OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 2 (Outono 2011), pp. 135-140

Notas e Reflexões

BRICS: BRASIL, POTÊNCIA EMERGENTE

Nancy Elena Ferreira Gomes

email: ngomes@ual.pt

Doutoranda em Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa, com Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Técnica de Lisboa.

Licenciada em Estudos Internacionais pela Universidade Central de Venezuela. Professora Auxiliar no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa, desde 1995.

Investigadora integrada do OBSERVARE. Desempenhou funções de Consultoria e Gestão de bolsas na Fundação Gulbenkian entre 2001 e 2007.

Com mais de 150 participantes da Europa e América Latina, realizou-se nos dias 7 e 8 de Abril de 2011, o Simpósio Internacional "Os BRICs: Brasil, potência emergente". O evento teve lugar no Centro de Estudos Brasileiros, em Salamanca, Espanha, e foi organizado também pelo Instituto Ibero-Americano (Universidade de Salamanca) e o Instituto de Latino-América (Academia de Ciências, Rússia), no âmbito da rede do Conselho Europeu de Investigações Sociais sobre América Latina (CEISAL: que reúne 50 instituições Europeias de estudos Latino-Americanos).

Neste encontro debateu-se o papel do Brasil no contexto político e económico internacional, sob diversas perspectivas e em relação a uma grande variedade de temas. Seguem algumas conclusões e notas complementares:

1.A economia Brasileira cresceu 7.5% em 2010, e segundo as projecções mais recentes, nos próximos cinco anos o país deverá crescer a uma taxa anual próxima de 5%. Mas os indicadores económicos não correspondem necessariamente com os indicadores sociais no sentido do desenvolvimento. Apesar de, nos últimos 10 anos, ter reduzido a sua percentagem de pobreza de 38% para 25% – segundo as estatísticas apresentadas pela CEPAL – o Brasil continua a padecer de sérios problemas como a desigualdade social.

No seu relatório sobre Desenvolvimento Humano para a América Latina e Caribe (2010) o Brasil aparece colocado na posição 73 dos 169 países cujos dados disponíveis relativos à saúde, educação e renda, permitiram elaborar o quadro comparativo

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apresentado pelo PNUD.1 O Brasil enfrenta ainda o sério desafio da violência interna: o Instituto para a Economia e Paz, que publica anualmente um Índice Global de Paz (IGP), medindo indicadores de segurança e violência no mundo, coloca o Brasil (2011) em 74º lugar num ranking de 153 países (os primeiros do ranking são considerados os países mais pacíficos).2

2.O Brasil aparece hoje na cena internacional cada vez mais consciente do seu potencial de poder e dos seus interesses. Entre os objectivos da sua politica externa encontramos: mudar a estrutura da Governança Mundial (sobretudo aos níveis politico e económico), e participar nos centros mundiais de decisão politica.

O Atlântico Sul – onde se localiza a grande reserva petrolífera do pré-sal – e a Amazónia – com fronteiras porosas para o narcotráfico – surgem como grandes prioridades na agenda de segurança do Brasil. Assim, entre os objectivos da Politica Externa Brasileira encontramos a consolidação do Atlântico Sul como Zona de Paz (Resolução 41/11 da AG ONU, de 27-10-1986) longe dos conflitos que se desenvolvem noutras partes do mundo e fora dos esquemas de defesa colectiva que actualmente existem, como a OTAN. De igual forma, ganha relevo – pela necessidade de vigiar a Amazónia e as suas fronteiras com 10 Estados vizinhos – a troca em matéria de segurança assim como o intercâmbio castrense, no âmbito do Comitê de Defesa Sul- Americano. Outros temas de grande importância na agenda de Política Externa Brasileira são: a Cooperação Sul – Sul e as novas Parcerias, como por exemplo, com vários países de África3. Com efeito, segundo o último Relatório de Cooperação Sul – Sul (2010) da SEGIB4, ao longo de 2009, os países Ibero-Americanos participaram em 881 projectos de Cooperação Horizontal Sul – Sul Bilateral. O Brasil, ao lado do México e da Argentina, tiveram participações superiores a 10%. Torna-se evidente também o grande investimento por parte do Brasil em África, pelo aumento do número de embaixadores em distintos países do continente para além do esforço (fundos) destinado à cooperação para o desenvolvimento. “Hoje o Brasil pode ser considerado como um novo país doador”5. Destacam-se outros temas como o das Migrações e a Integração Regional.

3.Quanto a integração regional, a UNASUL – visto mais como um prolongamento politico do MERCOSUL – tem vindo a ganhar prioridade entre os objectivos de politica externa do Estado Brasileiro. O Brasil promove assim aquilo que parece ser uma

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PNUD.

[Consultado

em

10-07-2011].

Disponível

em:

 

http://hdrstats.undp.org/es/paises/perfiles/BRA.html

2IEP. [Consultado em 10-07-2011]. Disponível em : http://www.economicsandpeace.org/WhatWeDo/GPI

3Mário Vilalva, Embaixador do Brasil em Portugal, na primeira reunião do Grupo de Trabalho sobre o

Brasil, que decorreu na sede do IDN, em Lisboa, em 26-04-2011.

4SEGIB. [Consultado em 6-06-2011]. Disponível em: http://segib.org/actividades/files/2010/12/Inf-coop- sul-sul-2010.pdf

5 ABC. [Consultado em 10 de Julho de 2011]. Disponível em: http://www.abc.gov.br/lerNoticia.asp?id_Noticia=606

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Integração sem ou com baixa institucionalidade que lhe permita agir com certa flexibilidade e de forma autónoma. A grande novidade neste campo de actuação é o investimento que tem vindo a fazer em prol da integração física.

A integração dos mercados seguindo o modelo europeu parece pouco viável numa região constituída por Estados cujos principais sócios estão fora (EUA ou a China). Do ponto de vista político, a persistência de certos nacionalismos também condiciona este tipo de projectos porque “a Integração pressupõe também a diluição de soberanias estatais”6. Mas é dentro da região, sobretudo na América do Sul, que para já os produtos manufacturados Brasileiros ganham uma relativa competitividade o que vai ao encontro do objectivo de projecção das indústrias nacionais. Existe pois uma visão consensual por parte de alguns sectores no Brasil, sobre a importância de revitalizar primeiro a sua relação com os seus vizinhos e a partir daí lançar-se para a plataforma global. Nesse sentido são já vários os projectos de infra-estrutura física em andamento. Há mais de 80 financiamentos Brasileiros dirigidos a projectos e obras de infra- estrutura na América do Sul, totalizando cerca de US$ 10 biliões em projectos já aprovados7.

4.Muito para além da relação de simpatia, manifesta publicamente, entre o Hugo Chávez e Lula da Silva, e agora com a Dilma Rousseff, há uma clara convergência ou conciliação “conveniente” entre o que parecem ser os interesses económicos e comerciais Brasileiros (que também são geoestratégicos) e os interesses político – ideológicos Venezuelanos traduzidos no apoio politico externo necessário para garantir o não isolamento do seu regime.

O desafio do Brasil, em relação à Venezuela, não vai certamente no sentido de evitar o contágio da “ideologia Bolivariana” porque na medida em que os países da região vão dando sinais positivos em aspectos como o fortalecimento das instituições democráticas, segurança jurídica para os investimentos estrangeiros, liberdade dos meios de comunicação, etc., o projecto político – ideológico de Hugo Chávez encontra sérias resistências8. Num dos cenários em prospectiva, criados pela Professora Venezuelana Elsa Cardozo, o governo de Hugo Chávez poderá radicalizar-se na mesma medida que as pressões internas a favor de mudanças aumentem (na Venezuela em 2010, as taxas de inflação chegaram a superar os 29%, existe uma escassez de produtos como a carne, açúcar e café e um alto grau de violência interna), o que poderá implicar uma radicalização na concepção e execução da sua agenda de segurança. Isto significa que assuntos como o conflito político com os EUA – e por

6Andrés Malamud, investigador do ICS, especialista convidado na mesa redonda “A América Latina frente

ao espelho da sua integração”, que decorreu na sede da UAL, no dia 27-05-2011.

7Mais informação em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/1.1.6-

america-do-sul-infraestrutura

8Sérgio Augusto de Abreu e Lima Florêncio Sobrinho analisam o potencial de expansão politica do modelo de Democracia Participativa, no livro coordenado por Arturo Oropeza Garcia “Latinoamerica frente al espejo de su Integración 1810-2010”, pp. 179-195.

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extensão com os países que na região são os seus claros aliados – e a guerra assimétrica irão ganhar ainda mais importância na lista das prioridades da agenda de segurança Venezuelana. Como consequência poderemos assistir a uma fragmentação ou enfraquecimento dos esquemas de cooperação de segurança e por fim da integração regional9. Assim o desafio do Brasil parece ser outro, até onde o Brasil poderá exercer o papel de “moderador” perante um cenário de conflitualidade e polarização como este.

5.A maioria dos especialistas alerta para o desafio que representa para uma potência revisionista e com vocação universal como o Brasil, diminuir a sua dependência da China e manter o crescimento económico.

Entre 2000 e 2010, as exportações do Brasil para a China aumentaram de US$ 1.1 bilião – 2% do total das exportações do Brasil – para US$ 30.8 biliões – 15% do total. Quanto as importações Brasileiras da China, estas cresceram de US$ 1,2 bilião – 2% do total – para U$ 25.6 biliões – 14% do total.10 A China converteu-se assim no principal parceiro do Brasil e um elemento de grande relevância para a manutenção do superavit Brasileiro11. Todavia, o grosso das exportações Brasileiras para a China está constituído fundamentalmente por commodities12, o que torna este tipo de parceria primária e insustentável a longo prazo. Mas esta relação de dependência, defendem alguns, também é recente e relativa se considerarmos que a colocação da China na posição de maior destino das exportações Brasileiras só foi alcançada em 2009, quando ultrapassou os Estados Unidos, e que o comércio com a China representa actualmente 1/5 das relações comerciais externas Brasileiras. O desafio principal, insiste-se, será mais o de não se deixar levar pelo entusiasmo da actual conjuntura.

6.Na mesma medida que a politica externa do Brasil se globaliza, as relações com os EUA e com a Europa deixam de ser prioritárias. O que leva a pensar a muitos analistas, na necessidade de rever o padrão de relacionamento entre estes países.

Cabe aqui uma reflexão de Alfredo Valladão onde refere que “… as relações Brasil – Europa não podem mais se contentar simplesmente de celebrar velhos laços culturais, reiterar valores comuns ou facilitar negócios. E, ainda menos, manter o padrão paternalista da ajuda ao desenvolvimento. Está na hora de começar a estabelecer uma interlocução mais madura, de igual para igual, baseada na promoção de interesses e

9Elsa Cardozo, Brasil y Colombia en la Agenda de Seguridad de Venezuela. Ildis. 2006 [Consultado em

11-07-2011]. Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/bueros/caracas/50461.pdf

10IPEA, As Relações Bilaterais Brasil – China: A Ascensão da China no sistema mundial e os desafios para o

Brasil.

[Consultado

em

28-06-2011].

Disponível

em:

http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/110408_estudochinaipeamre.pdf.

 

11O comércio com a China representou para o Brasil um superavit de US$4.600 milhões em 2009 (20% do superavit total).

12O padrão de exportações do Brasil para a China concentra-se fundamentalmente em dois produtos básicos, minerais de ferro não aglomerados e os seus concentrados e grãos de soja.

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objectivos compartidos”13. Assim temas como a Educação, o Comércio, o Tráfego Aéreo, a Pirataria, o Atlântico sul, a Energia, a Cooperação Naval, a Cooperação com África, as Missões de Paz e os Direitos Humanos, poderão vir a ser incluídos na agenda do actual relacionamento.

7.O Brasil não se poderá afirmar como potência global se não investir no poder militar.

Com efeito, segundo dados apresentados pelo SIPRI, o volume de gastos em defesa do Brasil (2010) está na ordem de 1.6% do PIB, por debaixo do investimento que nesta área realizam por exemplo, os EUA (4.8%), a Índia (2.7%) ou a China (2.1%)14. Ainda, os estudos comparados realizados nesta área, destacam que o Brasil, para além de investir pouco, está mal equipado e apresenta uma razão entre efectivos e equipamentos que torna ineficaz a força do país15. Nas suas considerações finais apresentadas durante o Simpósio, Júlio César Rodríguez afirma que “a ausência de capacidades materiais – militares do Brasil para configurar-se como líder regional e potência global afectam os objectivos de médio e longo prazo do país e que as alternativas ao desenvolvimento militar são poucas, sendo as principais: a aliança com os EUA, o abandono do protagonismo ou a percepção da digitalização como fonte de horizontalização de capacidades, a fim de gerar forças dissuasórias”16.

8.É fundamental a concertação de posições por parte dos países, quanto aos valores que deverão primar numa sociedade multipolar ou pluripolar17 como a de hoje. Neste sentido a promoção e defesa de certos valores como o Respeito pelos Direitos Humanos passam inexoravelmente pelo acordo dos principais países democráticos. Cabe aqui ao Brasil um papel importante a desempenhar como “Potência Emergente”.

O voto do Brasil a favor da nomeação de um relator especial para investigar a situação dos Direitos Humanos no Irão, durante a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no passado dia 24 de Março, poderá significar não só uma mudança da táctica da

13Alfredo Valladão, professor da Universidade Sciences Po-Paris, convidado a participar nos XVII Cursos Internacionais de Verão de Cascais (tema: “O Brasil e a Politica Internacional), organizados pelo IPRI, que teve lugar no Centro Cultural de Cascais, em 24-06-2010.

14SIPRI. [em linha]. [consultado em 6 de Junho de 2011]. Disponível em: http://www.sipri.org/research/armaments/milex/factsheet2010

15Eugénio Diniz, citado por Júlio César Cossio Rodríguez, durante a apresentação da comunicação “Brasil, Integração Regional e factores estratégicos algumas considerações”, no Simpósio “BRIC: Brasil potencia emergente”.

16Júlio César Cossio Rodriguez, investigador do ICS/UL, participante no Simpósio “BRIC: Brasil potencia emergente”, com a comunicação “Brasil, Integração Regional e factores estratégicos algumas considerações”.

17O professor espanhol Rafael Calduch Cervera define a polaridade de uma sociedade internacional como “a capacidade efectiva de um ou vários actores internacionais para adoptar decisões, comportamentos ou normas internacionais aceites pelos restantes actores e através das quais alcançam ou garantem uma posição hegemónica na hierarquia internacional”.

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“potência emergente” 18 mas um sinal positivo em prol da manutenção de uma ordem internacional que contemple estes mesmos valores.

Referências Bibliográficas

CALDUCH, Rafael Cervera (1991). Relaciones Internacionales. Madrid: Ediciones Ciências Sociales. ISBN 84-87510-25-6

CERVO, Amado Luiz (2001). Relações Internacionais de América Latina. Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. Brasil: Universidade de Brasília. ISBN 85-88270- 05-6.

GARCIA, Arturo Oropeza (2010). Latinoamerica frente al espejo de su integración. Cidade do México: MNE e UNAM Editores: 386 pp. ISBN 9786070036507 [em linha].

[Consultado em 11-07-2011]. Disponível em: http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/6/2923/15.pdf

Como citar esta Nota

Gomes, Nancy Elena Ferreira (2011). "BRICS: Brasil, potência emergente". Notas e Reflexões, JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 2, Outono 2011.

Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n2_not1

18Lembremos que durante a sua gestão, Lula da Silva defendeu sempre o programa nuclear do Irão e opôs-se às sanções internacionais contra esse país.

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