OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 2 (Outono 2011), pp. 160-164

Recensão Crítica

Kagawa, Fumiyo et Selby, David (ed) (2011). Education and Climate Change. Living and learning in interesting times. New York: Routledge: 259 pp. ISBN10: 0-415-80585-6

por Brígida Rocha Brito

email: brigidabrito@netcabo.pt

Doutorada em Estudos Africanos pelo ISCTE–IUL. Professora de Ambiente e Relações Internacionais; Cooperação Internacional e Mundo Contemporâneo no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa, Subdirectora de JANUS.NET, e-journal of International Relations.

Investigadora do OBSERVARE (UAL) e do Centro de Estudos Africanos (ISCTE-IUL). Professora Auxiliar Convidada no Departamento de Sociologia da Universidade de Évora.

“Education and Climate Change. Living and learning in interesting times” é um livro de co-autoria, coordenado por Fumiyo Kagawa e David Selby, publicado em 2010 pela Routledge.

A abordagem inicial ao livro resulta do interesse despertado por duas razões principais, sendo que, mesmo individualmente, qualquer uma delas é válida e suficiente obrigando a uma leitura atenta: por um lado, o tema central do livro; e, por outro lado, os curricula dos autores. Assim:

1.A primeira razão radica no tema em discussão que, indiscutivelmente, apresenta grande actualidade – a abordagem pedagógica face às alterações climáticas a nível mundial, tendo presente os múltiplos impactos para a vida humana nas suas diferentes dimensões (saúde, segurança alimentar, produção económica vária, ...). De forma implícita, a análise remete para a importância das Relações Internacionais no contexto da problemática ambiental, considerando a sustentabilidade como o objectivo central. Mas, neste livro, o inverso também é verdadeiro, ou seja, a pertinência das questões ambientais para as Relações Internacionais, visto que todos os exemplos apresentados e discutidos são perspectivados a partir de uma leitura holística;

2.A segunda razão prende-se com os coordenadores, co-autores do livro e do prefácio. Fumiyo Kagawa é coordenadora de investigação no Centre for Sustainable

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Futures da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, e David Selby é Professor na Universidade de Mount St. Vincent, no Canadá, e Director do Sustainability Frontiers, um Centro de Investigação virtual sobre alterações climáticas e educação sustentável. Para além dos coordenadores, o livro conta com textos da autoria de professores de Universidades de renome internacional e investigadores de Centros de Investigação mundialmente reconhecidos pelos seus pares1. O Prefácio é da autoria do Bispo Desmond Tutu, Prémio Nobel da Paz em 1984. Nas primeiras palavras do Prefácio, reforça a ideia que as alterações climáticas, além de globais, têm uma causa humana, sendo, mais do que fundamental, urgente adoptar e implementar um conjunto alargado de medidas, adequadas por área sectorial, assumidas por todos os Estados e envolvendo a população mundial com sentido de responsabilidade. Desmond Tutu define as alterações climáticas como uma das principais crises mundiais promovidas pela Humanidade, que se tem vindo a revelar de forma desequilibrada no que respeita aos impactos.

“Climate change is the greatest human-induced crisis facing the World today. It is totally indiscriminate of race, culture and religion. It affects every human being on the Planet. But, so far, its impacts have fallen disproportionately. In response to climate change, the World «adaptation» has become part of standard vocabulary” (pp: XV)

Sendo uma obra de co-autoria, o interesse que desperta é alargado, permitindo confrontar diferentes perspectivas sobre a mesma problemática e, em simultâneo, relacionar áreas temáticas, cruzar indicadores, complementar leituras e reinventar metodologias tendentes ao aspirado conceito de sustentabilidade.

Este livro tem, antes de mais, um sentido pedagógico permitindo ao leitor uma aprendizagem fundamentada sobre as questões ambientais, por um lado, numa reflexão teórica crítica, por outro lado, na explicação técnica e científica dos processos que conduzem às alterações climáticas, bem como das suas consequências e, por fim, na partilha de experiências de investigação prosseguidas e concluídas pelos respectivos autores.

1Virginia Cawagas (Professora Associada da United Nations University for Peace, Costa Rica), Darlene Elower (Professora Associada na Universidade de Victoria, Canada), Ian Davis (Professor na Universidade de York), George Seja Dei (Professor Catedrático na Universidade de Toronto, Canada), Edgar González- Gaudiano (Investigador sénior na Universidade Autónoma de Nuevo Leon, México, e membro da Comissão de Educação e Comunicação da União Internacional de Conservação da Natureza, UICN), Magnus Haavelsrud (Professor na Norwegian University of Science and Technology em Trondheim, Noruega), Bud Hall (Director do Office of Community-based research da Universidade de Victoria, Canada), Heila Lotz-Sisitka (Professor Catedrático em Educação Ambiental e Sustentabilidade na Universidade de Rhodes, África do Sul), Pablo Meira Cartea (Professor a Universidade de Santiago de Compostela, Espanha), James Pitt (Investigador sénior na Universidade de York, Reino Unido), Jane Reed (Coordenadora do International Network for School Improvement do London Centre for Leadership, Universidade de Londres), Janet Richardson (Professora na Universidade de Plymouth, Reino Unido), Toh Swee-Hin (Professor e Director da Griffith University Multi Faith Centre, Austrália), Margareth Wade (Professora da Universidade de Plymouth, Reino Unido).

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O livro está organizado em doze textos2 de análise temática que, apesar das especificidades de cada abordagem, apresentam um conjunto de preocupações comuns, maioritariamente centradas no conceito de sustentabilidade sócio-ambiental de âmbito mundial. Todos os autores apresentam consenso acerca de três grandes questões: 1) a urgência que o tema requer, implicando reflexão, debate, redefinição metodológica e intervenção global; 2) a metodologia participativa com envolvimento activo de todos, desde o cidadão comum ao governante; 3) o objectivo da sustentabilidade, com referência permanente para as novas gerações.

Uma das grandes preocupações evidenciadas ao longo dos doze textos reside na estratégia a adoptar após a tomada de consciência de que, além das alterações climáticas serem uma realidade incontestável, promovem impactos de agravada dimensão que se mantém ao longo do tempo. A estratégia defendida, sendo comum a todas as perspectivas, centra-se numa Educação Ambiental consciente e responsável, assumida por todos, independentemente da origem ou local de residência, da disponibilidade económica e financeira ou da cultura de referência.

Face à tomada de consciência de que as mudanças climáticas são globais e mundialmente abrangentes, existe a necessidade de criar um novo universalismo (Haavelsrud, 2010: 57 e seguintes) fundamentado numa concepção dinâmica da Humanidade, orientada por objectivos comuns (“commonality”), entre os quais a Paz, recorrendo a uma metodologia de “aprendizagem transformativa”.

A nível internacional, o diálogo é também considerado global (Sisitka, 2010: 73 e seguintes) pela urgência de identificar respostas contextualizadas para os problemas decorrentes das alterações climáticas. Esta ideia fundamenta-se, por um lado, na percepção de que os impactos sócio-ambientais negativos, incluindo as dinâmicas económica e política, são cada vez mais intensos e de difícil resolução; por outro lado, na constatação que os que mais sentem os efeitos das alterações climáticas não são os mesmos que mais as promovem; e, por fim, na tomada de consciência que as consequências das alterações climáticas são de tal forma estruturantes que o que está em causa é a continuidade da vida de todo o Planeta. Assim, é equacionada a relação entre as alterações climáticas, a equidade e a justiça, eliminando-se, de certa forma, a concepção convencional de fronteiras territoriais, incorporando metodologias educativas e capacitadoras, transnacionais e globais, visto que os problemas sentidos têm também estas dimensões.

A estratégia educativa é concebida de forma transversal como uma oportunidade de repensar atitudes e comportamentos mas também de reorientar prioridades e objectivos no que se considera serem “tempos interessantes” (Kagawa et Selby, 2010). Esta é uma época considerada única porque marcada tanto pelas múltiplas alterações do clima, como pela possibilidade de moldar consciências, aprender com os erros

2Os doze textos são: 1) Climate change education and communication: a critical perspective on obstacles

and resistances; 2) Go, go, go, said the Bird: sustainability-related education in interesting times; 3)

Peace learning: universalism in interesting times; 4) Climate injustice: how should education respond?;

5)The environment, climate change, ecological sustainability, and antiracist education; 6) Learning in emergencies: defense of Humanity for a livable World; 7) Sustainable democracy: issues, challenges and proposals for citizenship education in an age of climate change; 8) School improvement in transition: an emerging agenda for interesting times; 9) Critique, create and act: environmental adult and social movement learning in an era of climate change; 10) Transforming the ecological crisis: challenges for faith and interfaith education in interesting times; 11) Public health threats in a changing climate: meeting the challenges through sustainable health education; 12) Weaving change: improvising global wisdom in interesting and dangerous times.

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anteriores, estimulando ainda para um processo transformativo a nível individual e social (de grupo, qualquer que ele seja), que apela para princípios éticos e morais, produzindo impactos positivos no sentido de um envolvimento (engajamento) efectivo e activo que tende para uma “resposta espelho” (Kagawa et Selby, 2010: 5 e seguintes). A “resposta espelho” é apresentada de forma muito clara, sendo evidenciada pela percepção comprovada de que as alterações climáticas resultam em parte de actividades humanas não planeadas, ou sem estudos de impacto associados, mas também pela constatação que os efeitos destas alterações são sentidos pelas comunidades humanas de forma, eventualmente, tão radical que põem em causa a sustentabilidade, mais do que económica ou puramente ambiental, da vida humana.

Esta ideia de “resposta espelho” ultrapassa os princípios convencionais do determinismo ambiental, sendo particularmente defendida no sentido pedagógico, independentemente dos grupos envolvidos (crianças, jovens, adultos, grupos sócio- profissionais específicos, gestores e empreendedores, políticos e governantes, ...). A estratégia educativa assim concebida abrange a sociedade no seu conjunto, seja a um nível micro ou macro, neste caso considerando também a dinâmica mundial. Esta ideia é várias vezes apresentada por referência a Al Gore:

“It gives us an opportunity to experience something that few generations ever have the privilege of knowing: a common moral purpose compelling enough to lift us above our limitations” (Gore apud Kagawa et Selby, 2010: 4)

Sendo um dos elementos que apresenta consenso em todas as análise apresentadas, a estratégia educativa implica a capacidade de envolvimento participativo, podendo diferenciar-se em “education for sustainable contraction” ou “education for sustainable moderation” (Selby, 2010: 41 e seguintes), sendo ambas tendentes a metodologias alternativas de intervenção para uma reinversão dos efeitos das alterações climáticas no longo prazo.

A abordagem metodológica participativa tendente à criação e reforço da cidadania activa não é nova, mas a leitura relacional entre a participação e a cidadania ambiental global, promovida a nível internacional como veículo para ultrapassar situações de crise, é inovadora (Davies, 2010: 128 e seguintes). Da mesma forma, este processo de aprendizagem sócio-ambiental, que capacita e cria “novos” cidadãos, que vivem os problemas a partir de uma dimensão local mas conscientes da globalidade inerente, é essencialmente crítico, criativo e vocacionado para a acção, ou intervenção (Clover, 2010: 162), afastando-se das leituras puramente teóricas e descritivas, ou ainda das listagens de intenções sem aplicação prática (Reed, 2010: 141 e seguintes) e que ficam na História como documentos bem construídos em texto mas que, pelas mais diversas razões, não foram aplicados.

A problemática ambiental, na qual as alterações climáticas se enquadram, passa assim a ser entendida como um paradigma de aprendizagem com potencial para promover a transformação social, fundamentado em princípios sistémicos e holísticos (Swee-Hin, 2010: 180 e seguintes), ou seja, orientado por critérios integradores que remetem para a ética local, nacional, regional e sobretudo internacional. Estes elementos são, uma

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vez mais, orientados pelo diálogo crítico e construtivo, regulado por valores com o objectivo de assegurar a sustentabilidade da vida a nível mundial.

Como citar esta Recensão

Brito, Brígida Rocha (2011). Recensão Crítica de Kagawa, Fumiyo et Selby, David (ed)

(2011). Education and Climate Change. Living and learning in interesting times. New York: Routledge: 259 pp. ISBN10: 0-415-80585-6, JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 2, Outono 2011. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n2_rec1

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