OBSERVARE
Universidade Autónoma de Lisboa
ISSN: 1647-7251
Vol. 2, n.º 2 (Outono 2011), pp. 144-159
Notas e Reflexões
A Tutela da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – O
papel do Tribunal de Justiça da União Europeia
Cristina Crisóstomo
email: anacristinaborges@zonmail.pt
Licenciada em Direito (UAL), Mestre em Direito (Faculdade de Direito de Lisboa),
Pós Graduada em Direito Comunitário e Direito da Integração (Instituto Europeu Faculdade de
Direito de Lisboa). Docente universitária e coordenadora da Pós Graduação em Direito Bancário e
dos Seguros. Tem larga experiência como consultora e formadora, tem colaborado com as mais
diversas entidades, designadamente DECO, INA, CES e Ordem dos Advogados e em projectos
transnacionais. É Perita do Comité Económico e Social Europeu para as questões do Direito do
Consumo e Direito Bancário e da Odysseus Academic Network
– Observatório da Liberdade de Circulação de trabalhadores.
O texto originário dos tratados constitutivos das três comunidades Europeias não
incluíam qualquer referência à tutela dos direitos fundamentais. O direito comunitário
originário pretendia ser mais um “bill of powers” do que um “bill of rights”. Entendia-se
não ser esse o objecto dos tratados constitutivos das comunidades
1
, fazendo parte, por
um lado, dos textos constitucionais dos Estados Membros e, por outro, do âmbito das
atribuições do Conselho da Europa
2
.
Porém, o processo de integração europeu conduziu à criação de uma estrutura jurídica
supranacional, muito para além do que estava previsto nos Tratados Constitutivos e
acabaria por gerar, tanto uma situação de potencial conflito com os Direitos
Constitucionais nacionais, quanto a necessidade de procurar mecanismos que permitam
à interpenetração das distintas ordens jurídicas. Originalmente concebido de forma
sectorial e adstrito apenas às áreas económicas e comerciais, adquiriu com o tempo,
uma dimensão bem mais ampla do que a concebida pelos seus fundadores. Ao longo
deste processo, a questão jurídica sempre foi fundamental, isto porque a instituição de
um Mercado Comum (objectivo original da Comunidade Económica Europeia em 1957)
pressupôs não apenas etapas “negativas” de integração regional, tais como a abolição
de barreiras alfandegárias e não alfandegárias ao comercio interno do bloco, mas
também etapas “positivas”, tais como a elaboração de um acervo jurídico comum em

1
Tratado que instituí a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951), Tratado que instituí a
Comunidade Económica Europeia (1957) e Tratado que instituí a Comunidade da Energia Atómica (1957)
2
Fundado em 5 de Maio de 1949, tem como principal propósito a defesa dos direitos humanos, o
desenvolvimento e a estabilidade político-social da Europa. No seio desta organização foi instituído o
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a quem cabe a aplicação da Convenção Europeia dos Direitos
Humanos.
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áreas como a proteção dos trabalhadores, do consumidor e do meio ambiente, entre
outros. Por outro lado, a integração europeia sempre possuiu uma forte componente
jurídica, na medida em que desde o início foi “rule oriented”, ou seja, baseada em
procedimentos que ocorrem dentro de parâmetros jurídicos, os quais restringiram,
sensivelmente, a utilização de mecanismos meramente políticos no relacionamento
mútuo dos Estados-membros.
Sob a perspectiva jurídico-institucional, a característica do processo de integração mais
surpreendente sempre foi, sem dúvida, a supranacionalidade que indica também uma
situação política sui-generis, em que Estados soberanos aceitam a imposição de
decisões tomadas pela organização, mesmo quando estas não correspondem aos seus
interesses particulares. A dinâmica de integração e a progresso dos Tratados
Constitutivos ampliou consideravelmente a transferência de competências, tanto
quatitativas quanto qualitativas, dos Estados em favor da União. A UE dispõe
atualmente de competências em sectores que se estendem da agricultura, siderurgia,
energia atómica, concorrência, política do trabalho, social, fiscal, económica e
monetária, política comercial e de desenvolvimento, pesquisa e tecnologia, educação,
transportes, cultura, meio ambiente, até as disposições sobre política externa, de
segurança e de defesa comum, e políticas de emigração e asilo. Desta forma, as
competências e os deveres da UE abrangem quase todos os sectores de atuação
estatal, expandindo-se, em larga medida, para além dos limites de uma integração
meramente sectorial ou económica, incluindo a zona sensível dos direitos
fundamentais.
Desde cedo se constatou a necessidade de criar um sistema eficaz de proteção dos
direitos fundamentais a nível comunitário no qual a elaboração de um catálogo de
direitos fundamentais seria parte essencial, catálogo esse ausente dos Tratados
instituidores das comunidades.
O AUE
3
, que constituiu a primeira alteração de grande envergadura dos tratados
originários, revê o Tratado da Roma com o objectivo de relançar a integração europeia
e concluir a realização do mercado interno. Veio alterar as regras de funcionamento das
instituições europeias e alarga as competências comunitárias, nomeadamente, no
âmbito da investigação e desenvolvimento, do ambiente e da política externa comum,
no qual se inscreveu, no preâmbulo do ato, pela primeira vez, uma fórmula genérica de
declaração de direitos:
DECIDIDOS a promover conjuntamente a democracia, com base
nos direitos fundamentais reconhecidos nas constituições e
legislações dos estados-membros, na Convenção de Protecção dos
Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e na Carta
Social Europeia, nomeadamente a liberdade, a igualdade e a
justiça social…
4
.
Ainda assim, entre avanços e recuos, só com o Tratado de Maastricht se viria a
concretizar uma tutela mais ou menos efetiva de direitos fundamentais no seio da

3
Assinado no Luxemburgo a 17 de Fevereiro de 1986.
4
Preâmbulo do Acto Único Europeu.
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União, plasmada no então artigo F, nº 2 que passou a vincular a União Europeia ao
respeitos dos “direitos fundamentais tal como os garante a convenção europeia de
salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais (…) e tal como
resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados–Membros, enquanto
princípios gerais do direito comunitário”.
Acresce que a previsão de um estatuto de cidadania da União, reconhecido a todos os
cidadãos dos Estados-membros e envolvendo a titularidade de certos direitos, incluindo
direitos políticos (artigos 17º a 22º do Tratado da Comunidade Europeia) constituiu um
catálogo de modificações importantes, alargadas, no seu âmbito de aplicação, pelos
Tratados de Amesterdão e de Nice, mas que falharam o objectivo de dotar as
comunidades europeias de um catálogo de direitos fundamentais.
Porém, a elaboração de um catálogo de direitos fundamentais só ficou decidida no
Conselho Europeu de Colónia de 3 e 4 de Junho de 1999, cujas especificidades ficaram
estabelecidas no anexo IV ao Documento das conclusões da Presidência, de onde
destacamos a seguinte passagem:
“... Na presente fase da evolução da União, impõe-se elaborar
uma carta dos direitos fundamentais na qual fiquem
consignados, com toda a evidência, a importância primordial de
tais direitos e o seu alcance para os cidadãos da União”.
Pretendia-se, assim, tornar visíveis os direitos dos cidadãos e para os cidadãos,
mediante um catálogo de direitos fundamentais dotado de primazia normativa, força
jurídica vinculativa e aplicabilidade directa, não se pretendia, no entanto, alterar as
competências comunitárias em matéria de direitos humanos. O conteúdo da futura
carta deveria reflectir o acquis comunitário e europeu em matéria de direitos
fundamentais e deveria conter três grandes categorias de direitos:
Os direitos e liberdades pessoais, tal como garantidos pela Convenção Europeia
para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e nas
tradições constitucionais comuns aos Estados-membros.
Os direitos próprios dos cidadãos comunitários, no fundo os direitos associados
ao estatuto de cidadania da União e por esta razão reservados aos cidadãos dos
Estados-membros ( já previstos no Tratado que institui a Comunidade
Europeia).
Os direitos de natureza económica e social, tal como estavam consagrados na
Carta Social Europeia e na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais
dos Trabalhadores.
Por outro lado, a elaboração da Carta seria participada pelas principais instituições da
União e contaria com o contributo dos parlamentos nacionais.
Numa primeira análise ao projecto de catálogo de direitos fundamentais, podemos
retirar desde logo duas conclusões: que a Carta não foi concebida com o intuito de
ampliar as competências da União e que o Conselho Europeu de Colónia tornava bem
explícito que a questão de atribuir carácter vinculativo à Carta ficaria adiada sem prazo
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específico ao afirmar: “...Posteriormente, estudar-se-á a oportunidade e,
eventualmente, o modo como a Carta deverá ser integrada nos Tratados...”.
Desta forma, assumiu-se um compromisso meramente político sem carácter
vinculativo.
A 15 e 16 de Outubro do mesmo ano, em Tampere, foi concretizado o enunciado no
Conselho de Colónia e decidida a constituição de uma convenção para a elaboração da
Carta projectada em Colónia, convenção essa que pela primeira vez juntou, num
processo directo, o contributo dos representantes dos governos e parlamentos
nacionais para a elaboração do direito da União. Tendo reunido pela primeira vez em
Dezembro desse ano e aprovado o projecto final em 2 de Outubro de 2000 em Nice.
Todo o processo de redacção dos direitos fundamentais, na forma de Carta, foi
desenvolvido por representantes dos governos nacionais, da Comissão Europeia e por
deputados dos parlamentos nacionais e europeu. Presidido por Roman Herzog, ex-
presidente da RFA e do respectivo Tribunal Constitucional alemão, este processo
apresenta uma inovação, uma vez que se assistiu à participação dos parlamentos
nacionais e dos governos nacionais, reforçando, desde logo, ao nível do processo
decisório, a visibilidade e a legitimidade do catálogo de direitos fundamentais, bem
como a expressão das várias sensibilidades europeias.
Com efeito, o Conselho Europeu de Tampere fixou o princípio da publicidade dos
debates e dos documentos apresentados, assim, todos os documentos da presidência
da Convenção, bem como todos os contributos dos participantes e de outros grupos se
encontram disponíveis na internet.
A Convenção concluiu os seus trabalhos e apresentou o projecto de Carta na sua
versão final em 2 de Outubro de 2000, a fim de permitir ao Conselho Europeu debater
o texto no decorrer da cimeira informal de 13 e 14 de Outubro de 2000, em Biarritz,
tendo obtido parecer favorável. De igual modo, o Parlamento Europeu também se
pronunciou favoravelmente sobre o texto, a 14 de Novembro de 2000 e a 7 de
Dezembro, do mesmo ano, desta forma a Carta dos Direitos Fundamentais foi
proclamada pelas três instituições.
A Carta resulta da existência de um acervo em matéria de protecção dos direitos
fundamentais, quer ao nível dos Estados-membros e das suas tradições constitucionais,
que consubstancia os princípios gerais de direito comunitário, quer ao nível
internacional, com o novo paradigma de soberania assente na necessidade de partilhar
responsabilidade na tutela destes direitos. Pretende, ainda, plasmar os direitos de
cidadania europeia, designadamente, a Carta Comunitária dos Direitos Sociais
Fundamentais dos Trabalhadores e a Carta Social Europeia, dando assim consagração
formal à vasta jurisprudência do Tribunal de Justiça no âmbito dos Direitos
Fundamentais. Transforma-se num instrumento jurídico comunitário, gozando da sua
tutela e sindicância e ultrapassando a esfera meramente estadual.
As principais funções cometidas à Carta são funções de carácter geral, enquanto
instrumento que legitima a acção política da União e o correspectivo aumento da
segurança jurídica e a necessária visibilidade e aproximação dos cidadãos a este
acervo.
Porém, podemos ainda identificar objectivos específicos, a Carta enquanto mecanismo
de controlo e de regulação do exercício das competências comunitárias, sendo que tal
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não significa o aumento das competências da União, mas antes a forma como elas
devem ser exercidas, permitindo assim a sindicância por parte das instâncias
jurisdicionais competentes.
A vinculação formal à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a respectiva
submissão ao controlo do Tribunal de Justiça, bem como a clarificação da
compatibilidade entre a Carta e as Constituições nacionais, não pressupõe modificações
no direito constitucional nacional, mas antes surge como critério de interpretação.
Ainda enquanto critério de orientação, nas relações da União e restante comunidade
internacional, designadamente, ao nível da Política Externa e a Segurança Comum, nas
relações com países terceiros e mais especificamente nas relações com os Estados do
alargamento.
Finalmente, a Carta garante a salvaguarda de direitos já existentes ao nível da
Convenção e desta forma gera uma correspondência e integração destes direitos no
acervo da União.
Não obstante a sua proclamação solene no Conselho Europeu de Nice em 2000, a Carta
manteve a sua natureza jurídica não vinculativa até 2007, altura em que o Tratado de
Lisboa lhe conferiu força obrigatória reconhecendo o seu valor jurídico ao nível dos
Tratados.
Aliás, neste domínio, o Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em Dezembro de 2009,
já previa a adesão à Convenção, estando a Comissão munida de um mandato para este
efeito, assim o programa de Estocolmo, adoptado pelo Conselho Europeu de 11 de
Dezembro de 2009, previa também ele, a adesão rápida da União à Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, consolidando desta forma o quadro jurídico de
protecção dos direitos fundamentais no acquis da União. O programa plurianual de
Estocolmo
5
(vigora entre 2010 e 2014) tem como missão aprofundar os avanços
alcançados no âmbito do Espaço de Liberdade Segurança e Justiça e concentrar a
atenção nos interesses e necessidades ligados à cidadania. O desafio consistirá em
alcançar um equilíbrio entre a necessidade de assegurar o respeito dos direitos e
liberdades fundamentais do individuo e a necessidade de garantir a segurança na
Europa. Por outro lado, o Programa de Estocolmo prevê que a União Europeia adira
“rápidamente” à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais, tendo a Comissão Europeia apresentado um projecto de
decisão do Conselho da União Europeia no sentido de a autorizar a negociar o acordo
de adesão da União à Convenção.
6
O estatuto da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, só recentemente e, com a
entrada em vigor do Tratado de Lisboa, ficou claro no seio da ordem jurídica
comunitária, em bom rigor, em Março de 2010.
Para trás, ficou uma longa experiência, baseada na jurisprudência do Tribunal de
Justiça de aplicação dos direitos fundamentais.
Na verdade, o escopo essencialmente económico dos tratados, ainda que alienando a
questão da proteção dos direitos fundamentais, permitiu que, por força das regras de

5
Adoptado pelo Conselho Europeu a 11 de Dezembro de 2009, EUCO 6/09 – Conclusões.
6
Documento de Reflexão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre determinados aspectos da adesão
da União Europeia à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais.
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conformação das liberdades económicas, os direitos, tutelados pela ordem jurídica
comunitária, se repercutissem na esfera jurídica dos cidadãos europeus. Ainda que
indireta e instrumentalmente, estes direitos foram sendo regulados e assumindo um
papel fundamental no acervo comunitário, nomeadamente, o direito à não
discriminação em razão da nacionalidade, o direito de livre circulação e de acesso ao
exercício de uma profissão ou atividade económica no território de um Estado-membro
e a liberdade de estabelecimento, da mesma forma que eram previstos alguns direitos
económicos e sociais, como a igualdade de salário entre homem e mulheres.
Na ausência de uma declaração de direitos, coube ao Juiz comunitário, partindo de uma
apreciação casuística, a definição de um modelo comunitário de tutela dos direitos
fundamentais.
Importa, assim, analisar o papel do Tribunal de Justiça da União Europeia na jurisdição
dos direitos fundamentais que antecipou a expressa consagração destes direitos como
uma verdadeira política comunitária, resultado do carácter vinculativo que o Tratado de
Lisboa atribui à carta.
A evolução da sua jurisprudência ilustra a contribuição do Tribunal de Justiça para a
criação de um espaço jurídico que diz respeito aos cidadãos, protegendo os direitos que
a legislação da União lhes confere em diferentes aspectos da sua vida quotidiana. Desta
forma, ao decidir que o respeito dos direitos fundamentais é parte integrante dos
princípios gerais de direito, cujo respeito lhe incumbe garantir, contribuiu também de
forma considerável para o aumento dos níveis de protecção desses mesmos direitos
O Tribunal de Justiça da União incluí o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e tribunais
especializados, cabe ao TJUE, composto por estas três jurisdições, a principal missão de
apreciar a legalidade dos actos da União e assegurar o integral cumprimento dos
Tratados bem como zelar pela interpretação e aplicação uniforme do direito da União.
O TJUE ao longo dos anos foi criando, através da sua jurisprudência, a obrigação dos
legisladores, das administrações e dos juízes nacionais aplicarem plenamente o direito
da União no interior das respectivas esferas jurisdicionais e de protegerem os direitos
conferidos aos cidadãos europeus. Esta jurisprudência consolidou o princípio do
primado do Direito Comunitário e do efeito direto do direito da União Europeia.
O aprofundamento normativo do processo de integração, intimamente relacionado com
a afirmação do primado e do efeito direto, como critérios básicos de articulação entre a
ordem jurídica comunitária e as ordens jurídicas nacionais, inculcou na generalidade
das normas comunitárias a característica da imediatividade. O primado e o efeito direto
da norma comunitária conferem ao particular o direito de exigir a sua aplicação em
detrimento da norma nacional contrária.
Acontece, porém, que como destinatário direto do comando normativo comunitário, o
particular pode vir a ser afectado na sua qualidade de titular de direitos reconhecidos
pela Constituição nacional ou pelas convenções internacionais aplicáveis,
designadamente no que toca aos Direitos Fundamentais.
Assim, o Tribunal de Justiça viu-se perante um dilema, abdicar do primado sempre que
estivesse em causa a força vinculativa dos Direitos Fundamentais, ou, não abdicar da
natureza incondicional e absoluta da exigência do primado. Da análise da
Jurisprudência do Tribunal de Justiça, podemos afirmar que, num primeiro momento,
se optou por uma visão agnóstica, por mais relevantes que fossem os direitos
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fundamentais na sua forma constitucional ou internacional, o juiz comunitário não os
reconhecia como parâmetros de apreciação da validade dos atos comunitários.
O Tribunal de Justiça entendeu que deveria zelar pela imposição do primado e a
eliminação de quaisquer excepções que o pudessem relativizar ou enfraquecer, ainda
que sacrificando preceitos constitucionais sobre direitos fundamentais ou regras
internacionais sobre Direitos do Homem, não permitindo ao individuo a invocação da
sua constituição ou de instrumentos internacionais para se opor à aplicação de um ato
comunitário potencialmente restritivo de Direitos Fundamentais. Desta forma, o
Tribunal de Justiça rejeitou a tutela autónoma dos Direitos Fundamentais.
Podemos afirmar que o Tribunal violava o próprio Tratado, na medida em que, o art.
19º do TUE concebe o tribunal como o órgão de “garantia do respeito do direito”. Ora,
por legado histórico ou por força da experiência constitucional vigente, o direito
consubstancia a proclamação e a tutela efetiva dos Direitos Fundamentais.
Esta posição do Tribunal de Justiça sofre uma alteração importante, com o Acórdão de
12 de Novembro de 1969, proferido no caso Stauder, que consubstancia a passagem
de uma fase ”agnóstica” para uma fase de reconhecimento ativo dos Direitos
Fundamentais, “… compreendidos nos princípios gerais do direito comunitário, cujo
respeito é assegurado pelos tribunais
7
.
A “comunitarização” dos Direitos Fundamentais, por referência aos princípios gerais de
direito, já tinha sido aventada pelo advogado Geral Lagrange no caso Comptoirs. Por
outro lado, não podemos deixar de sublinhar que é o próprio Tratado, no art. 340º
(TUE) que reconhece os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-membros em
matéria de responsabilidade extra contractual.
No domínio sensível dos Direitos Fundamentais iria revelar-se extremamente profícuo o
recurso aos princípios gerais de direito como técnica de integração e autonomização de
direitos e liberdades consagrados nos sistemas nacionais. Trata-se até de uma proteção
reforçada, dado que os princípios gerais primam sobre o direito comunitário derivado e
sobre os próprios Tratados sempre que acolham direitos inerentes à dignidade da
pessoa humana, os quais pela sua força ético-jurídica são insusceptíveis de derrogação.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça vem dar um contributo importante para a
determinação de uma noção material de princípios gerais de direito ínsitos nas
tradições constitucionais dos Estados-membros e integrados na estruturas e nos
objectivos do acervo comunitário
8
.
O Tribunal de Justiça avoca para si, em colaboração com os tribunais nacionais, a tutela
dos Direitos Fundamentais, dando início a uma terceira fase na jurisprudência
comunitária
9
, caracterizada pela determinação de um critério materialmente amplo de
Direitos Fundamentais. As tradições constitucionais comuns, as próprias constituições
dos Estados-membros, bem como os instrumentos internacionais relativos aos Direitos
do Homem, aos quais os Estados-membros hajam aderido ou cooperado, formam um
vasto conjunto normativo de revelação dos Direitos Fundamentais que devem ser
garantidos pelo juiz comunitário em cooperação com os tribunais nacionais. Como

7
Acórdão Stauder,Proc.29/69, de 12 de Novembro de 1969, Relatório TJC 1969, pág. 419.
8
Acórdão Internationale Handelsgesellsschaft, Proc. 11/70, de 12 de Dezembro de 1970, Relatório do
TJC1970, pág.1125.
9
Acórdão Nold II, Proc. 4/73, de 14 de Maio de 1974, Relatório TJC 1974, pág. 491.
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princípios gerais de direito, a sua força vinculativa na ordem jurídica não depende de
qualquer denominador comum, não sendo a maior ou menor aceitação dos Estados-
membros o seu critério de identificação, mas sim a sua adequação funcional. Sendo a
União Europeia uma entidade de poderes limitados, segundo o princípio da competência
por atribuição, a interpretação do âmbito das competências explicitas e implícitas, no
que toca à proteção dos Direitos Fundamentais só poderá corresponderá a esse espaço
de atuação normativa.
O reconhecimento ativo dos Direitos Fundamentais levou a que possamos encontrar na
jurisprudência do Tribunal de Justiça referências diretas ao Direito Internacional como
fonte destes direitos garantidos pelo juiz comunitário
10
. A primeira menção expressa à
Carta Europeia Direitos Homem surgiu no caso Rutili
11
ao considerar que as limitações
aos poderes dos Estados-membros em matéria de política de estrangeiros, são a
manifestação de um princípio mais geral consagrado nos artigos 8º, 9º, 10º e 11º da
CEDH e no artigo 2º do protocolo nº 4.
Para além das múltiplas referências expressas à CEDH e protocolos adicionais, o TJUE
reconheceu num acórdão de 1991 que a CEDH “reveste um significado particular“ entre
os princípios gerais de direito cuja tutela é assegurada pela ordem jurídica comunitária.
A imperatividade dos direitos do Homem na ordem jurídica comunitária legitima
igualmente o poder do juiz comunitário para, em cooperação com o juiz nacional,
proceder à fiscalização dos atos legislativos e regulamentares dos Estados-membros.
Porém, o Tribunal de Justiça confirmou o seu propósito de limitar a fiscalização da
compatibilidade do direito nacional com a CEDH àquelas disposições que executam
normas comunitárias ou que estabelecem excepções às liberdades comunitárias, não
lhe cabendo sindicar a compatibilidade com a CEDH de uma lei nacional que se situa no
domínio da competência do legislador nacional.
A relevância da tutela dos Direitos Fundamentais na jurisprudência do Tribunal de
Justiça, como parte integrante dos princípios gerais de direito, cujo respeito é
assegurado quer pelo juiz comunitário, quer pelo juiz nacional, poderá ser entendido
como uma forma de recepção material.
Verifica-se, com efeito que as disposições relativas a Direitos Fundamentais, foram
integradas nas tradições constitucionais dos Estados-membros e desta forma, em
particular, a CEDH, foi recebida e incorporada na ordem jurídica comunitária como
parte integrante dos princípios gerais de direito. Assim, o juiz comunitário interpreta e
aplica os Direitos Fundamentais, de fonte nacional e convencional, segundo as regras e
os critérios próprios do direito comunitário. O juiz comunitário não se comprometeu
com uma qualificação jurídica de vigência dos Direitos Fundamentais no ordenamento
comunitário, mas, na sua jurisprudência constante sobre a relevância e o sentido dos
Direitos Fundamentais, aponta para a sua recepção material.
Num acórdão recente sobre matéria da concorrência no qual, estando em causa o
direito de não testemunhar contra si próprio, protegido pela presunção de inocência
prevista no art. 6º, nº 2, da CEDH, o Tribunal Geral concluiu que “não tem competência

10
No caso Van Duyn (Proc. 41/74, de 4 de Dezembro de 1974, Relatório do TJC, pág.1337) caracterizou-se
o direito de entrada e de residência dos nacionais no seu próprio Estado como um princípio de Direito
internacional.
11
Acórdão Rutili, Proc. 36/75, de 29 de Outubro de 1974, Relatório do TJC, pág. 1219.
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para apreciar a legalidade de um inquérito em matéria de direito da concorrência à luz
das disposições da CEDH, na medida em que estas não fazem parte, enquanto tais do
direito comunitário”, ressalvando, contudo e segundo a jurisprudência constante, que
os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo
respeito é assegurado pelo juiz comunitário”. Posição diferente seria adoptada hoje
dado que, por força do Tratado de Lisboa, a CEDH se tornou vinculativa.
Podemos afirmar que a promulgação da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia não acresce competências à UE em matéria de Direitos Fundamentais, nem
veio revelar novo património de valores comuns em que se funda a União, mas atribui
uma nova legitimidade à tutela destes direitos que, pela solidariedade da forma,
legitimidade democrática da elaboração, importância da codificação e sistematização e
pelo simbolismo inerente a um catalogo que visa exprimir os princípios e direitos,
constituem um pilar fundamental numa comunidade política.
O acervo jurisdicional de proteção dos Direitos Fundamentais europeu seja ou não
perfeito ou sequer correto e justo, constituí-se como um primeiro passo, para a tutela
dos Direitos Fundamentais dos cidadãos europeus e a salvaguarda contra violações da
sua esfera jurídica por parte das autoridades de detém prerrogativas de poder.
Porém, o casuísmo e a insegurança jurídica não se ajustam à defesa daquilo que é o
mais profundo da natureza humana: a dignidade do homem e os valores fundamentais
que daí decorrem.
Nesta matéria, deve caminhar-se para um aprofundamento progressivo de um
ordenamento jurídico autónomo, superior, que se quer coeso e uniforme, que não
desrespeite, na medida do possível, a soberania dos Estados, mas que,
inevitavelmente, acaba por restringir a liberdade de atuação estadual em domínios que
serão cada vez mais amplos e extensos.
Dessa forma, com a expressa consagração dos Direitos Fundamentais, como uma
verdadeira política comunitária, ao torna-la vinculativa, com o Tratado de Lisboa, as
instâncias com legitimidade política e competência institucional deram um passo em
frente para a proteção dos Direitos Fundamentais. Por outro lado, libertaram o TJUE de
uma posição de constrangimento, entre a escolha da aplicação da Carta ou da defesa
da integração europeia e resolvem, definitivamente, a questão da legitimidade do TJUE
quanto à tutela destes direitos.
A Carta deixa de ter um papel meramente simbólico-constituinte e passa a fixar
princípios teleológicos inerentes á União Europeia, traduzindo-os em Direitos
Fundamentais. Com a obrigatoriedade conquistada, a Carta dá um salto qualitativo,
afirmando que não se destina apenas a cristalizar e enunciar os direitos mas,
efectivamente, a garantir uma proteção adequada em face da esfera dos poderes
públicos europeus.
O carácter de universalidade, presente na Carta, demonstra que um dos seus
objectivos seria exactamente o de disseminar pelos cidadãos europeus o conhecimento
necessário para que possam exigir e garantir uma proteção efetiva dos seus direitos.
Neste sentido, vem responder à necessidade de divulgação e informação destes direitos
juntos dos seus destinatários.
Em suma, a Carta aproxima e divulga o catálogo de Direitos Fundamentais junto dos
cidadãos, reforçando a sua segurança jurídica.
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No preâmbulo da Carta podemos verificar, desde logo, a proclamação dos valores
comuns à União (a dignidade do ser humano, a liberdade, a igualdade, a solidariedade,
…), a afirmação de princípios fundamentais (princípio da democracia e do estado de
direito, princípio do respeito pelos direitos fundamentais do ser humano, principio da
subsidiariedade...), a promoção dos valores fundamentais (respeito pela diversidade
das culturas, tradições e identidade dos povos da Europa, desenvolvimento equilibrado
e sustentado da economia, progresso social, evolução tecnológica e científica), a
reafirmação da observância das tradições constitucionais dos Estados-membros, da
Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais, da Carta Social, bem como o respeito pela jurisprudência do TJUE e do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a submissão da Carta à sindicância do TJUE
e dos tribunais nacionais dos Estados-membros.
A Carta reúne, assim, um conjunto de direitos pessoais, como os direitos civis e
políticos, direitos dos cidadãos consagrados nos tratados e direitos económicos e sociais
fundamentais, aplicando, de forma clara, o princípio da universalidade e da
indivisibilidade dos direitos. Quanto á sua sistemática, não realiza a distinção, até
então estabelecida nos textos europeus internacionais, entre direitos civis e políticos de
um lado, e direitos económicos e sociais de outro, mas opta pela enumeração de todos
os direitos e liberdades de acordo com alguns fundamentos essenciais, como dignidade
humana, liberdades fundamentais, igualdade entre as pessoas, solidariedade, cidadania
e justiça. Estando, no fundo, sistematizada em torno de bens jurídicos essenciais como
os mencionados anteriormente.
Desta forma e pela primeira vez, todos os direitos que se encontravam dispersos por
diversos instrumentos legislativos, como legislação nacional e convenções
internacionais do Conselho da Europa, das Nações Unidas e da Organização
Internacional do Trabalho, entre outros citados, foram reunidos num único documento.
Conferindo visibilidade e clareza aos Direitos Fundamentais, a Carta contribui para
desenvolver o conceito da União política, bem como para aprofundar um espaço
europeu de liberdade, segurança e justiça.
Para o futuro e relativamente à aplicação da Carta, importa conferir-lhe credibilidade e
apostar numa ampla divulgação do seu conteúdo, cumprindo, assim, um dos objectivos
do projecto, dar-lhe visibilidade. Por outro lado, os princípios consagrados na Carta
devem servir como critérios de orientação para o desenvolvimento das políticas da
União e como parâmetros para a actividade das instituições comunitárias.
Destacamos algumas iniciativas recentes que reportamos como um avanço na proteção
dos Direitos Fundamentais e na aplicação da Carta, em Setembro de 2002, foi criada
uma rede de peritos independentes, em matéria de direitos humanos, na sequência de
uma recomendação do Parlamento Europeu. Estes mesmos peritos apresentaram o seu
primeiro relatório sobre a situação dos Direitos Fundamentais na União Europeia e
respectivos Estados-membros em 31 de Março de 2003. O relatório apresenta uma
síntese dos relatórios nacionais elaborados por cada um dos peritos e contém
recomendações destinadas às instituições e aos Estados-membros. A rede foi
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financiada como acção preparatória
12
, com uma duração limitada a três anos que não
pode ser renovada.
Ainda em Fevereiro de 2007, foi criada a Agência dos Direitos Fundamentais da União
Europeia (FRA)
13
, com sede em Viena, cujo principal objectivo consiste em fornecer
informação, prestar assistência e disponibilizar competências às instituições
comunitárias e nacionais no domínio dos Direitos Fundamentais. A agência coordena a
sua acção, estabelecendo uma rede de cooperação com a sociedade civil, trocando
informações, partilhando conhecimentos e assegurando uma estreita colaboração entre
outras agências e as partes interessadas. Também estabelece relações institucionais ao
nível internacional, europeu e nacional, designadamente com o Conselho da Europa, a
organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), as agências
comunitárias competentes, as organizações governamentais e os órgãos públicos,
incluindo as instituições nacionais de defesa dos direitos humanos.
Procura-se assim uma análise dos principais problemas da cada Estado, permitindo que
a União possa, cada vez mais, agir em conformidade com a necessidade e o interesse
dos seus membros, procurando a efectividade das suas decisões e a aplicação coerente
de medidas no domínio dos Direitos Fundamentais.
Concluindo, a Carta reforça a segurança jurídica no que diz respeito à proteção dos
Direitos Fundamentais, proteção essa que até à data era apenas garantida pela
jurisprudência do Tribunal de Justiça e pelo artigo 6º do Tratado da União Europeia.
Por esta razão, não podemos, deixar de destacar o papel que a jurisprudência
desempenhou quanto à determinação rigorosa dos contornos jurídicos da Carta e para
a maturação de um sistema de proteção de Direitos Fundamentais. Este papel do
Tribunal é e era tão importante que a Carta se viria a tornar obrigatória mediante a sua
interpretação, como fonte integrada nos princípios gerais do direito comunitário. Nesse
sentido, a Carta estaria destinada a ser incorporada nos Tratados, mais cedo ou mais
tarde, o que acabou por se concretizar com o Tratado de Lisboa.
Numa altura em que as relações internacionais se pautam quer pela sua complexidade,
quer pela diversidade dos seus intervenientes e se caracterizam pela existência de
múltiplas ordens jurídicas que se interpenetram, resultando numa ordem normativa
dispersa e fragmentada, a consagração da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia adquire uma especial relevância.
Com a sua aplicação de forma vinculativa, terminou o debate sobre a sua
obrigatoriedade, restando, claro, que os Estados, os cidadãos e os magistrados devem
considerar o seu conteúdo como critério de decisão e de aplicação de todas as políticas
públicas.
Bibliografia:
Direito, Sérgio Saraiva (2002). A Carta dos Direitos Fundamentais e a sua relevância
para a Protecção dos Direitos Fundamentais na União Europeia. Lisboa: Universidade de
Lisboa

12
Em conformidade com o artigo 49º do Regulamento Financeiro (Regulamento nº1.605/2002 do
Conselho).
13
Pelo Regulamento 168/2007 do Conselho de 15 de Fevereiro que cria Agência dos Direitos Fundamentais
da União Europeia.
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Duarte, Maria Luísa (2000). "A União Europeia e os Direitos Fundamentais. Métodos de
protecção" in Studia Iuridica, nº4 Colóquio Portugal Brasil
Duarte, Maria Luísa, FERNANDES, Luís, Coutinho, Francisco Pereira (2011). 20 Anos de
Jurisprudência da União sobre Casos Portugueses. Colecção Biblioteca Diplomática do
MNE Série A. Lisboa. ISBN 978-989-8140-13-5
Gouveia, Jorge Bacelar (2009). Direito Internacional Público.
Machado, Jonatas (2010). Direito da União Europeia, Coimbra Editora. ISBN978-972-
32-1858-9
Miguel, Gorjão Henriques (2010). Direito da União, Coimbra: Almedina, 6ª edição. ISBN
978-972-40-4386-9
Miguel, Gorjão Henriques (2008). Tratado de Lisboa. Coimbra: Almedina. ISBN 978-
972-40-3395-2
Mota de Campos, J (2007). Manual de Direito Comunitário- O Sistema Jurisdicional.
Coimbra Editora, 5ª edição. ISBN978-972-32-1484-0
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Público. Almedina, 3ª Edição
Silveira, Alexandra (2009). Tratado de Lisboa - Versão Consolidada. Lisboa: Quid Iuris,
2ª edição. ISBN 978-972-72-4496-6
Steiner, Josephine e Woods, Lorna (2009). EU LAW. Oxford: Oxford University Press,
10ªEdição. ISBN 978-019-92-10907-0
Como citar esta Nota
Crisóstomo, Cristina (2011). "
A Tutela da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia – O papel do Tribunal de Justiça da União Europeia"
. Notas e Reflexões,
JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 2, Outono 2011. Consultado
[online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n2_not3
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ANEXO
O Tribunal de Justiça da União Europeia
Tem origem a 10 de Dezembro de 1952 com a instituição do Tribunal de Justiça da
CECA, no Luxemburgo. Através do Tratado de Paris em 1951, posteriormente,
adoptado pelos Tratados de Roma em 1957, foi criado o Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias, a fim de garantir uma aplicação fiel e homogénea do direito
comunitário por parte dos seus Estados-membros.
Com a criação das comunidades nasceu um novo direito, autónomo, destinado a
regular as relações não somente entre os Estados membro, como ainda, entre as suas
instituições, empresas e os próprios cidadãos.
Desde a criação, em 1952, o Tribunal de Justiça da União Europeia encerra em si a
função jurisdicional administrativa, internacional, constitucional, laboral, cível, fiscal e
aduaneira, é a jurisdição responsável pela interpretação e aplicação uniformes do
direito comunitário. O TJUE colabora com as autoridades judiciárias nos Estados-
membros com vista a assegurar a aplicação uniforme do direito comunitário, actuando
como intérprete o responsável supremo do ordenamento jurídico comunitário. No
âmbito das suas competências contenciosas, sejam elas resultantes ou não dos
Tratados, dirime litígios entre instituições, órgãos ou organismos da UE, entre Estados-
membros, entre Estados- membros e instituições, entre órgãos ou organismos da UE e
entre particulares e instituições da União.
O Tribunal de Justiça constitui assim a autoridade judiciária da União Europeia e sua
missão consiste em garantir “ o respeito do direito na interpretação e aplicação” dos
Tratados, em colaboração com os órgãos jurisdicionais dos Estados membros.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, é composto por três jurisdições: O Tribunal de
Justiça, o Tribunal Geral (criado em 1988) e o Tribunal da Função Pública (criado em
2004).
O Tribunal de Justiça é composto por 27 juízes e 8 advogados gerais. Os juízes e os
advogados gerais são designados de comum acordo pelos governos dos Estados-
membros, após consulta de um comité encarregado de dar parecer sobre a adequação
dos candidatos propostos ao exercício das funções em causa. Os seus mandatos são de
seis anos, renováveis. São escolhidos de entre pessoas que ofereçam todas as
garantias de independência e possuam a capacidade requerida para o exercício, nos
respectivos países, de altas funções jurisdicionais e que tenham reconhecida
competência.
Os juízes do Tribunal de Justiça elegem de entre si o presidente por um período de três
anos, renovável. O presidente dirige os trabalhos do Tribunal de Justiça e preside às
audiências e deliberações das maiores formações de julgamento.
Os advogados gerais assistem o Tribunal. Cabe-lhes apresentar publicamente, com
toda a imparcialidade e independência, pareceres jurídicos, denominados “conclusões”,
nos processos para os quais tenham sido nomeados.
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O tribunal de Justiça pode funcionar em Tribunal Pleno, em Grande Secção (13 juízes)
ou em secções de cinco ou de três juízes.
Ao Tribunal Pleno compete apreciar situações particulares previstas pelo Estatuto do
Tribunal de Justiça ( designadamente quando deve declarar a demissão do Provedor de
Justiça Europeu ou ordenar a demissão compulsiva de um comissário europeu que
tenha deixado de cumprir os deveres que lhe incumbem) e quando considerar que uma
causa reveste excepcional importância.
Reúne-se em Grande Secção sempre que um Estado-membro ou uma instituição que
seja parte na instância o solicite, bem como em processos particularmente complexos
ou importantes.
Os outros processos são apreciados em secções de cinco ou três juízes.
O Tribunal Geral é composto por, pelo menos, um juiz por Estado membro (27 em
2007). Os juízes são nomeados de comum acordo pelos governos dos Estados-
membros, após consulta de um comité encarregado de dar parecer sobre a adequação
dos candidatos. Os seus mandatos são de seis anos, renováveis. Designam de entre si,
por um período de três anos, o presidente do Tribunal. Nomeiam um secretário para
um mandato de seis anos.
Os juízes exercem as suas funções com toda a imparcialidade e independência.
Contrariamente ao Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral não dispõe de advogados gerais
permanentes. Essa função pode, no entanto, ser excepcionalmente confiada a um juiz.
O Tribunal Geral funciona em secções compostas por cinco ou três juízes ou, em certos
casos, com juiz singular. Pode igualmente funcionar em Grande secção (treze juízes) ou
em Tribunal Pleno, quando a complexidade jurídica ou a importância do processo o
justifiquem. Mais de 80% dos processos submetidos à apreciação do Tribunal Geral são
julgados por secções de três juízes.
O Tribunal Geral é competente para conhecer: das ações e recursos interpostos pelas
pessoas singulares ou colectivas contra os atos das instituições e dos órgãos e
organismos da União Europeia de que seja destinatários ou que lhes digam diretamente
e individualmente respeito) bem como contra os atos regulamentares (que lhes digam
diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução) ou ainda contra uma
abstenção destas instituições, órgãos e organismos. Trata-se, por exemplo, do recurso
interposto por uma empresa contra uma decisão da Comissão que lhe aplica uma
coima; dos recursos interpostos pelos Estados-membros contra a Comissão, ou, dos
recursos interpostos pelos Estados-membros contra o Conselho em relação a atos
adoptados no domínio dos auxílios de Estado, às medidas de defesa comercial e aos
atos através dos quais o Conselho exerce competências de execução
O Tribunal da Função Pública da União Europeia é composto por sete juízes nomeados
pelo Conselho, por um período de seis anos renovável, após convite para a
apresentação de candidaturas e parecer de um comité composto por personalidades
escolhidas de entre antigos membros do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral e
juristas de reconhecida competência.
Ao nomear os juízes, o Conselho deve garantir que a composição do Tribunal da Função
Pública seja equilibrada e assente na mais ampla base geográfica possível de cidadãos
dos Estados membro e dos regimes jurídicos nacionais representados.
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Os juízes do Tribunal da Função Pública designam entre si, por um período de três anos
renovável, o respectivo presidente.
O Tribunal da função Pública reúne em secções de três juízes. Todavia, quando a
dificuldade ou a importância das questões de direito o justifiquem, um processo pode
ser remetido ao Tribunal Pleno. Além disso, em certos casos e à luz do seu
regulamento de Processo, o Tribunal pode decidir em Secções de cinco juízes ou como
juiz singular. Os juízes nomeiam um secretário por um mandato de seis anos.
A título contencioso o Tribunal da Função Pública é, no âmbito da instituição
jurisdicional da União, a jurisdição especializada no domínio do contencioso da função
publica da União Europeia, competência anteriormente exercida pelo Tribunal da Justiça
e, a partir da sua criação em 1989, pelo Tribunal de Primeira Instância. É competente
para conhecer, em primeira instância, dos litígios entre as Comunidades e os seus
agentes, por força do disposto no artigo 270º do TFUE. Estes litígios têm por objecto
não só questões relativas às relações laborais propriamente ditas (remuneração,
evolução de carreira, recrutamento, medidas disciplinares, etc...) mas, igualmente, ao
regime de segurança social (doença, reforma, invalidez, acidentes de trabalho, abonos
de família, etc...). Dispõe ainda de competência para os litígios entre qualquer órgão ou
organismo e o seu pessoal, para os quais a competência é atribuída ao Tribunal de
Justiça da União Europeia ( por exemplo os litígios entre Europol, o Instituto de
Harmonização do Mercado Interno (IHMI) ou o Banco Europeu de Investimento e os
respectivos agentes). Em contrapartida, não tem competência para conhecer dos
litígios que opõem as administrações nacionais aos respectivos agentes.
No que toca aos mecanismos contenciosos, a acção de incumprimento visa fiscalizar o
cumprimento pelos Estados-membro das obrigações que lhes incumbem por força do
direito da União. O recurso ao Tribunal de Justiça é precedido de um procedimento
prévio desencadeado pela Comissão e que consiste em dar ao Estado-membro a
possibilidade de responder às imputações que lhe são feitas. Se tal procedimento não
levar o Estado a pôr termo ao incumprimento, pode ser intentada no Tribunal de Justiça
uma acção por violação do direito da União
Essa acção pode ser intentada pela Comissão (é, na prática, o caso mais frequente) ou
por um Estado-membro. Se o Tribunal de Justiça declarar o incumprimento, o Estado
em causa terá de lhe pôr termo sem demora. Se, após a propositura de nova acção
pela Comissão, o Tribunal de Justiça declarar que o Estado-membro em causa não deu
cumprimento ao seu acórdão, pode condená-lo no pagamento de um montante fixo ou
numa sanção pecuniária compulsória. Todavia, em caso de não comunicação das
medidas de transposição de uma directiva à Comissão, o Tribunal de Justiça pode, sob
proposta desta última, aplicar uma sanção pecuniária ao Estado membro em causa,
logo na fase do primeiro acórdão de incumprimento.
Outro mecanismo importante é o recurso de anulação, através deste tipo de recurso, o
recorrente pede a anulação de um acto de uma instituição de um órgão ou de um
organismo da União (designadamente um regulamento, uma directiva, uma decisão)
por estarem feridos de irregularidades face ao direito comunitário. Tem como principal
objectivo eliminar da ordem jurídica comunitária actos viciados. Ainda no que toca à
fiscalização da legalidade comunitária, a acção de omissão permite fiscalizar a
legalidade da inação das instituições, de um órgão ou de um organismo da União. Este
tipo de acção só pode, porém, ser intentada depois de um procedimento de pré-
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contencioso, sendo a instituição em causa convidada a agir. Quando a legalidade da
omissão for declarada, compete à instituição visada por termo ao incumprimento
através de medidas adequadas.
No que concerne à reapreciação das decisões, pode ser interposto no Tribunal de
Justiça um recurso, limitado às questões de direito, dos acórdãos e despachos do
Tribunal Geral. Se o recurso for admissível e procedente, o Tribunal de Justiça anula a
decisão do Tribunal Geral. Caso o processo esteja em condições de ser julgado, o
Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio. Caso contrário, deve remeter
o processo ao Tribunal Geral, que fica vinculado pela decisão proferida sobre o recurso.
Outro mecanismo de reapreciação permite que as decisões do Tribunal Geral sobre os
recursos interpostos das decisões do Tribunal da Função Pública da União Europeia
possam ser rapreciadas a título excepcional pelo Tribunal de Justiça, nas condições
previstas no Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de justiça da união Europeia.
Finalmente o TJUE exerce competência consultiva sob a forma de pareceres sobre
compatibilidade dos Tratados internacionais com o Direito Comunitário, art. 218º do
Tratado de Lisboa
O Tribunal de Justiça, desenvolve ainda uma acção de cooperação judiciária, no âmbito
do reenvio a título prejudicial, trabalhando em colaboração com todos os órgãos
jurisdicionais dos Estados- membros.
Para garantir uma aplicação efectiva e homogénea da legislação da União e evitar
interpretações divergentes, os juízes nacionais podem, e por vezes devem, dirigir-se ao
Tribunal de Justiça a fim de solicitar esclarecimentos sobre a interpretação do direito da
União, permitindo-lhes ainda verificar a conformidade da respectiva legislação nacional.
O pedido de decisão prejudicial pode igualmente ter como finalidade a fiscalização da
legalidade de um acto de direito da União.
O Tribunal de Justiça responde mediante acórdão ou despacho fundamentado e o
tribunal nacional destinatário fica vinculado pela interpretaçãoo dada. O acórdão do
Tribunal de Justiça vincula também os outros órgãos jurisdicionais nacionais a que seja
submetido um problema idêntico.
É também no âmbito do processo de reenvio prejudicial que qualquer cidadão europeu
pode solicitar que sejam esclarecidas as regras da União que lhe dizem respeito. De
facto, embora o processo de reenvio prejudicial só possa ser desencadeado por um
órgão jurisdicional nacional, as partes já presentes nos órgãos jurisdicionais nacionais,
os Estados membros e as instituições da União podem participar no processo perante o
Tribunal de Justiça. Foi deste modo que alguns grandes princípios do direito da União
foram enunciados a partir de questões prejudiciais, designadamente, a jurisprudência
do desenvolvimento da tutela dos direitos plasmados na Carta Europeia dos Direitos do
Homem.
Como citar esta Nota
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Europeia – O papel do Tribunal de Justiça da União Europeia". Notas e Reflexões,
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