OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 3, n.º 1 (Primavera 2012), pp. 150-156

Notas e Reflexões

I CONGRESSO INTERNACIONAL DO OBSERVARE:

“As tendências internacionais e a posição de Portugal”

Luís Moita

lmoita@universidade-autonoma.pt

Professor Catedrático e Director do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa, Director do OBSERVARE, Observatório de Relações Exteriores e de JANUS.NET, e-journal of International Relations.

Foi Vice-Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa entre 1992 e 2009.

A maior realização pública, de natureza científica, da unidade de investigação em Relações Internacionais, OBSERVARE, da Universidade Autónoma de Lisboa, foi o seu primeiro Congresso Internacional, que teve lugar a 16-17-18 de Novembro de 2011 na própria Universidade e na Fundação Calouste Gulbenkian. Importante momento de confluência de especialistas portugueses e estrangeiros em Relações Internacionais, o Congresso esteve centrado no tema “As tendências internacionais e a posição de Portugal”. Além dos investigadores do próprio OBSERVARE e de docentes da UAL, participaram numerosos investigadores de outros centros universitários, designadamente aqueles com quem se estabeleceu uma parceria própria para o efeito: a Fundação Carolina de Madrid, o NOREF de Oslo, o NICPRI da Universidade do Minho, o IPRI da Universidade Nova de Lisboa, o Instituto de Estudos Superiores Militares, o Instituto de Defesa Nacional, o Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais, a Rede Portuguesa de Estudos de Segurança e o Observatório Género e Violência Armada do CES da Universidade de Coimbra.

Na qualidade de coordenador do Congresso, proferi as intervenções de abertura e de encerramento. Aqui ficam ambas registadas, sem prejuízo de os documentos integrais do Congresso poderem ser consultados em http://observare.ual.pt.

Intervenção de abertura (17 de Novembro de 2011)

Reunimo-nos em Congresso para tratar das tendências internacionais e da posição de Portugal: um título que fala por si e que dispensa grandes explicações interpretativas ou justificações adicionais. Na sua génese está uma iniciativa do OBSERVARE, a unidade de investigação em Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa, na tradição do Observatório de Relações Exteriores, centro de estudos criado no já longínquo ano de 1996.

No início do ano passado, o então ministro dos Negócios Estrangeiros deu a um jornal de Lisboa uma importante entrevista na qual reflectia sobre a situação de Portugal face às mudanças em curso no mundo, recordando que a diplomacia portuguesa teve um

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longo período centrada na questão colonial, a que se seguiu uma fase centrada na questão europeia. E inquiria se esse ciclo estaria a esgotar-se e se Portugal não deveria repensar a sua colocação em função dos espaços da lusofonia, do continente americano, do Mediterrâneo, das novas potências asiáticas e assim por diante. Motivados pelo estímulo deste ponto de vista, iniciámos então um processo de pesquisa em torno do tema, tentando identificar as novas tendências que se manifestam na realidade internacional e as possibilidades de alternativas para a política externa portuguesa. A recente publicação do nosso anuário JANUS 2011-12 regista justamente os resultados desse estudo – por isso o distribuímos a todos os congressistas, já que esta nossa reunião se situa no prolongamento do referido trabalho de pesquisa. O presente Congresso será assim o culminar de um percurso científico que tenta aprofundar as tendências pesadas que condicionam a actualidade e, subsidiariamente, que implicações elas têm para um país como Portugal.

Ao iniciá-lo, uma primeira palavra de agradecimento é devida à Fundação Calouste Gulbenkian que nos facultou este excelente espaço, na pessoa do seu Presidente do Conselho de Administração. O Dr. Rui Vilar deu-nos a honra de abrir esta sessão e, ao ouvi-lo, ficamos sempre surpreendidos: quando esperávamos um discurso de circunstância ouvimos uma lição, uma reflexão profunda e oportuna sobre os temas que aqui nos reúnem.

Aos restantes patrocinadores devemos também deixar o nosso obrigado, a começar pelo Banco Santander, pela Fundação Luso-americana e pela Fundação Oriente, passando pela EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres – e pela SPA – Sociedade Portuguesa de Autores –, pela Fundación Carolina de Madrid e pela Fundação Friedrich Ebert, mas sobretudo pelo NOREF – Norwegian Peacebilding Resource Center – cuja colaboração tem de ser destacada. E, nesse sentido, aproveitamos para saudar de modo especial a participação dos Senhores Embaixadores da Alemanha e da Noruega.

Este evento ocorre numa circunstância para nós particularmente gratificante: com ele se encerra o tempo da comemoração dos 25 anos da Universidade Autónoma de Lisboa, fundada pela Cooperativa de Ensino Universitário. Daí uma especial saudação ao Senhor Reitor da Universidade, à Direcção da CEU, a todos os colegas professores e a todos os estudantes da UAL, uma Universidade que ambiciona ser escola caracterizada pela consistência e pelo pluralismo e que é hoje reconhecida como instituição sólida e dinâmica.

Este Congresso é um Congresso internacional. Não apenas pelo seu objecto de estudo, como ainda pela sua composição. Devemos sublinhar a importância da participação estrangeira e a presença de congressistas vindos do Brasil, dos Estados Unidos, da Argentina, da Espanha, da Alemanha, do Uruguai, da Angola, de Cabo Verde e porventura de outros países. Um agradecimento também especial deve ser manifestado aos nossos convidados conferencistas, alguns deles vindos das Américas em viagem transatlântica, outros vindos da Escandinávia ou da Europa central. Temos uma grande expectativa quanto a aproveitarmos o seu saber, já que são reputados especialistas nas matérias que aqui vêm abordar.

Mas se este Congresso é internacional, ele é sobretudo inter-universitário. Os conteúdos que vão preencher estes dias resultam, é certo, do trabalho dos investigadores do OBSERVARE, mas sobretudo do grande número de formas de colaboração com outras instituições de ensino superior ou de investigação. Se já

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fizemos referência ao NOREF e à Fundación Carolina, temos de acrescentar organismos das Universidades de Coimbra, do Minho, da Nova de Lisboa, o Instituto de Defesa Nacional, o Instituto de Estudos Superiores Militares e o Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais, cuja participação é verdadeiramente decisiva para o êxito destas jornadas. Todavia, para além destas parcerias mais formais, a verdade é que os autores dos papers científicos que são apresentados, no impressionante número de oitenta, vêm de nada menos do que dezasseis Universidades portuguesas, mais oito centros de investigação ou institutos superiores, além de mais oito Universidades ou instituições estrangeiras, só para falarmos dos que apresentam comunicações. Porque a esses haveríamos de acrescentar a generalidades dos congressistas, em número apreciável.

Este Congresso privilegia a abordagem multidimensional das Relações Internacionais e da política mundial. Distancia-se da visão clássica redutora, longe já da concepção que limita a vida internacional ao relacionamento inter-estatal, ora pela diplomacia ora pela guerra, e ao jogo de forças entre as potências dominantes. Por contraste com essa visão, privilegiamos a multiplicidade de ângulos de leitura e a consideração dos vários domínios em presença, estudando as dimensões políticas, estratégicas, económicas, demográficas, culturais, sociais, ambientais, comunicacionais… É certo que a maior parte das comunicações a apresentar se situa no campo da geopolítica e da segurança, verificando-se em contrapartida uma redução das temáticas ambientais, sociais e sobretudo económicas, o que aponta para o caminho que falta percorrer para que os estudos de Relações Internacionais incorporem plenamente essas outras dimensões.

Este Congresso privilegia também a abordagem interdisciplinar. Os conteúdos que aqui nos ocupam trazem contributos das diversas áreas do conhecimento, como sejam a ciência política, a economia, a história, a sociologia, o direito e assim por diante. Mas semelhante variedade de contributos em nada prejudica a nossa forte convicção de que as Relações Internacionais constituem uma área científica própria, com carácter específico, diferenciada das outras áreas científicas, o que não deixa de ter consequências para o enquadramento institucional dos ciclos de estudos deste domínio. E devemos adoptar um objectivo explicitamente assumido, que é o de afirmar o estudo das Relações Internacionais – repetimos – como uma área científica própria, uma área crescentemente consolidada nas comunidades universitárias portuguesas, progressivamente autónoma em relação aos outros ramos do saber, incluindo a própria Ciência Politica.

Este Congresso está intencionalmente aberto ao pluralismo teórico e ideológico, uma vez que o pensamento livre e crítico é condição mesma para a validação da nossa prática de fazer ciência. Porque em boa verdade o que nos une é a vontade de que esta nossa assembleia seja um acto que faça progredir o pensamento, de modo a dispormos de instrumentos intelectuais mais apurados que nos permitam melhor interpretar o nosso mundo.

Gostaríamos que o Congresso, por fim, significasse um momento de densidade humana e de interacção positiva entre nós, o que está longe de ser indiferente para o acesso ao conhecimento. Sabemos o valor das relações humanas e da sua importância para o nosso próprio processo reflexivo. O ritmo dos nossos trabalhos procura corresponder a essa convicção, daí a tentativa de dar margem de tempo para os debates abertos, mas também para os momentos de convívio, as pausas, as refeições, as conversas de corredor, as reuniões bilaterais...

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Dispomos de um apoio documental significativo nas pastas dos congressistas, com relevo para o livro dos Abstracts/Resumos das Comunicações científicas e do pequeno guia do Congresso, com o roteiro detalhado das nossas actividades nestes dias. Esperamos que eles sejam de utilidade para todos e que possam contribuir para o êxito dos trabalhos. Foram cuidadosamente preparados, bem como o conjunto dos aspectos organizativos. Devemos por isso uma palavra de agradecimento à Comissão Organizadora do Congresso, a todos os que connosco colaboraram nesta ocasião, em especial aos conferencistas e aos que prepararam “papers” para apresentar, aos nossos convidados, enfim a todos os congressistas.

Intervenção de encerramento (18 de Novembro de 2011)

Ao longo deste I Congresso Internacional do OBSERVARE pudemos escutar sete importantes conferências em plenário e nada menos que oitenta comunicações nas quatro Secções. E apesar dos limites de tempo, os nossos debates foram longos e profícuos. Temos razões para pensar que atingimos o objectivo de fazer avançar o pensamento científico nesta área das Relações Internacionais. Percorremos diversos corredores de conhecimento, acreditando no carácter fecundo da interdisciplinaridade e na vantagem do pluralismo de paradigmas e abordagens. Talvez não tivéssemos ido tão longe quanto desejável no caminho da elaboração de um pensamento alternativo, porventura mais consentâneo com as mutações que se produzem sob os nossos olhares e com as novas categorias de análise que a realidade parece impor. Mas essa é uma tarefa que sabemos demorada e na qual temos de perseverar.

Seja como for, chegados ao fim destes três dias de trabalho, podemos considerar o objecto dos nossos debates e anotar algumas reflexões suscitadas pelos mesmos.

O Congresso seguiu um roteiro de fácil identificação. Acompanhámos as grandes questões da actualidade, desde as inflexões do processo de globalização até às incógnitas da evolução social e económica, passando pela emergência de novos poderes e pela “tecnologia” da resolução de conflitos. E sempre que possível tivemos em conta o ponto de vista português quanto à posição do país no panorama internacional. Por sua vez o conteúdo do nosso trabalho em secções seguiu uma arquitectura assente na divisão triangular, expressa nas formulações dos subgrupos de reflexão: Geopolítica e segurança; Economia e ecologia; Questões sociais transnacionais.

Neste triângulo está subentendida a referência aos três grandes níveis que coabitam e se cruzam no sistema internacional. De forma abreviada, digamos que se reporta a três esferas: o sistema inter-estatal, a economia-mundo e a diversidade das identidades e das culturas. Ou se preferirmos usar uma fórmula ainda mais breve, encontramos a conhecida trilogia Estado / mercado / sociedade. Os poderes políticos, as actividades de produção e distribuição, os povos na sua singularidade e na sua abertura.

São três esferas que se sobrepõem e interagem. A primeira, o sistema inter-estatal, é o espaço das soberanias formais e da comunidade internacional e os seus actores são as formas de organização política a que chamamos Estados, bem como os organismos multilaterais. A segunda, que designámos com o termo braudeliano de economia- mundo, é o espaço que tende a identificar-se com a economia mundial, sob a forma de

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economia de mercado ou capitalismo. A terceira esfera, a cultural, é o terreno onde línguas, religiões, tradições, valores, delimitam realidades sociais, mas também onde as sociedades são atravessadas por múltiplas interacções. E, como bem sabemos, a interdependência é actualmente a marca distintiva destes múltiplos processos.

Mas cada uma destas esferas passa por importantes perturbações no presente momento histórico.

Na esfera do sistema inter-estatal localizam-se convulsões de envergadura e assiste-se a um movimento de placas tectónicas onde novos poderes se afirmam e os epicentros parecem deslocar-se. Ao sabor de desequilíbrios demográficos, de ameaças ambientais, ou de novos dados estratégicos, a situação internacional torna-se movediça e de evolução incerta. Todavia, no interior dessa imprevisibilidade, algumas constantes se têm manifestado, como por exemplo a diluição da fronteira como traçado de delimitação e o facto preocupante de uma certa evaporação do poder resultante da erosão dos centros de decisão politica, manietados por outros poderes não eleitos e pouco ou nada controláveis, introduzindo factores de crise na independência soberana dos povos e, porventura mais ainda, na legitimidade democrática das políticas aplicadas.

Vistas a partir desta nossa periferia europeia, bem sabemos quantas reconfigurações estão em curso em tal domínio. O esvaziamento dos tratados europeus convive com a afirmação do condomínio franco-alemão, ou mesmo da mera hegemonia alemã, e a correspondente incerteza sobre o futuro da União. A seu lado, um outro condomínio, esse político-militar, franco-britânico, acordado em 2010, prenuncia o possível ocaso da NATO ou pelo menos do abrandamento da protecção norte-americana, põe em causa a chamada Política Europeia de Segurança e de Defesa e confirma a França e o Reino Unido como potências expedicionárias prontas para futuras operações militares, à maneira da recente intervenção na Líbia. No Mediterrâneo oriental prevalece a atracção do modelo turco, a par da disseminação do islamismo moderado, parecendo reservar um futuro significativo para a Irmandade Muçulmana e as suas várias ramificações. E o isolamento de Israel, agora agravado pelas inflexões do Egipto pós-Mubarak e da Turquia de Erdogan, e pelo debate em torno do reconhecimento do Estado palestino, pode ter como consequência a tentação acrescida de atingir as instalações nucleares iranianas, acto que, a confirmar-se, poria em risco a segurança mundial.

Estas evoluções politicas e estratégicas, aqui brevemente exemplificadas, ocorrem num momento histórico em que se verifica a persistente dificuldade do poderio militar em conseguir impor a vontade politica dos seus detentores e talvez esse facto seja em parte responsável pela rarefacção do fenómeno guerra. E merece ser acompanhado com interesse o objectivo da opção zero em matéria de armamento nuclear, proclamado pelo próprio presidente norte-americano, um objectivo a que provavelmente a nossa geração não assistirá, mas que nem por isso deve ser apagado do nosso horizonte. Tais factos parecem tornar um pouco menos utópica a ambição de abolir o recurso à violência armada nas relações internacionais.

Se perturbações deste género ocorrem no sistema inter-estatal, outras de não menor dimensão afectam a economia-mundo globalizada. Aquelas que até há pouco considerávamos as sociedades de capitalismo avançado atravessam uma fase particularmente difícil. Depois do milagre, assistimos à estagnação japonesa, uma das quatro economias que menos cresceu na primeira década deste século, juntamente

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com o Haiti, a Itália e Portugal. E valerá ainda a pena recordar o ponto crítico em que se encontra a eurozona, designadamente as periferias da União Europeia, alvos da ofensiva dos grandes bancos internacionais? Na própria economia norte-americana não faltam sinais de inquietação, nem que seja pela excessiva concentração da riqueza naquele 1% dos mais poderosos em detrimento de políticas distributivas geradoras de prosperidade alargada. Dir-se-ia que o fim da sociedade industrial tal como a conhecemos durante mais de um século arrasta consigo a traumática redução das massas operárias e, agora, o empobrecimento brusco das classes médias, em espaços onde crescimento económico não significa criação de emprego e a multidão dos sem trabalho atinge dimensões alarmantes.

Tudo isto acontece num momento em que o sistema financeiro se autonomizou, parecendo sobrevoar a realidade como forma imaterial, desconectado da economia real, entregue às prioridades especulativas, inibindo a margem de manobra dos centros de decisão políticos, enquanto uma agressiva economia de mercado irrompe em novas latitudes, deixando em aberto a magna questão da sustentabilidade do desenvolvimento e a incógnita quanto ao esgotamento de recursos do planeta terra.

Às perturbações político-estratégicas e económico-ambientais somam-se as perturbações sociais e culturais. Os sociólogos têm diagnosticado a decomposição das nossas sociedades, provocada em grande parte pela desmaterialização da economia e pela hegemonia do sector financeiro, levando a uma desarticulação das instituições da vida colectiva, das famílias, dos partidos, dos sindicatos, da representação democrática, enfim, dos clássicos movimentos sociais e das formas organizativas que eles segregaram ao longo de decénios. E as entidades culturais dos povos vivem hoje atraídas por forças de sinal contrario, de um lado a uniformização dos padrões de valores e de estilos de vida, do outro as afirmações identitárias, quantas vezes exacerbadas se não mesmo violentas.

Nós, os estudiosos das relações internacionais, encontramos assim pela frente uma realidade profundamente conturbada nos três níveis da política, da economia e da cultura social. A matéria-prima do nosso estudo, isto é a configuração internacional nas suas várias vertentes, adquiriu uma grande visibilidade, mediatizou-se, é hoje apreendido pelas opiniões públicas. Mas a sua compreensão tornou-se complexa e sujeita a inúmeras distorções. Isto significa uma grande responsabilidade para o nosso trabalho científico. Na nossa função de interpretar adequadamente a realidade internacional, sabemos que temos de redobrar de rigor e de sentido crítico.

Por alguma razão tivemos necessidade de criar novas categorias mentais para dar conta dos factos imprevistos com que temos de lidar. Inventámos termos diferentes, por vezes sofisticados, para designar as inovações que a realidade nos impõe. Falamos por exemplo de constelação pós-nacional, ou de cosmocracia, ou de biopolítica, ou de macro-ética planetária, ou de governação global, em tentativas, nem sempre bem sucedidas, de melhor interpretar a realidade presente.

Pelo caminho, descobrimos novas e insuspeitadas contradições que atravessam a nossa actualidade. Falamos de globalização e do seu contrário que é a fragmentação, ou mesmo do seu subproduto que é a exclusão: um mundo mais globalizado tem sido agente de exclusão em larga escala. Falamos do contraste já referido entre o sistema financeiro e a economia real, com as consequências desagregadoras que conhecemos. Verificamos a contradição entre o sobre-armamento verdadeiramente exorbitante e o

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frequente fracasso da utilização da violência nas relações entre os povos e no seu interior. Temos a sensação de que por vezes se inverte a velha lógica de Clausewitz e que a política nos parece a continuação da guerra por outros meios. E como estamos tão habituados a reflectir as relações internacionais do ponto de vista do poder, dos seus jogos e das suas armadilhas, somos apanhados de surpresa quando vemos os povos levantarem-se e fazerem história com as suas próprias mãos, na “Primavera árabe” e não só, quem sabe também em Wall Street ou na Puerta del Sol.

No exercício da nossa profissão, além de cientistas sociais, estudiosos da internacionalização dos processos colectivos, somos também cidadãos cosmopolitas. Nessa qualidade, ficamos frequentemente constrangidos entre o clamor das multidões e a soberba dos poderosos, e sabemos que nesse antagonismo não nos é permitida a insensibilidade. Quase sentimos a necessidade de um novo contrato social mundial onde imporíamos a nós próprios o respeito irrecusável pelos direitos humanos, a correcção dos desequilíbrios na distribuição da riqueza por uma terra mais justa, a eliminação da violência nas relações internacionais, um desenvolvimento sustentável no respeito pelo ecossistema, uma relação de paridade e companheirismo entre homens e mulheres, uma utilização responsável da inovação científica e tecnológica.

Toda a riqueza dos conteúdos deste Congresso não se pode esgotar com o cair do pano desta última sessão. O produto dos nossos estudos tem de ficar como uma espécie de reserva de saberes à disposição de todos os que o pretendam consultar. Esperamos o envio dos vossos textos na sua versão final de modo a podermos publicar as Actas do Congresso, preferencialmente em versão bilingue português/inglês. Aí ficará registado a parte mais importante do que aqui trouxemos, bem como ficará patente o carácter inter-universitário desta iniciativa. Não podemos deixar de elogiar a abertura manifestada pelas diversas comunidades académicas para este trabalho comum, prosseguindo a colaboração a que estamos habituados ao organizarmos em conjunto projectos de investigação, jornadas científicas, mesas redondas, workshops, provocando um peculiar dinamismo nesta área das Relações Internacionais.

Resta agradecer de novo à Fundação Calouste Gulbenkian o benefício destas magníficas instalações, bem como aos outros patrocinadores que facilitaram a realização do Congresso. Um agradecimento especial é devido à incansável Comissão Organizadora, bem como aos intérpretes que garantiram a tradução simultânea. Aos nossos convidados estrangeiros, o muito obrigado pela riqueza que nos trouxeram, bem como aos conferencistas, aos autores de comunicações, a todos os congressistas em geral. Com uma promessa: havemos de nos reencontrar!

Como citar esta Nota

Moita, Luís (2012). "I Congresso Internacional do OBSERVARE: «As tendências internacionais e a posição de Portugal»". Notas e Reflexões, JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 3, N.º 1, Primavera 2012. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol3_n1_not1

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