seu objetivo principal de promover a segurança dos cidadãos (Seidler, 2007:
177)é levado a concluir que “a Alemanha é um Corpo Irregular e semelhante a uma Monstruosidade” (monstro simile) que, não obstante, tende mais a um “sistema de Estados” (ie., aliança militar) do que a uma monarquia unificada. Eulau (1941: 657-
658)comenta o procedimento humanista que tende a tal conclusão:
O método de Pufendorf [...] consistia em deduções jurísticas e lógicas a partir de presuppostos concebidos a priori. Ele aceitava incondicionalmente as visões de Bodin e de Hobbes acerca da unidade absoluta e da completa independência do Estado soberano. Da natureza do Estado assim concebida, ele deduziu sua soberania; da natureza da soberania, a sua indivisibilidade; e, da sua indivisibilidade, a monstruosidade de qualquer Estado supostamente composto de outros Estados. Um Estado não pode conter outros Estados em si.
A prescrição feita por Pufendorf é simplesmente uma coordenação maior entre os membros do Império para que este cumpra de fato o propósito de uma aliança militar e passe a ser um sistema efetivo de Estados.
Leibniz, por sua vez, não se contentava com a visão tradicional de soberania. Criticando Hobbes pela
68
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
VI. Comentários Finais
O motivo clássico de forma/matéria informou a visão escolástica de Natureza, sintetizada sob o domínio da Graça. As ideias centrais de natureza/graça, acompanhadas do primado aristotélico do todo sobre as partes, e do cosmopolitismo estoico, serviram de quadro de referência para o pensamento político medieval e escolástico posterior, incluindo a noção de Cristandade e o equacionamento das relações entre a jurisdição universal política do Sacro Império e o governo espiritual do Papado. A síntese dos motivos básicos medievais seguiu seu curso sob a autoridade institucional da Igreja até o início da Era Moderna, mas a Reforma possibilitou alternativas no humanismo cristão e no pensamento protestante em geral. Embora boa parte dos protestantes tenha mantido uma surpreendente semelhança com o pensamento
O Sacro Império
—como permanece até hoje (Cf. Wight, 2006) — a raiz das diversas ontologias nos motivos básicos religiosos do pensamento teórico é também merecedora de nossa atenção.
69
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
Problemas ontológicos são sempre atuais em qualquer disciplina especializada. Quando se trata de um domínio como o das relações internacionais, sob constante mudança em seu objeto e seu modo de estudo, tais questões são efetivamente
Referências Bibliográficas
Althusius, J. (1995). Politica: An Abridged Translation of Politics Methodically Set Forth and Illustrated with Sacred and Profane Examples. Indianapolis, Liberty Fund.
Aquinas, T. (2002). On Law, Morality, and Politics. Indianapolis, Hackett. Aristotle (1999). Politics. Kitchener, Batoche.
Armstrong, D. (1993). Revolution and World Order: The Revolutionary State in International Society. Oxford, Clarendon Press.
Augustine (1953). On Free Will (De Libero Arbitrio). Augustine: Earlier Writings. J. H. S.
Burleigh. Louisville, Westminster John Knox:
Augustine (2003). Concerning the City of God, Against the Pagans. City of God. G. R. Evans. London, Penguin:
Bavinck, H. (1894). De Algemeene Genade. Kampen, G. Ph. Zalsman. Bhaskar, R. (1978). A Realist Theory of Science. London, Harvester.
Bos, A. P. (1986). "Het Grondmotief van de Griekse Cultuur en het Titanische Zin- perspectief." Philosophia Reformata 51(1):
Boucher, D. (1998). Political Theories of International Relations: From Thucydides to the Present. Oxford, Oxford University Press.
Brunner, E. (2003). The Divine Imperative: A Study in Christian Ethics. Cambridge, Lutterworth.
Bull, H. (1977). The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. New York, Columbia University Press.
Burtt, E. A. (1954). The Metaphysical Foundations of Modern Physical Science. Garden City, Doubleday.
Calvino, J. (1999). Institución de la Religión Cristiana. Rijswijk, Felire.
70
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
Carlyle, A. J. and R. W. Carlyle (1962). A History of Medieval Political Theory in the West. London, Blackwood.
Carney, F. S. (1995). Translator's Introduction. Politica: An Abridged Translation of Politics Methodically Set Forth and Illustrated with Sacred and Profane Examples. F. S. Carney and J. Althusius. Indianapolis, Liberty Fund:
Clark, G. H. (1988). The Incarnation. Jefferson, Trinity Foundation.
Clark, G. H. (1989). The Johannine Logos: The Mind of Christ. Jefferson, Trinity Foundation.
Clouser, R. A. (1991). The Myth of Religious Neutrality: An Essay on the Hidden Role of Religious Belief in Theories. Notre Dame, University of Notre Dame Press.
Collingwood, R. G. (1945). The Idea of Nature. London, Oxford University Press. Coulton, G. G. (1940). Studies in Medieval Thought. London, Thomas Nelson. Dante (1863). De Monarchia. Halle, Universität
Dengerink, J. (1978). The Idea of Justice in Christian Perspective. Toronto, Wedge.
Dooyeweerd, H. (1947). "Introduction to a Transcendental Criticism of Philosophic Thought." Evangelical Quarterly 19(1):
Dooyeweerd, H. (1948). Transcendendal Problems of Philosophic Thought: An Inquiry into the Transcendental Conditions of Philosophy. Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans.
Dooyeweerd, H.
Dooyeweerd, H. (1960). In the Twilight of Western Thought: Studies in the Pretended Autonomy of Philosophical Thought. Nutley, Craig Press.
Dooyeweerd, H. (1979). Roots of Western Culture: Pagan, Secular, and Christian Options. Toronto, Wedge.
Dooyeweerd, H. (1997). Essays in Legal, Social, and Political Philosophy. Lewinston, Edwin Mellen.
Eulau, H. F. (1941). "Theories of Federalism Under the Holy Roman Empire." American Political Science Review 35(4):
Femia, J. V. (2003). Machiavelli. Political Thinkers: From Socrates to the Present. D. Boucher and P. Kelly. Oxford, Oxford University Press.
Foucault, M. (1978). The History of Sexuality 1: The Will to Knowledge. London, Penguin.
Franca Filho, M. T. (2007). "Westphalia: A Paradigm? A Dialogue Between Law, Art and
Philosophy of Science." German Law Journal 8(10):
Freire, L. G. (2008a). O Impacto de Westphalia na Montagem de uma Nova Ordem na Política Mundial. ILSA International Conference. Belo Horizonte.
Freire, L. G. (2008b). "Westphalia: Montando uma Nova Ordem na Política Mundial."
Cenário Internacional Retrieved 6 Jul., 2009, from http://www.cenariointernacional.com.br/default3.asp?s=artigos2.asp&id=107.
Gierke, O. (1958). Political Theories of the Middle Age. Boston, Beacon Press.
71
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
Grabill, S. J. (2006). Rediscovering the Natural Law in Reformed Theological Ethics. Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans.
Grotius, H. (2005). The Rights of War and Peace. Indiana, Liberty Fund.
Hardt, M. and A. Negri (2000). Empire. Cambridge, MA, Harvard University Press.
Hebden Taylor, E. L. (1966). The Christian Philosophy of Law, Politics and the State: A Study of the Political and Legal Thought of Herman Dooyeweerd of the Free University of Amsterdam, Holland as the Basis for Christian Action in the
Hooykaas, R. (1972). Religion and the Rise of Modern Science. Edinburgh, Scottish Academic Press.
Inayatullah, N. and D. L. Blaney (2004). International Relations and the Problem of Difference. New York, Routledge.
Jaeger, W. (1963). Early Christianity and the Greek Paideia. London, Oxford University Press.
Kalsbeek, L. (1975). Contours of a Christian Philosophy: An Introduction to Herman Dooyeweerd's Thought. Toronto, Wedge.
Keene, E. (2005). International Political Thought: A Historical Introduction. Cambridge, Polity.
Kenny, A.
Knutsen, T. L. (1997). A History of International Relations Theory. Manchester, Manchester University Press.
Kok, J. H. (1998). Patterns of the Western Mind: A Reformed Christian Perspective. Sioux Center, Dordt College Press.
Korff, S. A. (1924). "An Introduction to the History of International Law." American Journal of International Law 18(2):
Krasner, S. D. (1995/96). "Compromising Westphalia." International Security 20(3):
Kropatscheck, F. (1900). Occam und Luther: Bemerkungen zur Geschichte des Authoritätsprincips. Gütersloh, Bertelsmann.
Kubálková, V. (2000). "Towards an International Political Theology." Millennium 29(3):
Kuhn, T. S. (1996). The Structure of Scientific Revolutions. Chicago, University of Chicago Press.
Leibniz, G. W. F. (1988). Political Writings. Cambridge. Cambridge University Press. Lloyd, G. E. R. (1970). Early Greek Science: Thales to Aristotle. New York, Norton.
Luther, M. (2002). From On Secular Authority. International Relations in Political Thought: Texts from the Ancient Greeks to the First World War. C. Brown, T. Nardin and N. Rengger. Cambridge, Cambridge University Press:
Marsiglio (1993). Defensor Minor. Defensor Minor and De Translatione Imperii. C. J. Nederman. Cambridge, Cambridge University Press.
72
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
Marsilius (2005). Defensor Pacis. The Defender of the Peace. A. Brett. Cambridge, Cambridge University Press.
McCulloch, D. (2004). Reformation: Europe's House Divided. London, Penguin.
Nederman, C. J. (2003). Marsiglio of Padua. Political Thinkers: From Socrates to the Present. D. Boucher and P. Kelly. Oxford, Oxford University Press.
Nietzsche, F. (1995). The Birth of Tragedy. New York, Dover.
Osiander, A. (1994). The States System of Europe,
Osiander, A. (2001). "Sovereignty, International Relations, and the Westphalian Myth." International Organization 55(2):
Ossewaarde, M. (2007). "Three Rival Versions of Political Enquiry: Althusius and the
Concept of Sphere Sovereignty." Monist 90(1):
Ossewaarde, M. (2008). "The Rule of Law in Attic and
Parkinson, F. (1977). The Philosophy of International Relations: A Study in The History of Thought. Beverly Hills, Sage.
Pearcey, N. R. and C. B. Thaxton (1994). The Soul of Science: Christian Faith and Natural Philosophy. Wheaton, Crossway.
Perkins, M. A. (2004). Christendom and European Identity: The Legacy of a Grand Narrative Since 1789. Berlin, W. de Gruyter.
Plato (1999). The Republic. Great Dialogues of Plato. W. H. D. Rouse. New York, Signet:
Polanyi, M. (1946). Science, Faith and Society. Chicago, University of Chicago Press. Pufendorf, S. (2007). The Present State of Germany. Indianapolis, Liberty Fund. Quigley, C. (1979). The Evolution of Civilizations. Indiana, Liberty Fund.
Riley, P. (1988). Introduction. Political Writings. P. Riley and G. W. F. Leibniz. Cambridge, Cambridge University Press:
Ruggie, J. G. (1998). Constructing the World Polity: Essays on International Institutionalization. London, Routledge.
Runia, D. T. (1989). "Dooyeweerd, Bos and the Grondmotief of Greek Culture." Philosophia Reformata 54(1):
Rushdoony, R. J. (1961). Intellectual Schizophrenia: Culture, Crisis and Education. Phillipsburg, Presbyterian & Reformed.
Schmitt, C. (2006). Teologia Política. Belo Horizonte, Del Rey.
Seidler, M. J. (2007). Introduction. The Present State of Germany. M. J. Seidler and S. Pufendorf. Indianapolis, Liberty Fund:
Shapin, S. (1996). The Scientific Revolution. Chicago, University of Chicago Press.
Skillen, J. W. (1979). "Unity and Diversity among States: A Critique of Assumptions in
the Study of International Relations." Pro Rege 8(1):
73
JANUS.NET,
ISSN:
Vol. 3, n.º 2 (outono 2012), pp.
Visões do Império: religião, ontologia e o internacional no início da Era Moderna
Lucas G. Freire
Skillen, J. W. (1981). International Relations and the Demand for Global Justice. Sioux Center, Dordt College Press.
Skillen, J. W. (2003). "Philosophy of the Cosmonomic Idea: Herman Dooyeweerd's
Political and Legal Thought." The Political Science Reviewer 32(1):
Stafleu, M. D. (1987). Theories at Work: On the Structure and Functioning of Theories in Science, in Particular During the Copernican Revolution. Lanham, University Press of America.
Stoker, H. G. (1935). "The Possibility of a Calvinistic Philosophy." Evangelical Quarterly 7(1):
Strauss, D. F. M. (1996). A Historical Analysis of the Role of Beliefs in the Three Foundational Crises in Mathematics. Facets of Faith and Science: Volume 2 - The Role of Beliefs in Mathematics and the Natural Sciences: An Augustinian Perspective. J. M. van der Meer. Lanham, University Press of America:
Sudduth, M. (2009). The Reformed Objection to Natural Theology. London, Ashgate.
Teschke, B. (2003). The Myth of 1648: Class, Geopolitics and the Making of Modern International Relations. London, Verso.
Thompson, K. W. (1994). Fathers of International Thought: The Legacy of Political Theory. Baton Rouge, Lousiana State University Press.
Tuck, R. (1993). Philosophy and Government,
Ullmann, W. (1975). Law and Politics in the Middle Ages: An Introduction to the Sources of Medieval Political Ideas. Cambridge, Cambridge University Press.
van Reenen, T. P. (1995). "The Comparison of Law in Medieval Legal Thought." Journal of South African Law 19(4):
Vollenhoven, D. H. T. (1933). Het Calvinisme en de Reformatie van de Wijsbegeerte. Amsterdam, H. J. Paris.
Walker, R. B. J. (1987). Inside/Outside: International Relations as Political Theory. Cambridge, Cambridge University Press.
Wight, C. (2006). Agents, Structures and International Relations: Politics as Ontology. Cambridge, Cambridge University Press.
Wight, M. (1991). International Theory: The Three Traditions. Leicester, Leicester University Press.
Wilson, P. H. (2006). "Still a Monstrosity? Some Reflections on Early Modern German Statehood." The Historical Journal 49(2):
Witte Jr., J. (2007). The Reformation of Rights: Law, Religion, and Human Rights in Early Modern Calvinism. Cambridge, Cambridge University Press.
Zuidervaart, L. (2004). "The Great Turning Point: Religion and Rationality in
Dooyeweerd's Transcendental Critique." Faith and Philosophy 21(1):
74