OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 2 (Outono 2011), pp. 141-143

Notas e Reflexões

A COOPERAÇÃO EUROPA/ÁFRICA

Hermínio Esteves

email: hcesteves@gmail.com

Licenciado em Ciências Históricas pela Universidade Livre de Lisboa, Mestre em Relações Internacionais pelo ISCSP/UTL.

Doutorando pela Universidade Autónoma de Lisboa na área da História Colonial. Docente da Universidade Autónoma de Lisboa.

Quando falamos de cooperação, no âmbito da Economia e da Sociologia, consideramos uma forma de colaboração entre indivíduos ou organizações visando alcançar objectivos comuns segundo regras ou métodos consensuais. A cooperação pode, também, resultar numa forma de colaboração entre Estados que procuram atingir determinados resultados em estreita colaboração, minimizando os custos, esforços e meios que cada um teria que despender.

No século XX, e no âmbito das relações entre as potências coloniais e as suas colónias, desenvolveram-se mecanismos de cooperação que vieram a envolver os Estados africanos e a Comunidade Europeia, visando em primeiro lugar manter as relações tradicionais entre os primeiros e os segundos sem deixar de cumprir as obrigações que estavam implícitas na condição de membros desta organização.

Para muitos países africanos, a cooperação representava, eventualmente, a única saída para a resolução de muitos dos seus problemas, quer fossem de cariz económico, social, cultural ou de outro tipo.

Todavia, a cooperação para e com o continente africano, não surgiu apenas no âmbito da CEE. Na viragem para a década de 50, procurou-se pôr de pé um projecto de cooperação que contou com a participação de Portugal, da Grã-Bretanha, Bélgica, França, Rodésia do Sul e África do Sul.

Em 7 e 8 de Setembro de 1949 teve lugar em Londres uma Conferência que visava a criação da Comissão de Cooperação Técnica em África ao sul do Saara. Para representar Portugal, o Ministério das Colónias nomeou o Capitão de Fragata M. M. Sarmento Rodrigues, professor da Escola Superior Colonial. “Em 2 de Setembro foi-me dado conhecimento da minha nomeação como representante do Ministério das Colónias a uma conferência que se devia realizar em Londres, em 7 e 8 de Setembro, a convite do Governo do Reino Unido, para a criação de um comité intergovernamental destinado a coordenar a cooperação técnica entre os países a seguir indicados, França, Portugal, Reino Unido, Rodésia do Sul e União da África do Sul” (Actas da CCTA, Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros). A sua constituição, datada de 1950, visava dotá- la de capacidade jurídica e política na ordem internacional através duma Convenção

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que viria a ser discutida ao longo das diversas sessões que decorreram nos anos imediatos.

No sentido de se dotar a organização dos mecanismos necessários ao seu funcionamento, realizaram-se diversas sessões tendo como anfitriões os diferentes países membros. Assim, viria a ter lugar em Lisboa, com início a 25 de Junho de 1953, a 8ª Sessão da “Comissão de Cooperação Técnica na África ao Sul do Saara” (CCTA), em que participarão além dos delegados portugueses, representantes da Bélgica, França, Grã-Bretanha, Rodésia do Sul e União Sul-Africana, a qual se espera revista de grande e merecido relevo” (Arquivo do MNE, 2º Piso, Armário 17, Maço 25).

A 18 de Janeiro de 1954 foi assinado o acordo que criava a CCTA. A 24 de Dezembro de 1954, em Londres, procedeu-se à ratificação da CCTA pelos seguintes países: África do Sul, Federação da Rodésia e Niassalândia e Grã-Bretanha. Por parte de Portugal, esse acordo foi aprovado, para ratificação, por resolução da Assembleia Nacional de 23 de Abril de 1954 e promulgado pelo Presidente da República, em 1 de Maio último (Diário do Governo, I Série, de 1 de Maio de 1954).

O funcionamento da CCTA assentava numa base jurídica definida ao longo das diversas sessões, ficando assim definido:

O Artigo I estabelecia que a criação da “Comissão de Cooperação Técnica em África ao sul do Saara (adiante designada por «Comissão»), que será assistida pelo Conselho Científico da África ao sul do Saara, e sob cuja égide funcionarão os seguintes organismos: a Repartição Interafricana de Doenças Epizóticas, e a Repartição Interafricana da Tsé-Tsé e dos Tripanossomíases, a Repartição Interafricana dos Solos e da Economia Rural, o Instituto Interafricano do Trabalho, o Serviço Pedológico Interafricano, bem como outros organismos de cooperação em África ao sul do Saara que a Comissão eventualmente designar.”

A Comissão seria composta pelos Governos signatários ou «Governos Membros». Cada Governo podia nomear, para o representar, um delegado e o número de suplentes e de conselheiros que entendesse necessário (Artigo II).

A Comissão não possuía poderes executivos e não tomava quaisquer decisões por maioria. As “Recomendações” que apresentava deviam ser adoptadas por unanimidade de todos os governos membros.

Dada a crescente actividade deste organismo e de acordo com uma “Recomendação” aprovada na 5ª Sessão, realizada em Cape Town, em Janeiro de 1952, a CCTA viria a ser dotada de um Secretariado Permanente. O Secretariado Geral era dirigido por um Secretário Geral, coadjuvado por um Secretário Adjunto, sendo as despesas do Secretariado divididas em proporções variáveis, entre os governos membros.

A fim de manter a ligação com o Secretariado, cada Governo Membro nomeava um agente, que normalmente assegurava as ligações entre o Governo e o Secretariado (Artigo III).

A competência territorial da Comissão abrange todas as regiões da África continental e insular pelas quais os Governos Membros sejam repensáveis, situadas a sul de uma linha que, partindo do oceano Atlântico, se estende ao longo do paralelo 20º norte até

àfronteira nordeste da África Equatorial Francesa, e daí segue as fronteiras nordeste e este da África Equatorial Francesa, a fronteira nordeste do Congo Belga, as fronteiras

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setentrionais dos territórios da Uganda e do Quénia e a fronteira oriental deste último até ao oceano Índico.

Entre as actividades promovidas pela CCTA, contam-se a realização de várias conferências intra-africanas que recomendaram a criação de “Bureaux” comuns de informação técnica.

Quatro desses “Bureaux” foram assim estabelecidos:

-Bureau Inter-Africano das Doenças Epizóoticas (IBED);

-Bureau Inter-Africano dos Solos (BIS);

-Bureau Permanente Inter-Africano da Tsé-Tsé e Tripanosomíase (BPITT)

-Instituo Inter-Africano do Trabalho (ILI).

Por proposta do Governo Português viria a criar-se um “Bureau Inter-Africano de Estatística”, e também ao alargamento das actividades do BPITT a outras doenças tropicais, vindo assim de encontro também a uma sugestão portuguesa da sua substituição por um “Bureau Sanitário”, de forma a englobar todas as doenças que afectavam as populações africanas.

Cada Estado membro participava nas despesas de funcionamento da CCTA de acordo com as suas capacidades financeiras. Dadas as tradicionais dificuldades económicas do Estado português, verificou-se sempre a preocupação de que a nossa participação se situasse dentro das nossas capacidades, ou dos parâmetros estabelecidos pelo Governo de Lisboa.

Este modelo de cooperação teria beneficiado significativamente a África subsariana, se a marcha da História não tivesse alterado as relações entre as potências coloniais europeias e as suas colónias africanas, ditadas pelo movimento das independências, iniciado em 1957, quando a colónia britânica do Costa do Ouro se tornou no Ghana independente. A febre independentista que varreu o continente africano durante a década de sessenta, viria a pôr um ponto final no colonialismo africano, substituindo apenas as colónias portuguesas durante pouco mais de uma década, até ao 25 de Abril de 1974. Em Maio de 1961 surge a República da África do Sul, consagrando a exclusão de todos os não brancos de toda a participação na vida política, com a implementação do apartheid e consequente isolamento político deste país no panorama internacional.

Como já foi referido, a cooperação Europa/África viria a ser retomada posteriormente, dando origem a uma política de cooperação decorrente das Convenções de Yaundé e de Lomé, política essa que envolvia igualmente os Estados das Caraíbas e Pacifico, os países ACP. Trata-se, todavia, duma forma diferente de cooperação. Podemos, por isso, interrogar-nos sobre o significado que a CCTA podia ter representado para a África subsariana.

Como citar esta Nota

Esteves, Hermínio (2011). "A Cooperação Europa/África". Notas e Reflexões, JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 2, Outono 2011. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n2_not2

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