OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN:
Vol. 3, n.º 1 (Primavera 2012), pp.
Notas e Reflexões
ARTE OPERACIONAL: DE NAPOLEÃO BONAPARTE A JOHN WARDEN
Fernando Leitão
Licenciatura em Ciências Militares e Aeronáuticas pela Academia da Força Aérea, em 1994; Mestre em Arte Operacional Militar e Ciências, Air University, Alabama, EUA, em 2011.
A guerra forjou o mundo, do mesmo modo que um ferreiro trabalha o ferro. Na história da humanidade, tal como acontece ainda hoje, os homens têm travado batalhas de formas que mudaram ao longo dos tempos, mas onde a habilidade e o poder têm desempenhado, tal como agora, um papel fundamental. Desde cedo que os teóricos têm tentado racionalizar a guerra. Alguns falharam nessa tarefa, e foram obliterados pelo tempo. Contudo, outros
Existe uma ligação óbvia entre o nível operacional da guerra, tal como o conhecemos hoje, e o campo de batalha alargado no qual os exércitos actualmente se movimentam. Desde os campos pequenos e confinados do passado, onde os cavaleiros e a infantaria manobravam de forma a alcançarem um final decisivo numa única batalha, o campo de batalha
A magnitude destas operações fez surgir a necessidade de planeamento pormenorizado e de uma melhor organização que fornecesse ao comandante os meios necessários para poder influenciar o curso dos acontecimentos em todo o campo de batalha. Com efeito, este nível operacional de guerra combina o emprego táctico de forças com os objectivos estratégicos militares e nacionais (JP
Enquanto o primeiro produz efeitos de natureza transitória, os últimos têm um efeito duradouro e até um cariz político.
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De acordo com Clausewitz, para poder planear e conduzir uma campanha com sucesso, o general tem que ter génio militar (Clausewitz, 1873: Livro 1, Cap.3). Esta perspectiva está profundamente enraizada no actual conceito de arte operacional, isto é, “a utilização de imaginação criativa por parte de comandantes e
No fim, nem todos os modelos de arte operacional foram igualmente
A força dos exércitos de Napoleão residia na forma como ele compreendeu a época em que vivia. Napoleão integrou profundamente a Revolução Francesa nas suas estratégias, personificando um pais em plena revolução, não só em termos de ideais como também ao nível da guerra. Esta revolução na forma de fazer a guerra resultou da sua profunda confiança nos resultados do emprego de exércitos em massa, da busca da vitória total, e da recusa em enveredar por guerras limitadas e não decisivas (Paret, 2006: 141). Esta abordagem foi concebida de forma a garantir o movimento rápido dos seus exércitos e, sempre que possível, minimizar o atrito desgaste antes da batalha decisiva com o inimigo.
Isto só foi naturalmente possível porque Napoleão desempenhou concomitantemente o papel de líder nacional e o de comandante militar. Assim, a afectação de recursos nunca constituiu um problema num país mobilizado para a guerra. Além disso, sabemos que a vitória no exterior, quando associada às características de um líder carismático,
O que distinguia Napoleão de outros líderes foi o facto de as suas estratégias estarem “em sintonia com as possibilidades da sua época, e de as ter conseguido explorar plenamente durante alguns anos” (Paret, op. cit.: 141). Conseguiu igualmente tirar partido da tecnologia que tinha à sua disposição, fazendo pleno uso da mobilidade da artilharia e de maior capacidade de fogo (Weigley, 1973: 79).
Para poder ser decisiva, a estratégia militar, tal como Napoleão a concebeu, exigia concentração máxima das forças em cada batalha. Iniciativa, ofensiva, movimento, e concentração de forças eram essenciais para ganhar o impulso que poderia, e na maior parte dos casos
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fricção e o desgaste entraram em cena. A invasão da Rússia, hoje em dia considerada um erro, expôs algumas fragilidades da estratégia de Napoleão. No caminho para Moscovo, a lenta destruição do seu exército comprometeu o efeito de massa que poderia ter alcançado. Paralelamente, numa campanha desta extensão, as comunicações
Deste modo, mas num cenário diferente, a rebelião em Espanha revelou algumas fraquezas da estrutura napoleónica, já que o seu exército nunca foi capaz de conseguir a vitória completa. “Até os génios militares descobrem que consolidar e pacificar o que foi brilhantemente ganho no campo de batalha é muito mais difícil do que o feito original” (Hanson, op. cit.: 6).
Em grande parte devido à influência de Jomini1, durante a Guerra Civil Americana os líderes militares procuraram inspiração nas conquistas de Napoleão (Weigley, op. cit.: 82),
O século XIX foi fértil em teóricos da guerra. Alfred Thayer Mahan foi um deles, e mais uma vez a evolução do seu pensamento foi influenciada por Jomini, ao ponto de alguns terem considerado Mahan o homólogo naval daquele pensador militar (Ibidem: 173).
Mahan encarava o mar como o novo campo de batalha e acreditava que o objectivo da estratégia naval era poder
Éum facto que as marinhas eram, nessa época, instrumentos eminentemente estratégicos com um alcance global, e que isso representava uma força deste modelo. Contudo, Mahan não soube reconhecer os avanços tecnológicos que poderiam pôr em causa o controlo do mar e tornar a sua obtenção impossível. Nessa altura já existiam torpedos, minas e submarinos, mas ele
1Contrariamente ao teórico prussiano Carl von Clausewitz, que era um pensador abstracto, Antoine Henri Jomini, de origem suíça mas oficial general tanto nos exércitos francês como russo, afirmou que, de todas as mudanças possíveis na natureza da guerra, havia um conjunto de princípios que podiam ser aplicados em qualquer circunstância. Mais do que possuir a genialidade de comandante, Jomini defendia uma abordagem científica no planeamento e prática da guerra (Shy, 1986: pp
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Face às novas melhorias nas comunicações, transportes e armamento durante a Primeira Guerra Mundial, a Europa assistiu a uma mudança na forma como os exércitos se confrontaram na linha da frente. É geralmente aceite que a revolução industrial reduziu a fricção na guerra. Inovações como o
Apesar de todas as melhorias que a tecnologia tornou possível, os líderes alemães foram excessivamente optimistas relativamente à velocidade que poderiam atingir na movimentação dos seus exércitos em território francês. A suposição de que aquela seria uma operação rápida
Nos anos que se seguiram à guerra do Vietname, o centro de atenção das forças militares
2O estrategista prussiano Shlieffen concebeu um plano para uma eventual Guerra em que a Alemanha seria forçada a lutar em duas frentes, como consequência dos acordos e tratados
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modelo é que assentava em suposições, não em factos. Na realidade, partia do princípio que a União Soviética iria manter inalterado o seu plano tradicional, tanto em termos do ataque com recurso a tanques, como a nível do comportamento militar (Ibid.: 260).
Perante estas fragilidades, uma mudança no FM
O conceito AirLand Battle representava “uma tentativa de alcançar um equilíbrio entre os fatores de manobra e a capacidade de fogo” (Skinner, 2003: 9) e, portanto, parecia ter sido adaptado de forma a extrair o máximo efeito do poder aéreo, embora este apenas desempenhasse um papel de apoiante. Ainda assim, a AirLand Battle beneficiou claramente da ofensiva e da integração de ataques aéreos com a manobra terrestre. Esta nova abordagem, reforçada por armamento moderno, como os novos tanques e helicópteros de ataque, parecia destinada ao sucesso.
A este respeito, os novos estrategistas aéreos, como o Coronel da Força Aérea dos Estados Unidos John Warden, tinham uma opinião distinta, antecipando uma vitória no conflito armado através da paralisia. O poder aéreo, por si só, recorrendo a uma série de ataques paralelos ao nível estratégico, poderia neutralizar o inimigo (Warden, 2011: 71). Ao encarar o inimigo como um sistema,
Uma efeito negativo destes sucessos foi a ideia, criada na sequência da Operação Tempestade do Deserto, que a tecnologia, designadamente o poder aéreo, conduziria sempre a uma vitória rápida e limpa. É inegável que este modelo beneficiou dos princípios da ofensiva e surpresa para surpreender o inimigo. Mas apesar do seu enorme sucesso, há quem considere que o seu alcance foi limitado. Sob esse ponto de vista, as ideias de Warden
Este artigo faz uma análise de alguns modelos de arte operacional, demonstrando que as suas fragilidades estão frequentemente relacionadas com falsas premissas e fraca utilização da tecnologia. Enquanto a arte operacional de Napoleão possuía as vantagens inerentes à forma como ele entendia a estratégia viável, assente numa acção ofensiva e em exércitos de massa para atacar o inimigo em batalhas decisivas, sofria igualmente de problemas de comunicação e de incapacidade para combater insurgências. Quando outros tentaram emular as suas proezas, designadamente durante a Guerra Civil Americana, não foram capazes de entender as diferenças de contexto: guerra civil ao invés de uma nação que se ergueu contra estados inimigos. Para além disso,
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subestimaram o papel da tecnologia disponível, a qual revelou armas mais letais e transporte mais rápido e eficaz.
O modelo de arte operacional defendido por Mahan tinha a vantagem de ter um alcance global, possibilitando a projecção de poder em todo o mundo. No entanto, tinha alguns pontos fracos decorrentes da falha em reconhecer as possibilidades avançadas pela tecnologia de então e as circunstâncias distintas em que se inspirou: as circunstâncias do
Apesar de terem reconhecido o papel desempenhado pela tecnologia, as previsões de Shlieffen de uma movimentação rápida dos exércitos pela Europa
Da mesma forma, o modelo AirLand Battle combinou tecnologia com manobra. Contudo, este conceito assumia um inimigo estático e rígido, em vez de um adversário flexível e com capacidade de adaptação. Para além disso, ao conceder ao poder aéreo apenas um papel de apoio, em certa medida acabaria por limitar a sua eficácia. Contrariamente a este modelo
Este artigo demonstra claramente que o contexto, a tecnologia disponível, e a realidade, ou seja, informações precisas, ao invés de suposições, são alguns dos princípios que qualquer modelo de arte operacional deve ter em conta. Todas as vezes que um estrategista falhou em reconhecer estes princípios, foi ignorado, incapaz de materializar as suas ideias, ou, ainda pior, acabou aniquilado no campo de batalha.
Referências Bibliográficas
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Joint Publication (JP)
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Como citar esta Nota
Leitão, Fernando (2012). "Arte operacional: de Napoleão Bonaparte a John Warden". Notas e Reflexões, JANUS.NET
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