OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 3, n.º 1 (Primavera 2012), pp. 164-172

Notas e Reflexões

POTÊNCIAS MÉDIAS EMERGENTES E AMEAÇAS À SEGURANÇA

MUNDIAL: OS CASOS DO BRASIL E DA TURQUIA - IMPLICAÇÕES PARA

PORTUGAL

Evanthia Balla

evanthiab@yahoo.com

Professora Auxiliar no Departamento de Direito da Universidade Portucalense. Investigadora no OBSERVARE e no Instituto Jurídico Portucalense. Doutorada em “Ciências Políticas e Relações Internacionais” pela Universidade Católica de Lisboa. Mestre em “Política Internacional” pela Universidade Livre de Bruxelas. Mestre em “Estudos Europeus” pela Universidade de Reading, Reino Unido. Licenciada em “Ciências Políticas e Administração Pública” pela Universidade de Atenas, Grécia. Consultora e investigadora sobre legislação da União Europeia (UE) e em

oportunidades de negócio da UE em Bruxelas, Lisboa e Atenas.

O tema desta comunicação é “Potências Médias Emergentes e Ameaças à Segurança Mundial: os casos do Brasil e da Turquia – Implicações para Portugal”. Dado o título, duas questões se colocam automaticamente: o que é uma potência média?; e porquê o Brasil e a Turquia?

Pode considerar-se uma potência média um estado-chave que esteja apto e disposto, em termos económicos e políticos (e com um envolvimento activo em assuntos de segurança), a projectar poder e influência para além das suas próprias fronteiras1.

OBrasil é uma nação “irmã” de Portugal, com grandes laços históricos e culturais, um parceiro comercial de peso, e um aliado político notável. A Turquia é um actor forte, em termos políticos, estratégicos e económicos, na Eurásia, facto que também não deixa de interessar a Portugal.

Além disso, o Brasil e a Turquia (os “poderes do futuro”, segundo o Presidente do Irão) chegaram a um acordo surpreendente em maio de 2010 sobre o programa nuclear iraniano2. Durante a Guerra Fria, o Brasil e a Turquia eram parceiros indiscutíveis do

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Após a Segunda Guerra Mundial, os líderes canadianos encaravam o Canadá como média potência. Por exemplo, o Primeiro-ministro Louis St. Laurent designava o Canadá por “potência de categoria intermédia”.

Ao abrigo do acordo, o Irão enviaria 1.200kg de urânio pouco enriquecido para a Turquia, em troca de combustível para um reactor de pesquisa. O negócio não se concluiu devido a pressões políticas no Irão, já que obrigaria este país a depositar uma confiança desproporcional nas potências ocidentais (ao

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ocidente, mas actualmente estas potências emergentes aparentam afastar-se, e em alguns casos até desafiar a ordem mundial convencional, marcada pela pre-eminência do mundo ocidental.

1.Mas como é que se classifica estes estados como potências médias emergentes?

2.Qual será o impacto das suas acções para a segurança e estabilidade no tabuleiro mundial, e como é que as velhas e novas estruturas políticas se podem reformar de forma a incorporar estes novos parâmetros?

3.Como é que Portugal deve agir para guarantir uma ordem mundial que melhor sirva os seus interesses?

A fim de melhor responder a estas questões, esta comunicação começa por analisar os actuais desafios que se colocam à segurança global. De seguida, abordará os pontos fortes e fracos do Brasil e da Turquia e respectivo impacto para o ocidente (especialmente para os EUA e a UE – portanto, Portugal), com destaque para as melhores abordagens que Portugal deve seguir relativamente a estas realidades.

Com o fim da Guerra Fria, os estudiosos das relações internacionais têm debatido o formato da nova ordem mundial e como surgirá. Francis Fukuyama questionava-se se significaria o "Fim da História”, enquanto Samuel Huntington previu o “Choque de Civilizações”. Os realistas insistem que nada mudou no xadrês mundial desde Tucídides e Maquiavel, e que o Estado continua a ser o factor determinante. Joseph Nye descreve as relações internacionais como um jogo a três níveis: poder/conflicto militar, assuntos económicos multilaterais e relações transnacionais. Além disso, os ataques do 11 de Setembro em Nova Iorque e Washington fizeram emergir preocupações académicas sobre o fundamentalismo religioso e o domínio crescente da abordagem unilateral americana relativamente à política internacional (Ikenberry: 2001; Kagan: 2008; Cooper: 2003). Contudo, a análise académica tem-se debruçado comparativamente pouco sobre os imperativos destas novas potências médias emergentes. Apesar disso, a atenção dos estudiosos sobre estas potências está a aumentar gradualmente (Brzezinski: 1997; Mearsheimer: 2001; Haass: 2008; ParagKhanna: 2008).

Com o fim da Guerra Fria e início do século XXI, a ordem internacional tradicional começou a sofrer uma transformação significativa com a ascensão de novas potências económicas e regionais. Contudo, o mundo parece adaptar-se lentamente a estas novas realidades, enquanto as estruturas internacionais do pós-Guerra Fria (ONU, NATO, Banco Mundial, FMI) se mantiveram praticamente inalteradas. A actual proliferação de novos actores no cenário mundial está a causar preocupação nas capitais dos países ocidentais. De facto, enquanto na actual grave crise económica os EUA e a UE enfrentam dificuldades em sair da crise, a Ásia, a Áfria e a América Latina estão em processo de aceleração, contribuindo mais do que nunca para a produção mundial.

concordar em entregar o seu stock de urânio pouco enriquecido numa única entrega, e só receber as barras de combustível para o reactor de pesquisa iraniano entre nove a dez meses depois).

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Em primeiro lugar, o Brasil há muito que se considera uma potência emergente. Na verdade, um tema de destaque dos anos Lula foi a procura de reconhecimento, com recurso ao envolvimento e à negociação.

Este país tem crianças de rua, tem carnaval e tem futebol. Mas este país tem muito mais. Este país tem grandeza…este país tem tudo para ser igual a qualquer outro país do mundo. E não desistiremos deste propósito.3

De facto, o Brasil situa-se em oitavo lugar no mundo em termos da dimensão da sua economia (onde se inclui agricultura de nível internacional, sectores aeroespaciais e de biocombustíveis, e vastas reservas cambiais). Apesar da crise económica, o Brasil cresceu 5 por cento em 2010. O Brasil também ocupa o quinto lugar a nível global em área e população, e está entre os dez maiores produtores de petróleo e gás. O Brasil é um país com amplos recursos ambientais, incluindo vastos depósitos minerais, uma biodiversidade rica, e os maiores recursos renováveis de água doce do planeta.

Nos últimos anos, o Brasil tem estado muito activo no plano internacional, agindo como mediador na defesa dos interesses do Sul vis-à-vis o Norte, e como promotor de alianças Sul-Sul.

Na verdade, o Brasil é a maior potência regional da América Latina4 e uma grande potência emergente, fazendo parte dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, e África do Sul). De acordo com Goldman Sachs, o potencial económico dos BRICS é tal que poderá fazer parte das quatro economias mais dominantes até ao ano de 20505.

Com base no conjunto de pontos fortes referido anteriormente, a estratégia da política externa brasileira assenta sobretudo nas seguintes prioridades;

a)Crescimento económico (a riqueza petrolífera colocará o Brasil no grupo dos países desenvolvidos)

b)Crescente capacidade nuclear6

c)Estatuto internacional: Ocidente (EUA/ ONU) + relações Sul-Sul

No que diz respeito ao crescimento económico, o Brasil foi umas das economias do G20 com um crescimento mais rápido em 2010, ultrapassando algumas nações desenvolvidas tradicionais. De uma média de crescimento anual de 1,7% entre 1998 e 2002, a economia brasileira começou a crescer à volta de 4% entre 2003 e 2010, tendo reunido as condições para alcançar um crescimento médio acima dos 5% entre 2011 e 20147. Assim, o principal trunfo do Brasil continuará a ser a sua economia florescente,

3Discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Itamaraty, Brasília, 18 de Setembro de 2003.

4Ministro Brasileiro das Finanças, Perspectiva Económica Brasileira, Edição Especial | Ano de 2010.

5Goldman Sachs Group, Inc. Website oficial: http://www2.goldmansachs.com/our-

thinking/brics/index.html último acesso em: 11.11.2011.

6Os recursos conhecidos do Brasil ascendem a cerca de 278,000 toneladas de urânio – 5% do total mundial. Todo o urânio extraído é usado internamente após conversão e enriquecimento no exterior.

7Ministro Brasileiro das Finanças, Perspectiva Económica Brasileira, Edição Especial | Ano de 2010.

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elemento decisivo para a sua actividade diplomática nas áreas do comércio, política e económica.

No que diz respeito à energia nuclear, o Brasil não tem um arsenal nuclear e define-se como anti-hegemónico. Contudo, nos últimos anos temos assistido a um interesse acrescido por um poder militar mais endurecido, incluindo o desenvolvimento de um submarino nuclear. Simultaneamente, ao abraçar publicamente a questão do Irão, pôs em causa a determinação do país na prevenção da proliferação nuclear.

Contudo, o Brasil continua a gozar de boa reputação na qualidade de membro de todos os principais regimes nucleares, é signatário do Tratado de Tlatelolco8, que proíbe as armas nucleares na América Latina, e encontra-se impedido pela sua própria constituição de desenvolver um arsenal atómico.

Relativamente ao estatuto global e posicionamento do Brasil, a procura de reconhecimento assenta sobretudo numa relação Norte-Sul (principalmente com aliados antigos, como os EUA & UE/ + organizações internacionais ocidentais) e no activismo de cooperação Sul-Sul.

O Brasil é membro fundador das Nações Unidas e tem sido um bom parceiro do Ocidente desde a Segunda Guerra Mundial9, membro da “ordem liberal” do pós-1945 que ligava os Estados Unidos com os seus aliados e parceiros da Guerra Fria. Este sistema americano consistia em alianças transatlântica e transpacífico, e envolvia uma rede intensa de normas e instituições nas áreas da segurança, política, e economia, juntamente com um conjunto de acordos multilaterais e instituições (instituições BrettonWoods, OCDE, OMC, e a Organização das Nações Unidas).

A promoção da cooperação Sul-Sul está igualmente no topo da agenda da política externa brasileira.10 O Brasil assegurou um lugar no G20, tornou-se mais musculado na coligação dos BRICS, e está envolvido na diplomacia do Médio Oriente.

Em relação aos BRICS, deixamos um breve comentário que sublinha as novas dinâmicas na arena mundial e a necessidade de mudança: há alguns dias, a Reuters anunciou que os BRICS estão na disposição de investir na zona euro através do FMI. As principais potências económicas emergentes apelaram igualmente à reforma das instituições financeiras internacionais de forma a darem uma voz mais activa aos países

8Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe. O Brasil é parte do Tratado de Tlatelolco desde 1967. A não-proliferação Brasil é parte do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (NPT) desde 1998.

9É interessante notar que o Brasil se encontra entre os vinte principais contribuidores para as operações de paz das Nações Unidas, tendo participado em esforços de manutenção da paz no Médio Oriente, no antigo Congo Belga, Chipre, Moçambique, Angola, e, mais recentemente, em Timor Leste e no Haiti. Entre 2010 e 2011, o Brasil ocupou um assento não-permanente no Conselho de Segurança para um mandato de dois anos. O Brasil e o Japão foram eleitos mais vezes para o Conselho de Segurança do que qualquer outro Estado membro da ONU.

10A promoção da cooperação Sul-Sul, tal como se reflecte em iniciativas como o Fórum Brasil-África, reuniões regulares com países árabes, um número crescente de embaixadas brasileiras em países africanos, e o lançamento do fórum de diálogo IBSA, uma aliança entre as potências do Sul, Índia, Brasil e África do Sul. Relativamente à iniciativa IBSA, foi estabelecida em Junho de 2003 com o objectivo de aumentar a cooperação trilateral em áreas chave como o sector energético e o comércio, e de alcançar maior impacto na arena global. Recentemente, o fórum de diálogo IBSA inaugurou a Cooperação para o Desenvolvimento IBSA, no contexto do Programa do PNUD para a cooperação Sul-Sul. O fundo tem o apoio financeiro do PNUD e encontra-se actualmente a levar a cabo dois projectos chave: recolha de lixo em Port-au-Prince, Haiti; e assistência agrícola na Guiné-Bissau. Outros projectos, por exemplo, em territórios na Palestina, estão em discussão.

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em desenvolvimento, afirmando que o grupo ao qual pertencem era vital para alcançar uma nova ordem mundial.

Outro exemplo da dinâmica de mudança na arena global é o facto de, devido à crise financeira mundial, a balança comercial bilateral entre o Brasil e os EUA se ter tornado negativa (deficit). O Brasil compensa os resultados negativos aumentando as suas exportações para os países BRICS11.

Em termos regionais, o Brasil é um dos membros fundadores do Mercosul, criado em 1991, uma comunidade económica juntamente com a Argentina, Paraguai e Uruguai. No entanto, o Brasil não é um representante natural da América Latina12.

Ao mesmo tempo, há um objectivo que ainda lhe escapa: ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. A última Estratégia de Securança Nacional dos Estados Unidos declara que “As instituições internacionais devem representar o mundo do século XXI de forma mais eficaz, e conceder uma voz mais activa – e com responsabilidades acrescidas –às potências emergentes13. A agenda de reformas de Obama presumivelmente inclui o alargamento do Conselho de Segurança da ONU, que

éa instituição mais importante do mundo. Contudo, os EUA temem que os novos membros diluam a influência norte-americana e enfraqueçam as medidas do Conselho. De facto, o comportamento imprevisível do Brasil sugere que as potências emergentes nem sempre poderão obedecer aos desígnios de Washington, mesmo sendo democracias, e que as suas políticas possam gradualmente influenciar o novo cenário de segurança14.

Actualmente, a estrutura de poder do mundo é tal que uma série de países importantes que precisam de estar no centro da acção não o estão. O Brasil merece lá estar com base no tamanho da sua população e na dimensão da sua economia, e não com base numa ordem mundial antiquada. Seguramente, o Brasil irá prosseguir o seu interesse nacional, à semelhança de qualquer país. Espera-se que, em conformidade com este interesse, em alguns casos se traduza por uma perspectiva consistente com a de outras economias em desenvolvimento, e, noutros casos, que seja representativa do ponto de vista do mundo desenvolvido.

Dada a situação de mudança (interna e externa) que o Brasil atravessa, e a alteração no contexto internacional (incluindo a redução do papel dos EUA e da UE e a importância crescente da China e da Índia), a política brasileira continuará, de forma geral, a elevar o seu perfil global15. E é do interesse do Ocidente levar esta lição tão a sério quanto possível – incluindo, portanto, a não exclusão destes actores.

11Ministro Brasileiro das Finanças, Perspectiva Económica Brasileira, Edição Especial | Ano de 2010.

12Algumas questões serão cruciais para o futuro, tais como: estará o Brasil preparado para assumir a liderança num continente integrado e a fornecer ajuda económica a países como o Paraguai e a Bolívia? Estará disposto a mediar disputas entre países vizinhos (Bolívia e Chile, por exemplo, ou entre a Argentina e o Uruguai)? Estará disposto a utilizar as suas forças de segurança para ajudar os países vizinhos afectados por acções criminosas e/ou revoltas?

13Governo dos Estados Unidos, "Estratégia de Segurança Nacional 2010", website oficial da Casa Branca

http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/rss_viewer/national_security_strategy.pdf,acedido pela última vez em: 11.11.2011.

14As boas relações entre o Brasil e o Irão servem os interesses de ambos os países.O Brasil beneficia de uma grande fatia de vantagens económicas, que poderão aumentar no futuro. A relação com o Brasil é certamente útil para a imagem internacional do Irão.

15O governo da presidente Dilma Rousseff irá prosseguir, em linhas gerais, as orientações traçadas por Lula.

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Portugal, dadas as suas ligações culturais e económicas com o Brasil, onde se inclui uma língua comum e uma elevada interacção financeira (mercado aberto e investimentos), deverá agir como uma ponte e como facilitador do diálogo entre o velho e o novo mundo. Portugal tem uma vantagem comparativa que deve explorar.

Da mesma forma, a direcção que tomarem os planos da futura política externa da Turquia é de grande importância tanto para os EUA como para a UE, daí para Portugal.

O PIB da Turquia deverá ultrapassar o trilhão de dólares americanos até 2015. A Turquia ocupa o décimo quinto lugar em termos de PIB e o décimo quarto em PIB per capita entre os maiores países, o que significa que tem a vantagem dos números. A população jovem e em crescimento da Turquia alimenta a expansão do seu volume comercial e a ascensão da classe média. A Turquia é um país com uma importância estratégica, sendo que é uma ligação natural e uma ponte para os mercados do Cáucaso, Ásia Central, Balcãs e Golfo Pérsico. A Turquia serve de porta de entrada aos recursos energéticos, tais como os gasodutos e oleodutos na região. Do ponto de vista comercial, a Turquia faz parte da UE e potencialmente estará plenamente integrada na EU. Assim, a trajectória dos planos futuros da política externa da Turquia é muito importante, tanto para a América como para a Europa, e, como resultado, terão um peso importante nas novas medidas de segurança globais16.

A Turquia é um velho parceiro-chave dos EUA e membro das principais organizações internacionais: foi membro fundador das Nações Unidas em 1945; membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas em 2009-2010; membro da NATO (segundo poder militar após os EUA) desde 1952; um dos membros fundadores da OECE em 1948, que se tornou a OCDE em 1961; membro da união adunadeira da UE desde 1996; membro da Organização Mundial do Comércio; participante activo em organizações importantes como o Banco Mundial, International Finance Corporation (IFC), Banco Islâmico de Desenvolvimento. Tanto o Banco Mundial como a IFC usam a Turquia como um polo para servir regiões mais amplas.

A Turquia é igualmente um estado muçulmano detentor de um sofisticado sistema financeiro e comercial. Assim, desfruta de muitas vantagens em termos de actividades comerciais com os vastos mercados na sua vizinhança. Da mesma forma, os recursos energéticos dos países árabes e da Ásia Central constituem um poderoso elemento para a economia turca. Além disso, a Turquia tem conduzido uma política de charme a leste nos últimos anos. De facto, ao melhorar as suas relações com o Irão, a Turquia reforça o seu valor de porta de entrada para o Ocidente, interage com o mundo árabe e promove os seus interesses económicos. Mais recentemente, a Turquia apelou para a mudança no Egipto e subscreveu a intervenção da NATO na Líbia, assim como apoiou a oposição ao regime de Assad na vizinha Síria.

No entanto, a política externa turca foi censurada em algumas partes do ocidente, especialmente por parte da América. Os críticos em Washington recordam a refusa turca em 2003 em permitir que tropas americanas atravessassem o seu território na invasão do Iraque. Hoje em dia, acusam o governo turco de voltar as costas à União Europeia e à NATO. Recentemente, tem havido algumas divergências relativamente à exploração de gás greco-cipriota e israelita no mediterraneo oriental. Os críticos também apontam o tratamento duro dado aos curdos da Turquia e ao tratamento

16“Global Advantage of Turkey”, DEIK, BCG, (Boston Consulting Group), Setembro de 2011. 169

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suave para com o Irão, especialmente após o acordo de 2010.17 Acima de tudo, acusam a Turquia de deixar de ser um amigo fiel de Israel, o único amigo ocidental de longa data, e uma democracia firme na região, para passar a ser um rival.

A cimeira de Helsínquia do Conselho da UE concedeu à Turquia o estatuto de país candidato em 1999. Mas em 2004 a UE iniciou discussões apenas sobre uma “parceria privilegiada” em vez de adesão plena da Turquia. Ao mesmo tempo, a recusa dos Estados Unidos em apoiar a atitude da Turquia em relação aos curdos no norte do Iraque tornou a relação da Turquia com os EUA bastante tensa. Desta forma, o país de repente ficou sem qualquer garantia que tanto os EUA como a UE assegurariam os seus interesses. Esta necessidade, aliada ao desejo de permanecer estrategicamente relevante, irá determinar a futura política externa da Turquia18.

Na verdade, o Médio Oriente, os EUA e a UE estão a orientar-se por políticas concebidas para servir um ambiente de segurança de guerra fria que já não existe. A Arábia Saudita e Israel têm sido os parceiros mais próximos dos Estados Unidos há meio século. Mas as alianças e as parcerias producem estabilidade quando refletem realidades e interesses. Os EUA deveriam procurar mais parceiros no Médio Oriente, e a Turquia tem sido uma escolha. Há muito que é aliada da NATO, e é uma democracia capitalista florescente, exercendo uma influência única no mundo islâmico. A Turquia tem vindo a pressionar os EUA para que mude a sua abordagem para com o Irão e abandone a sua política de ameaças e sanções, sugerindo uma abordagem que reconheça o novo papel do Irão e lhe dê uma participação na segurança regional. Recentemente, a Índia fez o mesmo apelo aos EUA. O mundo ocidental deve definitivamente levar em considerar estes apelos.

OS EUA e a UE têm que redefinir as suas relações com a Turquia, permitindo-lhe desempenhar um papel mais activo na região. Simultaneamente, é indispensável que a Turquia tente seriamente resolver os seus problemas com os países vizinhos se quer desempenhar um papel positivo na região.

A crescente influência internacional da Turquia torna-a um parceiro potencialmente interessante para Portugal. Assim, Portugal tem que continuar a conduzir uma abordagem empresarial e negociações políticas produtivas com a Turquia.

Em particular, Portugal poderia trabalhar com a Turquia no reforço do contributo e participação deste país nas instituições e mecanismos da ONU, desde a construção da paz às alterações climáticas, da não-proliferação à justiça internacional. Há uma necessidade real de ajudar as ONGs turcas a desenvolver contactos e intercâmbios internacionais, o que poderia ser conseguido convidando representantes das ONGs turcas a participar em encontros internacionais e ajudando a estabelecer programas de monitorização da política externa da Turquia.

17Para a Turquia, o apoio à reforma no Irão na década de noventa foi motivado pelo auto-interesse, como a melhoria das relações económicas, particulamente no sector energético, e a cooperação bilateral no tratamento da questão curda, entre outras coisas. As relações da Turquia com o Irão são actualmente complicadas pela dificuldade em equilibrar os interesses comerciais – que aumentaram de $1 bilhão em 2000 para $10 bilhões em 2009 – com os interesses inerentes aos seus compromissos enquanto aliado do Ocidente.

18Actualmente, este aspecto também levanta a seguinte questão: de que forma é que a instabilidade no Médio Oriente poderá afectar os interesses comerciais da Turquia? A tensão entre os interesses comerciais da Turquia e as suas aspirações regionais reflectiu-se na reticência com que a Turquia concordou com uma intervenção militar da NATO na Líbia na primeira metade de 2011.

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A disposição para a agressão não é intrínseca aos estados; pelo contrário, é fruto da constante busca pela sobrevivência num mundo de incertezas, com capacidade militar ofensiva, e uma distribuição de poder em mudança19.

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Como citar esta Nota

Balla, Evanthia (2012). "Potências médias emergentes e ameaças à segurança mundial: os casos do Brasil e da Turquia - implicações para Portugal". Notas e Reflexões, JANUS.NET e- journal of International Relations, Vol. 3, N.º 1, Primavera 2012. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol3_n1_not3

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