OBSERVARE

Universidade Autónoma de Lisboa

ISSN: 1647-7251

Vol. 2, n.º 2 (Outono 2011), pp. 104-118

A AVIC E O PROGRAMA DE INVESTIGAÇÃO

E DESENVOLVIMENTO DO J-20*

Alexandre Carriço

email: Manuel.Carrico@defesa.pt

Tenente-Coronel de Infantaria, Mestre em Relações Internacionais, Doutorando em Relações Internacionais com especialização em Estudos Asiáticos.

Assessor do Instituto da Defesa Nacional

Resumo

O fabrico de um caça de 5ª geração (J-20) por parte da China já era visto como uma inevitabilidade há mais de uma década, consubstanciando um salto qualitativo ao nível da investigação e desenvolvimento por parte do sector da aviação militar chinesa.

Este e outros saltos tecnológicos dados na última década pela indústria de aviação tanto civil como militar, foram resultado em grande parte de projectos nacionais de apoio ao desenvolvimento da educação, investigação e tecnologia bem como da transferência indirecta de tecnologia europeia, norte-americana, ucraniana, brasileira, israelita, e russa, bem como, e não menos importante, da reestruturação e reconversão do sector da indústria de defesa efectuada durante a década de noventa e a primeira metade da década do século vinte e um.

O presente artigo efectua uma análise geral ao processo de investigação e desenvolvimento do caça J-20.

*Este artigo não representa a perspectiva do Instituto da Defesa Nacional sobre o tema analisado, sendo da responsabilidade exclusiva do autor.

Palavras-chave

China; indústria de defesa; sector de aviação; defesa nacional; J-20

Como citar este artigo

Carriço, Alexandre (2011). "A AVIC e o programa de investigação e desenvolvimento do J- 20”. JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 2, N.º 2, Outono 2011. Consultado [online] em data da última consulta, observare.ual.pt/janus.net/pt_vol2_n2_art5

Artigo recebido em Junho de 2011 e aceite para publicação em Julho de 2011

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A AVIC e o programa de investigação e desenvolvimento do J-20

Alexandre Carriço

A AVIC E O PROGRAMA DE INVESTIGAÇÃO

E DESENVOLVIMENTO DO J-20*

Alexandre Carriço

Introdução

As fotografias oficiais divulgadas em 11 de Janeiro de 2011 do “primeiro voo” de teste do novo caça furtivo JXX (J-20) da Força Aérea do Exército Popular de Libertação (FAEPL) desencadearam uma profusão de análises e de reacções – umas mais cautelosas, outras mais alarmistas - ao nível dos diversos establishments e think tanks políticos e militares tanto asiáticos como norte-americanos sobre as implicações estratégicas regionais do fabrico e futura entrada ao serviço do J-20.

O timing do anúncio público e da divulgação das respectivas fotos não foi inocente (como nada o é quando tem a chancela oficial do Zhongnanhai), tendo sido feita uma natural correlação directa com a visita a Pequim por parte do Secretário da Defesa norte-americano Robert Gates, que decorreu entre 9 e 12 de Janeiro.1

Na realidade a forma como todo o processo se desenrolou levanta algumas questões curiosas para quem acompanha e monitoriza não apenas a imprensa oficial, como web sites, blogs e micro-blogs chineses genéricos ou dedicados a assuntos de defesa. Através do cruzamento sistemático desta informação, por vezes dispersa e algo incongruente, torna-se possível vislumbrar e delinear eventuais mecânicas operativas relativas à metodologia de divulgação do “voo experimental” do J-20 através da internet, com as primeiras fotos do protótipo em testes de pista no aeroporto militar de Chengdu a começarem a surgir a 22 de Dezembro de 2010, três semanas antes da visita de Robert Gates e o vídeo a ser disponibilizado no próprio dia do voo2, o que no que concerne ao progresso no programa de testes de caças de 5ª geração foi muito antes do que era expectável pela maioria dos especialistas ocidentais.

Independentemente destes desenvolvimentos, apenas surpreendentes para os menos atentos, o fabrico de um caça de 5ª geração por parte da China já era visto como uma inevitabilidade há mais de uma década, sendo reforçada por declarações recentes, como as do Tenente-General He Weirong3 que sugeriam um elevado grau de confiança

1É interessante notar que o voo de teste do J-20 a 11 de Janeiro foi efectuado exactamente três anos depois do primeiro teste anti-satélite e um ano depois do primeiro teste com um míssil anti-balístico por parte da China. Segundo alguns blogs militares chineses, o futuro Presidente da China, Xi Jinping (actualmente vice-Presidente da Comissão Militar Central) e Wu Bangguo (do Comité Permanente do Politburo) terão estado em Chengdu no dia 10 de Janeiro, mas devido às más condições meteorológicas

o teste de voo foi adiado para o dia seguinte.

2Através do site http://www.56.com

3Por exemplo, em Novembro de 2009, o vice-Chefe de Estado-Maior da Força Aérea do Exército Popular de Libertação, Tenente-General He Weirong, afirmou numa entrevista à cadeia televisiva estatal CCTV que a quarta geração de caças chineses (quinta em termos ocidentais) iria em breve entrar em fase de testes, podendo estar ao serviço dentro de oito a dez anos (Sweetman, 2011). Entenda-se por entrada ao serviço ter pelo menos um Regimento equipado com este avião e tripulações que já completaram o treino básico no mesmo.

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do Exército Popular de Libertação (EPL) nos avanços entretanto alcançados neste projecto.

Estes assinaláveis saltos tecnológicos dados na última década pela indústria de aviação chinesa tanto civil4 como militar, foram resultado em grande parte de projectos nacionais de apoio ao desenvolvimento da educação, investigação e tecnologia (Programa 8635, Programa 9736, Projecto 5117 e Projecto 2118) bem como da transferência indirecta de tecnologia europeia (através da aquisição de aviões comerciais da Airbus), norte-americana (aquisição de aviões da Boeing), ucraniana (parceria com a Antonov), brasileira (aviões da Embraer), israelita (o caça J-10 foi desenvolvido com base no caça Lavi, o qual tem muita tecnologia norte-americana oriunda do F-16) e russa (acordos de co-produção dos caças Su-27, de importação de Su-30 e de aviões de transporte Il-76) (Tsai, 2003: 158-162), bem como, e não menos importante, da reestruturação e reconversão do sector da indústria de defesa da China (Stratfor, 2011).9

Mesmo assim, ainda existem obstáculos tecnológicos de monta para os engenheiros aeronáuticos chineses, particularmente ao nível dos motores, bastando para tal atendermos ao facto de os caças J-10 e J-11 (versão chinesa do Su-27 mas com licença de co-produção) serem equipados na sua esmagadora maioria respectivamente com motores Lyulka-Saturn AL-31F e AL-31-117S, de fabrico russo.

Por outro lado, e sabendo-se que a tecnologia stealth (furtiva) é mais difícil de desenvolver eficazmente, nomeadamente ao nível das emissões térmicas dos motores, essenciais para a não detecção das aeronaves tanto por radar como por sensores de infra-vermelhos, este poderá ser um dos vários grandes desafios que os engenheiros da Chengdu Aircraft Industry Corporation (CAIC) continuarão a enfrentar.

Não obstante estas dificuldades, os progressos chineses nesta área têm sido notáveis, de tal forma que conjuntamente com o modelo russo Sukhoi PAK FA ou T-50 - também em fase de testes e com a entrada ao serviço prevista entre 2015 e 2017 – contribuem para que a China e a Rússia alimentem a crescente pressão do complexo industrial norte-americano (via Lockheed Martin, Boeing e Pratt & Whitney) no sentido de o Departamento de Defesa não se limitar a adquirir “apenas” 187 caças furtivos F-22 Raptor, mas que reforce também o financiamento relativo à aquisição do F-35 (Hartung, 2010).

4Está em fase de testes o avião comercial de fabrico totalmente chinês o ARJ21-700 (construído pela AVIC), cujo protótipo inicial foi mostrado ao público em Novembro de 2010 aquando do festival e

exposição aeronáutica de Zuhai (Deng, 2011).

5Este Plano visa o desenvolvimento de novas tecnologias através da cooperação civil-militar. É gerido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, sendo uma resposta chinesa ao programa Strategic Defense Initiative

norte-americano e ao Eureka da União Europeia (Feigenbaum, 2003: 160-170).

6Programa Nacional de Investigação.

7Programa da Comissão para a Ciência, Tecnologia e Indústria de Defesa Nacional (COCTIDN) para

formação e treino de quadros de investigadores para a I&D no âmbito da defesa.

8Programa do Ministério da Educação destinado a aperfeiçoar a qualidade de ensino e de investigação em

cem universidades chinesas.

9O governo chinês anunciou em 24 de Fevereiro de 2011 que irá investir nos próximos cinco anos 227.3 mil milhões de dólares no sector da aviação onde se insere a expansão da frota de aviões comerciais dos actuais 2600 para 4500 em 2015 (Stratfor, 2011a). Aquando da visita da Presidente Dilma Rouseff a Pequim em Abril de 2011, foi assinado um acordo de aquisição de 35 aviões E190 da Embraer e de co- produção do modelo Legacy 600 entre a Embraer e a AVIC (Stratfor, 2011b).

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O presente artigo efectua uma análise geral ao processo de investigação e desenvolvimento do caça J-20, elencando alguns desafios futuros relativos à sua produção.

Considerações sobre o processo de Investigação e Desenvolvimento do J-20

O processo de investigação e desenvolvimento (I&D) do J-20 (cuja denominação oficial ainda não foi divulgada) iniciou-se há pouco mais de duas décadas (1989) na AVIC, mais concretamente num das suas subsidiárias: a Chengdu Aircraft Industry Corporation (Fischer, 2011: 54). Em 2001, documentos da empresa, já analisavam as vantagens aerodinâmicas das configurações de asas fixas e em delta ainda que projectadas a partir da base ventral da fuselagem e não lateral como a apresentada pelo J-20 (Fischer, 2010).

Nestes documentos, e segundo alguns especialistas, são claras as similaridades com o malogrado design soviético do MiG 1.42, sendo possível que a Rússia tenha providenciado estes planos, ao abrigo da cooperação militar bilateral existente, ainda que Moscovo inicialmente tenha recusado participar num programa de desenvolvimento conjunto do MiG 1.42 (Dzouza, 2011a e Tsai, 2003: 171). Se tal aconteceu, e de forma a sossegar os sectores mais conservadores do complexo militar-industrial russo - que vêem com desconfiança o aprofundamento desta cooperação, e pretendem salvaguardar a competitividade e o valor acrescentado de empresas estatais como a Sukhoi - poderemos extrapolar uma possível justificação para a decisão do Kremlin em ceder os planos parciais do MiG 1.42 porque já tinha optado por avançar com o desenvolvimento do mais sofisticado Sukhoi T-50.

Étambém possível que a CAIC tenha tido algum apoio de engenharia da sua rival estatal a Shenyang Aircraft Corporation (SAC), que no início da década também estava a desenvolver um projecto similar (J-9) e que em 2007 por decisão política, razões de economia de escala e de gestão de recursos poderá ter suspendido este programa (de nome 2-03) e transferido o know-how para a CAIC e autorizando o início da produção dos primeiros protótipos.10 Com efeito, a SAC possui uma melhor experiência acumulada no design e construção de caças com dois motores, como a família J-11 (versão chinesa do Su-27) que produz sob licença russa, ainda que tenha tido problemas quanto aos motores como analisaremos mais à frente.

Crê-se que o protótipo do J-20 cujas imagens do “primeiro voo” foram tão divulgadas e mediatizadas, seja o primeiro de uma série de protótipos (estão confirmados dois mas deve existir um terceiro11) que serão fabricados, sendo possível que a versão final para produção venha a ter algumas diferenças marcantes relativas a este primeiro modelo.12 Não é crível que o J-20 seja um “demonstrador de tecnologia” como alguns comentadores afirmaram, dada a importância operacional que a entrada ao serviço deste modelo de avião poderá vir a ter na consolidação da estratégia chinesa de

10Dedução do autor a partir de uma conversa com um oficial superior da Força Aérea do EPL aquando de uma visita a Shenyang em Novembro de 2007. Cf. (Fischer, 2011: 54).

11Ao abrigo da estratégia de “três movimentos num jogo de xadrez” (Sanbuqi) que estabelece que devem ser construídos três protótipos de cada modelo para um dos três ciclos de I&D: investigação preliminar; desenvolvimento de design, teste, revisão e finalização do design; e produção inicial (Stokes, 2009: 10).

12Ao contrário dos protótipos de outros caças chineses que são pintados de cor amarela, os do J-20 apresentaram-se com uma pintura verde.

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negação do acesso a forças norte-americanas às áreas marítimas e ao espaço aéreo associado à primeira cadeia de ilhas do Pacífico (Thompson, 2011).

As características tecnológicas e aviónicas específicas do J-20 são desconhecidas, ainda que sejam avançadas algumas indicações gerais (s.a., 2011a). O facto de um dos dois protótipos ter dois motores FWS-10 (possivelmente substituídos no futuro pelo motor WS-15 ou equivalente) sugere que terá um grande raio de acção (cerca de 1200 km) e uma razoável capacidade de transporte de bombas e mísseis dada as suas dimensões sugeridas por alguns especialistas através da comparação das fotos publicadas face a um camião cisterna que se encontra na pista (Kahotih, 2011).

O desenho da sua fuselagem parece apontar para um baixo perfil e assinatura electromagnética e térmica perante os radares. No entanto as asas em forma de delta de geometria variável e a existência de pequenas asas fixas na junção ao cockpit (canards) – típicas de modelos de 4ª geração como o Typhoon, o Gripen ou o Rafale tornam-no muito similar ao Su-42 que privilegia o desempenho e a manobrabilidade em detrimento da furtividade pelo que este design não parece ser o mais indicado para este propósito, a que se adiciona a retaguarda do avião, na área dos motores, que aparenta ser também pouco furtiva quanto ao desenho.

Não obstante a presença das canards, o design desta área do avião parece indicar alguma preocupação com a aquisição de alguma vantagem táctica em caso de combates aéreos para além do horizonte visual ou em missões de ataque ao solo, minimizando a sua detecção por parte das defesas anti-aéreas (s.a., 2011b). Adicionalmente, o facto de ter dois intakes laterais supersónicos e orientáveis em vez do mais tradicional e mecanicamente mais complexo intake de geometria variável denota uma clara similaridade com o F-35 norte-americano; se juntarmos a forma do nariz do avião (cockpit incluído) e a dissimulação interna na fuselagem dos sistemas de armas (típicas do design do F-22) torna-se absolutamente notória uma clara intenção em reduzir a assinatura da aeronave perante os radares.

Quanto aos sistemas de armas, sistemas aviónicos e radares bem como aos motores, uma leitura de sites e revistas especializadas revelam possibilidades e versões demasiado gerais, as quais no entanto merecem uma breve referência.

Para a maioria dos especialistas o festival aéreo de Zuhai e o CIDEX 2010 são um bom aferidor respectivamente do potencial de desenvolvimento da indústria aeronáutica e electrónica chinesa na área dos mísseis de precisão sejam eles ar-ar ou ar-terra, referindo que existem vários modelos que foram expostos em Zuhai que podem apresentar um elevado grau de compatibilidade com a missão e as capacidades do J- 20, sendo o mesmo aplicável aos sistemas aviónicos, os quais têm tido no caça J-10B uma boa plataforma de teste e de aperfeiçoamento.13

No que respeita às questões de aerodinâmica é quase consensual a rápida e consistente evolução da China nesta área, pelo que não se apontam obstáculos inultrapassáveis para o J-20.

13Em 2006 um modelo de cockpit do J-20 foi exposto em Zuhai (Fischer, 2011: 54). 108

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No entanto existem duas áreas onde tais obstáculos e dificuldades são notórios: a dos materiais compósitos “furtivos” e a dos motores.14 Quanto aos materiais compósitos pode-se afirmar que a China tem capacidade autónoma de fabrico de polímeros de carbono, titânio e outros compostos passíveis de aplicação com modificações nos caças de 5ª geração, graças em parte às parcerias comerciais com a Airbus e a Boeing.15

Este processo iniciou-se na década de noventa através do estabelecimento de linhas de montagem de aviões comerciais da McDonell Douglas em Xangai e através da posterior transferência de tecnologia em troca da aquisição de largas dezenas de aviões tanto à Boeing como à Airbus para reforçar as frotas das companhias aéreas chinesas (Gill e Kim, 1995: 88-89).

Actualmente existem algumas joint-ventures entre a AVIC, a General Electric e a Good rich com vista ao fabrico de peças para o novo avião comercial C-919. O Harbin Industrial Aviation Group (HIAG) é um fornecedor de materiais compósitos para o A350 da Airbus.16 A AVIC tem uma parceria com a Hexcel e a Boeing no que concerne à produção dos mesmos materiais, reforçada pela aquisição em Dezembro de 2009 da empresa austríaca de materiais compósitos Fischer Advanced Composite Components. A Shanghai Aircraft Industrial Corporation (SAIC) é responsável pelo fabrico de toda a fuselagem de alumínio e de lítio para os aviões da série C da Bombardier, bem como pelo fornecimento de peças para a CESSNA e para a Boeing. A Baoji e a Hong Yuan são dois dos maiores produtores mundiais de titânio, fornecendo 95% das necessidades da indústria de aviação chinesa (Andersen, 2008).

Adicionalmente e dada a expansão do mercado da aviação comercial chinesa, foi criada em Maio de 2008 a China Commercial Aircraft Company (COMAC) sediada em Xangai com o objectivo de competir com a Boeing e a Airbus no mercado internacional a partir de 2020, e resulta de uma parceria entre a Comissão do Conselho de Estado para a Administração e Supervisão de Activos, o município de Xangai – via Grupo empresarial Guosheng –, o Grupo Baosteel, a Aluminum Corporation, a Sinochem e a AVIC (Liu, 2008: 16-18). Esta última injectará até 2015, 1.52 mil milhões de dólares e será responsável pelo fabrico dos motores dos vários modelos - através da Shanghai Aircraft Manufacturing Factory e da filial de Xangai do First Aircraft Institute - o primeiro dos quais será para o avião destinado a trajectos regionais não superiores a 1800 km (ARJ-

21)e posteriormente para o avião comercial para voos de longo curso (C-919), para além do fabrico de helicópteros civis de transporte (Perrett, 2010). Os projectos dos dois aviões irão trazer um valor acrescentado à indústria de aviação chinesa pois serão os primeiros projectos a forçar a indústria a gerir uma sofisticada rede internacional de mais de quinze fornecedores de peças e componentes. A importância conferida a esta empresa deduz-se imediatamente pelo facto de o seu presidente e vice-presidente,

14Para Richard Aboulafia, analista do US Teal Group, existem pelo menos onze sistemas de apoio essenciais para operar um avião de combate, dos quais referimos apenas sete: bom planeamento de missões, elevado nível de treino e de profissionalismo dos pilotos, elevado nível de preparação técnica do pessoal de manutenção em terra, sistemas de armas sofisticadas, avançados sistemas electrónicos e de radar reforçado por um bom sistema de comando e controlo e um sistema fiável de reabastecimento em voo. Este autor afirma que a China só é proficiente num: o do fabrico da estrutura do avião não contando com os motores. Este autor está redondamente enganado (Aboulafia, 2011).

15O plano de criação da COMAC foi aprovado em Fevereiro de 2007 pelo Congresso Nacional do Povo que delegou num comité preparatório liderado pela COCTIDN a entrada em funcionamento da empresa até final de 2008 (Cliff et al, 2011).

16Até 2016 a China irá adquirir 300 aviões A320 da Airbus que serão totalmente montados no país tendo o consórcio europeu estabelecido uma nova joint-venture para a produção de materiais compósitos para o A350XWB em Harbin (Lu, 2007).

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respectivamente Zhang Qingmei e Jia Zhuanglong, terem sido o ex-director e vice- director da COCTIDN, e de He Dongfeng (outro dos directores) ter sido gestor da Fábrica 211 da China Academy of Lauch Technology e da indústria espacial sediada em Sichuan.

Estas nomeações ilustram o facto de o programa de investigação e construção de um avião comercial de longo curso ter sido definido como uma das dezasseis prioridades inscritas no Programa Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Médio/Longo Prazo (2006-2020), não sendo de estranhar a situação de a COMAC estar sob a dependência directa do Conselho de Estado.

Estes recentes desenvolvimentos e acordos firmados pelo governo chinês no âmbito da aviação comercial materializarão certamente um novo upgrade no spin off tecnológico que a indústria de aviação chinesa poderá obter, pois alguma desta tecnologia tem aplicação militar, particularmente no J-20.17

Por fim, na área do desenvolvimento dos motores de propulsão verifica-se uma quase unanimidade da maioria dos especialistas relativamente aos problemas relacionados com a tecnologia de fabrico dos motores de elevado desempenho, a qual apesar das melhorias assinaláveis ainda continua a ser o “calcanhar de Aquiles” da indústria de aviação chinesa.

Da análise do vídeo18 e das várias fotos do voo experimental do J-20, é notório o facto de este ter levantado voo numa distância mais curta que os J-10 que utilizam a mesma pista, e sem necessidade de recorrer aos afterburners, denunciando um upgrade dos motores FWS-10, eventualmente a versão FWS-10G que gera uma potência similar à dos motores AL-31 de fabrico russo e que também poderão ter sido montados no segundo protótipo do J-20.19

Écompreensível que o EPL não quisesse arriscar o teste de voo de um dos seus mais emblemáticos projectos – para mais divulgando-o publicamente - sem um motor-base que lhe inspirasse confiança, ainda que com perda de furtividade (neste caso muito provavelmente o FWS-10), pois só se podem descobrir problemas de fiabilidade nos motores após estes serem instalados nos aviões e testados em situações de voo durante inúmeras horas. Assim poderá ser interessante acompanhar os sucessivos emolumentos dos vários protótipos do J-20 que serão produzidos, particularmente quanto aos motores que os equiparão: o WS-10G, o WS-15 ou o 117S (de fabrico russo e que a CAIC adquiriu em pequeno número em 2007).

Neste contexto é curioso notar que o segundo voo do J-20, efectuado em 17 de Abril de 2011 (que coincidiu com o 60º aniversário da criação da indústria de aviação chinesa), foi efectuado no mesmo aeroporto militar de Chengdu, durou 85 minutos e faz parte de uma série de testes iniciais destinados a calibrar o avião em termos de estabilidade, manobrabilidade e desempenho. As fotos disponíveis indicam que os motores deste

17Aquando da visita a França em Novembro de 2010 e aos Estados Unidos em Janeiro de 2011, Hu Jintao assinou acordos para o sector da aviação comercial chinesa no total de 30.4 e 45 mil milhões de dólares respectivamente (Wang, 2011).

18Disponível em http://www.educatedearth.net/video.php?id=4518 [18 de Janeiro de 2011].

19Convém aqui referir que os caças J-10 e J-11 ainda dependem dos motores AL-31F de fabrico russo. Os novos J-11B que entraram recentemente ao serviço em dois Regimentos (um da Marinha e outro da Força Aérea) estão equipados com os novos motores FWS-10A, fabricados pela Shenyang Liming (ou fábrica 606), a qual é conhecida entre os seus pares chineses pelos enormes problemas técnicos que tem enfrentado no fabrico de motores, tanto por razões de controlo de qualidade como de gestão deficiente dos projectos, os quais têm sofrido atrasos sistemáticos.

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modelo são idênticos ao do utilizado no primeiro voo em Janeiro, o que pode indiciar que ou é o mesmo protótipo que voou em Janeiro ou que os dois protótipos têm os mesmos motores, como indiciado anteriormente.

No entanto parece-nos que a China não pretende depender de outros países no que concerne ao fornecimento de componentes para a 5ª geração de caças. Tendo em atenção as recentes acusações russas quanto à reversão de tecnologia no que respeita ao J-11 e J-15 que levaram à redução na compra de Su-30MK, crê-se que o Kremlin não venha a autorizar a venda de mais motores sofisticados como o 117S/Al-41 - que equipa o Su T-50 (s.a., 2011c).

Existe assim um caminho difícil - mas não necessariamente moroso - até os fabricantes chineses atingirem a qualidade de produção da General Electric, da Pratt & Whitney ou da Rolls Royce, podendo ser interessante verificar a que empresa será atribuída o fabrico dos motores do J-20. Neste ponto colocam-se duas possibilidades mais prováveis: o Shenyang Aeroengine Research Institute (não confundir com a Shenyang Liming) ou a Xi’an Aeroengine PLC (também conhecida por fábrica 410).

Se a escolha recair sobre a primeira opção então poderemos estar perante uma decisão com base em critérios de natureza técnica associados à capacidade tecnológica instalada para aperfeiçoar o actual motor, pois o Instituto poderá beneficiar do know- how adquirido para o transferir para outros projectos de motores que tem em desenvolvimento, como o QC-280, WS-10G e WS-10-118.

A escolha da segunda opção poderá ter por base critérios de fiabilidade da fábrica 410 que tem vindo a produzir em massa os fiáveis motores WS-9 para o caça JH-7 e é responsável pelo fornecimento de metade dos componentes do motor WS-10, dos bypass para os motores do avião de transporte pesado Y-20 e pelo fabrico do motor WS-15 (o mais forte candidato a equipar o J-20) o qual deverá em breve estar pronto a ser fabricado em série. O recente anúncio de que a fábrica 410 assinou uma joint- venture com a Nexcelle (da General Electric) para produzir o avião comercial de passageiros COMAC C-919, poderá ser mais um trunfo no sentido da empresa melhorar os seus mecanismos de gestão de projectos e de controlo de qualidade (s.a., 2011d).

No entanto, poder-se-á assim questionar porque é o governo não encerra a Liming e transfere toda a produção para a Xi’an Aeroengine PLC ou outro fabricante, em benefício do aprofundamento do processo de consolidação do sector da aviação, visto que 2007 a fábrica Guizhou Honglin da CAIC adquiriu os planos do motor WS-10 procedendo à construção de uma versão mais “vitaminada”.

Uma explicação possível poderá ter a ver com a intenção de fomentar a competição no mercado interno onde também coexistem outros fabricantes ao nível da Liming, como a Guizhou Liyang ou o Chengfa Group (fábrica 420). Outra terá a ver com o impacto sócio-económico negativo que daí poderia advir para a cidade de Shenyang (pivot do rust belt chinês) e que foi bastante flagelada pelo desemprego durante a década de noventa devido à reestruturação do sector siderúrgico nacional. Só uma análise mais profunda das capacidades técnicas reais das potencialidades de uma e outra – algo que ultrapassa o âmbito deste artigo – é que permitirá entrever possíveis razões justificativas para a continuidade, por enquanto, desta opção por parte do Conselho de Estado.

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No âmbito do conglomerado que é a AVIC, o projecto do J-20 parece ter catapultado a Chengdu Aircraft Industry Corporation e o seu Instituto 611 para uma posição de primazia face à Shenyang Aircraft Corporation e ao Instituto 601, a qual já se estava a delinear quando a CAIC venceu a SAC na competição pelo desenvolvimento e produção do caça J-10, bem como pelos contratos de exportação do J-7 e do JF-17 (com a SAC a ficar-se pelo desenvolvimento e produção de variantes do J-8 que sempre teve problemas técnicos nos subsistemas de radar e de mísseis só recentemente solucionados).20

Estes projectos - mais particularmente o do J-10 - foram como que um “Programa Apolo” para a indústria de aviação chinesa, lançando uma nova e inteira geração de engenheiros (actualmente com pouco mais de trinta anos)21 na complexidade dos processos de investigação, desenvolvimento e produção de aviões militares, a qual será a espinha dorsal da I&D da China durante as próximas duas décadas.

Esta experiência acumulada será valiosa e muito mais potenciada à medida que estes engenheiros atingem uma maior maturidade e know-how na resolução de problemas associados a estes tipos de projectos. Nesta óptica, e para a CAIC, the best is yet to come.

No entanto é justo ressalvar que a SAC22 fez um esforço muito meritório na produção do Su-27 a partir dos planos fornecidos pela Rússia, tendo num curto espaço de tempo conseguido iniciar a produção dos J-11B e J-11Bs, o que gerou alguma surpresa nos parceiros russos e acusações de reversão de tecnologia.23 Na verdade, o J-11B tem tido enormes problemas ao nível dos motores WS-10A fabricados pela Shenyang Liming, havendo indícios técnicos que apontam que só em 2011 é que se iniciou a produção em maior número do J-11B.

Não obstante esta poderá ser uma mais-valia futura, visto que a SAC tem estado a desenvolver e a testar o protótipo do J-1524 e a sua experiência no fabrico de ligas de titânio e alumínio de alta qualidade empregues no J-11 foram, são e serão essenciais para o projecto do J-20.

Ainda assim, a publicitação do voo do J-20 lançou algumas desconfianças quanto à capacidade autóctone chinesa em desenvolver este protótipo num relativamente curto espaço de tempo e sem recurso a assistência técnica externa, tendo em consideração as referências de modelos anteriores (figura 1). 25

20Estima-se que o J-10 tenha um custo unitário de 27.8 milhões de dólares contra os 18.8 milhões do F-16 C/D. Já o J-20 deverá ter um custo entre os 100 e 120 milhões contra os 143 milhões do F-22 e os 11.1 do F-35A e menos de 100 milhões do Su T-50 (Dsouza, 2011b).

21Conversa do autor em Pequim com um Oficial Superior da Força Aérea do EPL em Outubro de 2007.

22Fundada em 1951 foi pioneira no fabrico de aviões de combate chineses apoiando a criação de outras empresas como a CAIC. A sua grande pecha é a pouca capacidade de inovação demonstrada muitas das vezes pelo quase copy-paste ou reversão de tecnologia.

23Reversão de tecnologia que já havia sido anteriormente efectuada com o MiG-21 que aplicou no J-7. Na verdade julgamos que o que deve ser realçado é a curta curva de aprendizagem que os engenheiros da SAC demonstraram na assimilação do design e no fabrico de elementos estruturais do avião de alumínio como de titânio (You, 1999: 159).

24Também conhecido por J-18 tem como modelo de base o Su-33 e muito provavelmente entrará ao serviço em 2015, sendo locados ao porta-aviões Varyag que está em fase final de remodelação em Dalian. No final de Abril foi noticiado que este modelo teria efectuado voos de teste a partir de uma base aérea na Mongólia Interior (s.a., 2011e).

25Por exemplo, o primeiro protótipo do F-22 surgiu em 1991 (após quinze anos de estudos) com o primeiro avião a entrar ao serviço em 2003. As estimativas relativas ao F-35 apontam para uma década entre o

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Figura 1 – O Ciclo de Investigação, Desenvolvimento e Produção de Aviões para a FAEPL

J- 20

P

 

 

 

PI?

 

 

 

 

 

 

 

J-15

P

 

 

 

PI?

 

 

 

 

 

 

 

J-11

P

 

 

PI

PS

 

 

 

 

 

 

 

J-10

P

 

 

PI

PS

 

 

 

 

 

 

 

J-8

 

P

 

 

PI PS

 

 

 

 

 

 

 

J-7

 

 

P

PI

 

PS

 

 

 

 

 

 

J-6

P

PI

 

PS

 

 

 

 

 

 

 

 

J-5

P

S

 

 

 

 

H-6

 

P

 

 

PI PS

 

 

 

P – Protótipo

PI – Produção Inicial

PS – Produção em Série

De facto começaram a surgir vários comentários, a maioria das quais indiciando a forte possibilidade de Pequim ter adquirido planos e tecnologia através de processos de espionagem industrial e militar, mas minimizando o facto de os Estados Unidos disponibilizarem muita e relevante informação tecnológica sensível através de fontes abertas, o que permite à China direccionar as suas actividades de espionagem para alvos muito específicos (Gorma et al, 2011).

Uma dessas suspeitas recai sobre os materiais compósitos utilizados na fuselagem, cuja investigação e desenvolvimento pode ter sido facilitada através da obtenção de partes do F-117 - nomeadamente da fuselagem com inerente análise da cobertura e técnica de pintura empregues, da tecnologia de dissimulação térmica e de radiação dos motores e análise dos sistemas de navegação (Fischer, 2010: 35) - abatido pelos sérvios em 1999 aquando da campanha da NATO de bombardeamento aéreo do Kosovo, durante a qual a embaixada da China em Belgrado foi inadvertidamente bombardeada. Dadas as relações de proximidade e cooperação entre a Sérvia, a China e a Rússia é muito provável que muitas partes do F-117 tenham seguido para Pequim e Moscovo (Gertz, 2011).

Também não é de menosprezar os benefícios resultantes da cooperação com Israel relativa ao caça Lavi e ao J-10 (denominação israelita e chinesa, respectivamente) ambos muito baseados na tecnologia do F-16, a qual ainda que não tenha influenciado

odesenvolvimento do J-20 pode ter gerado sinergias em termos de know-how autóctone.

primeiro protótipo e a entrada ao serviço, o que é compreensível dado o facto de ser um caça furtivo de descolagem vertical.

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Por último, os cada vez mais divulgados casos de ciber-espionagem chinesa, nomeadamente a alegada obtenção por parte de hackers chineses de mais de três terabytes de informação não classificada do Departamento de Defesa norte-americano onde constava informação sobre tecnologia furtiva, tendo também há dez anos atrás penetrado na rede interna de um centro militar norte-americano localizado na Califórnia e dedicado à investigação e desenvolvimento de tecnologia furtiva - ironicamente chamado de China Lake – deve também ter fornecido muita informação vital para o projecto do J-20.26

Considerações finais

A nova metodologia adoptada por Pequim no âmbito da reestruturação e modernização da sua indústria de defesa e da aviação em particular baseia-se na escolha criteriosa de projectos que considera como prioritários, conferindo-lhes neste caso uma base de financiamento quase ilimitado através do Fundo de Investigação de Armas e Equipamento, do Fundo de Tecnologias Transversais de Defesa (ambos do DGA), do Fundo de Inovação da China Aerospace Corporation e dos Programas 863 e 973 (Stokes, 2009: 11).

No entanto, e à medida que o país se torna mais próspero e com uma capacidade industrial e tecnológica mais sofisticada, é muito provável que esta estratégia venha a ser alterada tornando-se mais ampla quanto aos seus objectivos. Os sectores militares da indústria electrónica, da aviação, da construção naval e espacial lideram actualmente os processos de inovação beneficiando de uma estreita colaboração com os congéneres no sector civil, fruto de um processo de integração top-down iniciado em finais da década de noventa e aprofundado desde 2003.

Pelos dados disponíveis e progressos organizacionais e tecnológicos efectuados na última década, através dos múltiplos indicadores de aferição da evolução tecnológica - como os orçamentos relativos à I&D, investimento privado, número de patentes, publicações científicas, produtos comercializados, qualidade dos recursos humanos, liderança, flexibilidade organizacional e gestão empresarial - permitem neste momento inferir a continuação de um rápido progresso nestes sectores da indústria de defesa durante a próxima década.27

No sector mais inclusivo da indústria de aviação estes desenvolvimentos permitiram à China dar um salto qualitativo no âmbito da I&D e da produção de aviões de combate e de transporte, como o demonstram o J-10, o J-11 e mais recentemente os protótipos do J-15 e do J-20.

Neste último caso, e por mais impressionante que tenha sido esta evolução autóctone, deve-se realçar a elevada probabilidade de a China ter tido acesso a partes do F-117

26Veja-se os relatórios anuais do U.S. Defense Security Service intitulados Technology Collection Trends in the U.S. Defense Industry e estão disponíveis em http://www.dss.smil.mil. Os relatórios desta agência do Pentágono responsável por investigar actividades de espionagem em território norte-americano, ainda que não refiram os países que levam a cabo tais actividades, agrupam-nos em regiões, com a China a ficar na do Nordeste da Ásia, região onde é maior o número de acções de espionagem detectadas, deixando implícito a preponderância da China.

27As verbas destinadas à I&D têm vindo a aumentar a uma média de 25.5% ao ano desde 2006. Em 2009 investiu 89.9 mil milhos de dólares contra os 46 mil milhões de 2006. Numa reunião que juntou os mais de 300 institutos de investigação do EPL e que ocorreu em Abril de 2011, foram aprovadas as áreas prioritárias de I&D para o 12º Plano Quinquenal (2011-2015) onde se insere sem dúvida o J-20 (Luo, 2011).

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abatido em 1999 e a planos parcelares de fabrico de caças de 5ª geração dos Estados Unidos através de ciber-intrusão, o que terá facilitado e encurtado o processo de I&D da AVIC.

Igualmente, os acordos de co-produção dos Su-27 foram um marco importante, pois permitiram à SAC e indirectamente à CAIC, melhorarem os seus sistemas internos de gestão de projectos e de qualidade, ao mesmo que lançaram uma geração de jovens engenheiros aeronáuticos em crash projects de quase on job training, cuja experiência acumulada reflectiu-se no J-10 e será demonstrada nas próximas duas décadas em projectos mais sofisticados como o J-15 e o J-20.

Se adicionarmos a prioridade atribuída em termos de financiamento a este tipo de projectos de grande visibilidade, é muito provável que o J-20 entre ao serviço da FAEPL antes de 2018 - ano apontado pela maioria dos especialistas – o que consubstanciará um impacto mais psicológico que verdadeiramente estratégico no plano regional.28

Não obstante, tal poderá obrigar - num primeiro plano – a que países como a Rússia e os Estados Unidos - e num segundo plano - a Índia29, o Japão e a Coreia do Sul a reequacionem, respectivamente, quer os planos de construção quer os de aquisição de aviões de combate de 5ª geração como o Su T-50 (ou PAK-FA) e o F-22, numa nova mas agora “mais furtiva” faceta da actual corrida regional a sofisticados sistemas de armas, dinâmica da qual a Europa está completamente afastada (Bitzinger, 2011), não se prevendo que venha a envolver-se, independentemente da liturgia e da retórica política associada ao discurso da União Europeia como um actor global de segurança e defesa e mais especificamente em termos de hard security na região asiática.

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28Para uma excelente análise sobre este potencial impacto estratégico veja-se (Kopp, 2011).

29Em Setembro de 2010 a Índia assinou com a Rússia um memorando de entendimento com vista ao desenvolvimento e produção conjunta de 250 caças de 5ª geração PAK-FA, num valor inicial para cada uma das partes da ordem dos 6 mil milhões de dólares (Shukla, 2010).

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