OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN:
Vol. 3, n.º 1 (Primavera 2012), pp.
Notas e Reflexões
POTÊNCIAS MÉDIAS EMERGENTES E AMEAÇAS À SEGURANÇA
MUNDIAL: OS CASOS DO BRASIL E DA TURQUIA - IMPLICAÇÕES PARA
PORTUGAL
Evanthia Balla
Professora Auxiliar no Departamento de Direito da Universidade Portucalense. Investigadora no OBSERVARE e no Instituto Jurídico Portucalense. Doutorada em “Ciências Políticas e Relações Internacionais” pela Universidade Católica de Lisboa. Mestre em “Política Internacional” pela Universidade Livre de Bruxelas. Mestre em “Estudos Europeus” pela Universidade de Reading, Reino Unido. Licenciada em “Ciências Políticas e Administração Pública” pela Universidade de Atenas, Grécia. Consultora e investigadora sobre legislação da União Europeia (UE) e em
oportunidades de negócio da UE em Bruxelas, Lisboa e Atenas.
O tema desta comunicação é “Potências Médias Emergentes e Ameaças à Segurança Mundial: os casos do Brasil e da Turquia – Implicações para Portugal”. Dado o título, duas questões se colocam automaticamente: o que é uma potência média?; e porquê o Brasil e a Turquia?
Pode
OBrasil é uma nação “irmã” de Portugal, com grandes laços históricos e culturais, um parceiro comercial de peso, e um aliado político notável. A Turquia é um actor forte, em termos políticos, estratégicos e económicos, na Eurásia, facto que também não deixa de interessar a Portugal.
Além disso, o Brasil e a Turquia (os “poderes do futuro”, segundo o Presidente do Irão) chegaram a um acordo surpreendente em maio de 2010 sobre o programa nuclear iraniano2. Durante a Guerra Fria, o Brasil e a Turquia eram parceiros indiscutíveis do
1
2
Após a Segunda Guerra Mundial, os líderes canadianos encaravam o Canadá como média potência. Por exemplo, o
Ao abrigo do acordo, o Irão enviaria 1.200kg de urânio pouco enriquecido para a Turquia, em troca de combustível para um reactor de pesquisa. O negócio não se concluiu devido a pressões políticas no Irão, já que obrigaria este país a depositar uma confiança desproporcional nas potências ocidentais (ao
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ocidente, mas actualmente estas potências emergentes aparentam
1.Mas como é que se classifica estes estados como potências médias emergentes?
2.Qual será o impacto das suas acções para a segurança e estabilidade no tabuleiro mundial, e como é que as velhas e novas estruturas políticas se podem reformar de forma a incorporar estes novos parâmetros?
3.Como é que Portugal deve agir para guarantir uma ordem mundial que melhor sirva os seus interesses?
A fim de melhor responder a estas questões, esta comunicação começa por analisar os actuais desafios que se colocam à segurança global. De seguida, abordará os pontos fortes e fracos do Brasil e da Turquia e respectivo impacto para o ocidente (especialmente para os EUA e a UE – portanto, Portugal), com destaque para as melhores abordagens que Portugal deve seguir relativamente a estas realidades.
Com o fim da Guerra Fria, os estudiosos das relações internacionais têm debatido o formato da nova ordem mundial e como surgirá. Francis Fukuyama
Com o fim da Guerra Fria e início do século XXI, a ordem internacional tradicional começou a sofrer uma transformação significativa com a ascensão de novas potências económicas e regionais. Contudo, o mundo parece
concordar em entregar o seu stock de urânio pouco enriquecido numa única entrega, e só receber as barras de combustível para o reactor de pesquisa iraniano entre nove a dez meses depois).
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Em primeiro lugar, o Brasil há muito que se considera uma potência emergente. Na verdade, um tema de destaque dos anos Lula foi a procura de reconhecimento, com recurso ao envolvimento e à negociação.
Este país tem crianças de rua, tem carnaval e tem futebol. Mas este país tem muito mais. Este país tem grandeza…este país tem tudo para ser igual a qualquer outro país do mundo. E não desistiremos deste propósito.3
De facto, o Brasil
Nos últimos anos, o Brasil tem estado muito activo no plano internacional, agindo como mediador na defesa dos interesses do Sul
Na verdade, o Brasil é a maior potência regional da América Latina4 e uma grande potência emergente, fazendo parte dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, e África do Sul). De acordo com Goldman Sachs, o potencial económico dos BRICS é tal que poderá fazer parte das quatro economias mais dominantes até ao ano de 20505.
Com base no conjunto de pontos fortes referido anteriormente, a estratégia da política externa brasileira assenta sobretudo nas seguintes prioridades;
a)Crescimento económico (a riqueza petrolífera colocará o Brasil no grupo dos países desenvolvidos)
b)Crescente capacidade nuclear6
c)Estatuto internacional: Ocidente (EUA/ ONU) + relações
No que diz respeito ao crescimento económico, o Brasil foi umas das economias do G20 com um crescimento mais rápido em 2010, ultrapassando algumas nações desenvolvidas tradicionais. De uma média de crescimento anual de 1,7% entre 1998 e 2002, a economia brasileira começou a crescer à volta de 4% entre 2003 e 2010, tendo reunido as condições para alcançar um crescimento médio acima dos 5% entre 2011 e 20147. Assim, o principal trunfo do Brasil continuará a ser a sua economia florescente,
3Discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Itamaraty, Brasília, 18 de Setembro de 2003.
4Ministro Brasileiro das Finanças, Perspectiva Económica Brasileira, Edição Especial | Ano de 2010.
5Goldman Sachs Group, Inc. Website oficial: http://www2.goldmansachs.com/our-
thinking/brics/index.html último acesso em: 11.11.2011.
6Os recursos conhecidos do Brasil ascendem a cerca de 278,000 toneladas de urânio – 5% do total mundial. Todo o urânio extraído é usado internamente após conversão e enriquecimento no exterior.
7Ministro Brasileiro das Finanças, Perspectiva Económica Brasileira, Edição Especial | Ano de 2010.
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elemento decisivo para a sua actividade diplomática nas áreas do comércio, política e económica.
No que diz respeito à energia nuclear, o Brasil não tem um arsenal nuclear e
Contudo, o Brasil continua a gozar de boa reputação na qualidade de membro de todos os principais regimes nucleares, é signatário do Tratado de Tlatelolco8, que proíbe as armas nucleares na América Latina, e
Relativamente ao estatuto global e posicionamento do Brasil, a procura de reconhecimento assenta sobretudo numa relação
O Brasil é membro fundador das Nações Unidas e tem sido um bom parceiro do Ocidente desde a Segunda Guerra Mundial9, membro da “ordem liberal” do
A promoção da cooperação
Em relação aos BRICS, deixamos um breve comentário que sublinha as novas dinâmicas na arena mundial e a necessidade de mudança: há alguns dias, a Reuters anunciou que os BRICS estão na disposição de investir na zona euro através do FMI. As principais potências económicas emergentes apelaram igualmente à reforma das instituições financeiras internacionais de forma a darem uma voz mais activa aos países
8Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe. O Brasil é parte do Tratado de Tlatelolco desde 1967. A
9É interessante notar que o Brasil se encontra entre os vinte principais contribuidores para as operações de paz das Nações Unidas, tendo participado em esforços de manutenção da paz no Médio Oriente, no antigo Congo Belga, Chipre, Moçambique, Angola, e, mais recentemente, em Timor Leste e no Haiti. Entre 2010 e 2011, o Brasil ocupou um assento
10A promoção da cooperação
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em desenvolvimento, afirmando que o grupo ao qual pertencem era vital para alcançar uma nova ordem mundial.
Outro exemplo da dinâmica de mudança na arena global é o facto de, devido à crise financeira mundial, a balança comercial bilateral entre o Brasil e os EUA se ter tornado negativa (deficit). O Brasil compensa os resultados negativos aumentando as suas exportações para os países BRICS11.
Em termos regionais, o Brasil é um dos membros fundadores do Mercosul, criado em 1991, uma comunidade económica juntamente com a Argentina, Paraguai e Uruguai. No entanto, o Brasil não é um representante natural da América Latina12.
Ao mesmo tempo, há um objectivo que ainda lhe escapa: ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. A última Estratégia de Securança Nacional dos Estados Unidos declara que “As instituições internacionais devem representar o mundo do século XXI de forma mais eficaz, e conceder uma voz mais activa – e com responsabilidades acrescidas
éa instituição mais importante do mundo. Contudo, os EUA temem que os novos membros diluam a influência
Actualmente, a estrutura de poder do mundo é tal que uma série de países importantes que precisam de estar no centro da acção não o estão. O Brasil merece lá estar com base no tamanho da sua população e na dimensão da sua economia, e não com base numa ordem mundial antiquada. Seguramente, o Brasil irá prosseguir o seu interesse nacional, à semelhança de qualquer país.
Dada a situação de mudança (interna e externa) que o Brasil atravessa, e a alteração no contexto internacional (incluindo a redução do papel dos EUA e da UE e a importância crescente da China e da Índia), a política brasileira continuará, de forma geral, a elevar o seu perfil global15. E é do interesse do Ocidente levar esta lição tão a sério quanto possível – incluindo, portanto, a não exclusão destes actores.
11Ministro Brasileiro das Finanças, Perspectiva Económica Brasileira, Edição Especial | Ano de 2010.
12Algumas questões serão cruciais para o futuro, tais como: estará o Brasil preparado para assumir a liderança num continente integrado e a fornecer ajuda económica a países como o Paraguai e a Bolívia? Estará disposto a mediar disputas entre países vizinhos (Bolívia e Chile, por exemplo, ou entre a Argentina e o Uruguai)? Estará disposto a utilizar as suas forças de segurança para ajudar os países vizinhos afectados por acções criminosas e/ou revoltas?
13Governo dos Estados Unidos, "Estratégia de Segurança Nacional 2010", website oficial da Casa Branca
http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/rss_viewer/national_security_strategy.pdf,acedido pela última vez em: 11.11.2011.
14As boas relações entre o Brasil e o Irão servem os interesses de ambos os países.O Brasil beneficia de uma grande fatia de vantagens económicas, que poderão aumentar no futuro. A relação com o Brasil é certamente útil para a imagem internacional do Irão.
15O governo da presidente Dilma Rousseff irá prosseguir, em linhas gerais, as orientações traçadas por Lula.
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Portugal, dadas as suas ligações culturais e económicas com o Brasil, onde se inclui uma língua comum e uma elevada interacção financeira (mercado aberto e investimentos), deverá agir como uma ponte e como facilitador do diálogo entre o velho e o novo mundo. Portugal tem uma vantagem comparativa que deve explorar.
Da mesma forma, a direcção que tomarem os planos da futura política externa da Turquia é de grande importância tanto para os EUA como para a UE, daí para Portugal.
O PIB da Turquia deverá ultrapassar o trilhão de dólares americanos até 2015. A Turquia ocupa o décimo quinto lugar em termos de PIB e o décimo quarto em PIB per capita entre os maiores países, o que significa que tem a vantagem dos números. A população jovem e em crescimento da Turquia alimenta a expansão do seu volume comercial e a ascensão da classe média. A Turquia é um país com uma importância estratégica, sendo que é uma ligação natural e uma ponte para os mercados do Cáucaso, Ásia Central, Balcãs e Golfo Pérsico. A Turquia serve de porta de entrada aos recursos energéticos, tais como os gasodutos e oleodutos na região. Do ponto de vista comercial, a Turquia faz parte da UE e potencialmente estará plenamente integrada na EU. Assim, a trajectória dos planos futuros da política externa da Turquia é muito importante, tanto para a América como para a Europa, e, como resultado, terão um peso importante nas novas medidas de segurança globais16.
A Turquia é um velho
A Turquia é igualmente um estado muçulmano detentor de um sofisticado sistema financeiro e comercial. Assim, desfruta de muitas vantagens em termos de actividades comerciais com os vastos mercados na sua vizinhança. Da mesma forma, os recursos energéticos dos países árabes e da Ásia Central constituem um poderoso elemento para a economia turca. Além disso, a Turquia tem conduzido uma política de charme a leste nos últimos anos. De facto, ao melhorar as suas relações com o Irão, a Turquia reforça o seu valor de porta de entrada para o Ocidente, interage com o mundo árabe e promove os seus interesses económicos. Mais recentemente, a Turquia apelou para a mudança no Egipto e subscreveu a intervenção da NATO na Líbia, assim como apoiou a oposição ao regime de Assad na vizinha Síria.
No entanto, a política externa turca foi censurada em algumas partes do ocidente, especialmente por parte da América. Os críticos em Washington recordam a refusa turca em 2003 em permitir que tropas americanas atravessassem o seu território na invasão do Iraque. Hoje em dia, acusam o governo turco de voltar as costas à União Europeia e à NATO. Recentemente, tem havido algumas divergências relativamente à exploração de gás
16“Global Advantage of Turkey”, DEIK, BCG, (Boston Consulting Group), Setembro de 2011. 169
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suave para com o Irão, especialmente após o acordo de 2010.17 Acima de tudo, acusam a Turquia de deixar de ser um amigo fiel de Israel, o único amigo ocidental de longa data, e uma democracia firme na região, para passar a ser um rival.
A cimeira de Helsínquia do Conselho da UE concedeu à Turquia o estatuto de país candidato em 1999. Mas em 2004 a UE iniciou discussões apenas sobre uma “parceria privilegiada” em vez de adesão plena da Turquia. Ao mesmo tempo, a recusa dos Estados Unidos em apoiar a atitude da Turquia em relação aos curdos no norte do Iraque tornou a relação da Turquia com os EUA bastante tensa. Desta forma, o país de repente ficou sem qualquer garantia que tanto os EUA como a UE assegurariam os seus interesses. Esta necessidade, aliada ao desejo de permanecer estrategicamente relevante, irá determinar a futura política externa da Turquia18.
Na verdade, o Médio Oriente, os EUA e a UE estão a
OS EUA e a UE têm que redefinir as suas relações com a Turquia,
A crescente influência internacional da Turquia
Em particular, Portugal poderia trabalhar com a Turquia no reforço do contributo e participação deste país nas instituições e mecanismos da ONU, desde a construção da paz às alterações climáticas, da
17Para a Turquia, o apoio à reforma no Irão na década de noventa foi motivado pelo
18Actualmente, este aspecto também levanta a seguinte questão: de que forma é que a instabilidade no Médio Oriente poderá afectar os interesses comerciais da Turquia? A tensão entre os interesses comerciais da Turquia e as suas aspirações regionais
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A disposição para a agressão não é intrínseca aos estados; pelo contrário, é fruto da constante busca pela sobrevivência num mundo de incertezas, com capacidade militar ofensiva, e uma distribuição de poder em mudança19.
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19The Tragedy of Great Power Politics, John J. Mearsheimer, Nova Iorque: W. W. Norton, 2001. 171
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Como citar esta Nota
Balla, Evanthia (2012). "Potências médias emergentes e ameaças à segurança mundial: os casos do Brasil e da Turquia - implicações para Portugal". Notas e Reflexões, JANUS.NET e- journal of International Relations, Vol. 3, N.º 1, Primavera 2012. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol3_n1_not3
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