JANUS.NET, e-journal of International Relations
ISSN: 1647-7251
Vol. 2, n.º 2 (Outono 2011), pp. 144-159
A Tutela da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
Cristina Crisóstomo
145
áreas como a proteção dos trabalhadores, do consumidor e do meio ambiente, entre
outros. Por outro lado, a integração europeia sempre possuiu uma forte componente
jurídica, na medida em que desde o início foi “rule oriented”, ou seja, baseada em
procedimentos que ocorrem dentro de parâmetros jurídicos, os quais restringiram,
sensivelmente, a utilização de mecanismos meramente políticos no relacionamento
mútuo dos Estados-membros.
Sob a perspectiva jurídico-institucional, a característica do processo de integração mais
surpreendente sempre foi, sem dúvida, a supranacionalidade que indica também uma
situação política sui-generis, em que Estados soberanos aceitam a imposição de
decisões tomadas pela organização, mesmo quando estas não correspondem aos seus
interesses particulares. A dinâmica de integração e a progresso dos Tratados
Constitutivos ampliou consideravelmente a transferência de competências, tanto
quatitativas quanto qualitativas, dos Estados em favor da União. A UE dispõe
atualmente de competências em sectores que se estendem da agricultura, siderurgia,
energia atómica, concorrência, política do trabalho, social, fiscal, económica e
monetária, política comercial e de desenvolvimento, pesquisa e tecnologia, educação,
transportes, cultura, meio ambiente, até as disposições sobre política externa, de
segurança e de defesa comum, e políticas de emigração e asilo. Desta forma, as
competências e os deveres da UE abrangem quase todos os sectores de atuação
estatal, expandindo-se, em larga medida, para além dos limites de uma integração
meramente sectorial ou económica, incluindo a zona sensível dos direitos
fundamentais.
Desde cedo se constatou a necessidade de criar um sistema eficaz de proteção dos
direitos fundamentais a nível comunitário no qual a elaboração de um catálogo de
direitos fundamentais seria parte essencial, catálogo esse ausente dos Tratados
instituidores das comunidades.
O AUE
3
, que constituiu a primeira alteração de grande envergadura dos tratados
originários, revê o Tratado da Roma com o objectivo de relançar a integração europeia
e concluir a realização do mercado interno. Veio alterar as regras de funcionamento das
instituições europeias e alarga as competências comunitárias, nomeadamente, no
âmbito da investigação e desenvolvimento, do ambiente e da política externa comum,
no qual se inscreveu, no preâmbulo do ato, pela primeira vez, uma fórmula genérica de
declaração de direitos:
“DECIDIDOS a promover conjuntamente a democracia, com base
nos direitos fundamentais reconhecidos nas constituições e
legislações dos estados-membros, na Convenção de Protecção dos
Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e na Carta
Social Europeia, nomeadamente a liberdade, a igualdade e a
justiça social…”
4
.
Ainda assim, entre avanços e recuos, só com o Tratado de Maastricht se viria a
concretizar uma tutela mais ou menos efetiva de direitos fundamentais no seio da
3
Assinado no Luxemburgo a 17 de Fevereiro de 1986.
4
Preâmbulo do Acto Único Europeu.