OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN:
Vol. 3, n.º 1 (Primavera 2012), pp.
PORTUGAL: A PARTICIPAÇÃO EM MISSÕES DE PAZ COMO FACTOR DE
CREDIBILIZAÇÃO EXTERNA
Maria do Céu Pinto
Departamento de Relações Internacionais e Administração Púbica (RIAP),
Escola de Economia e Gestão (EEG), Universidade do Minho
Resumo
Portugal é um dos mais importantes contribuintes europeus para operações de paz internacionais. Ocupa actualmente o 45º lugar numa lista de 115 países que contribuem para as operações de paz das Nações Unidas (ONU) e 7º na União Europeia (UE). A multiplicidade de forças utilizadas, bem como a diversidade dos locais de sua projecção, reflecte bem a ambição e esforço feito pelos governos portugueses nos últimos 20 anos. A participação em missões de paz tem sido vista como um meio para reforçar a posição de Portugal no mundo: o envolvimento em operações de paz sob a bandeira de organizações internacionais, reforça a influência da nossa política externa e diplomacia. Neste artigo, defendemos que o envolvimento português em missões de paz reflecte propósitos de interesse nacional e política externa. O objectivo é reforçar a capacidade de Portugal para influenciar o processo decisório nos principais fóruns internacionais, como a ONU, NATO e a UE. Ele segue a meta estabelecida desde finais dos anos 80, de reforçar a visibilidade e o peso específico de Portugal no âmbito multilateral. A contribuição do país para a manutenção da paz aumentou o poder negocial de Portugal, que se tornou um parceiro mais activo, com uma voz mais audível no seio dessas organizações. Essa voz levou a uma melhor posição, quando se tratava de negociar cargos importantes e assuntos da agenda internacional relevantes para Portugal.
Palavras chave:
Operações de Apoio à Paz; Portugal; manutenção da paz; Forças Armadas; Organização das Nações Unidas
Como citar este artigo
Pinto, Maria do Céu (2012). "Portugal: a participação em missões de paz como factor de credibilização externa”. JANUS.NET
Primavera 2012. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol3_n1_art3
Artigo recebido em Dezembro 2011 e aceite para publicação em Abril de 2012
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Portugal: a participação em missões de paz como factor de credibilização externa
Maria do Céu Pinto
PORTUGAL: A PARTICIPAÇÃO EM MISSÕES DE PAZ COMO FACTOR DE
CREDIBILIZAÇÃO EXTERNA
Maria do Céu Pinto
“Vivemos um tempo de paz em que as Forças Armadas serão cada vez mais um instrumento da política externa do Estado. Diremos, até, que o peso específico da política externa de cada país é frequentemente medido pela capacidade de integrar meios Militares nacionais em Forças multinacionais, em cumprimento das missões legitimadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Quem não aparece não conta.”1
Introdução
As Forças Armadas e as forças de segurança portuguesas têm sido cada vez mais solicitadas para intervenções efectivas no quadro das operações de apoio à paz (OAP) (v. Pinto, 2007; Pinto, 2010, cap. IV). Portugal ocupa actualmente o 45.º lugar no ranking dos 115 países contribuintes para as OAP2 da ONU, com 315 efectivos, dos quais, 189 militares e 126 polícias (“Ranking”, 2012; “Monthly Summary”, 2012). No panorama europeu, Portugal é actualmente o 7º país que mais contribui para operações de paz das Nações Unidas, o que é uma demonstração importante do esforço de um pequeno país com recursos limitados. Em perspectiva, Portugal empenhou desde 1990 mais de 26 mil soldados, que participaram em missões de paz em mais de 30 cenários diferentes, cobrindo todos os continentes (DGPN, 2012:
O orçamento destinado às forças nacionais destacadas em missões internacionais tem contudo vir a sofrer cortes significativos desde 2010. Em 2012, terá um corte de 30%, passando de 75 milhões de euros para cerca de 52 milhões, em parte devido ao abandono de duas operações (Agência Financeira, 2011). O actual ministro da Defesa admitiu que após terminar a participação na missão da ONU no Líbano (retirada antecipada em seis meses em relação ao previsto) e na Somália, Portugal pode vir a ter de participar com militares em novos teatros de operações dependendo de como vai
A autora agradece as sugestões de melhoria feitas pelos referees.
1Gen. Soares Carneiro, discurso realizado a 8/07/1993, por altura das Comemorações do Dia das FA, cit. in Sousa (s.d.):
2Significa Operações de Apoio à Paz.
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evoluir a situação de segurança internacional, especialmente a chamada primavera árabe (Agência Financeira, 2011).
Este artigo analisa o conjunto de circunstância que levaram Portugal, a partir dos anos 90 do séc. XX, a fazer uma opção estratégica pela participação em OAP. É objectivo deste artigo aprofundar a relação entre a política externa e de segurança portuguesa e a participação em OAP: o argumento central que nele se defende é que o envolvimento português em missões de paz reflecte propósitos de interesse nacional e política externa, sendo o objectivo reforçar o prestígio de Portugal e a sua capacidade de influenciar o processo decisório nos principais fóruns internacionais3.
Um maior intervencionismo internacional
Portugal só iniciou uma participação mais activa nas missões de apoio à paz a partir do início da década de 90. Com o fim da Guerra Fria e as consequentes alterações sofridas na conjuntura internacional, Portugal reviu as suas opções estratégicas, ao mesmo tempo que se apercebeu da importância de dispor de meios de intervenção mais marcados nos fóruns de decisão internacional. Portugal, que já não intervinha em cenários de conflito no espaço europeu desde a I Guerra Mundial, foi forçado pela conjuntura a alterar o seu tradicional paradigma de defesa - africano e atlanticista (Cordeiro, 2005: 4; Silva, 2008; Vasconcelos, 1999). Este paradigma foi substituído por um novo modelo, baseado numa política de intervenção global (Silva, 2008), legitimada por um conjunto de valores como a manutenção da paz, o respeito pelos direitos humanos e pelas minorias, pela democracia e pelo Estado de Direito, a reconstrução dos Estados
Tudo isto aconteceu numa altura em que as missões de paz foram também objecto de análise na Agenda Para a Paz, pelo então
3A autora agradece estes insights dos referees.
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(Espírito Santo, 2006). Em 1995, no Suplemento à Agenda para a Paz,
Em 1994, a alteração do Conceito Estratégico Nacional revelava uma nova preocupação com a adaptação das Forças Armadas aos parâmetros técnicos e operacionais das restantes forças aliadas, como elemento essencial para a satisfação dos compromissos assumidos por Portugal no seio dessas alianças. É então assumido o desafio de participar na missão internacional para a
“No caso da Bósnia, o facto de ter optado por um contingente significativo e por uma unidade de combate, e não de apoio, demonstrou bem a vontade de dar visibilidade à sua participação na Implementation Force (IFOR)” (Freire, 2007: 89).
Portugal passou assim a contribuir com contingentes significativos para cenários de crise, inicialmente integrados em missões das Nações Unidas, depois no âmbito da NATO e, só nos anos 2000, em missões da UE.
Portugal
Uma nova visão da segurança
Em termos de racional político, a decisão nos anos 90 de participar em missões em África e, sobretudo, nos Balcãs faz sentido, desde logo pela perspectiva de “segurança alargada” que as nossas elites políticas acolheram. A segurança passou assim a ter interesses além dos nacionais, por vezes materializados longe da base territorial dos Estados. O seu conceito tem hoje uma acepção flexível, ampliada, o que impõe aos
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Estados um novo tipo de entendimento da sua participação na comunidade internacional.
Nas palavras do
“A garantia da segurança nacional
A este propósito, no âmbito do mandato que Portugal está a desempenhar no CSNU, um aspecto essencial da sua actuação é o esforço para sublinhar as questões relacionadas com os direitos humanos, protecção de civis e o papel das mulheres nos processos de paz e reconciliação nacionais. Esta preocupação é já reconhecida como marcadamente portuguesa (Monteiro,
étambém um dos compromissos de Portugal, assumido durante a campanha e cumprido ao longo do mandato: uma postura inovadora e interventiva em termos de segurança e respectiva relação com os direitos humanos e outras áreas transversais. Portugal assume o papel de defensor destas causas que afectam os países em vias de desenvolvimento, normalmente pequenos, as quais normalmente não atraem a atenção dos media, nem comandam a agenda internacional.
Em segundo lugar, a segurança e a defesa
4A propósito do desempenho português no CSNU em
(2003: 86).
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Em terceiro lugar, há a referir que, subjacente a esta política de intervenção global, há o alargamento do próprio conceito de interesse nacional, definido não apenas na sua forma tradicional - defesa da integridade territorial e da Nação
A participação em OAP tem correspondido a este conceito alargado de segurança e de fronteiras flexíveis. Portugal passou no séc. XX por várias alterações dramáticas da sua fronteira (colónias africanas, Macau, integração na UE), o que alterou naturalmente a percepção do conceito tradicional de soberania. Num mundo crescentemente globalizado, onde a integração do país se faz em vários tabuleiros, “o problema das novas dimensões do conceito de fronteira”, é um problema da maior relevância, pois dele depende a definição dos “vários espaços de inserção” onde Portugal se pretende afirmar (Garcia, 2005). Esta interrogação
éde fundamental importância no âmbito de organizações como a UE ou a NATO, cuja área de intervenção se alargou a nível global. De acordo com especialistas e académicos portugueses, a nossa fronteira de segurança coincide com a definida pela NATO; a nossa fronteira económica e política coincide com a da UE; a fronteira cultural, corresponde à Comunidade de Povos de Língua Portuguesa (Moreira, 1996).
As OAP como capacidade de influenciar
Portugal adquiriu no último venténio uma certa visibilidade no contexto da sua participação em operações de paz. Esta visibilidade
A participação em OAP não pode ser vista como uma iniciativa isolada, mas como parte do objectivo de projectar uma imagem de Portugal como um país moderno, com vontade de assumir as suas responsabilidades na esfera internacional, contrariando uma postura mais “reactiva e defensiva” da política externa portuguesa, herdada da época colonial (Monteiro, 1999: 164). Para este escopo, também terá contribuído o esforço feito por Portugal de aumento voluntário da contribuição nacional para o orçamento da ONU (Monteiro, 1999:
5Os cinco membros permanentes do CSNU.
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Os contingentes portugueses nas missões de paz internacionais são assim um elemento indispensável na afirmação de Portugal como aliado útil da Aliança Atlântica, como agente activo na construção de uma Europa unida e eficaz e como membro responsável da família das nações. No quadro multilateral, Portugal pretende afirmar a sua presença e empenhamento nas organizações internacionais e sistemas de alianças a que pertence. Deve participar assim no desenvolvimento da Política Externa e de Segurança Comum e quer estar na primeira linha da construção da Política Comum de Segurança e Defesa, incluindo a sua participação nas missões militares sob comando da UE, bem como a sua participação na cooperação estruturada permanente em matéria de Defesa prevista pelo Tratado de Lisboa. No que respeita à ONU, Portugal apoia o papel da organização na manutenção da legalidade, da ordem internacional e da paz e afirma a centralidade do seu papel e a necessidade de reforço dos seus instrumentos nos processos de apoio à paz e de reconstrução
Os políticos e diplomatas portugueses têm com alguma frequência referido o importante papel desempenhado pelas Forças Armadas através deste tipo de missões ao aumentar a visibilidade do país no plano internacional, inclusive entre parceiros e aliados, e para reforçar o poder negocial e o peso político de Portugal nos fora internacionais (Vitorino, 1996:
Neste sentido a decisão de participar nos anos 90 na IFOR e SFOR e, após o 11 de Setembro, na ISAF no Afeganistão, serviram para reforçar a presença e credibilidade portuguesa junto da NATO. O contributo que a responsabilidade assumida por Portugal nas missões nos Balcãs nos anos 90, em particular, deu à imagem do país no mundo,
No entanto para além de um fim em si, a participação nas missões NATO IFOR e SFOR serviu também como meio para conquistar outras importantes vitórias em termos de política externa, nomeadamente ao nível da ONU. As participações nos Balcãs aumentaram o poder negocial de Portugal, que passou a ser um parceiro mais activo e com mais voz dentro da NATO. A participação nacional e o bom desempenho das forças portuguesas – cuja dimensão foi assinalável face aos recursos do país – contribuiu para reforçar a posição de Portugal enquanto parceiro credível da Aliança Atlântica (Fund. Mário Soares, 2006: 648; Vitorino, 2000: 32). Portugal demonstrou perante o mundo a sua capacidade política e operacional, ao conseguir garantir a presença de forças nos Balcãs e em África, dois teatros de operações com características totalmente distintas e
6A autora agradece este insight do referee.
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geograficamente distantes de Portugal e entre si.
A participação de Portugal nas operações da NATO na
Nas palavras do diplomata, Alegre Duarte: “Portugal tem sido um demandeur da intervenção das Nações Unidas no tocante a operações de paz, mediação de conflitos, estabilização política e reconstrução económica e das instituições
A política portuguesa de envolvimento activo nas operações internacionais de manutenção de paz, que tem sido consistentemente seguida por diversos governos desde o início dos anos 90, tem sido, assumidamente, uma das formas de aumentar a capacidade de influência do Estado português através do recurso à projecção de forças militares. Esta participação, que visa contribuir para a manutenção da paz e segurança internacionais, é parte integrante da dimensão global da política externa portuguese e tem como objectivo:
“- adquirir e manter influência e visibilidade no seio das Nações Unidas, da NATO e da União Europeia;
-reforçar a posição junto das estruturas de decisão política com maior importância no mundo;
-conferir legitimidade acrescida para solicitar o envolvimento da comunidade internacional e, em particular, das Nações Unidas, em teatros de operações importantes para Portugal
-favorecer as candidaturas para cargos de chefia de nível elevado nas estruturas internacionais” (Freire: 2007:
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A participação das Forças Armadas portuguesas em operações multinacionais, em particular nas OAP, para além de fortalecer a credibilidade e a visibilidade de Portugal, tem igualmente proporcionado argumentos favoráveis à afirmação do país em fora internacionais e contribuído para que diplomatas e militares portugueses sejam escolhidos para cargos de relevo no contexto mundial:
“O envolvimento português em missões de paz internacionais tem, efectivamente, contribuído para a afirmação de Portugal no mundo e, no entender de Freitas do Amaral, «facilita a nomeação de portugueses para altos cargos»” (cit. in Fund. Mário Soares, 2006: 645).
Portugal tem procurado tirar partido do seu esforço e
As Forças Armadas: instrumento da política externa
Éinteressante sublinhar como o executivo português tomou consciência de que era fundamental conjugar a actividade diplomática com o instrumento militar para garantir os melhores resultados, uma visão traduzida nas várias revisões do Conceito Estratégico de Defesa Nacional em 1994 e em 2003, na quarta revisão constitucional de 1997, bem como nas Leis da Defesa Nacional e das Forças Armadas. Estes documentos reconhecem a componente militar como um dos instrumentos de afirmação no domínio da política externa. As Forças Armadas constituem assim, pela via da cooperação internacional, mais um dos “vectores”, um “braço”, um “instrumento” da política externa:
“As Forças Armadas
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país não se tivesse tornado no
Portugal
Em jeito de conclusão,
Portugal está, por isso, a seguir uma senda mais racional: sem exaurir a sua participação em teatros de operações de desgaste e de maior risco, tem apostado em
7A autora agradece este insight do referee.
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nichos de emprego que lhe tem dado projecção com relativa economia de recursos e meios. Já não há a necessidade de um emprego de volume para afirmar a participação ou presença portuguesa;
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Entrevistas por
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